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A Dama de Ferro

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A Dama de Ferro 
Para que se possa entender A Dama de Ferro (2011) em sua plenitude se faz necessária a compreensão de um conceito chave, o neoliberalismo, uma doutrina econômica que prega a menor intervenção possível do estado na economia, o que resultaria numa total liberdade de mercado e teoricamente numa melhor organização social, esta regida, conforme pressuposto, pelas mesmas normas que regulam a economia. O neoliberalismo é uma oposição ideológica e política ao welfare state (estado do bem-estar social), modelo no qual o Estado se torna o responsável pela proteção e promoção social e pela organização da economia. A doutrina neoliberal voltara a ganhar expressão global a partir dos anos 60, ela era um dos reflexos que a guerra fria provocara no mundo ocidental, que tentava combater a ameaça comunista a todo custo. No final dos anos 70, tal sistema econômico ganhou ainda mais força, este fora o jeito encontrado por algumas potencias mundiais para lidar com o exorbitante crescimento dos índices de desemprego, era a forma do Estado de dizer que não tinha nada a ver com aquilo... Entender os conceitos de neoliberalismo e também de welfare state é fundamental para a interpretação do filme dirigido por Phyllida Lloyd. Ao contrário do que alguns críticos apontaram, esta cinebiografia tem sim um forte viés político e este é permeia toda a obra.
Uma das figuras mais emblemáticas do neoliberalismo foi sem dúvidas Margaret Thatcher, primeira ministra do Reino Unido de 1979 a 1990. Sua postura rígida e inflexível lhe deu fama de linha dura, os soviéticos, após as duras críticas que receberam dela, a apelidaram de Iron Lady (dama de ferro). Esta personalidade polêmica e controversa é a protagonista de A Dama de Ferro. A astúcia do roteiro deste filme é tentar humanizar a mulher que já foi apontada como carrasca e até demoníaca. Ao invés de focar tão somente a trajetória política de Thatcher (vivida por Meryl Streep na maturidade e velhice e por Alexandra Roach na juventude), a trama retrata também a sua vida pessoal e familiar, com um zoon em seu atual estado físico e mental (ela está hoje com 86 anos). A figura senil, fragilizada pela idade, e com a mente avariada insurge como um contraponto à imagem da primeira ministra à qual estamos familiarizados.
A Dama de Ferro retrata através de seu roteiro não linear a trajetória de Thatcher desde a sua juventude, quando ela trabalhava ajudando o pai em uma mercearia, até os dias atuais, passando é claro pelo auge de sua carreira política, no período que ela ocupou o cargo máximo do poder executivo inglês. A relação de Margaret com sua família, principalmente com o marido, Denis Thatcher (vivido por Jim Broadbent na maturidade e velhice e porHarry Lloyd na juventude), ganha relativo destaque na trama. Ironicamente, ela que esteve distanciada da vida familiar por causa da política, se torna cada vez mais dependente da família na velhice por causa do agravamento de seu quadro de Alzheimer. Margaret não consegue superar a morte do companheiro que sempre esteve ao seu lado (mesmo quando ela o ignorava) e isto ajuda a piorar seu estado psicológico, levando-a a devaneios e alucinações.
Tem-se dito por ai que o filme ameniza o lado negativo da personalidade cine-biografada ao tentar humanizá-la, mas definitivamente não é isso que acontece e o desfecho do filme deixa isso bem claro. É interessante ver que no interior da rígida “pele de ferro”, idealizada pelos assessores da primeira ministra, há um ser humano dotado de emoções e fragilidade, isto a torna real, há aqui a desconstrução do mito (aspecto que chegou a incomodar setores da política inglesa), contudo tal angulação não justifica em nenhum momento a conduta ética da Thatcher, nem algumas das decisões extremas que ela tomou enquanto estava no poder... Sempre digo que em todos os filmes há dois tipos de conotações no que diz respeito à sua abordagem temática, tem as conotações originais, que são atribuídas pelos diretores e roteiristas, e as adquiridas, que são percebidas por cada espectador de acordo com a forma com que este decodifica o filme. Não sei especificar se esta é uma conotação original ou adquirida, mas eu não pude deixar de interpretar toda a trama do filme como uma ironia à atual crise que assola toda a Europa.
Vale lembrar de forma resumida que o neoliberalismo foi indiretamente uma das causas da instabilidade econômica pela qual o continente europeu vem passando desde 2008. Apesar de estar afetando principalmente os membros do bloco do euro, a crise tem gerado reflexos significativos também nos outros países do velho continente e por tabela no resto do mundo. Entendamos então: Um Estado que interfira menos na economia e que exerça um menor controle social consequentemente arrecada menos impostos, e é justamente a baixa arrecadação que tem sido apontada por alguns economistas como uma das principais causas da crise. Quando a crise foi deflagrada em 2008, provando que as leis do mercado não são autossustentáveis, diversos países chutaram o neoliberalismo para escanteio e recorreram ao welfare state, eles criaram bilionários pacotes de ajuda financeira para evitar assim uma situação de desemprego em massa, era o Estado intervindo diretamente na economia, o problema é que diversos países não estavam preparados para isso, com a arrecadação fiscal baixa eles não tinham reservas suficientes para honrar com os compromissos assumidos, o resultado foi um grande endividamento, que levou à elevação do "risco-país" de de diversos membros do bloco do euro e que gerou o atual quadro de incertezas e pessimismo.
A minha conclusão é a de que a Margaret Thatcher retratada no filme é uma clara alegoria da falência do modelo neoliberal observada na atual situação de diversos países europeus como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha. Como não ver na fragilidade da ex-primeira ministra, em seu atual estado, uma representação da decadência do modelo econômico do qual ela se tornou um símbolo? Como não enxergar em sua incapacidade a inaptidão do mercado de se auto regular? Na trama Thatcher descobre que precisa da família para continuar sobrevivendo, enquanto no atual contexto mundial o mercado descobre que precisa do Estado para recolocá-lo nos trilhos... Numa das cenas mais memoráveis do filme, Margareth lamenta não se reconhecer mais ao ver a si mesma, quando ainda era ministra, em um programa de TV; pouco antes disso ela diz para o esposo que um dia ela será reconhecida por ter feito a coisa certa enquanto detinha o poder (maior ironia impossível)...
A Dama de Ferro não é um filme de todo ruim, mas também não é nem de longe um dos melhores de 2011, contudo vale a pena conferi-lo pela abordagem política bem atual.

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