Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Didática I MARCELLA DA SILVA ESTEVEZ PACHECO GUEDES 1ª Edição Brasília/DF - 2019 Autores Marcella da Silva Estevez Pacheco Guedes Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático e Pesquisa .................................................................................................................4 Introdução ..............................................................................................................................................................................6 Capítulo 1 Didática: Processos Históricos ...................................................................................................................................9 Capítulo 2 A Didática como Eixo Estruturante do Trabalho Docente ............................................................................ 20 Capítulo 3 As Tendências Pedagógicas e a Prática Educativa .......................................................................................... 30 Capítulo 4 Planejamento: ação pedagógica essencial ........................................................................................................ 44 Capítulo 5 A Avaliação no Trabalho Docente.......................................................................................................................... 66 Capítulo 6 A Didática em Meio a Tempos e Possibilidades de Ressignificação da Escola ..................................... 80 Referências .......................................................................................................................................................................... 97 4 Organização do Livro Didático e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos livros didáticos e Pesquisa. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. 5 ORgAnIzAçãO DO LIvRO DIDáTICO E PESquISA Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução Não há como pensar em implementar mudanças nas práticas pedagógicas sem investir em currículos formativos que se constituam terreno fértil para fomento dessas práticas. Neste Caderno de Estudos veremos conceitos e questionamentos que têm permeado os estudos sobre didática na contemporaneidade e que irão embasar nossa reflexão sobre a relação entre o processo de ensinar e a aprendizagem. Embora, na área pedagógica, a tendência para a abordagem de questões relativas à “didática”, na maioria das vezes, tenha ficado restrita ao aspecto técnico e instrumental de como o professor deve organizar e desenvolver o ensino de um conteúdo específico, pretendemos, aqui, tratar o “como ensinar” do ponto de vista da relação sociedade- educação. O nosso objetivo principal aqui é dar instrumentos que possibilitem um olhar crítico sobre a Didática, propondo mudanças que levem a uma escola atenta à diversidade em seus diferentes aspectos. Para isso, no capítulo 1 – Didática: processos históricos contextualiza o aluno com a abordagem histórica sobre a didática. Veremos que a disciplina é fundamental para a formação de professores. No c a p í t u l o 2 – A D i d á t i c a c o m o e i x o e s t r u t u r a n t e d o t r a b a l h o d o c e n t e ref let iremos sobre o fundamental da didática e a mult idimensional idade do processo de ensino-aprendizagem. Assim como devemos compreender que o método didático tem diferentes estr uturantes. No capítulo 3 – As tendências pedagógicas e a prática educativa iniciamos com uma análise sobre a escola como espaço de construção do conhecimento. Nosso desafio é pensar de que forma todas as mudanças relacionadas à subjetividade vêm atingindo a educação, a escola, a prática educacional e, consequentemente, o papel e a atividade do professor também vêm sendo colocados no centro desse debate. A análise das principais tendências pedagógicas, as de cunho liberal e progressista, nos ajudará a compreender e refletir sobre a situação do ensino, o lugar da escola e o papel docente na atualidade. Já nos capítulos 4 e 5 apresentamos dois temas clássicos de interesse da Didática: o planejamento educacional e a avaliação. No capítulo 4 – Planejamento: ação pedagógica essencial teremos como foco o papel e a importância do planejamento na atividade educacional. Discutiremos por que é importante e necessário planejar, a função do planejamento na atividade educacional e sua interface com outras dimensões pedagógicas. Veremos que o planejamento de aulas é parte fundamental da atividade docente e, 7 quando encarado como ferramenta de trabalho, e não como mera burocracia, poderá trazer inúmeros benefícios. O objetivo do capítulo 5 – A avaliação no trabalho docente é identificar como a avaliação em suas diferentes dimensões pode contribuir para práticas e políticas educacionais que tornam as escolas melhores. Em um primeiro momento, analisamos os fundamentos e a expansão da avaliação educacional e conceitos como mediação, controle, verificação, pedagogia do exame etc., servem de apoio às reflexões produzidas. Procuramos problematizar os desafios da avaliação na prática escolar, tendo em vista que a avaliação é uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e aprendizagem. Por f im, no capítulo 6 – A didática em meio a tempos e possibilidades de ressignificação da escola, nossa intenção é discutir algumas ideias a respeito do fenômeno educacional em nossa sociedade, hoje. Em um primeiro momento, vamos analisar as razões pelas quais a escola, como uma organização, tem sido considerada, nos últimos anos, objeto especial de atenção por pesquisadores de diferentes áreas de atuação. E embora encontremos estudos diversificados sobre a escola, procuramos evidenciar que esta instituição, porvezes, se depara com contextos de crise e contradições e, ao mesmo tempo, com crenças que depositam uma fé renovada na redenção dos males atuais e superação de obstáculos estruturais, por meio do sistema educacional. Retomamos aspectos relevantes na tentativa de refletir a respeito da função social da escola e procurando pistas no campo da Didática Intercultural que auxiliem na ressignificação dos processos de ensino e aprendizagem, como estratégias de superação da crise e da hegemonia da forma escolar. Compreender o “como ensinar” com base nas relações entre a prática social e o interior da escola supõe refletir que a escola, para cumprir sua função pedagógica explícita de transmitir um saber científico sobre o mundo, organiza, desenvolve e avalia o ensino por meio de relações implícitas que são estabelecidas entre os elementos envolvidos: o professor, o aluno, o saber, os recursos etc. Leia, destaque os pontos mais importantes, faça perguntas ao texto. Esse conteúdo deve ser apreendido por você de forma crítica. Ajude o seu próprio processo de aprendizagem. Interaja com o (a) professor (a), com seus colegas e com seus pares. Debata. Reflita. Questione. Faça isso ao longo de todo o livro. Bons estudos! 8 Objetivos » Compreender os processos históricos da Didática. » Refletir sobre a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem. » Caracterizar as principais tendências pedagógicas no Brasil. » Discutir o papel e a importância do planejamento na atividade educacional. » Problematizar os desafios da avaliação na prática escolar. » Analisar a Didática Intercultural como estratégia de superação da crise e da hegemonia da forma escolar. 9 Introdução do Capítulo O capítulo 1 – Didática: processos históricos contextualiza o aluno com a abordagem histórica sobre a didática. A disciplina é fundamental para a formação de professores. Convidamos, você, licenciando, a se aventurar nessa jornada didática, com reflexões constantes sobre a prática educativa e seus processos relacionados ao ensino, ao trabalho docente, à escola e à sociedade. É muito importante que você valorize a didática como um campo de estudos que auxilia o desenvolvimento e a realização do trabalho docente, ampliando o seu olhar sobre os processos educativos em busca de uma educação de qualidade. Para tanto, propomos a seguinte organização para o seu estudo no capítulo 1: a) os processos históricos da didática; b) estudo sobre os pensadores clássicos da Didática: Comênio, Rousseau, Pestalozzi e Herbart; c) dos jesuítas à década de 1970: a Pedagogia Tradicional, o Escolanovismo, o Tecnicismo e a Negação da Didática. Objetivos » Compreender os processos históricos da Didática. » Refletir sobre o papel dos autores clássicos da Didática na construção da disciplina. » Analisar os contextos históricos dos jesuítas à década de 1970. » Problematizar a Pedagogia Tradicional, o Escolanovismo e o Tecnicismo. Os processos históricos da Didática Para refletirmos sobre a didática, é necessário resgatar os processos históricos pertinentes a esse campo do conhecimento a fim de que possamos compreender as relações sócio-históricas presentes no desenvolvimento desse campo disciplinar tão importante para a formação dos professores e suas práticas pedagógicas. 1CAPÍTULODIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS 10 CAPÍTULO 1 • DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS Para Libâneo (2013), a história da didática está vinculada ao aparecimento do ensino como atividade planejada e intencional, relacionada à instrução. Na Antiguidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval foram desenvolvidas formas de ação pedagógica em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. No entanto, até meados do século XVII, não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematiza o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. Segundo Libâneo (2013, pp. 59-60): O termo “didática” aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens através da direção deliberada e planejada do ensino, ao contrário das formas de intervenção mais ou menos espontâneas de antes. Estabelecendo-se uma intenção propriamente pedagógica na atividade de ensino, a escola se torna uma instituição, o processo de ensino passa a ser sistematizado conforme níveis, tendo em vista a adequação às possibilidades das crianças, às idades e ritmo de assimilação dos estudos. Perceba que quando surgiu uma intervenção pedagógica, com certas intencionalidades no processo de ensino, surgiu a Didática para sistematizar o processo educativo. Quanta responsabilidade essa sistematização pode trazer! Que processos são esses? Como essa sistematização pode ser feita? Quais os caminhos que podem guiar as ações educativas? Como estamos enfatizando os processos históricos da construção da Didática, é preciso contextualizar esses processos a partir de quatro pensadores essenciais nessa história da Didática. São eles: João Amós Comênio (1592-1670), Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778), Henrique Pestalozzi (1746-1827) e Johann Friedrich Herbart (1766-1841). Vamos conhecer um pouco sobre suas ideias e filosofias? Elas representam um conjunto de pensamentos didáticos que estavam muito presentes em seus respectivos tempos históricos. O mais surpreendente será perceber que muitos desses pensamentos ainda estão presentes na educação brasileira contemporânea, apesar da diversidade de pensamentos educacionais. O autor Libâneo (2013) escreveu sobre os quatro autores em sua obra. Conheceremos esses autores através de Libâneo. Aproveite este passeio histórico e vamos nos aventurar nesta estrada do conhecimento. Sugestão de estudo Pesquise na internet textos e vídeos sobre os autores em destaque. Essa pesquisa será significativa para o estudo sobre os processos históricos da didática. 11 DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS • CAPÍTULO 1 João Amós Comênio (1592-1670) A primeira obra clássica sobre Didática é o livro Didaticta Magna, escrito por João Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante, educador, que foi o primeiro a formular a ideia da difusão dos conhecimentos a todos e a criar príncipios e regras gerais do ensino. A didática de Comênio possuía os seguintes princípios (LIBÂNEO, 2013, pp. 60-61): 1. A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, ao realizarem sua própria natureza, realizam os desígnios de Deus. Portanto, a educação é um direito natural de todos. 2. Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as características de idade e capacidade para o conhecimento. Consequentemente, a tarefa principal da didática é estudar essas características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. 3. A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente, como se o aluno registrasse, de forma mecânica na sua mente, a informação do professor, como o reflexo num espelho. No ensino, em vez disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. 4. O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. Primeiramente, as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer ao curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido.Libâneo (2013), destaca, ainda, que Comênio escreveu esses princípios no século XVII. Nesse período, ainda predominavam as práticas escolares da Idade Média: ensino intelectualista, verbalista e dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor. Não havia espaço para ideias próprias dos alunos, o ensino era separado da vida, mesmo porque ainda era grande o poder da religião na vida social. Na conjuntura social em destaque estavam ocorrendo mudanças nas formas de produção, com um grande desenvolvimento da ciência e da cultura. O poder da nobreza e do clero foi dimunuindo e o da burguesia foi aumentando. Sendo assim, a exigência era para um ensino relacionado ao mundo da produção e dos negócios e, também, um ensino que contemplasse o livre desenvolvimento da capacidade e dos interesses individuais. 12 CAPÍTULO 1 • DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS Perceba que as ideias de Comênio foram elaboradas a partir de uma contextualização sócio-histórica. Lembre-se sempre: qualquer produção cultural ou de conhecimento é fruto de embates sociais mais amplos, que estão em disputa na sociedade. O conhecimento nunca é neutro. Quem produz conhecimento está sempre se posicionando de acordo com o olhar que enxerga o mundo. Algumas críticas podem ser feitas a Comênio, mas o fato de ele ter se empenhado em desenvolver métodos de instrução mais rápidos e eficientes, além de ter desejado que todas as pessoas pudessem usufruir dos benefícios do conhecimento, tornam-o significativo para a história da Didática. Que críticas seriam essas? Libâneo (2013, p. 61) enfatizou-as: (...) Comênio não escapou de algmas crenças usuais na época sobre ensino. Embora partindo da observação e da experiência sensorial, mantinha-se o caráter transmissor do ensino; embora procurando adaptar o ensino às fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se o método único e o ensino simultâneo a todos. Além disso, sua ideia de que a única via de acesso dos conhecimentos é a experiência sensorial com as coisas não é suficiente, primeiro porque nossas percepções frequentemente nos enganam, segundo porque já há uma experiência social acumulada de conhecimentos sistematizados que não necessitam ser descobertos novamente. As críticas ressaltadas por Libâneo: caráter transmissor do ensino, método único e simultâneo a todos, crença absoluta na experiência sensorial são críticas que merecem a nossa atenção, pois elas persistem até hoje no campo da didática. Sempre que perceber críticas aos modos de ensinar e aprender, você está diante de dilemas didáticos e, por isso, é sempre oportuno refletir sobre eles. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) preocupou-se com o livre desenvolvimento das capacidades e interesses individuais e propôs uma concepção nova de ensino, baseada na necessidades e interesses imediatos da criança. As ideias mais importantes de Rousseau são: 1. A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem à suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades 13 DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS • CAPÍTULO 1 naturais. Em resumo: são os interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento. 2. A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem. Rousseau não elaborou uma teoria do ensino e nem colocou em prática suas ideias, mas suas ideias estão presentes até hoje no imaginário social, evidenciado pela defesa de algumas filosofias educacionais. Henrique Pestalozzi (1746-1827) Henrique Pestalozzi (1746-1827) foi um pedagogo suíço que defendeu o ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente e do caráter. Pestalozzi trabalhou até o fim da vida na educação de crianças pobres, em instituições dirigidas por ele próprio. Pestalozzi atribuía grande importância ao método intuitivo, levando os alunos a desenvolverem o senso de observação, análise dos objetos e fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem, por meio da qual se expressa em palavras o resultado das observações. Nisto consistia a educação intelectual. O pedagogo atribuía importância à psicologia da criança como fonte do desenvolvimento do ensino. As ideias de Pestalozzi repercurtem até hoje no imaginário educacional e possuem grande influência no conhecimento didático, especialmente no que se refere à psicologia infantil. As ideias de Comênio, Rousseau e Pestalozzi influenciaram outros pedagogos, como Herbart, cujas ideias veremos a seguir. Johann Friedrich Herbart (1712-1778) Johann Friedrich Herbart (1766-1841) foi um pedagogo alemão que teve muitos discípulos e exerceu muita influência na Didática e na prática docente. É o inspirador da pedagogia conservadora. Para Herbart, o fim da educação é a moralidade, atingida através da instrução educativa. Educar o homem significa instruí-lo para querer o bem, de modo que aprenda a comandar a si próprio. A principal tarefa da instrução é introduzir ideias corretas na mente dos alunos. O professor é o arquiteto da mente. Ele deve trazer à atenção dos alunos aquelas ideias qe deseja que os alunos dominem em suas mentes. Desta forma, ao controlar os interesses dos alunos, o professor vai construindo uma massa de ideias na mente, que, por sua vez, vão favorecer a 14 CAPÍTULO 1 • DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS assimilação de ideias novas. O método de ensino consiste em provocar a acumulação de ideias na mente da criança. O pedagogo alemão propôs a formulação de um método único de ensino, em conformidade com as leis psicológicas do conhecimento. Herbart estabeleceu quatro passos que deveriam ser rigorosamente seguidos: 1. o primeiro seria a preparação e a apresentação da matéria de forma clara e completa; 2. o segundo seria a associação entre as ideias antigas e as novas; 3. o terceiro, a sistematização dos conhecimentos, tendo em vista a generalização; 4. o quarto e último passo seria a aplicação, o uso dos conhecimentos adquiridos através de exercícios, que denominou método. Os discípulos de Herbart desenvolveram os passos formais, ordenando-os em cinco passos: preparação, apresentação, assimilação, generalização e aplicação. Veja que esta fórmula didática é utilizada até os dias de hoje pela maioria dos professores. Herbart contribui com o desenvolvimento da didática. Mas Libâneo (2013, pp. 63-64) ressalta: O sistema pedagógico de Herbart e seus seguidores – chamados de herbartianos – trouxe esclarecimentos válidos para a organização da prática docente, como por exemplo: a necessidade de estruturação e ordenação do processo de ensino, a exigência de compreensão dos assuntos estudados e não simplesmente memorização, o significado educativo da disciplina na formação do caráter. Entretanto, o ensino é entendido como repasse de ideias do professor para a cabeça do aluno; os alunos devem compreender o que o professor transmite, mas apenas com a finalidade de reproduzir a matéria transmitida. Com isso, a aprendizagem se torna mecânica, automática, associativa, não mobilizando a atividade mental, a reflexão e o pensamento independente e criativo dos alunos. Fique atento. Comênio, Rousseau, Pestalozzi e Herbart desenvolveram as bases do pensamento pedagógico europeu e demarcaram as concepções pedagógicas que hoje são conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada. Estudaremos um pouco mais sobre essas concepçõesno tópico seguinte. Dos Jesuítas à Década de 1970: a Pedagogia Tradicional, o Escolanovismo, o Tecnicismo e a Negação da Didática. A retrospectiva histórica da didática, representada nas ideias de Comênio, Rousseau,Pestalozzi e Herbart, já nos trazem indícios de como as ideias sobre ensinar e aprender estavam repletas de conceitos referentes a uma melhor forma de ensinar. Para que possamos compreender melhor os pensamentos didáticos construídos na realidade brasileira, precisamos enfatizar os processos históricos dessa construção e, 15 DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS • CAPÍTULO 1 para isso, analisaremos o período dos jesuítas até os dias de hoje. Essa análise histórica está embasada por Veiga (2017). O jesuítas atuaram no Brasil durante todo o período colonial, de 1549 a 1759. A ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento, contrárias a um pensamento mais crítico. Privilegiavam o exercício da memória e do desenvolvimento do raciocínio, dedicavam atenção ao preparo dos padres-mestres, dando ênfase à formação do caráter e sua formação psicológica para conhecimento de si mesmo e do aluno. Sendo assim, não se poderia pensar em uma prática pedagógica e uma didática que buscasse uma perspectiva transformadora na educação. (VEIGA, 2017) De acordo com Veiga (2017), nesse período da atuação dos jesuítas, a Didática centrou-se na Pedagogia Tradicional leiga, que estava centrada no intelecto, na essência, atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos; os métodos eram considerados princípios universais e lógicos; o professor torna-se o centro do processo de aprendizagem, concebendo o aluno como um ser passivo e receptivo. A disciplina era uma forma de garantir atenção, silêncio e ordem. A Didática era compreendida como um conjunto de regras, visando assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade dos professores, nesse caso, era vista como inteiramente autônoma face à política, dissociada das questões entre escola e sociedade, separando, portanto, a teoria e a prática. Na década de 1930, a sociedade brasileira sofre profundas transformações, motivadas, basicamente, pela modificação do modelo socioeconômico. A crise mundial da economia capitalista provoca no Brasil a crise cafeeira, instalando-se o modelo socioeconômico de substituição de importações. Em 1932 foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, preconizando a reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial. (VEIGA, 2017) Para refletir É importante ressaltar que no campo educacional estamos sempre falando sobre educação transformadora. Na Didática também. Por isso, fique sempre atento às concepções pedagógicas que se dizem transformadoras. Seja crítico: duvide, conteste, questione, reflita. Importante: são diversos os sentidos para essa educação transformadora. A reflexão que você deve fazer é: qual é a concepção de educação transformadora defendida por esse pensamento educacional? Sugestão de estudo Pesquise na internet sobre o Movimento dos Pioneiros da Escola Nova e perceba as concepções educacionais em evidência no referido período. Compreender esses processos é muito importante para o professor em formação. 16 CAPÍTULO 1 • DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS O período entre 1930 e 1945 é marcado pelo equilíbrio entre as influências da concepção humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros). Para Saviani (1985, p. 276 apud VEIGA, 2017), a concepção humanista moderna baseia-se em uma “visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade”. Há predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico. O escolanovismo propõe um novo tipo de homem, defende os princípios democráticos, ou seja, todos têm direito a assim se desenvolverem. No entanto, isso é feito em uma sociedade dividida em classes, em que são evidentes as diferenças entre o dominador e as classes subalternas. Dessa forma, as possibilidades de se concretizar este ideal de homem se voltam para aqueles pertencentes à classe dominante. ( VEIGA, 2017) Perceba as críticas de Saviani às concepções do escolanovismo. Essas críticas são pertinentes se quisermos pensar sobre a relação entre sociedade e educação. Assim, defendemos que a educação não pode estar desvinculada de concepções críticas sobre as realidades sociais. A despeito das concepções críticas sobre o Escolanovismo, é preciso reconhecer que as influências educacionais dessa corrente pedagógica influenciam até hoje a educação brasileira e, por isso, merece a nossa atenção. A característica mais marcante do escolanovismo é a valorização da criança, vista como ser dotado de poderes individuais, cuja liberdade, iniciativa, autonomia e interesse devem ser respeitados. O movimento escolanovista preconizava a solução de problemas educacionais em uma perspectiva interna da escola, sem considerar a realidade brasileira nos seus processos político, econômico e social. O problema educacional passa a ser uma questão escolar e técnica. A ênfase recai no ensinar bem, mesmo que a uma minoria. (VEIGA, 2017) Devido à predominância da influência da Pedagogia Nova na legislação educacional e nos cursos de formação para o magistério, o professor absorveu o seu ideário. Consequentemente, nesse momento, a Didática também sofre a sua influência, passando a acentuar o caráter prático-técnico do processo de ensino-aprendizagem, em que teoria e prática são justapostas. O ensino é concebido como um processo de pesquisa, partindo do pressuposto de que os assuntos de que tratam o ensino são problemas. De acordo com Candau (1982, p. 22 apud VEIGA, 2017), os métodos e técnicas mais difundidos pela Didática renovada são: “centros de interesse, estudo dirigido, unidades didáticas, métodos dos projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino etc..”A didática é entendida como um conjunto de ideias e métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos, psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados na experiência e constituídos em teoria, ignorando o contexto sociopolítico-econômico. Desta forma, um novo perfil de professor foi concebido: o professor técnico. 17 DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS • CAPÍTULO 1 No período de 1945/1960 houve um predomínio das novas ideias relacionadas ao tecnicismo educacional. Segundo Veiga (2017), esta fase corresponde à aceleração e diversificação do processo de substituição de importações e à penetração de capital estrangeiro. O modelo político é baseado nos princípios da democracia liberal com participação crescente das massas. É o Estado populista – desenvolvimentista, representando uma aliança entre empresariado e setores populares, contra a oliquarquia. No fim do período, começa a delinear uma polarização, deixando entrever dois caminhos para o desenvolvimento: o de tendência populista e o de tendência antipopulista. Entre 1948-1961, desenvolvem-se as lutas ideológicas em torno da oposição entre escola particular e defensores da escola pública. A disseminação das ideias novas ganha mais força com com a ação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep). As escolas católicas se inserem no movimento renovador, difundindo o método Montessori e Lubienska. É importante ressaltar que, nesta fase, o ensino de didática também se inspirava no liberalismo e no pragmatismo, acentuando a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhecimento. A didática se voltava para as variáveis do processo de ensino sem considerar o contexto político-social. Acentuava-se, dessa forma, o enfoque renovador-tecnicista da didática na esteira do movimento escolanovista. (VEIGA, 2017) O período pós-1964 marcou os descaminhos da didática, pois houveuma crise da Pedagogia Nova, com a ênfase na pedagogia tecnicista, baseada na neutralidade científica, na racionalidade, eficiência e produtividade. Buscou-se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma maneira que ocorreu no trabalho fabr i l . Instalou-se na escola a divisão do trabalho sob a justificativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e, com isso, acentuando as distâncias entre quem planeja e quem executa. O enfoque do papel da Didática a partir dos pressupostos de Pedagogia Tecnicista procura desenvolver uma alternativa não psicológica, s i tuando-se no âmbito da tecnologia educacional , tendo como preocupação básica a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Essa didática tem como pano de fundo um perspectiva ingênua de neutralidade científica. Na didática tecnicista, a desvinculação entre teoria e prática é mais acentuada. O professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias de ensino e de aval iação. Acentua-se o formalismo didático através dos planos Sugestão de estudo Faça uma pesquisa sobre o método Montessori e Lubienska para ficar por dentro das concepções educacionais defendidas. 18 CAPÍTULO 1 • DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS elaborados segundo normas prefixadas. A Didática é concebida como estratégia para o alcance dos produtos previstos para o processo de ensino-aprendizagem. ( VEIGA, 2017) A partir da década de 1970, ganham força as teorias crítico-reprodutivistas, que se empenhavam em fazer a crítica da educação dominante, evidenciando as funções reais da política educacional, acobertada pelo discurso político-pedagógico oficial. Tais estudos crítico-reprodutivistas, apesar de considerar a educação a partir dos seus aspectos sociais, concluem que sua função primordial é a de reproduzir as condições sociais vigentes. Elas se empenham em fazer a denúncia do caráter reprodutor da escola. Há uma predominância dos aspectos políticos, enquanto as questões didático-pedagógicas são minimizadas. Em consequência, a Didática passou a fazer o discurso reprodutivista, ou seja, a apontar o seu conteúdo ideológico, buscando sua desmistificação, de certa forma relevante, porém relegando a segundo plano sua especificidade. (VEIGA, 2017) Sendo assim, a Didática nos cursos de formação de professores passou a assumir o discurso sociológico, filosófico e histórico, secundarizando a sua dimensão técnica, comprometendo, de certa forma, a sua identidade, acentuando uma postura pessimista e de descrédito relativo à sua contribuição quanto à prática pedagógica do futuro professor. Mas muito importante: pode-se perceber que se, de um lado, a teoria crítico- reprodutivista contribuiu para acentuar uma postura de pessimismo, por outro, a atitude crítica passou a ser exigida pelos alunos e os professores procuraram rever sua própria prática pedagógica a fim de torná-la mais coerente com a realidade sociocultural. A Didática é questionada e os movimentos em torno de sua revisão apontam para a busca de novos rumos. (VEIGA, 2017) O percurso histórico da Didática feito até aqui indica o início das questões didáticas, indo até a perda de especificidade da Didática. E agora? Ainda vale a pena defender a didática na educação? Ela superou os desafios e está com uma reputação melhor na formação de professores? Quais os principais conceitos didáticos da educação do século XXI? No próximo capítulo estudaremos como a renovação didática da década de 1980 influenciou o pensamento didático contemporêno, enfatizando a didática multidimensional. É momento de renovação educacional. Está disposto a assumir esse desafio? Então estamos juntos! Para refletir A didática tecnicista é muito criticada na história da educação porque é uma concepção que limita o olhar para a realidade social, ao enfatizar processos e técnicas no processo de ensino-aprendizagem, sem considerar a dimensão político-social da educação. Se quiser ser um educador crítico, reflita sobre essas limitações tecnicistas sempre que estiver diante de propostas educacionais que privilegiam a técnica em detrimento do valor social da educação. 19 DIDáTICA: PROCESSOS HISTÓRICOS • CAPÍTULO 1 Sintetizando Vimos até agora que: » A história da Didática está vinculada ao aparecimento do ensino como atividade planejada e intencional, relacionada à instrução. » Comênio, Rousseau, Pestalozzi e Herbart desenvolveram as bases do pensamento pedagógico europeu e demarcaram as concepções pedagógicas que hoje são conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada. » No período da atuação dos jesuítas, a Didática centrou-se na Pedagogia Tradicional leiga, que estava centrada no intelecto. » O período pós-1964 marcou os descaminhos da Didática, com a ênfase na pedagogia tecnicista, baseada na racionalidade, eficiência e produtividade. » A partir da década de 1970 a Didática passou a fazer o discurso reprodutivista, ou seja, a apontar o seu conteúdo ideológico, buscando sua desmistificação, de certa forma, relevante, porém relegando a segundo plano sua especificidade. 20 Introdução do Capítulo Partindo das condições e necessidades predominantes no momento em que a relação capitalista de produção emergiu no interior da sociedade feudal, e situando Comênio como síntese dessa nova realidade, deparamos com uma nova proposta de “didática”. Esta, ao questionar os conhecimentos, os valores e as habilidades necessários à vida humana, questionou também a sociedade, em fase de superação, e propôs a transformação da escola e do ensino. Adequada a este enfoque de Comênio, ainda existe hoje no interior do conhecimento produzido sobre didática, uma tendência em compreendê-la como arte, técnica, ciência, disciplina ou, ainda, metodologia. Neste capítulo, a partir deste enfoque instrumental, veremos que a didática tem ficado restrita ao aspecto técnico do como organizar, desenvolver e avaliar o ensino. Na década de 1980 situa-se o movimento de revisão crítica do ensino e da pesquisa em Didática, com a necessidade de superação da perspectiva instrumental. Na prática, tal perspectiva destaca o aspecto operacional do processo educativo, significando a ênfase ora na transmissão do saber, ora na atividade do aluno, ora na inovação do recurso técnico, ora no planejamento etc. Propõe-se, então, uma Didática atenta à necessidade de favorecer a formação de educadores críticos e conscientes do papel da educação na sociedade: a Didática Fundamental. Nesse contexto, ao ressignificar os processos formativos devemos colocar também a prática pedagógica e docente escolar como objeto de análise da Didática. 2 CAPÍTULO A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE 21 A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE • CAPÍTULO 2 Objetivos » Problematizar a Didática Instrumental. » Refletir sobre o fundamental da Didática: a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem. » Compreender que o método didático tem diferentes estruturantes. » Analisar os saberes da docência como processo de construção de identidade dos futuros professores. uma Didática exclusivamente instrumental No período de 1945-1960 houve predomínio das novas ideias relacionadas ao tecnicismo educacional. A didática se voltava para as variáveis do processo de ensino sem considerar o contexto político-social. A concepção tecnicista está vinculada à ideologia do positivismo, que se opunha fortemente às doutrinas revolucionárias ligadas ao pensamento socialista. Essa concepção surgiu no Brasil em meados da década de 1950, tornando-se efetiva nos anos 1960 e predominando a partir de 1970. Os pensadores dessa concepção desenvolviam suas teorias por meio da comprovação científica e dos modelos tecnológicos que estavam sob o controle das elites. A política vigentedeveria estar atada ao pensamento tecnocrata e bem distante do idealismo e das paixões políticas, exigindo, assim, governantes partidários do racionalismo. Na linha educacional, o positivismo se instala com a adoção do modelo capitalista como proposta da prática escolar. A escola, nessa concepção, caracterizou-se pela articulação com o sistema produtivo a fim de dar sustento ao sistema capitalista. Enfatizando a formação para atender às necessidades do mercado de trabalho, da indústria e da sociedade tecnológica, estabeleceu como base educacional os dados mensuráveis e observáveis, colocando a subjetividade em segundo plano. Podemos considerar como marco da implantação do modelo tecnicista as Leis nos 5.540/1968, que tratam do ensino universitário, e a Lei no 5.692/1971, que trata do ensino de 1o e 2o graus. O educador deveria ser um especialista em ordenar, executar e cumprir as demandas pedagógicas, que sempre deveriam estar em consonância com o pensamento de produtividade da sociedade industrial. A prática educacional, no tocante às técnicas de ensino e à avaliação, era estruturada por exercícios e instrução programados, módulos instrucionais e, ao final, o aluno era 22 CAPÍTULO 2 • A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE submetido a testes objetivos, a fim de investigar se havia adquirido os comportamentos desejados e se o mercado poderia receber o produto final da produção educacional. Assim, havia um apego indiscriminado aos livros didáticos, elaborados com base na tecnologia da instrução. O que é valorizado nesta perspectiva não é o professor, mas, sim, a tecnologia. Podemos perceber o tecnicismo como a chegada da “eficiência” ao processo de ensino-aprendizagem ou como a lógica do mercado acionada. Com a imposição às escolas desta concepção pelos organismos oficiais do regime militar então vigente, conforme Libâneo (2013), houve o predomínio – e ainda hoje predomina – nos cursos de formação de professores o uso de manuais didáticos de cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. A Didática instrumental está interessada na racionalização do ensino, no uso de meios e técnicas mais eficazes. O sistema de instrução compõe-se das seguintes etapas: » Especificação de objetivos instrucionais operacionalizados. » Avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-requisitos para alcançar os objetivos. » Ensino ou organização das experiências de aprendizagem. » Avaliação dos alunos relativa ao que se propôs nos objetivos iniciais. O arranjo mais simplificado dessa sequência resultou na fórmula: Instrução = objetivos + conteúdos + estratégias + avaliação. O professor é um administrador e executor do planejamento, o meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios necessários para se atingir os objetivos. Saiba mais Ainda na década de 1970, ganham força as teorias crítico-reprodutivistas, que se empenhavam em fazer a crítica da educação dominante, evidenciando as funções reais da política educacional, acobertada pelo discurso político- pedagógico oficial. Com a emergência de novas abordagens que passam a vislumbrar a escola como uma instituição reprodutora de desigualdades, os estudos de Bowles e Gintis (1977), Collins (1977), Bourdieu (1977) e outros, ganham destaque por atribuir à escola a função de mantenedora de um sistema de desigualdade socialmente estruturado e que possui como principal objetivo o de ensinar “culturas de status” (COLLINS, 1977 apud COSTA; KOSLINSKI, 2006). 23 A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE • CAPÍTULO 2 Com o avanço da concepção tecnicista e das teorias crítico-reprodutivistas em nosso país, houve vigorosa reflexão crítica sobre a problemática educacional e pela busca de caminhos para a promoção de uma ação educativa realmente comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Neste contexto, na década de 1980, situa-se o movimento de revisão crítica do ensino e da pesquisa em Didática. A necessidade de superação da perspectiva instrumental foi assinalada por Candau (2011, p. 14): A Didática passa por um momento da revisão crítica. Tem-se a consciência da necessidade de superar uma visão meramente instrumental e pretensamente neutra do seu conteúdo. Trata-se de um momento de perplexidade, de denúncia e anúncio, de busca de caminhos que têm de ser construídos através do trabalho conjunto dos profissionais da área com os professores de primeiro e segundo graus. É pensando a prática pedagógica concreta, articulada com a perspectiva de transformação social, que emergirá uma nova configuração para a Didática. A Didática, então, também é influenciada por esse ideário, sendo pensada como um somatório de métodos que privilegiam o caráter instrumental – prático-técnico – do ato de ensinar e, nesse processo, teoria e prática são justapostas. Bowles e Gintis (1977 apud COSTA; KOSLINSKI, 2006) desenvolveram alguns trabalhos a respeito da incapacidade da escola de alterar a estratificação social americana. Os autores destacam a conexão íntima entre a desigualdade socioeconômica e a desigualdade educacional e concluem que mesmo quando há tendências a favor de uma educação mais igualitária, o impacto em termos de oportunidades econômicas e de renda é pequeno. Conforme Brooke; Soares (2008), o diferencial no estudo de Bowles e Gintis é a iniciativa de tentar fornecer uma causa para a incapacidade do sistema educacional em promover a igualdade social. Para os autores, o que a escola produz e reproduz é uma força de trabalho estratificada, que não incorpora os elementos da integração e do desenvolvimento pessoal, mas, sim, as diferenças necessárias para a manutenção das relações sociais desiguais da produção. Ao proporcionar essa relação entre a educação e o mundo do trabalho, os estudos de Bordieu e Passeron (1975), Baudelot e Establet (1971) e de outros pensadores reproducionistas, alinhavam-se com as pesquisas de Bowles e Gintis: justificando a tese de que a escola não fazia diferença sobre o desempenho escolar de seus alunos (BROOKE; SOARES, 2008). De acordo com Costa (1994, p. 94), a partir do final da década de 1960, as produções francesas em educação enfocam as desigualdades sociais como fatores estruturais inevitáveis, sendo a educação formal, neste contexto, incapaz de gerar subsídios para reverter tais condições. Ao tratar deste quadro, o autor afirma: Introduz-se, principalmente, o enfoque das desigualdades como algo estrutural e, portanto, não legitimável nem passível de combate por via de ajustes educacionais. Do otimismo reformador em torno da ação educacional, parte-se para seu contraponto radical que, se mantém a ideia de que a educação cumpre um papel de manutenção da sociedade, inverte a valoração associada a ele. Diversas pesquisas com este enfoque (envolvendo o pessimismo pedagógico) foram realizadas, favorecendo a circulação da ideia de que a escola deveria ser considerada um local de reprodução das condições sociais e de legitimação social das classes favorecidas. 24 CAPÍTULO 2 • A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE Pode-se conceituar a didática como um conjunto de ideias e métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos, psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados na experiência e constituídos em teorias, ignorando o contexto sócio-político-econômico. (PAIVA, 2003, p. 89). A construção de uma didática alternativa: a didática fundamental A Didática, numa perspectiva instrumental, é concebida como um conjunto de conhecimentos técnicos sobre o “como fazer” pedagógico, conhecimentos estes apresentados de forma universal e, consequentemente, desvinculados dos problemas relativos ao sentido e aos fins da educação, dos conteúdos específicos, assim comodo contexto sociocultural concreto em que foram gerados. Perpassa esta visão o pressuposto da neutralidade científica e técnica, como se, de alguma forma, explícita ou implicitamente, poderíamos propor uma Didática formalista: “um artifício universal para ensinar tudo a todos” (CANDAU, 2011, p. 14). Esse formalismo tem se expressado de maneiras diferentes através da história da Didática, mas são sempre posições formalistas do ponto de vista didático. Comênio, quando, na sua Didactica Magna, tenta definir a Didática, ela é apresentada como um artifício universal, em que nem o sujeito da aprendizagem, nem o objeto, nem os diferentes conteúdos são considerados como estruturantes do método didático: “Atrevemo-nos a propor uma Didática Magna, isto é, um artifício universal para ensinar tudo a todos” (op. cit.). A estruturação é meramente formal e dela deriva a perspectiva do método único. Esse formalismo também trouxe para a Didática benefícios na organização lógica do processo de instrução. A ênfase passa a ser colocada no aspecto lógico como estruturante do método didático. A Didática Escolanovista trouxe como contribuição a reação a esta postura, ao criticar o formalismo lógico da teoria do método único, afirmando que é muito importante para a Didática a subjetividade humana e a importância da atividade do aluno como estruturante do método didático. Superar certa visão reducionista do método didático, segundo Candau (2011), torna-se incipiente, pois a tentativa de construir um método didático a partir exclusivamente de um de seus estruturantes, seja o elemento lógico, seja o sujeito da aprendizagem, seja o conteúdo etc. Partindo dessa realidade, o grande desafio da Didática seria assumir que o método didático tem diferentes estruturantes e que o importante é articular esses 25 A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE • CAPÍTULO 2 diferentes estruturantes e não exclusivizar qualquer um deles, tentando considerá-lo como o único estruturante. O desafio para reconstrução da Didática estava lançado! De uma visão da Didática Instrumental, centrada na aplicação de métodos e técnicas para atingir o conhecimento científico, em busca da qualidade dos produtos, da eficiência e da eficácia, propõe-se uma Didática atenta à necessidade de favorecer a formação de educadores críticos e conscientes do papel da educação na sociedade: a Didática Fundamental. Parto da afirmação da multidimensionalidade deste processo: O que pretendo dizer? Que o processo de ensino-aprendizagem, para ser adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articule consistentemente as dimensões humana, técnica e político-social. (CANDAU, 1984, p. 21). Em contraposição à Didática Instrumental, defende-se a Didática Fundamental, como um campo de conhecimento que busca compreender o processo de ensino em suas múltiplas determinações e complexidades, para intervir nele e reorientá-lo de forma a culminar num processo de aprendizagem efetivo para a grande maioria da população. Nesta linha, a competência técnica e o compromisso político se exigem mutuamente e se interpenetram. Não é possível dissociar um do outro. A dimensão técnica da prática pedagógica, objeto próprio da Didática, tem de ser pensada à luz de um projeto ético e político-social que a oriente. D e s t a f o r m a , a b u s c a d e e f i c i ê n c i a n ã o é n e g a d a e , a o a s s u m i r a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem, temos a técnica, a ef iciência e a qualidade contextualizadas e a prática pedagógica repensada a par t ir de um compromisso com a transfor mação social (CANDAU, 2011) . Atenção Conforme André e Cruz (2012), a proposta da Didática Fundamental defendida por Candau (1983) representou um amplo movimento de revisão do campo, originando, em alguns casos, posturas de negação da Didática e, em outros, novas proposições. É importante dizer que, na defesa de uma Didática Fundamental, Candau não nega a dimensão técnica, porém a ressitua do ponto de vista político. No seu entender, a prática pedagógica, objeto da Didática, por ser política, exige a competência técnica. Nessa direção, defende a interligação das dimensões humana, técnica, política e social, que dão relevo à multidimensionalidade do processo de ensinar e aprender, objeto da Didática. Essa perspectiva conscientemente trabalhada faria emergir o que ela chamou de Didática Fundamental. 26 CAPÍTULO 2 • A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE Saberes docentes: a didática em ação Com o movimento de constituição do campo da Didática no Brasil, com o momento de crise nos anos 1980, com a fase subsequente de negação e de reconstrução do conhecimento didático e dos desdobramentos mais recentes, quando olhamos o campo investigativo, como vem se estruturando o conhecimento didático? Em uma metanálise de 118 pesquisas apresentadas no Grupo de Trabalho (GT ) de Didática da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), André (2012) verificou que, no período de 2003 a 2011, o maior número de estudos tinha como temas concepções, saberes, representações dos professores ou as práticas de formação dos docentes. Se há uma inter-relação entre esses campos de conhecimento – Didática e Formação de Professores –, há especificidades que os distinguem. Essa superposição preocupa, pois o objeto da Didática fica enfraquecido. O mesmo mapeamento (André, 2012) revelou que a segunda temática mais frequente nas pesquisas era a das práticas de sala de aula, o que à primeira vista parece muito positivo, já que o objeto próprio da Didática são as situações de ensino, especialmente organizadas para atingir a aprendizagem efetiva dos alunos. Entretanto, a temática das práticas vem sendo abordada nas pesquisas de modo difuso, cobrindo uma variedade de aspectos, que focam mais na dinâmica do cotidiano escolar como um todo do que nas especificidades das práticas de sala de aula. (ANDRÉ e CRUZ, 2012: 446). Embora as autoras destaquem que a temática das práticas de sala de aula esteja sendo contemplada nas pesquisas de modo difuso, Candau (2009) destaca que o campo da Didática passa por um momento de diversificação e está sendo desafiado por novas temáticas e problemáticas. Dessa forma, a proposta de uma Didática que ajude o professor a entender o processo de ensino e aprendizagem para delineá-lo a partir de um contexto situado deve ser assumida pelos cursos de formação inicial, ainda que o caráter prescritivo, próprio da Didática Instrumental, pareça superado. Quando a Didática volta seu olhar para os estudos sobre o trabalho docente, estes revelam algumas características do trabalho do professor, seus desafios e dilemas (NOGUEIRA, 2012; OLIVEIRA e VIEIRA, 2010; GATTI e BARRETTO, 2009). Esses trabalhos contribuem para dimensionar a análise do trabalho docente, ajudando na reflexão sobre o cenário da profissão, a formação docente e a profissionalização vivenciada por professores, a partir de múltiplos aspectos. Ao partirmos do pressuposto de que o magistério é baseado na interatividade, percebemos que o professor possui como objeto de trabalho outros sujeitos, indivíduos dotados de autonomia, vontade e liberdade: são os alunos. 27 A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE • CAPÍTULO 2 A atividade é um trabalho que deve ter uma ação em determinado contexto, em função de um objetivo, atuando sobre um material qualquer a fim de que este possa ser transformado com o auxílio de utensílios e técnicas. Fazendo um paralelo, atividade docente de ensinar significa agir na classe e na escola com o objetivo de promover a aprendizagem e a socialização dos alunos por meio da ajuda de programas, métodos, livros, exercícios, norma, dentre outros. Para esta finalidade, são considerados doisaspectos: os aspectos organizacionais (como o trabalho é organizado, controlado, segmentado e planejado) e os aspectos dinâmicos da atividade docente (interações no processo concreto do trabalho entre o professor, seus alunos, os objetivos, os recursos, seus saberes e os resultados do trabalho). (TARDIF e LESSARD, 2007). Para repensar o trabalho docente nos cursos de formação inicial, devemos utilizar a produção de pesquisas em didática a serviço da reflexão dos alunos e da constituição de suas identidades como professores, procurando desenvolver uma atitude investigativa. Nesse contexto, ao ressignificar os processos formativos, devemos considerar os saberes necessários à docência, colocando a prática pedagógica e docente escolar como objeto de análise. Segundo Pimenta (2012, p. 20), mobilizar os saberes da docência é, pois, o primeiro passo do campo da Didática que se propõe a mediar o processo de construção de identidade dos futuros professores. A autora divide os saberes da docência em três categorias: a experiência, o conhecimento e os saberes pedagógicos. » Os saberes da docência – a experiência: quando os alunos chegam ao curso de formação inicial já têm saberes sobre o que é ser professor. Os saberes de sua experiência de alunos que foram de diferentes professores em toda sua vida escolar lhes possibilita dizer quais foram os bons professores, quais eram bons em conteúdo, mas não em didática, isto é, não sabiam ensinar. Os saberes da experiência são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano docente, num processo permanente de reflexão sobre sua prática. » Os saberes da docência – o conhecimento: a escola, de forma que variam na sua história, desde há muito trabalha o conhecimento. No entanto, se entendemos que conhecer não se reduz a se informar, então nos parece que a escola (e os professores) tem um grande trabalho a realizar com as crianças e os jovens, que é proceder à mediação entre a sociedade da informação e os alunos, no sentido de possibilitar-lhes, pelo desenvolvimento da reflexão, adquirirem a sabedoria necessária à permanente construção do humano. » Os saberes da docência – saberes pedagógicos: a formação inicial só pode se dar a partir da aquisição da experiência dos formados e refletir-se nela. O futuro profissional não pode constituir seu saber-fazer senão a partir de seu próprio 28 CAPÍTULO 2 • A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE fazer. Os futuros professores poderão adquirir saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, mas não estarão aptos a falar em saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, que os confronta e os reelabora. De acordo com Houssaye (1995 apud PIMENTA, 2012, p. 28), “a especificidade da formação pedagógica, tanto a inicial como a contínua, não é refletir sobre o que se vai fazer, nem sobre o que se deve fazer, mas sobre o que se faz”. Tardif (2001 apud GUEDES; GUEDES, 2013, p. 5) constata que o saber do professor é plural (composto de saberes de variadas áreas do conhecimento) e estratégico (pelo impacto que tem junto às gerações jovens, à construção de novos conhecimentos e à definição de hegemonias no contexto social, entre outros fatores). Assim, Tardif (op. cit.) apresenta os saberes docentes, como os compreende: » Saberes da formação profissional – transmitidos pelas instituições de formação de professores, pertencentes às Ciências da Educação e à ideologia pedagógica. » Saberes disciplinares – pertencentes às variadas áreas do conhecimento. » Saberes curriculares – correspondentes aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos constantes dos programas escolares, e que o professor precisa saber aplicar. » Saberes experienciais – desenvolvidos pelos professores na sua própria prática, no exercício das suas funções. Segundo Tardif, vão sendo incorporados à experiência individual e coletiva através do habitus e das habilidades (do “saber-fazer” e do “saber-ser”). Percebemos que os quatro saberes apresentados acima são relevantes para o exercício do magistério, e em especial, os saberes experienciais surgem como o núcleo vital do saber docente, podendo constituir-se em propulsores para o alcance, pelos professores, do reconhecimento da sociedade e dos grupos geradores de saberes. A experiência docente está relacionada aos aspectos pessoais e profissionais presentes ao longo da carreira do professor, que os ajudam a lidar com mais espontaneidade com as situações do trabalho. Por outro lado, ao considerar a atividade docente como expressão do saber pedagógico e este, ao mesmo tempo, fundamento e produto da atividade docente que acontece no contexto escolar, numa instituição social e historicamente construída, estamos dizendo que o trabalho docente é uma prática social. 29 A DIDáTICA COMO EIXO ESTRuTuRAnTE DO TRABALHO DOCEnTE • CAPÍTULO 2 Sintetizando Vimos até agora que: » Na Didática Instrumental, o que é valorizado nesta perspectiva não é o professor, mas, sim, a tecnologia. » Com a emergência de novas abordagens crítico-reprodutivistas, elas passam a vislumbrar a escola como uma instituição reprodutora de desigualdades. » Na década de 1980, situa-se o movimento de revisão crítica do ensino e da pesquisa em Didática, com a necessidade de superação da perspectiva instrumental. » Propõe-se uma Didática atenta à necessidade de favorecer a formação de educadores críticos e conscientes do papel da educação na sociedade: a Didática Fundamental. » Recentemente, ao problematizar os saberes necessários à docência, a Didática tem voltado seu olhar para os estudos sobre formação e trabalho docente. 30 Introdução do Capítulo A escola, por ser reconhecida como um espaço de construção do conhecimento e do exercício da educação, vem sendo o centro de muitas discussões sobre a postura a ser adotada frente às mudanças que vivemos atualmente. Neste capítulo, iniciamos com uma reflexão sobre aspectos envolvendo a escola no interior da sociedade de consumo, que nos mostra como a maneira de consumir acabou por alterar as possibilidades e as formas de exercer cidadania. As identidades contemporâneas configuram-se no consumo, dependendo daquilo que se possui ou do que se pode vir a consumir. Nosso desaf io é pensar de que for ma todas essas mudanças re lacionadas à subjet iv idade vêm at ingindo a educação, a escola , a prát ica educacional e, consequentemente, o papel e atividade do professor também vêm sendo colocados no centro desse debate. Para a análise da atividade dos professores, é importante levar em consideração as sequências didáticas como forma de organização do trabalho docente. Ensinar se concretiza por meio de uma sequência de atividades, as quais se baseiam em normas e códigos, consagrados pela experiência do professor ou pela tradição escolar. A análise das principais tendências pedagógicas, as de cunho liberal e progressista, nos ajuda a compreender e refletir sobre a situação do ensino, o lugar da escola e o papel docente na atualidade. Objetivos » Refletir sobre a escola como espaço de construção do conhecimento. » Problematizar a atividade interativa como dimensão do trabalho docente. 3 CAPÍTULO AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA 31 AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA • CAPÍTULO 3 » Compreender as sequências didáticas como forma de organização do trabalho docente. » Caracterizar as tendências pedagógicas no Brasil. A escola na sociedade do consumo A globalização e os processos de mudanças constantes impostos à sociedade vêm produzindo certa homogeneização cultural, transformando tradições e características típicas de determinados povos em algo descartável. Homens e mulheres da sociedade ocidental e mesmo de alguns países da sociedade oriental têm se transformadoem seguidores de tendências, o que se reflete também no ambiente educacional. Outra característica marcante do processo de globalização é a falta de consciência crítica, que faz com que o ser humano deixe de se incomodar com a sua realidade e, assim, não mais se mobilize para transformá-la. As pessoas funcionam como reflexo de ideologias não questionadas, desvalorizando o pensar sobre o conhecimento e sobre o novo a ser implementado, que é característico da natureza humana criadora. Ao se tornar refém do consumo e da mídia, o ser humano se afasta da sua habilidade natural de produzir conhecimentos e deixa de se relacionar com ideias que promovem um contato maior com aquilo que se pode dizer mais verdadeiramente humano. Agindo assim, as pessoas perdem parte da autonomia para construção da sua própria história. A mídia invade nosso cotidiano. A criança e o adolescente de hoje não conheceram o mundo de outra maneira – nasceram imersos no mundo com telefone, fax, computadores, televisão etc. TVs ligadas a maior parte do tempo, assistidas por qualquer faixa etária, acabam por assumir papel significativo na construção de valores culturais. A cultura do consumo molda o campo social, construindo, desde muito cedo, a experiência da criança e do adolescente que vai se consolidando em atitudes centradas no consumo. Nos dias de hoje, há cada vez mais a preponderância dos processos de consumo, fazendo com que os sujeitos sejam levados a identificar-se com coisas e objetos que os levam a diferenciar-se dos demais, como, também, a discriminar e hierarquizar grupos sociais. Baudrillard (1995 apud CAMPOS e SOUZA, 2003) esclarece que não é o consumo que se organiza em torno das diferenças individuais, mas, sim, estas, assumindo a forma de personalização, é que se organizam em torno de modelos comunicados pelo sistema de consumo. Para esse autor, existe inicialmente a lógica da diferenciação social e, depois, a manifestação organizada das diferenças individuais. Com isso, o sistema promove a anulação das diferenças “reais” e transforma as pessoas em seres contraditórios através da produção industrial da diferença. 32 CAPÍTULO 3 • AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA Em suma, o que prepondera é a ilusão de que podemos realizar escolhas autênticas, pois, de fato, todas as escolhas já estão previstas pelo sistema. O processo de construção da identidade na cultura de consumo apresenta-se como cambiante, fluido, fragmentado e parcial. Objetos e mercadorias são usados para demarcar as relações sociais e determinam estilos de vida, posição social, além da maneira de as pessoas interagirem socialmente. Canclini (1997) mostra-nos como a maneira de consumir acabou por alterar as possibilidades e as formas de exercer cidadania. As identidades contemporâneas se configuram no consumo, dependendo daquilo que se possui ou do que se pode vir a consumir. Há um descontentamento com o que se tem, próprio do mundo globalizado, que “supõe uma interação funcional de atividades econômicas e culturais dispersas, bens e serviços gerados por um sistema com muitos centros, no qual é mais importante a velocidade com que se percorre o mundo do que as posições geográficas a partir das quais se está agindo” (p. 17). Esse descontentamento provém da fugacidade, da obsolescência. Tudo se torna obsoleto a todo instante. (CAMPOS e SOUZA, 2003, p. 15). A educação não deve ser somente o ato de “envernizar” saberes, mas a preparação de homens e mulheres para que dominem criticamente as (ou algumas) linguagens, adotando uma postura dialético-filosófica. Só assim é possível compreender o profundo significado da transformação de informação em conhecimento e deste em sabedoria. O nosso desafio é pensar de que forma todas essas mudanças relacionadas à subjetividade vêm atingindo a educação, a escola, a prática educacional e, consequentemente, o professor. Afinal, a escola, por meio do seu processo de ensino, tem um papel fundamental no mundo globalizado. Por isso é tão urgente a revisão do processo de ensino-aprendizagem e dos conteúdos que estão sendo trabalhados. Uma parte significativa das instituições de ensino vem sendo concebida como um evento, um espaço-tempo em que o imediatismo e a pró-atividade vêm se tornando palavras de ordem no processo de ensino-aprendizagem. Reduzem-se, assim, as Para refletir Não são raras as críticas de teóricos que apontam o fato de que, em algumas áreas no Brasil, o ato de ensinar vem sendo adotado e desenvolvido como um simples reproduzir e reforçar o preestabelecido, sem nenhum compromisso com a conscientização e o questionamento sobre o que é e a quem serve. Isso tem que mudar e essa mudança pode começar na nossa prática cotidiana. Você, futuro professor, se considera um questionador da sua realidade? 33 AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA • CAPÍTULO 3 atividades de investigação, nas quais o ensino deveria estar respaldado. O papel e a atividade do professor também vêm sendo colocados no centro desse debate. Dessa forma, vamos analisar a atividade dos professores de acordo um dos eixos de análise elaborados por Tardif e Lessard (2007): o caráter interativo do trabalho docente. A atividade interativa como dimensão do trabalho docente Na pesquisa desenvolvida por Guedes (2014), a autora destaca que o trabalho é visto como uma atividade para Tardif e Lessard (2007). Para os autores, existem dois pontos de vista que merecem ser considerados. O primeiro ponto de vista diz respeito a considerar as estruturas organizacionais nas quais a atividade é desenvolvida, estruturas que a condicionam de diversas maneiras. Isso implica enfatizar como o trabalho é organizado, controlado, segmentado, planejado etc. O segundo ponto de vista refere-se ao desenvolvimento da atividade, ou seja, sobre as interações contínuas no seio do processo concreto do trabalho, entre o trabalhador, seu produto, seus objetivos, seus recursos, seus saberes e os resultados do trabalho. Desta forma, podemos enfatizar, conforme o caso, os aspectos organizacionais e os aspectos dinâmicos da atividade docente. Os autores defendem a hipótese de que o trabalho docente é interativo pelas pressões inerentes à interação humana e pelas relações de poder e os tipos de conhecimento que são necessários. Esse trabalho afeta diretamente as orientações e as técnicas do trabalho, as relações com os usuários, as margens de manobra e as estratégias dos trabalhadores, os recursos e os saberes dos trabalhadores, bem como o ambiente organizacional no qual se desenvolvem as tarefas (GUEDES, 2014). Para o trabalho docente, é preciso deixar claro que ensinar é atuar ao mesmo tempo com grupos e com indivíduos, é perseguir fins imprecisos e, ao mesmo tempo, educar, instruir etc. As tensões e os dilemas que fazem parte da profissão docente ajudam os professores a privilegiar as relações cotidianas com os alunos e colegas de trabalho e a distanciar-se de todos os aspectos da organização escolar que não lhes parecem ser de sua responsabilidade. A questão da interatividade entre professor e aluno é vista como central para Tardif e Lessard (2007). Para eles, ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Sabemos que o objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo principal da educação escolar, e esta impregnação do trabalho pelo “objeto humano” merece ser problematizada, pois ela é o coração da profissão docente. 34 CAPÍTULO 3 • AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA As relações com os alunos nas classes e fora delas ocupam o essencial do tempo dos professores, formando, assim, o nó central de sua missão profissional. Mas a relação com os alunos não se resume a uma questão de tempo passado com eles. Ela é formada, também, por todas as tensões e as alegrias dessaprofissão, bem como da identidade profissional daqueles e daquelas que a realizam (TARDIF e LESSARD, 2007). Para os autores em questão, a relação de inúmeros professores com os alunos e com a profissão é, antes de tudo, uma relação afetiva. Eles amam os jovens e gostam de ensiná-los. A tarefa de ser professor dificilmente pode ser exercida sem um mínimo de engajamento afetivo para com o “objeto de trabalho”: os alunos. As relações pedagógicas baseadas no diálogo e no bom relacionamento interpessoal são importantes e necessárias. No entanto, aceitar a interatividade entre alunos e professores não implica aceitar que o professor perca a sua identidade de professor. A figura do professor ainda deve ser respeitada e valorizada na relação pedagógica, a fim de que os alunos possam reconhecer essa “autoridade” no professor. De fato, conforme Guedes (2014), essa “autoridade” reivindicada pelos professores, de longe, seria aquela autoridade que não enxerga o aluno como elemento importante e essencial na relação pedagógica. Pelo contrário, a ideia é de que o aluno também seja importante nessa relação, sendo o bom relacionamento entre alunos e professores essencial. No entanto, a identidade do professor deve estar em posição de destaque de tal modo que ele possa ser o mediador que conduzirá a interatividade entre alunos e professores. Para Tardif e Lessard (2007), a autoridade reside no respeito que o professor é capaz de impor sem coerção aos alunos. Ela está relacionada a seu papel, à missão da qual a escola o investe, bem como à sua personalidade, seu carisma pessoal. A personalidade dos professores muitas vezes é vista como um substituto tecnológico numa profissão não fundamentada em saberes e técnicas formais, universais e intercambiáveis de um indivíduo ao outro. A personalidade, nesse caso, torna-se um elemento essencial no controle do professor sobre o seu objeto de trabalho. Para os autores: O professor que pode impor-se a partir do que é enquanto pessoa, que os alunos respeitam e até apreciam ou amam, este já ultrapassou a experiência mais terrível e difícil do ofício, no sentido de ser aceito pelos alunos e poder ir em frente, pois já obteve a colaboração do alunado (TARDIF E LESSARD, 2007, p. 266). Além da autoridade, outros dois itens são considerados como tecnologia da interação pelos autores em destaque: a coerção e a persuasão. A coerção consiste em condutas 35 AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA • CAPÍTULO 3 punitivas reais e simbólicas desenvolvidas pelos professores na interação com os alunos em sala de aula. Tanto os professores quanto as instituições escolares fazem uso da coerção. Em sala de aula, os professores podem improvisar sinais de coerção como uma olhada ameaçadora, uma cara feia, insultos, ironia, apontar o dedo, dentre outros. As instituições podem controlar os alunos com: exclusão, estigmatização, isolamento, seleção, suspensão etc. Já a persuasão é a arte de convencer o outro a fazer alguma coisa ou acreditar em alguma coisa. Ensinar é agir falando e, desta forma, o meio linguístico é o principal caminho da interação entre professores e alunos. As palavras fazem com que o aluno aprenda e a forma como o professor fala irá influenciar o aluno a aceitar as regras do jogo. Isso só acontece se o professor conseguir persuadir o aluno para obter a sua colaboração no processo de ensino-aprendizagem. As três ações (autoridade, coerção e persuasão) estão presentes, em maior ou menor grau, nas relações que os professores estabelecem com seus alunos, e tudo isso faz parte do contexto interativo do trabalho docente. Sequências didáticas como forma de organização do trabalho docente Para a análise da atividade dos professores, é importante levar em consideração as formas de organização do trabalho docente. De acordo com Tardif e Lessard (2007, p. 277): entrar numa sala e dar uma aula é mais que simplesmente penetrar num espaço neutro, é ser absorvido pelas estruturas práticas do trabalho escolar marcando a vida, a experiência e a identidade das gerações de professores: é fazer e refazer pessoalmente essa experiência, apropriar-se dela, prová-la e suportá-la, dando-lhe sentido para si e para os alunos. Ao entrar em sala de aula, o professor deve colocar em prática tudo aquilo que foi organizado por ele e pela instituição a fim de que seu trabalho se desenvolva da forma esperada. Analisar esse contexto da organização do trabalho docente nos remete a considerar a atividade docente importante em sua função principal: submeter os alunos ao aprendizado. É sempre a relação de professor-aluno que está por trás dos planejamentos e das organizações realizados. É preciso submeter certas pessoas a certos processos exigidos na escolarização. Tais processos são marcados por disputas e dilemas e vivenciá-los constitui um bom exemplo de como o professor lida com o seu trabalho. 36 CAPÍTULO 3 • AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA Imbernón (2004) advoga que o professor não pode ser considerado um técnico, uma vez que se define pelo conhecimento pedagógico especializado legitimado pela ação. Trata- se de um conhecimento prático e, portanto, mais do que o domínio de uma disciplina ou de um conteúdo, assenta-se no modo pelo qual é construído, permitindo a inserção dos alunos em um mundo complexo, compreendido nas suas certezas e ambiguidades. Neste contexto, os professores, ao exercerem a atividade da docência, utilizam conhecimentos teóricos e práticos, sempre ressignificados a partir das demandas que surgem durante a ação da prática pedagógica. Em que pesem todas as investigações e avaliações a respeito da formação de professores, tem havido uma grande dificuldade em ultrapassar os desafios que os modelos de formação praticados têm imposto. No caso do nosso país, segundo Morelatti et al. (2014), a maior parte dos cursos de formação inicial tem desenvolvido um currículo formal projetado por um tipo de racionalidade denominada técnica, porque é um modelo que estabelece uma relação l inear entre conhecimento científico/técnico e suas aplicações, ou seja, baseia-se na ideia de que a teoria antecede a prática. Nesta perspectiva, compreender a ação pedagógica docente supõe incidir o foco da análise sobre os saberes da experiência e seus fundamentos, constituídos num contexto de ensino, no qual múltiplos fatores se articulam, estabelecendo limites e controlando as possibilidades da sua atuação. É nesse contexto que o professor constrói seus esquemas de ação que, embora implícitos, são os responsáveis pelo seu fazer ou pela forma particular como estabelece sua rotina de trabalho e realiza improvisações frente à diversidade de problemas inerentes ao espaço pedagógico da sala de aula. Figura 1. Sequência didática. Fonte: https://pontobiologia.com.br/como-mandar-bem-prova-didatica/aula-didatica/. Acesso em: 30/7/2019. Sendo assim, é preciso analisar o cotidiano da sala de aula, no que diz respeito às decisões didáticas que o professor toma. Ensinar se concretiza por meio de uma sequência de atividades, as quais se baseiam em normas e códigos, consagrados pela experiência do professor ou pela tradição escolar. Para Zabala (1998, p. 20), 37 AS TEnDÊnCIAS PEDAgÓgICAS E A PRáTICA EDuCATIvA • CAPÍTULO 3 [...] as sequências de atividades de ensino/aprendizagem, ou sequências didáticas, são uma maneira de encadear e articular as diferentes atividades ao longo de uma unidade didática. Assim, pois, poderemos analisar as diferentes formas de intervenção segundo as atividades que se realizam e, principalmente, pelo sentido que adquirem quanto a uma sequência orientada para a realização de determinados objetivos educativos. As sequências podem indicar a função que tem cada uma das atividades na construção do conhecimento ou da aprendizagem
Compartilhar