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Obesidade - Medicina Interna de Harrison

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SEÇÃO 3
OBESIDADE, DIABETES MELITO E
SÍNDROME METABÓLICA
415e
Biologia da obesidade
Jeffrey S. Flier, Eleftheria Maratos-Flier
Em um mundo onde a oferta de alimentos é intermitente, a capacidade de armazenar
energia acima das necessidades imediatas é essencial à sobrevivência. As células
adiposas, residindo em depósitos de tecido adiposo amplamente dispersos, são
adaptadas para armazenar o excesso de energia, de maneira eficiente, como
triglicerídeos e, quando necessário, liberar a energia armazenada como ácidos graxos
livres para uso em outros locais. Esse sistema fisiológico, coordenado por vias
endócrinas e neurais, possibilita ao ser humano sobreviver à fome por até vários meses.
No entanto, na presença de alimentos abundantes e um estilo de vida sedentário, bem
como sob a influência significativa da constituição genética, tal sistema aumenta as
reservas adiposas de energia com consequências adversas para a saúde.
DEFINIÇÃO E MEDIÇÃO
Obesidade é um estado de excesso de massa adiposa. É comum associá-la a excesso de
peso, mas isso nem sempre é correto: indivíduos magros, porém muito musculosos,
podem apresentar excesso de peso segundo padrões numéricos, mas não têm aumento
da massa adiposa. A distribuição do peso corporal na população é contínua, o que torna
a escolha de uma distinção clinicamente significativa entre magro e obeso um tanto
arbitrária. A obesidade é, portanto, definida pela avaliação de sua ligação com a
morbidade e a mortalidade.
Embora não seja uma medida direta da adiposidade, o método mais usado para
avaliar a obesidade é o índice de massa corporal (IMC), igual a peso/estatura2 (em
kg/m2) (Fig. 415e.1). Outras abordagens para a quantificação da obesidade são a
antropometria (espessura da prega cutânea), a densitometria (pesagem sob a água), a
tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM) e a impedância
elétrica. Segundo os dados das tabelas da Metropolitan Life, o IMC do ponto médio
para todas as estaturas e compleições, entre homens e mulheres, vai de 19 a 26 kg/m2.
As mulheres têm mais gordura corporal que os homens com um IMC semelhante. Com
base em dados de morbidade substancial, um IMC de 30 é o limiar mais usado para a
obesidade em ambos os sexos. A maioria de, mas não todos, os estudos
epidemiológicos em larga escala, sugere que as morbidades por todas as causas,
metabólicas, por câncer e cardiovasculares, começam a aumentar (embora a uma taxa
lenta) quando os IMCs são ≥ 25. A maior parte das autoridades usa o termo sobrepeso
(e não obeso) para descrever indivíduos com IMC entre 25 e 30. Um IMC entre 25 e 30
deve ser visto como clinicamente significativo e merecedor de uma intervenção
terapêutica na presença de fatores de risco que são influenciados por adiposidade,
como hipertensão e intolerância à glicose.
FIGURA 415e.1 Nomograma para determinar o índice de massa corporal. Para usar
esse nomograma, coloca-se uma régua ou outro objeto reto entre o peso corporal (sem
as roupas) em quilogramas, localizado na linha à esquerda, e a estatura (sem os
sapatos) em centímetros, localizada na linha à direita. O índice de massa corporal é
lido a partir do meio da escala e está em unidades do sistema métrico. (Copyright
1979, George A. Bray, M.D., com autorização.)
A distribuição do tecido adiposo em diferentes espaços anatômicos tem implicações
importantes para a morbidade. Especificamente, a gordura intra-abdominal e a
subcutânea abdominal são mais importantes que a gordura subcutânea presente nas
nádegas e nos membros inferiores. O modo mais fácil de fazer essa distinção
clinicamente é determinando a razão cintura/quadril. Um número > 0,9 em mulheres ou
> 1 em homens é considerado anormal. Muitas das complicações importantes da
obesidade, como resistência à insulina, diabetes, hipertensão, hiperlipidemia e, em
mulheres, hiperandrogenismo, estão mais fortemente associadas à gordura intra-
abdominal e/ou da parte superior do corpo que à adiposidade total (Cap. 422). O
mecanismo subjacente dessa associação é desconhecido, mas pode estar ligado ao fato
de que os adipócitos intra-abdominais têm maior atividade lipolítica do que os dos
outros depósitos. A liberação dos ácidos graxos livres para a circulação portal tem
efeitos metabólicos adversos, sobretudo no fígado. Adipocinas e citocinas que são
diferencialmente secretadas por depósitos de adipócitos podem desempenhar um papel
nas complicações sistêmicas da obesidade.
PREVALÊNCIA
Dados do National Health and Nutrition Examination Surveys (NHANES) indicam que
a porcentagem da população norte-americana adulta com obesidade (IMC > 30)
aumentou de 14,5% (entre 1976 e 1980) para 35,7% (entre 2009 e 2010). Até 68% dos
adultos norte-americanos com 20 anos de idade ou mais tinham sobrepeso (definido
como IMC > 25) entre 2007 e 2008. A obesidade extrema (IMC ≥ 40) também
aumentou e atinge 5,7% da população. O aumento da prevalência de obesidade clínica
é preocupante. Em geral, a prevalência da obesidade é comparável em homens e
mulheres. Nas mulheres, a pobreza está associada a aumento da prevalência. A
obesidade é mais comum entre negros e hispânicos. A prevalência em crianças e
adolescentes está aumentando a uma taxa preocupante, atingindo 15,9% em 2009/2010,
mas pode estar estabilizando.
REGULAÇÃO FISIOLÓGICA DO EQUILÍBRIO ENERGÉTICO
Há evidências substanciais de que o peso corporal é regulado por fatores endócrinos e
neurais que terminam por influenciar os braços efetores da absorção e do dispêndio de
energia. Esse sistema regulador complexo é necessário porque mesmo pequenos
desequilíbrios entre a entrada e o dispêndio de energia terminam por ter efeitos
importantes sobre o peso corporal. Por exemplo, um desequilíbrio de 0,3% durante 30
anos levaria a um ganho de 9 kg de peso. Essa regulação precisa do equilíbrio
energético não é facilmente monitorada pela contagem calórica com relação à atividade
física. Na verdade, a regulação ou a desregulação do peso corporal depende de uma
interação complexa de sinais neurais e hormonais. Alterações no peso estável induzidas
por alimentação forçada ou privação de alimentos induzem mudanças fisiológicas que
se opõem a essas perturbações. Quando há perda de peso, o apetite aumenta e o
dispêndio de energia diminui. Com excesso de alimentação, o apetite diminui e o
dispêndio de energia aumenta. No entanto, esse último mecanismo compensatório falha
com frequência, o que possibilita o surgimento da obesidade quando há alimentos
abundantes e pouca atividade física. Um regulador importante dessas respostas
adaptativas é o hormônio leptina, produzido pelos adipócitos. Tal substância atua por
meio de circuitos cerebrais (sobretudo no hipotálamo) influenciando o apetite, o
dispêndio de energia e a função neuroendócrina (ver adiante).
O apetite é influenciado por muitos fatores integrados no cérebro, sobretudo no
hipotálamo (Fig. 415e.2). Os sinais que entram no centro hipotalâmico incluem
aferentes neurais, hormônios e metabólitos. Os impulsos vagais são especialmente
importantes, pois trazem informações das vísceras, como a distensão dos intestinos. Os
sinalizadores hormonais incluem a leptina, a insulina, o cortisol e os peptídeos
intestinais. Entre os últimos estão a grelina, que é elaborada no estômago e que estimula
a alimentação, o peptídeo YY (PYY) e a colecistoquinina, que são elaborados no
intestino delgado e que sinalizam ao cérebro por ação direta nos centros de controle
hipotalâmicos e/ou por intermédio do nervo vago. Os metabólitos, como a glicose,
podem influenciar o apetite, visto que a hipoglicemia induz a fome; entretanto, a glicose
normalmente não é um regulador importante do apetite. Esses diversos sinais
hormonais, metabólicos e neurais atuam influenciando a expressão e a liberação de
vários peptídeos hipotalâmicos (p. ex., neuropeptídeo Y [NPY], peptídeo relacionado
com a proteína Agouti [AgRP, de Agouti-relatedprotein ], hormônio estimulador dos
melanócitos α [α-MSH, de α-melanocyte-stimulating hormone] e hormônio
concentrador da melanina [MCH, de melanin-concentrating hormone]), substâncias
integradas às vias sinalizadoras serotoninérgicas, catecolaminérgicas,
endocanabinoides e opioides (ver adiante). Fatores psicológicos e culturais também
parecem ter um papel na expressão final do apetite. Com exceção de síndromes
genéticas raras que envolvem a leptina, seu receptor e o sistema da melanocortina, os
defeitos específicos nessa rede complexa de controle do apetite que influenciam os
casos comuns da obesidade não foram bem definidos.
FIGURA 415e.2 Fatores que regulam o apetite por intermédio de efeitos sobre os
circuitos neurais centrais. Estão relacionados alguns fatores que aumentam ou
diminuem o apetite. AgRP, peptídeo relacionado com Agouti; CART, transcrito
relacionado com a cocaína e a anfetamina, de cocaine- and amphetamine-related
transcript; CCK, colecistoquinina, de cholecystokinin; GLP-1, peptídeo 1 relacionado
com o glucagon, de glucagon-related peptide-1; MCH, hormônio concentrador da
melanina; α-MSH, hormônio estimulador dos melanócitos α; NPY, neuropeptídeo Y;
PYY, peptídeo YY.
O dispêndio de energia envolve os seguintes componentes: (1) taxa metabólica
basal ou em repouso; (2) custo energético da metabolização e do armazenamento do
alimento; (3) efeito térmico do exercício e (4) termogênese adaptativa, que varia em
função da ingestão calórica de longo prazo (maior quando aumenta a ingestão). A taxa
metabólica basal responde por cerca de 70% do dispêndio diário de energia, enquanto
a atividade física responde por 5 a 10%. Assim, grande parte do consumo diário de
energia é fixa.
Modelos genéticos em camundongos indicam que mutações em certos genes (p. ex.,
deleção isolada do receptor de insulina no tecido adiposo) protegem contra a
obesidade, aparentemente mediante o aumento do consumo de energia. A termogênese
adaptativa ocorre no tecido adiposo marrom (TAM), que tem um papel importante no
metabolismo de energia em muitos mamíferos. Diferente do tecido adiposo branco,
usado para armazenar energia na forma de lipídeos, o TAM armazena energia na forma
de calor. Uma proteína de desacoplamento (UCP-1, de uncoupling protein)
mitocondrial no TAM dissipa o gradiente de íons hidrogênio formado na cadeia
respiratória oxidativa e libera a energia na forma de calor. A atividade metabólica do
TAM aumenta com a ação central da leptina. Tal interação ocorre por meio do sistema
nervoso simpático, que inerva intensamente esse tecido. Em roedores, a ausência de
TAM causa obesidade e diabetes; a estimulação do TAM com um agonista adrenérgico
específico (agonista β3) protege contra o diabetes e a obesidade. O TAM existe em
seres humanos (sobretudo em recém-nascidos) e, embora não se conheça seu papel
fisiológico, a identificação de TAM funcional em muitos adultos que usam tomografia
por emissão de pósitrons (PET, de positron emission tomography) aumentou o
interesse pelas implicações do tecido para patogênese e terapia de obesidade. Células
adiposas bege, recentemente descritas, lembram as células TAM na expressão de UCP-
1. Elas são dispersas através do tecido adiposo branco e seu potencial termogênico é
incerto.
O ADIPÓCITO E O TECIDO ADIPOSO
O tecido adiposo é formado pelas células adiposas, que armazenam lipídeos, e por um
compartimento estromático e vascular, onde ficam células como os pré-adipócitos e os
macrófagos. A massa adiposa aumenta com o crescimento das células adiposas à
medida que mais lipídeos se depositam, bem como pelo aumento do número de
adipócitos. O tecido adiposo obeso também se caracteriza por maior número de
macrófagos infiltrados. O processo que origina as células adiposas a partir do pré-
adipócito mesenquimatoso envolve uma série coordenada de etapas de diferenciação,
mediadas por uma cascata de fatores de transcrição específicos. Um dos fatores
fundamentais é o receptor ativado do proliferador dos peroxissomos tipo γ (PPARγ,
de peroxisome proliferator-activated receptor γ ), um receptor nuclear que se liga aos
fármacos sensibilizantes à insulina da classe das tiazolidinedionas, usadas no
tratamento do diabetes tipo 2 (Cap. 418).
Embora o adipócito em geral tenha sido considerado como um depósito para
armazenamento de gordura, ele também é uma célula endócrina que libera inúmeras
moléculas de maneira regulada (Fig. 415e.3). Essas incluem o hormônio de regulação
do equilíbrio de energia leptina, citocinas, como fator de necrose tumoral α (TNF-α, de
tumor necrosis factor α) e interleucina (IL) 6, fatores do complemento, como o fator D
(também conhecido como adipsina), agentes protrombóticos, como inibidor do ativador
de plasminogênio I e um componente do sistema de regulação da pressão arterial,
angiotensinogênio. A adiponectina, uma proteína abundante derivada do tecido adiposo
cujos níveis ficam reduzidos na obesidade, aumenta a sensibilidade à insulina e a
oxidação lipídica, além de exercer efeitos protetores da vasculatura, enquanto a
resistina e a RBP4, cujos níveis se mostram aumentados na obesidade, podem induzir
resistência à insulina. Esses fatores, e outros ainda não identificados, participam da
fisiologia da homeostase dos lipídeos, da sensibilidade à insulina, do controle da
pressão arterial, da coagulação e da saúde vascular, bem como provavelmente
contribuem para as patologias relacionadas com a obesidade.
FIGURA 415e.3 Fatores liberados pelo adipócito que podem afetar os tecidos
periféricos. IL-6, interleucina 6; PAI-1, inibidor do ativador do plasminogênio 1, de
plasminogen activator inhibitor; RBP4, proteína 4 de ligação retinal, de retinal
binding protein 4; TNF-α, fator de necrose tumoral α; 11β-HSD-1, 11β-
hidroxiesteroide desidrogenase1.
ETIOLOGIA DA OBESIDADE
Embora as vias moleculares que regulam o equilíbrio de energia estejam começando a
ser conhecidas, as causas da obesidade continuam indefinidas. Em parte, isso reflete o
fato de que a obesidade é um grupo heterogêneo de distúrbios. De um lado, a
fisiopatologia da obesidade parece simples: um excesso crônico de aporte de nutrientes
com relação ao nível de dispêndio energético. No entanto, devido à complexidade dos
sistemas neuroendócrinos e metabólicos que regulam a ingestão, o armazenamento e o
dispêndio de energia, é difícil quantificar todos os parâmetros relevantes (p. ex.,
consumo de alimentos e dispêndio de energia) ao longo do tempo em pacientes
humanos.
Papel dos genes versus ambiente A obesidade costuma ocorrer em famílias, e a
hereditariedade do peso corporal é semelhante à da estatura. No entanto, a herança não
costuma ser mendeliana, sendo difícil distinguir o papel dos genes e dos fatores
ambientais. Pessoas adotadas assemelham-se mais a seus pais biológicos que aos
adotivos quanto à obesidade, o que é um forte indicador da influência genética. De
modo semelhante, gêmeos idênticos têm IMCs bastante semelhantes, independentemente
de serem criados juntos ou separados, e seus IMCs correlacionam-se muito mais
estreitamente que os de gêmeos dizigotos. Esses efeitos genéticos parecem estar
associados à ingestão e ao dispêndio de energia. Atualmente, as variantes genéticas
identificadas, tanto as comuns como as raras, são responsáveis por menos de 5% da
variância do peso corporal.
No entanto, seja qual for o papel dos genes, é evidente que o ambiente tem
importância fundamental na obesidade. Uma evidência é o fato de que a fome previne a
obesidade mesmo no indivíduo mais propenso a essa doença. Além disso, o recente
aumento na prevalência da obesidade nos EUA é rápido demais para ser explicado por
alterações no conjunto dos genes. Contudo, os genes sem dúvida influenciam a
tendência à obesidade em resposta a dietas específicas e à disponibilidade de
alimentos. Fatores culturais também são importantes, estando ligados tanto à
disponibilidade e à composiçãoda dieta quanto a alterações do nível de atividade
física. Em sociedades industrializadas, a obesidade é mais comum em mulheres pobres,
enquanto nos países subdesenvolvidos as mulheres mais ricas são mais obesas. Em
crianças, a obesidade tem alguma correlação com o tempo que passam em frente à
televisão. Embora o papel da composição da dieta na obesidade continue gerando
controvérsia, parece que as dietas ricas em gorduras podem promover a obesidade
quando combinadas com dietas ricas em carboidratos simples, rapidamente absorvidos.
Genes específicos são propensos a influenciar a resposta a dietas específicas, mas
esses genes são amplamente não identificados.
Outros fatores ambientais podem contribuir para o aumento da prevalência da
obesidade. Tanto correlações epidemiológicas como dados experimentais sugerem que
a privação de sono acarreta o aumento da obesidade. As alterações no microbioma
intestinal com capacidade de modificar o equilíbrio energético estão recebendo suporte
experimental de estudos em animais, e um possível papel para as infecções virais
obesogênicas continua a receber atenção esporádica.
Síndromes genéticas específicas Sabe-se há muitos anos que, em roedores, a
obesidade é causada por uma série de mutações distintas distribuídas por todo o
genoma. A maioria de tais defeitos gênicos isolados causa hiperfagia e diminuição do
dispêndio de energia, o que sugere uma ligação fisiológica entre esses dois parâmetros
na homeostase energética. A identificação da mutação no gene ob em camundongos
geneticamente obesos (ob/ob) foi um grande avanço no referido campo. O camundongo
ob/ob desenvolve obesidade grave, resistência à insulina e hiperfagia, além de um
metabolismo deficiente (ele engorda mesmo quando recebe a mesma quantidade de
calorias que os camundongos magros na mesma gaiola). O produto do gene ob é o
peptídeo leptina, nome que deriva do grego leptos, o qual significa magro. A leptina é
secretada pelas células adiposas e atua sobretudo no hipotálamo. O nível de sua
produção serve como índice das reservas adiposas de energia (Fig. 415e.4). Níveis
altos de leptina diminuem o consumo de alimento e aumentam o gasto de energia. Outro
camundongo mutante, o db/db, resistente à leptina, apresenta mutação no receptor desse
hormônio e uma síndrome semelhante. O gene ob está presente em seres humanos, onde
também é expresso na gordura. Já foram descritas várias famílias com obesidade
mórbida de início precoce causada por mutações que inativam a leptina ou seu
receptor, o que demonstra a importância biológica da via da leptina em seres humanos.
A obesidade nesses indivíduos começa logo após o nascimento, é grave e é
acompanhada de anormalidades neuroendócrinas. A mais proeminente delas é o
hipogonadismo hipogonadotrófico, que é revertido pela suplementação da leptina no
subgrupo deficiente em leptina. No modelo do camundongo, observam-se
hipotireoidismo central e atraso do crescimento, alterações não tão visíveis em seres
humanos com deficiência de leptina. As mutações dos genes da leptina ou de seu
receptor não desempenham um papel importante nas formas comuns de obesidade.
FIGURA 415e.4 Sistema fisiológico regulado pela leptina. Os níveis da leptina em
elevação ou queda atuam por meio do hipotálamo, influenciando o apetite, o gasto de
energia e a função endócrina, bem como por intermédio de locais periféricos, como o
sistema imune.
Mutações de vários outros genes podem causar obesidade grave em seres humanos
(Quadro 415e.1); porém, tais síndromes são raras. As mutações do gene que codificam
a pró-opiomelanocortina (POMC) causam obesidade grave porque não ocorre a síntese
de α-MSH, um neuropeptídeo fundamental que inibe o apetite no hipotálamo. A
ausência de POMC também causa insuficiência suprarrenal secundária devido à falta
do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH, de adrenocorticotropic hormone ), bem
como palidez cutânea e cabelos avermelhados pela falta de α-MSH. Acredita-se que as
mutações da proenzima convertase 1 (PC-1) causem obesidade ao impedirem a síntese
de α-MSH a partir de seu peptídeo precursor, a POMC. O α-MSH liga-se ao receptor
da melanocortina tipo 4 (MC4R), um receptor hipotalâmico importante que inibe a
alimentação. As mutações heterozigotas de perda da função nesse receptor respondem
por até 5% dos casos graves de obesidade. A perda de função de MRAP2, uma
proteína necessária para a sinalização normal de MC4R, foi encontrada em casos raros
de obesidade grave. Esses cinco defeitos genéticos definem uma via pela qual a leptina
(ao estimular a POMC e aumentar o α-MSH) restringe o consumo de alimentos e limita
o peso (Fig. 415e.5). Os resultados de estudos de associação em todo o genoma para
identificar loci genéticos responsáveis pela obesidade na população geral até o
momento são decepcionantes. Mais de 40 loci replicados ligados à obesidade foram
identificados, mas juntos são responsáveis por menos de 3% da variação
interindividual no IMC. O mais replicado deles é um gene chamado FTO, que tem
função desconhecida, mas assim como muitos dos outros candidatos recentemente
descritos, é expresso no cérebro. Como se estima que a herdabilidade da obesidade
seja de 40 a 70%, é provável que muito mais loci tenham de ser identificados. É
possível que interações epistáticas entre loci causadores ou interações gene-ambiente
desconhecidas expliquem o pouco sucesso na identificação de loci causais.
QUADRO 415e.1 GENES SELECIONADOS DE OBESIDADE EM SERES HUMANOS E CAMUNDONGOS
Gene Produto gênico Mecanismo da obesidade Humanos Roedores
Lep
(ob)
Leptina, um hormônio derivado da
gordura
A mutação impede que a leptina libere o
sinal de saciedade; o cérebro percebe a
fome
Sim Sim
LepR
(db)
Receptor de leptina Mesmo que o anterior Sim Sim
POMC Pró-opiomelanocortina, um
precursor de vários hormônios e
neuropeptídeos
A mutação impede a síntese do hormônio
estimulador dos melanócitos (MSH), um
sinal de saciedade
Sim Sim
MC4R Receptor tipo 4 para o MSH A mutação impede a recepção do sinal de
saciedade do MSH
Sim Sim
AgRP Peptídeo relacionado com a A hiperexpressão inibe o sinal através do Não Sim
AgRP Peptídeo relacionado com a
proteína Agouti, expresso no
hipotálamo
A hiperexpressão inibe o sinal através do
MC4R
Não Sim
PC-1 Pró-hormônio convertase 1, uma
enzima processadora
A mutação impede a síntese de
neuropeptídeo, provavelmente MSH
Sim Não
Fat Carboxipeptidase E, uma enzima
processadora
Mesmo que o anterior Não Sim
Tub Tub, uma proteína hipotalâmica
de função desconhecida
Disfunção hipotalâmica Não Sim
TrkB TrkB, um receptor de
neurotrofina
Hiperfagia devido a um defeito hipotalâmico
não caracterizado
Sim Sim
FIGURA 415e.5 Uma via central por meio da qual a leptina age para regular o
apetite e o peso corporal. A leptina sinaliza para os neurônios por meio da pró-
opiomelanocortina (POMC) no hipotálamo induzindo aumento da produção do
hormônio estimulador dos melanócitos α (α-MSH), requerendo a enzima processadora
proenzima convertase 1 (PC-1). O α-MSH age como um agonista sobre os receptores
de melanocortina 4 para inibir o apetite, e o neuropeptídeo peptídeo relacionado com a
proteína Agouti (AgRP) age como antagonista desse receptor. As mutações que causam
obesidade em seres humanos estão indicadas por setas preenchidas verdes.
Além desses genes humanos de obesidade, estudos em roedores revelaram vários
outros candidatos moleculares a mediadores hipotalâmicos da obesidade ou da magreza
em seres humanos. O gene tub codifica um peptídeo hipotalâmico de função
desconhecida; mutações nesse gene causam obesidade de início tardio. O gene fat
codifica a carboxipeptidase E, uma enzima processadora de peptídeos; acredita-se que
mutações nesse gene também causem obesidade ao perturbarem a produção de um ou
mais neuropeptídeos. A AgRP é coexpressa com o NPY em neurônios do núcleo
arqueado.A AgRP antagoniza o α-MSH nos receptores de MC4, e sua expressão
excessiva induz a obesidade. Já os camundongos com deficiência do peptídeo MCH,
cuja administração induz a alimentação, são magros.
Várias síndromes humanas, complexas e de herança definida, estão associadas à
obesidade (Quadro 415e.2). Embora genes específicos tenham definição limitada
atualmente, sua identificação provavelmente melhorará nossa compreensão das formas
mais comuns de obesidade humana. Na síndrome de Prader-Willi, um distúrbio
multigênico do neurodesenvolvimento, a obesidade coexiste com baixa estatura,
deficiência intelectual, hipogonadismo hipogonadotrófico, hipotonia, mãos e pés
pequenos, boca em forma de peixe e hiperfagia. A maioria dos pacientes apresenta
expressão reduzida de genes imprinted paternalmente herdados codificados na região
cromossômica 15q11-13. A expressão reduzida de Snord116, um RNA nucleolar
pequeno altamente expresso no hipotálamo, pode ser uma causa importante de função
hipotalâmica defectiva nesse distúrbio. A síndrome de Bardet-Biedl (SBB) é um
distúrbio geneticamente heterogêneo que se caracteriza por obesidade, deficiência
intelectual, retinite pigmentar, diabetes, malformações renais e cardíacas, polidactilia e
hipogonadismo hipogonadotrófico. Foram identificados pelo menos 12 loci genéticos, e
a maioria das proteínas codificadas forma dois complexos multiproteína que estão
envolvidos na função ciliar e no transporte intracelular com base em microtúbulos.
Evidências recentes sugerem que as mutações podem perturbar o tráfego do receptor de
leptina nos principais neurônios hipotalâmicos, causando resistência à leptina.
QUADRO 415e.2 COMPARAÇÃO DAS SÍNDROMES DE OBESIDADE – HIPOGONADISMO E
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Aspecto
Síndrome
Prader-Willi
Laurence-
Moon-Biedl Ahlstrom Cohen Carpenter
Herança Esporádica;
cerca de 66%
têm o defeito
Autossômica
recessiva
Autossômica
recessiva
Provavelmente
autossômica recessiva
Autossômica
recessiva
Estatura Baixa Normal;
raramente
baixa
Normal;
raramente baixa
Baixa ou alta Normal
Obesidade Generalizada Generalizada Truncal Truncal Truncal, glútea
Moderada a
grave
Início precoce,
1-2 anos
Início precoce, 2-
5 anos
Meados da infância,
idade de 5 anos
Início 1-3 anos
Craniofacies Diâmetro
bifrontal estreito
Não distintivo Não distintivo Ponte nasal alta Acrocefalia
Olhos
amendoados
Palato arqueado Ponte nasal
chata
Estrabismo Boca aberta Palato
arqueado alto
Boca em forma
de V
Filtro labial curto
Palato arqueado
alto
Membros Mãos e pés
pequenos
Polidactilia Sem
anormalidades
Hipotonia Polidactilia
Hipotonia Mãos e pés estreitos Sindactilia
Genu valgo
Estado
reprodutivo
Hipogonadismo 
primário
Hipogonadismo
primário
Hipogonadismo
em homens, mas
não em mulheres
Função gonádica
normal ou
hipogonadismo
hipogonadotrófico
Hipogonadismo
secundário
Outras
características
Hipoplasia do
esmalte dos
dentes
Orelhas displásicas
Hiperfagia Puberdade atrasada
Birras
Fala anasalada
Deficiência
intelectual
Leve a
moderada
Inteligência
normal
Leve Ligeira
Outras síndromes específicas associadas à obesidade • SÍNDROME DE CUSHING
Embora os obesos comumente tenham obesidade central, hipertensão e intolerância à
glicose, eles não têm outros estigmas específicos da síndrome de Cushing (Cap. 406).
Apesar disso, é comum que se pense em doença de Cushing. A produção de cortisol e
de metabólitos urinários (17OH-esteroides) pode estar aumentada na obesidade
simples. Contudo, diferentemente da síndrome de Cushing, os níveis basais de cortisol
no sangue e na urina, bem como após a injeção do hormônio liberador de corticotrofina
(CRH, de corticotropin-releasing hormone ) ou ACTH, são normais; o teste de
supressão em 24 horas com 1 mg de dexametasona é normal em 90% dos casos. Os
restantes dão resultados normais em um teste-padrão de dexametasona em baixas doses
por dois dias. A obesidade pode estar associada à reativação local excessiva do
cortisol na gordura pela 11β-hidroxiesteroide-desidrogenase 1, enzima que converte a
cortisona inativa em cortisol.
HIPOTIREOIDISMO A possibilidade de hipotireoidismo deve ser considerada, mas
ela é uma causa incomum de obesidade; a medição do hormônio estimulante da tireoide
(TSH, de thyroid-stimulating hormone) possibilita descartar hipertireoidismo
facilmente. Grande parte do ganho de peso que ocorre nessa deficiência hormonal se
deve ao mixedema (Cap. 405).
INSULINOMA Os pacientes com insulinoma costumam ganhar peso porque comem
excessivamente para evitar os sintomas da hipoglicemia (Cap. 420). O substrato
aumentado mais níveis altos de insulina promovem armazenamento de energia na
gordura. Isso pode ser acentuado em alguns indivíduos, mas é modesto na maioria.
CRANIOFARINGIOMA E OUTROS DISTÚRBIOS QUE ENVOLVEM O
HIPOTÁLAMO Seja em decorrência de tumores, traumatismo ou inflamação, a
disfunção hipotalâmica dos sistemas que controlam a saciedade, a fome e o dispêndio
de energia pode resultar em graus variados de obesidade (Cap. 402). É incomum
encontrar uma base anatômica distinta para essas alterações. Provavelmente, disfunções
sutis do hipotálamo são as causas mais comuns de obesidade que se pode demonstrar
com as técnicas neurorradiológicas disponíveis hoje. O hormônio do crescimento (GH,
de growth hormone), que tem atividade lipolítica, mostra-se diminuído na obesidade e
aumentado com a perda de peso. Apesar dos níveis baixos de GH, a produção do fator
do crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF-I, de insulin-like growth factor I, ou
somatomedina) é normal, sugerindo que a supressão do GH seja resposta que compense
o aumento da oferta nutricional.
Patogênese da obesidade comum A obesidade pode ser causada por aumento da
ingestão de energia, diminuição do dispêndio ou uma combinação de ambos. Assim,
identificar a etiologia da obesidade exige medições dos dois parâmetros. Contudo, é
difícil fazer medidas precisas e diretas da ingestão de energia em indivíduos em vida
livre, e os obesos em particular costumam subestimar sua ingestão. As medições do
dispêndio crônico de energia são possíveis pelo uso de água duplamente marcada ou
câmaras e salas metabólicas. Em pacientes com peso e composição corporal estáveis, a
ingestão de energia é igual ao dispêndio. Assim, essas técnicas possibilitam avaliar a
ingestão de energia em indivíduos em vida livre. Os níveis de dispêndio de energia são
diferentes em obesos em períodos de ganho ou de perda de peso, e nos estados pré ou
pós-obesidade. Os estudos que não levam em conta esses fenômenos são difíceis de
interpretar.
O conceito de “ponto de equilíbrio” do peso corporal tem suscitado contínuo
interesse. Em favor dessa ideia, existem mecanismos fisiológicos em torno de um
sistema sensor no tecido adiposo que reflete as reservas de gordura, e um receptor, ou
adipostato, presente nos centros hipotalâmicos. Quando as reservas de gordura
diminuem, o sinal do adipostato cai, e o hipotálamo responde estimulando a fome e
diminuindo o dispêndio de energia. No entanto, quando as reservas de gordura são
abundantes, o sinal aumenta, e o hipotálamo responde diminuindo a fome e aumentando
o dispêndio de energia. A recente descoberta do gene ob e seu produto, a leptina, bem
como do gene db, cujo produto é o receptor da lectina, fornece uma base molecular a
esse conceito fisiológico (ver anteriormente).
Qual a situação da ingestão de alimentos nos obesos? (Os obesos comem mais que
os magros?) Tal questão suscitou intenso debate, o que se deve em parte às
dificuldades metodológicas inerentes à determinação da ingestão alimentar. Muitos
indivíduos obesos acreditam que ingerem pouca quantidade de alimento, achado muitas
vezes confirmado pelos resultados de questionários sobre a ingestão de alimentos. No
entanto, hoje se sabeque a ingestão média de energia aumenta com a obesidade. De
acordo com as leis da termodinâmica, os obesos devem comer mais que os magros em
média para manter seu peso mais alto. No entanto, é possível que alguns dos indivíduos
predispostos à obesidade sejam capazes de ficar obesos sem um aumento absoluto no
consumo calórico.
Qual a situação do dispêndio de energia na obesidade? O dispêndio total médio
diário de energia é maior entre os obesos do que entre os magros quando medido no
peso estável. No entanto, o dispêndio energético diminui à medida que se perde peso, o
que se deve em parte à perda de massa corporal magra e à diminuição da atividade
nervosa simpática. Quando atingem um peso próximo do normal e permanecem assim
por algum tempo, (alguns) indivíduos obesos gastam menos energia que (alguns)
indivíduos magros. Também há uma tendência, entre os que se tornaram obesos na
infância, de ter taxas menores de dispêndio de energia do que os que permanecem
magros. A origem fisiológica das taxas variáveis de dispêndio de energia (mantidos
constantes o peso corporal e a ingestão de energia) é praticamente desconhecida.
Outro componente da termogênese recém descrito, denominado termogênese da
atividade fora do exercício (NEAT, de nonexercise activity thermogenesis), foi
relacionado com a obesidade. Trata-se da termogênese que acompanha outras
atividades físicas que não o exercício voluntário, como tarefas cotidianas, movimentos
aleatórios, contração muscular espontânea e manutenção da postura. A NEAT responde
por cerca de dois terços do aumento do dispêndio diário de energia induzido pelo
excesso de alimentação. A ampla variação no armazenamento de gordura, observada
em indivíduos alimentados sem excesso, pode ser prevista pela intensidade com que a
NEAT é induzida. A origem molecular e a regulação desse fenômeno são
desconhecidas.
Leptina na obesidade comum A grande maioria dos obesos tem níveis elevados de
leptina, mas não apresenta mutações nem na leptina nem em seu receptor. Por isso
parecem ter uma forma funcional de “resistência à leptina”. Dados sugerem que alguns
desses indivíduos produzem menos leptina por unidade de massa adiposa que outros, ou
têm uma forma relativa de deficiência de leptina que predispõe à obesidade, mas isso
ainda é contraditório e incompleto. O mecanismo de resistência à leptina, e a
possibilidade de revertê-la com a elevação dos níveis desse hormônio ou com a
combinação de leptina e outros tratamentos em um subgrupo de indivíduos obesos,
ainda não foi elucidado. Alguns dados sugerem que a leptina pode ser incapaz de
atravessar a barreira hematencefálica à medida que os níveis sobem. Também há
evidências, a partir de estudos com animais, de que inibidores da sinalização da
leptina, como SOCS3 e PTP1b, estejam implicados no mecanismo de resistência.
CONSEQUÊNCIAS PATOLÓGICAS DA OBESIDADE
(Ver também Cap. 416.) A obesidade tem efeitos adversos importantes sobre a saúde.
Está associada a um aumento na mortalidade, com uma elevação de 50 a 100% no risco
de morte por todas as causas em comparação com os indivíduos de peso normal,
principalmente por causas cardiovasculares. Em conjunto, a obesidade e o sobrepeso
são a segunda causa de morte passível de prevenção nos EUA, sendo responsáveis por
300.000 óbitos anuais. As taxas de mortalidade aumentam com a progressão da
obesidade, principalmente quando ela está associada a um aumento da gordura intra-
abdominal (ver anteriormente). A expectativa de vida de um indivíduo com obesidade
moderada pode diminuir 2 a 5 anos, e um homem com 20 a 30 anos de idade e IMC >
45 pode perder 13 anos de vida. É provável que o efeito da obesidade sobre
determinados sistemas orgânicos seja influenciado por genes de suscetibilidade, os
quais variam na população.
Resistência à insulina e diabetes melito tipo 2 A hiperinsulinemia e a resistência à
insulina são comuns na obesidade. Pioram com o ganho de peso e diminuem com sua
perda (Cap. 422). A resistência à insulina está mais relacionada com a gordura intra-
abdominal do que com a gordura em outras localizações. A relação molecular entre a
obesidade e a resistência à insulina na gordura, nos músculos e no fígado tem sido
pesquisada há muitos anos. São alguns fatores importantes: (1) a própria insulina, ao
induzir a subregulação do receptor; (2) os ácidos graxos livres, que ficam elevados e
podem dificultar a ação da insulina; (3) o acúmulo intracelular de lipídeos e (4) os
vários peptídeos circulantes produzidos pelos adipócitos, como as citocinas TNF-α e
IL-6, RBP4, bem como as adipocinas adiponectina e resistina, que apresentam
expressão alterada nos adipócitos dos obesos e podem modificar a ação da insulina.
Outros mecanismos são inflamação ligada à obesidade, como infiltração de macrófagos
nos tecidos como gordura, e indução de resposta ao estresse de retículo
endoplasmático, que pode produzir resistência à ação da insulina nas células. Apesar
da prevalência da resistência à insulina, a maioria dos obesos não manifesta diabetes, o
que sugere que o diabetes exige interação entre a resistência à insulina induzida pela
obesidade e outros fatores, como o comprometimento da secreção de insulina (Cap. 41
7). No entanto, a obesidade é um importante fator de risco para o diabetes, e até 80%
dos pacientes com diabetes melito tipo 2 são obesos. A perda de peso e o exercício,
ainda que modestos, aumentam a sensibilidade à insulina e muitas vezes melhoram o
controle da glicose no diabetes.
Distúrbios reprodutivos As doenças do eixo reprodutor estão associadas à obesidade
em ambos os sexos. O hipogonadismo masculino está associado a um aumento do tecido
adiposo, que muitas vezes se distribui em uma conformação mais típica de mulheres.
Homens cujo peso é mais de 160% do peso corporal ideal (PCI) muitas vezes têm
redução da testosterona plasmática e da globulina de ligação ao hormônio sexual
(SHBG, de sex hormone-binding globulin) e níveis de estrogênio (derivados da
conversão de androgênios suprarrenais no tecido adiposo) aumentados (Cap. 411).
Pode-se observar ginecomastia. No entanto, na maioria desses indivíduos, a
masculinização, a libido, a potência e a espermatogênese são normais. A testosterona
livre pode diminuir em homens com obesidade mórbida cujo peso excede 200% do
PCI.
Em mulheres, a obesidade está muito associada a anormalidades menstruais,
principalmente em mulheres com obesidade na parte superior do corpo (Cap. 412).
Achados comuns são aumento na produção de androgênios, diminuição da SHBG e
aumento da conversão periférica de androgênios em estrogênios. A maioria das
mulheres obesas com oligomenorreia tem síndrome do ovário policístico (SOP), com
sua anovulação associada e hiperandrogenismo ovariano; 40% das mulheres com SOP
são obesas. A maioria das mulheres não obesas com SOP também é resistente à
insulina, sugerindo que a resistência à insulina, a hiperinsulinemia ou a combinação das
duas é causadora ou contribui para a fisiopatologia ovariana na SOP tanto em
indivíduos obesos como magros. Cada vez mais evidências fornecem suporte ao papel
das adipocinas na mediação de uma ligação entre a obesidade e a disfunção reprodutiva
da SOP. Em mulheres obesas com SOP, a perda de peso ou o tratamento com fármacos
sensibilizantes à insulina muitas vezes normalizam a menstruação. O aumento da
conversão da androstenediona em estrogênio, mais comum em mulheres com obesidade
na parte inferior do corpo, pode aumentar a incidência de câncer do útero em mulheres
obesas na pós-menopausa.
Doença cardiovascular O estudo Framingham revelou que a obesidade foi um fator de
risco independente para a incidência durante 26 anos de doenças vasculares em homens
e mulheres (como doença arterial coronariana, acidente vascular encefálico e
insuficiência cardíaca congestiva). A razão cintura/quadril pode ser o melhor fator
preditivo desses riscos. O impacto da obesidade fica ainda mais evidentequando se
consideram os efeitos adicionais da hipertensão e da intolerância à glicose associados
ao excesso de peso. O efeito da obesidade na mortalidade cardiovascular em mulheres
pode ser verificado com IMC de apenas 25. A obesidade, sobretudo a abdominal, está
associada a um perfil lipídico aterogênico com aumento no colesterol-lipoproteína de
baixa densidade (LDL, de low-density lipoprotein), na lipoproteína de muito baixa
densidade e nos triglicerídeos, além de diminuição no colesterol-lipoproteína de alta
densidade e nos níveis da adipocina vascular protetora adiponectina (Cap. 421). A
obesidade também está associada à hipertensão. A medição da pressão arterial em
obesos requer um manguito maior para evitar aumentos espúrios da pressão. A
hipertensão induzida pela obesidade também pode causar elevação da resistência
vascular periférica e do débito cardíaco, aumento no tônus do sistema nervoso
simpático, exacerbação da sensibilidade ao sal e retenção de sal mediada pela insulina;
com frequência, a hipertensão melhora após uma pequena perda ponderal.
Doença pulmonar A obesidade pode ser associada a inúmeras anormalidades
pulmonares, as quais incluem diminuição da complacência da parede torácica, aumento
no trabalho respiratório, aumento do volume-minuto devido à maior atividade
metabólica e diminuição da capacidade pulmonar total, da capacidade residual
funcional e do volume expiratório de reserva. A obesidade grave pode estar associada
à apneia obstrutiva do sono e à “síndrome de hipoventilação da obesidade”, com
respostas ventilatórias hipóxicas e hipercapneicas atenuadas. A apneia do sono pode
ser obstrutiva (mais comum), central ou mista, e está associada com hipertensão. A
perda de peso (10-20 kg) pode trazer melhora substancial, assim como a perda
substancial de peso que ocorre após bypass gástrico ou cirurgias restritivas. A pressão
positiva contínua nas vias respiratórias tem sido usada com algum êxito.
Doenças hepatobiliares A obesidade com frequência é associada a doença hepática
gordurosa não alcoólica (DHGNA), e esta associação representa uma das causas mais
comuns de doença hepática nos países industrializados. A infiltração gordurosa do
fígado na DHGNA pode evoluir em um subgrupo para esteato-hepatite não alcoólica
(EHNA) inflamatória e, mais raramente, para cirrose e carcinoma hepatocelular. A
esteatose em geral melhora após perda de peso, secundária a dieta ou cirurgia
bariátrica. O mecanismo para a associação continua obscuro. A obesidade pode
aumentar a secreção biliar de colesterol e a supersaturação da bile e elevar a
incidência de cálculos, sobretudo de colesterol (Cap. 369). Uma pessoa 50% acima do
PCI tem uma incidência seis vezes maior de cálculos biliares sintomáticos.
Paradoxalmente, o jejum aumenta a supersaturação da bile ao reduzir o componente
fosfolipídico. A colecistite induzida pelo jejum é uma complicação das dietas extremas.
Câncer A obesidade está associada a um aumento do risco de vários tipos de câncer e,
além disso, pode levar a desfechos de tratamento mais precários e aumento da
mortalidade por câncer. A obesidade masculina está associada a maior mortalidade por
câncer de esôfago, cólon, reto, pâncreas, fígado e próstata; a obesidade feminina está
associada a maior mortalidade por câncer da vesícula biliar, dos ductos biliares, das
mamas, do endométrio, do colo uterino e dos ovários. O aumento da taxa de conversão
da androstenediona em estrona, que ocorre no tecido adiposo de obesos, pode causar
alguns desses tumores. Outras possíveis ligações mecanicistas podem envolver
hormônios, fatores de crescimento e citocinas cujos níveis estão ligados ao estado
nutricional, como insulina, leptina, adiponectina e IGF-I, bem como ativação das vias
de sinalização ligadas tanto à obesidade quanto ao câncer. Estimou-se recentemente
que, nos EUA, a obesidade seja responsável por 14% dos cânceres em homens e 20%
em mulheres.
Doenças dos ossos, das articulações e da pele A obesidade pode aumentar o risco de
osteoartrite. Não há duvida de que isso se deve em parte ao traumatismo devido ao
peso extra, mas também está potencialmente ligado à ativação de vias inflamatórias que
poderiam promover patologia sinovial. A prevalência de gota também pode ser maior (
Cap. 395). Uma das afecções de pele associadas à obesidade é a acantose nigricans,
que se manifesta por escurecimento e espessamento das dobras da pele no pescoço, nos
cotovelos e nos espaços interfalangianos dorsais. A acantose reflete a gravidade da
resistência à insulina subjacente e diminui com a perda de peso. A friabilidade da pele
também pode aumentar, sobretudo nas dobras, o que aumenta o risco de infecções por
leveduras e fungos. Finalmente, a estase venosa é mais comum no obeso.
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416
Avaliação e tratamento da obesidade
Robert F. Kushner
Mais de 66% dos adultos nos EUA são categorizados como tendo sobrepeso, e a
prevalência da obesidade vem aumentando rapidamente na maioria dos países
industrializados. Crianças e adolescentes também estão ficando mais obesos, o que
indica que as tendências atuais vão se acelerar com o tempo. A obesidade está
associada a um maior risco de múltiplos problemas de saúde, como hipertensão,
diabetes tipo 2, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono,doença hepática gordurosa não
alcoólica, doença articular degenerativa e algumas malignidades. Assim, é importante
que os médicos identifiquem, avaliem e tratem os pacientes com obesidade e condições
associadas de comorbidade.
AVALIAÇÃO
Os médicos deverão proceder ao rastreamento para obesidade de todos os pacientes
adultos, bem como oferecer aconselhamento intensivo e intervenções comportamentais
para promover uma perda de peso sustentada. As cinco etapas principais na avaliação
da obesidade, conforme descrito a seguir, são: (1) uma anamnese voltada para a
obesidade, (2) um exame físico para determinar o grau e o tipo de obesidade, (3)
avaliação de condições de comorbidade, (4) determinação do nível de aptidão e (5)
avaliação da disposição do paciente em alterar seu estilo de vida.
Anamnese voltada para a obesidade As informações obtidas com a anamnese devem
se basear nas sete perguntas seguintes:
Que fatores contribuem para a obesidade do paciente?
De que forma a obesidade está afetando a saúde do paciente?
Qual o nível de risco da obesidade para o paciente?
Qual a dificuldade encontrada pelo paciente em controlar o peso?
Quais as metas e as expectativas do paciente?
O paciente está motivado para começar um programa de controle de peso?
De que tipo de ajuda o paciente precisa?
Embora a grande maioria dos casos de obesidade possa ser atribuída a fatores
comportamentais que afetam a dieta e os padrões de atividade física, a anamnese pode
sugerir causas secundárias que requeiram maior avaliação. Os distúrbios a considerar
são síndrome do ovário policístico, hipotireoidismo, síndrome de Cushing e doença
hipotalâmica. O ganho de peso induzido por fármacos também deve ser considerado.
São causas comuns os medicamentos para diabetes (insulina, sulfonilureias,
tiazolidinedionas), os hormônios esteroides, os agentes psicotrópicos, os
estabilizadores do humor (lítio), os antidepressivos (tricíclicos, inibidores da
monoaminoxidase, paroxetina, mirtazapina) e os antiepilépticos (valproato,
gabapentina, carbamazepina). Outras medicações, como os anti-inflamatórios não
esteroides e os bloqueadores dos canais de cálcio, podem causar edema periférico, mas
não aumentam a gordura corporal.
A alimentação e os padrões de atividade física atuais do paciente podem revelar
fatores que contribuem para o desenvolvimento de obesidade e podem identificar
comportamentos com vistas ao tratamento. É mais fácil obter esse tipo de informação
histórica pela combinação de um questionário com uma entrevista.
Índice de massa corporal (IMC) e circunferência da cintura Há três medidas
antropométricasimportantes para se avaliar o grau de obesidade: o peso, a estatura e a
circunferência da cintura. O IMC, calculado como peso (kg)/altura (m)2, ou peso
(libras)/altura (polegadas)2 × 703, é usado para classificar a condição do peso e o
risco de doença (Quadros 416.1 e 416.2). O IMC fornece uma estimativa da gordura
corporal e está relacionado com o risco de doença. Foram propostos limiares baixos de
IMC para o sobrepeso e a obesidade para a região asiática do Pacífico porque essa
população de peso corporal baixo parece estar sob risco de apresentar anormalidades
da glicose e dos lipídeos.
QUADRO 416.1 ÍNDICE DE MASSA CORPORAL (IMC)
IMC 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35
Altura
(cm) Peso corporal (kg)
147 41 44 45 48 50 52 54 56 59 61 63 65 67 69 72 73 76
150 43 45 47 49 52 54 56 58 60 63 65 67 69 72 74 76 78
152 44 46 49 51 54 56 58 60 63 65 67 69 72 74 76 79 81
155 45 48 50 53 55 58 60 62 65 67 69 72 74 77 79 82 84
157 47 49 52 54 57 59 62 64 67 69 72 74 77 79 82 84 87
160 49 51 54 56 59 61 64 66 69 72 74 77 79 82 84 87 89
163 50 53 55 58 61 64 66 68 71 74 77 79 82 84 87 89 93
165 52 54 57 60 63 65 68 71 73 76 79 82 84 87 90 93 95
168 54 56 59 62 64 67 70 73 76 78 81 84 87 90 93 95 98
170 55 58 61 64 66 69 72 75 78 81 84 87 90 93 96 98 101
173 57 59 63 65 68 72 74 78 80 83 86 89 92 95 98 101 104
175 58 61 64 68 70 73 77 80 83 86 89 92 95 98 101 104 107
178 60 63 66 69 73 76 79 82 85 88 92 95 98 101 104 107 110
180 62 65 68 71 75 78 81 84 88 91 94 98 101 104 107 110 113
183 64 67 70 73 77 80 83 87 90 93 97 100 103 107 110 113 117
185 65 68 72 75 79 83 86 89 93 96 99 103 107 110 113 117 120
188 67 70 74 78 81 84 88 92 95 99 102 106 109 113 116 120 123
191 69 73 76 80 83 87 91 94 98 102 105 109 112 116 120 123 127
193 71 74 78 82 86 89 93 97 100 104 108 112 115 119 123 127 130
IMC 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51
147 78 80 82 84 87 89 91 93 95 98 100 102 104 106 108 111
150 81 83 85 88 90 92 94 96 98 101 103 105 108 110 112 114
152 83 86 88 90 93 95 98 100 102 104 107 109 111 113 116 118
155 86 88 91 93 96 98 101 103 105 108 110 112 115 117 120 122
157 89 92 94 97 99 102 104 107 109 112 114 116 119 121 124 126
160 92 94 97 100 102 105 108 110 112 115 117 120 122 126 128 130
163 95 98 100 103 105 108 111 113 116 119 121 124 127 129 132 134
165 98 101 103 106 109 112 114 117 120 122 125 128 131 133 136 139
168 101 104 107 109 112 115 118 121 123 126 129 132 135 137 140 143
170 104 107 110 113 116 118 122 124 127 130 133 136 139 142 145 147
173 107 110 113 116 119 122 125 128 131 134 137 140 143 146 149 152
175 110 113 117 119 122 126 129 132 135 138 141 144 147 150 153 156
178 113 117 120 123 126 129 132 136 139 142 145 148 152 155 158 161
180 117 120 123 127 130 133 137 140 143 146 149 153 156 159 162 166
183 120 123 127 130 133 137 140 143 147 150 153 157 160 164 167 170
185 123 127 131 134 137 141 144 147 151 154 158 161 165 168 171 175
188 127 130 134 137 141 145 148 152 155 159 162 166 169 173 176 180
191 130 134 137 141 145 148 152 156 159 163 166 170 174 177 181 185
193 134 138 142 145 149 152 156 160 164 167 171 175 179 182 186 190
QUADRO 416.2 CLASSIFICAÇÃO DO STATUS DO PESO E RISCO DE DOENÇA
Classificação
Índice de massa
corporal (kg/m2)
Classe da
obesidade Risco de doença
Subpeso < 18,5 — —
Peso saudável 18,5-24,9 — —
Sobrepeso 25,0-29,9 — Aumentado
Obesidade 30,0-34,9 I Alto
Obesidade 35,0-39,9 II Muito alto
Obesidade extrema ≥ 40 III Extremamente
alto
Fonte: Adaptado do National Institutes of Health, National Heart , Lung, and Blood Institute: Clinical Guidelines on the Identification,
Evaluation, and Treatment of Overweight and Obesity in Adults. U.S. Department of Health and Human Services, U.S. Public Health Service,
1998.
O excesso de gordura abdominal, avaliado pela medida da circunferência da cintura
ou pela proporção entre a cintura e os quadris, é associado de forma independente a um
maior risco de diabetes melito e doença cardiovascular. A medição da circunferência
da cintura é um indicador do tecido adiposo visceral e deverá ser feita no plano
horizontal, acima da crista ilíaca (Quadro 416.3).
QUADRO 416.3 VALORES DOS PONTOS DE CORTE ÉTNICO-ESPECÍFICOS PARA CIRCUNFERÊNCIA
DA CINTURA
Grupo étnico Circunferência da cintura
Europeus
Homens > 94 cm
Mulheres > 80 cm
Sul da Ásia e chineses
Homens > 90 cm
Mulheres > 80 cm
Japoneses
Homens > 85 cm
Mulheres > 90 cm
Etnias das Américas do Sul e Central Usar as recomendações para os asiáticos do sul até que estejam
disponíveis dados mais específicos
Africanos da região subsaariana Usar os dados para os europeus até que estejam disponíveis dados
mais específicos
Populações do leste do Mediterrâneo e do
Oriente Médio (Arábia)
Usar os dados para os europeus até que estejam disponíveis dados
mais específicos
Fonte: De KGMM Alberti et al. para o IDF Epidemiology Task Force Consensus Group: Lancet 366: 1059, 2005.
Aptidão física Vários estudos prospectivos demonstraram que a aptidão física, relatada
em questionário ou medida em um teste de esforço máximo em esteira, é um previsor
importante da taxa de mortalidade por qualquer causa, independentemente do IMC e da
composição corporal. Tais observações esclarecem a importância de se obter uma
história de exercício e atividade física durante o exame, bem como de enfatizar a
atividade física como uma abordagem terapêutica.
Condições de morbidade associadas à obesidade A avaliação das condições
mórbidas concomitantes deve basear-se na manifestação de sintomas, nos fatores de
risco e no índice de suspeita. Para todos os pacientes, deverá ser realizado um painel
de jejum de lipídeos (níveis totais, lipoproteínas de baixa densidade, lipoproteínas de
alta densidade, colesterol e triglicerídeos) e a determinação do nível de glicose
sanguínea no jejum e da pressão sanguínea. Os sintomas e as doenças direta e
indiretamente relacionados com a obesidade constam no Quadro 416.4. Apesar da
variação individual, o número e a gravidade das condições específicas de comorbidade
em geral aumentam com níveis maiores de obesidade. Os pacientes sobre risco
absoluto muito alto incluem aqueles com doença arterial coronariana (DAC), outras
doenças ateroscleróticas, como a arterial periférica, aneurisma da aorta abdominal e
doença sintomática da artéria carótida, diabetes tipo 2 e apneia do sono.
QUADRO 416.4 REVISÃO DOS SISTEMAS ORGÂNICOS RELACIONADOS COM A OBESIDADE
Cardiovascular
Hipertensão arterial
Insuficiência cardíaca congestiva
Cor pulmonale
Veias varicosas
Embolia pulmonar
Doença arterial coronariana (DAC)
Endócrino
Síndrome metabólica
Diabetes tipo 2
Dislipidemia
Síndrome dos ovários policísticos
Musculoesquelético
Hiperuricemia e gota
Imobilidade
Osteoartrite (joelhos e quadris)
Dor na região lombar
Síndrome do túnel do carpo
Psicológico
Depressão/baixa autoestima
Distúrbio da imagem corporal
Estigmatização social
Tegumento
Estrias
Estase e pigmentação das pernas
Linfedema
Celulite
Intertrigo, carbúnculos
Acantose nigricans
Acrocórdons (apêndices cutâneos)
Hidradenite supurativa
Respiratório
Dispneia
Apneia obstrutiva do sono
Síndrome hipoventilatória
Síndrome de Pickwick
Asma
Gastrintestinal
Doença do refluxo gastresofágico
Doença hepática gordurosa não alcoólica
Colelitíase
Hérnias
Câncer de cólon
Geniturinário
Incontinência urinária por estresse
Glomerulopatia relacionada à obesidade
Hipogonadismo (masculino)
Cânceres de mama e uterino
Complicações da gravidez
Neurológico
Acidente vascular encefálico
Hipertensão intracraniana idiopática
Meralgia parestética
Demência
Avaliação da disposição do paciente em alterar seu estilo de vida Uma tentativa de
iniciar modificações no estilo de vida quando o paciente ainda não está pronto em geralacarreta frustração e pode prejudicar esforços futuros para emagrecer. A avaliação
inclui motivação e apoio ao paciente, eventos estressantes da vida, estado psiquiátrico,
disponibilidade e limitações de tempo, além de estabelecimento de metas e
expectativas apropriadas. A disposição do paciente pode ser vista como o equilíbrio
entre duas forças opostas: (1) a motivação ou a vontade do paciente de mudar, e (2) a
resistência ou a relutância do paciente à mudança.
Um método útil para começar uma avaliação é o uso de uma técnica de entrevista
motivacional para “amarrar” o interesse e o compromisso do paciente a uma escala
numérica. Nessa técnica, pede-se ao paciente que classifique – em uma escala de 0 a
10, com o 0 significando um fato não tão importante (ou confiável) e o 10 significando
um fato muito importante (ou confiável) – seu nível de interesse e de confiança sobre
perder peso neste momento. Tal exercício ajuda a estabelecer a disposição do paciente
para mudar e serve como base para o diálogo seguinte.
TRATAMENTO OBESIDADE
O OBJETIVO DA TERAPIA
Os objetivos primários do tratamento são melhorar as condições de comorbidade
relacionadas com a obesidade e reduzir o risco do desenvolvimento de comorbidades
futuras. A informação obtida a partir da anamnese, do exame físico e dos testes
diagnósticos é usada para determinar o risco e elaborar um plano de tratamento (Fig.
416.1). A decisão quanto a instituir um tratamento até certo ponto agressivo e qual
modalidade usar é determinada pelo risco do paciente, por suas expectativas e pelos
recursos disponíveis. Nem todos os pacientes considerados obesos pelo IMC isolado
precisam ser tratados, conforme exemplificado pelos conceitos do paradoxo da
obesidade ou de obesos metabolicamente saudáveis. Entretanto, pacientes que
apresentam comorbidades relacionadas com a obesidade e que se beneficiariam de uma
intervenção para perda de peso deverão ser tratados de forma proativa. O tratamento da
obesidade sempre começa com uma mudança no estilo de vida e pode incluir
farmacoterapia ou cirurgia, dependendo da categoria de risco do IMC (Quadro 416.5).
Uma perda de peso de 8 a 10% em seis meses constitui uma meta realista.
FIGURA 416.1 Algoritmo para o tratamento da obesidade. Esse algoritmo aplica-se
apenas à avaliação de sobrepeso e obesidade e às decisões subsequentes com base em
tal avaliação. Ele não reflete a avaliação global inicial de outras condições que o
médico julgue necessário. IMC, índice de massa corporal; Hist., história. (De National,
Heart, Lung, and Blood Institute: Clinical guidelines on the identification,
evaluation, and treatment of overweight and obesity in adults: The evidence report.
Washington, DC, US Department of Health and Human Services, 1998.)
QUADRO 416.5 UM GUIA PARA A OPÇÃO DO TRATAMENTO PARA OBESIDADE
Tratamento
Categoria do IMC (kg/m2)
25-26,9 27-29,9 30-34,9 35-39,9 ≥ 40
Dieta, exercício,
terapia comportamental
Com comorbidades Com comorbidades + + +
Farmacoterapia — Com comorbidades + + +
Cirurgia — — — Com comorbidades +
Fonte: De National Heart , Lung, and Blood Institute, North American Association for the Study of Obesity (2000).
MONITORAMENTO DO ESTILO DE VIDA
O tratamento da obesidade abrange atenção a três elementos essenciais do estilo de
vida: hábitos alimentares, atividade física e modificação do comportamento. Como a
obesidade é fundamentalmente uma doença decorrente do desequilíbrio energético,
todos os pacientes precisam aprender como e quando a energia (alimento) é consumida,
como e quando é gasta (atividade física), e como incorporar essas informações a seu
cotidiano (terapia comportamental). Mostrou-se que a mudança no estilo de vida resulta
em perda de peso modesta (em geral 3-5 kg) em comparação com a ausência de
tratamento ou a conduta habitual.
Terapia alimentar O foco primário da terapia alimentar é reduzir o consumo global de
calorias. As diretrizes do National Heart, Lung and Blood Institute recomendam iniciar
o tratamento com um déficit de calorias de 500 a 1.000 kcal/dia em comparação com a
alimentação habitual do paciente. Tal redução é compatível com a meta de perda de
cerca de 450 g a 1 kg por semana. O déficit de calorias poderá ser instituído por
alimentos substitutos ou alternativos. Exemplos incluem porções menores, comer mais
frutas, legumes e vegetais, consumir mais cereais integrais, escolher cortes de carne e
laticínios com menos gordura, reduzir o consumo de alimentos fritos e de outros
alimentos com o acréscimo de outras gorduras e óleos e beber água em vez de bebidas
adoçadas com açúcar. É importante que o aconselhamento alimentar continue centrado
no paciente e as metas estabelecidas sejam práticas, realistas e viáveis.
A composição dos macronutrientes da dieta irá variar de acordo com a preferência
e a condição clínica do paciente. As normas de 2010 do Department of Agriculture
Dietary norte-americano para os norte-americanos (Cap. 95e), que são focadas na
promoção da saúde e na redução do risco à saúde, podem ser aplicadas ao tratamento
dos pacientes com sobrepeso ou obesos. As recomendações indicadas são manter uma
dieta rica em cereais integrais, frutas, legumes e verduras e em fibras alimentares;
consumir duas porções (180 g) de peixe rico em ácidos graxos ômega 3 por semana;
diminuir a ingestão de sódio para < 2.300 mg/dia; tomar três copos de leite (ou o
equivalente em laticínios com baixo teor de gordura ou desnatados) por dia; limitar a
ingestão de colesterol a < 300 mg/dia e manter a ingestão de gordura total entre 20 e
35% das calorias diárias e a ingestão de gorduras saturadas em < 10% das calorias
diárias. A aplicação dessas diretrizes a metas calóricas específicas pode ser
encontrada no website www.choosemyplate.gov. O Dietary Reference Intakes for
Macronutrients revisado, liberado pelo Institute of Medicine, recomenda que 45 a 65%
das calorias venham de carboidratos, 20 a 35% de gorduras e 10 a 35% de proteínas.
As diretrizes também recomendam um consumo diário de fibra de 38 g (homens) e 25 g
(mulheres) para as pessoas com mais de 50 anos de idade e 30 g (homens) e 21 g
(mulheres) para aquelas com menos de 50 anos de idade.
O controle das porções é uma das estratégias mais difíceis para os pacientes; o uso
de produtos preparados previamente, como substitutos de refeições, é uma sugestão
simples e conveniente. São exemplos as refeições congeladas, bebidas enlatadas e
barras de cereais. O uso de substituições de refeições na alimentação tem levado a uma
perda de peso de 7 a 8%.
Numerosos ensaios randomizados comparando dietas de diferentes composições de
macronutrientes (p. ex., pobre em carboidratos, pobre em gorduras, mediterrânea)
mostraram que a perda de peso depende primariamente da redução da ingestão de
calorias totais e da adesão à dieta prescrita, e não às proporções específicas de
carboidratos, gorduras e proteínas na dieta. A composição dos macronutrientes será, em
última análise, determinada pelas preferências de paladar, estilo de cozinha e cultura
do paciente. Entretanto, os problemas médicos básicos do paciente também são
importantes na orientação da composição alimentar recomendada. A prescrição
alimentar irá variar de acordo com o perfil metabólico e os fatores de risco do
paciente. Uma consulta com um nutricionista registrado para o tratamento médico
nutricional é particularmente útil para se considerar a preferência do paciente e o
tratamento de condições de comorbidade.
Outra abordagem alimentar a ser considerada se baseia no conceito de densidade
energética, que se refere ao número de calorias (i.e., quantidade de energia) contido
em um alimento por unidade de peso. As pessoas tendem a ingerir um volume constante
de alimento, qualquer que seja seu conteúdo calórico ou de macronutrientes. O
acréscimo de água ou fibras a um alimento diminui sua densidade energética por
aumentar o peso sem afetaro conteúdo calórico. São exemplos de alimentos com baixa
densidade energética as sopas, as frutas, os legumes e as verduras, a farinha de aveia e
as carnes magras. Os alimentos secos e os ricos em gordura, como pretzels, queijos,
gema de ovo, batatas fritas e carne vermelha, têm alta densidade energética. Mostrou-se
que as dietas que contêm alimentos com baixa densidade energética controlam a fome e,
portanto, resultam em baixo consumo calórico e perda de peso.
Ocasionalmente, dietas muito pobres em calorias (DMPCs) são prescritas como
uma forma de terapia dietética agressiva. O objetivo primário de uma DMPC é
promover uma perda de peso rápida e significativa (13-23 kg) em curto prazo, em um
período de 3 a 6 meses. As fórmulas comerciais elaboradas com esse objetivo
costumam fornecer ≤ 800 kcal, 50 a 80 g de proteína e 100% do consumo diário
recomendado de vitaminas e minerais. De acordo com uma revisão da National Task
Force on the Prevention and Treatment of Obesity, as indicações para se iniciar uma
DMPC incluem o envolvimento de indivíduos bem motivados com obesidade moderada
a grave (IMC > 30 kg/m2), que tenham falhado nas abordagens mais conservadoras para
perda de peso e que tenham uma condição clínica que poderia melhorar imediatamente
com a perda rápida de peso. Tais condições incluem diabetes tipo 2 não controlado,
hipertrigliceridemia, apneia obstrutiva do sono e edema periférico sintomático. O risco
de formação de cálculos biliares aumenta exponencialmente com taxas de perda de
peso > 1,5 kg/semana. A profilaxia contra a formação de cálculos biliares com ácido
ursodesoxicólico (600 mg/dia) é efetiva para reduzir esse risco. Devido à necessidade
de monitoração metabólica estrita, as DMPCs em geral são prescritas por médicos
especializados no tratamento da obesidade.
Terapia com atividade física Embora o exercício isoladamente tenha eficácia apenas
moderada em termos de perda de peso, combinado com a modificação alimentar,
constitui a abordagem comportamental mais efetiva no tratamento da obesidade. O
papel mais importante do exercício parece ser na manutenção da perda de peso. As
Physical Activity Guidelines for Americans (www.health.gov/paguidelines ) de 2008
recomendam que os adultos devam se engajar em atividades físicas aeróbias de
intensidade moderada durante 150 minutos por semana ou de intensidade forte durante
75 minutos por semana, realizadas em episódios de pelo menos 10 minutos,
preferencialmente distribuídas ao longo da semana. O foco deverá ser a sugestão de
maneiras simples de acrescentar atividade física à rotina diária normal por meio de
atividades de lazer, viagens e trabalho doméstico. São exemplos as caminhadas, o uso
de escadas, os cuidados da casa e de sua área externa, bem como a prática de algum
esporte. Uma estratégia útil é pedir que o paciente use um pedômetro ou acelerômetro
para monitorar o acúmulo total de passos ou kcal gastas como parte das atividades
cotidianas. A contagem de passos tem alta correlação com o nível de atividade. Estudos
demonstraram que as atividades do estilo de vida são tão efetivas quanto programas
estruturados de exercícios para melhorar a aptidão cardiorrespiratória e a perda de
peso. Um nível elevado de atividade física (> 300 minutos de atividade de intensidade
moderada por semana) normalmente é necessário para perder e sustentar a perda de
peso. Essas recomendações de exercícios assustam um pouco a maioria dos pacientes,
precisando ser implementadas gradualmente. A consulta a um fisiologista especializado
em exercícios ou personal trainer poderá ser útil.
Terapia comportamental A terapia comportamental cognitiva é usada para ajudar a
mudança e o reforço de novos comportamentos alimentares e de atividade física. As
estratégias incluem técnicas de automonitoração (p. ex., um diário, verificação do peso,
quantificação do alimento e da atividade), controle do estresse e dos estímulos (p. ex.,
uso de pratos menores, não comer vendo televisão ou no carro), apoio social, solução
de problemas e reestruturação cognitiva para ajudar os pacientes a desenvolverem
ideias mais positivas e realistas sobre si mesmos. Ao recomendar qualquer mudança
comportamental no estilo de vida, deve-se pedir ao paciente que identifique qual,
quando, onde e como a mudança de comportamento será feita. O paciente deverá manter
um registro da modificação comportamental esperada, de modo que o progresso possa
ser revisto na próxima consulta. Como a implementação dessas técnicas demanda
tempo, sua supervisão com frequência é realizada por uma equipe auxiliar do
consultório, como um enfermeiro clínico ou um nutricionista profissional.
FARMACOTERAPIA
Os tratamentos farmacológicos adjuvantes devem ser considerados no caso dos
pacientes com um IMC ≥ 30 kg/m2 ou – para pacientes que possuam doenças
concomitantes relacionadas com a obesidade e para aqueles cuja terapia dietética e
atividade física não tenham tido êxito – um IMC ≥ 27 kg/m2. Quando se prescreve um
medicamento antiobesidade, os pacientes devem estar ativamente engajados em um
programa de mudança do estilo de vida que forneça as estratégias e as habilidades
necessárias ao uso efetivo do fármaco, pois tal apoio aumenta a perda de peso total.
As medicações para obesidade se encaixam tradicionalmente em duas principais
categorias: moderadores de apetite (anorexígenos) e bloqueadores da gordura
intestinal. Os medicamentos moderadores de apetite foram primariamente direcionados
para três sistemas receptores de monoaminas no hipotálamo: receptores
noradrenérgicos, dopaminérgicos e serotonérgicos. Dois novos moderadores de apetite
foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) norte-americana em
2012: a lorcaserina e o fentermina/topiramato (PHEN/TPM) de liberação prolongada.
Os bloqueadores de gordura gastrintestinal reduzem a absorção de macronutrientes
selecionados, como as gorduras, a partir do trato gastrintestinal.
Medicações anoxerígenas de ação central Os anorenígenos afetam a saciedade (a
ausência de fome após a alimentação) e a fome (a sensação biológica que prontifica o
ato de comer). Ao aumentarem a saciedade e diminuírem a fome, esses agentes ajudam
os pacientes a reduzir o consumo de calorias sem a sensação de privação. O alvo para
a ação dos anorexígenos é constituído pelas regiões hipotalâmicas laterais no sistema
nervoso central (Cap. 415e). O efeito biológico desses agentes sobre a regulação do
apetite é causado pelo aumento da neurotransmissão de três monoaminas: norepinefrina,
serotonina (5-hidroxitriptamina, ou 5-HT) e, em menor extensão, dopamina. Os agentes
adrenérgicos simpaticomiméticos clássicos (benzfetamina, fendimetrazina,
dietilpropiona, mazindol e fentermina) atuam estimulando a liberação da norepinefrina
ou bloqueando sua reabsorção. Entre os anoxerígenos, a fentermina tem sido o fármaco
prescrito com maior frequência; os dados de longo prazo a respeito de sua eficácia são
limitados. Uma revisão de 2002 de seis ensaios randomizados controlados por placebo
de fentermina para o controle de peso mostrou que os pacientes perderam 0,6 a 6 quilos
de peso adicionais durante 2 a 24 semanas de tratamento. Os efeitos colaterais mais
comuns dos anoxerígenos derivados da anfetamina são inquietação, insônia, boca seca,
constipação e aumento da pressão arterial e frequência cardíaca.
O PHEN/TPM é um fármaco combinado que contém um liberador de catecolamina
(fentermina) e um anticonvulsivante (topiramato). O topiramato é aprovado pela FDA
como anticonvulsivante para o tratamento da epilepsia e para a profilaxia de
enxaquecas. A perda de peso foi identificada como um efeito colateral indesejado do
topiramato durante ensaios clínicos para epilepsia. O mecanismo responsável pela
perda de peso causada pelo topiramato é desconhecido, porém acredita-se que seja
realizado por sua modulação de receptores do ácido γ-aminobutírico, inibição da
anidrase carbônica e antagonismodo glutamato. O PHEN/TPM participou de dois
ensaios piloto randomizados de um ano duplo-cegos controlados por placebo de
eficácia e segurança: EQUIP e CONQUER. Em um terceiro estudo, SEQUEL, 78% dos
pacientes de CONQUER continuaram a receber seu tratamento cego por um ano
adicional. Todos os participantes receberam aconselhamento nutricional e de
exercícios físicos. O número de participantes, a elegibilidade, as características e os
resultados de perda de peso estão mostrados no Quadro 416.6. A perda de peso em um
ano subtraída do placebo com intenção de tratamento com as doses de PHEN/TPM de
15 mg/92 mg foi de 9,3% e 8,6%, respectivamente, nos ensaios EQUIP e CONQUER.
A melhora clínica e estatística dose-dependente foi vista em avaliações de resultados
cardiovasculares e metabólicos que foram relatados para a perda de peso. Os eventos
adversos mais comuns experimentados pelo grupo randomizado pelo fármaco foram
parestesia, boca seca, constipação, disgeusia e insônia. Devido ao aumento do risco de
formação congênita de fissuras orais no feto por topiramato, a aprovação do
PHEN/TPM pela FDA estipulou uma exigência do Risk Evaluation and Mitigation
Strategies para educar os profissionais sobre a necessidade de controle de natalidade
ativa entre mulheres em idade fértil com uma contraindicação para o uso durante a
gravidez.
A lorcaserina é um agonista seletivo do receptor de 5-HT2C com uma seletividade
funcional cerca de 15 vezes superior à dos receptores de 5-HT2A e 100 vezes àquela
dos receptores de 5-HT2B. Essa seletividade é importante, já que a valvulopatia
3. 4. 1. 2.
induzida por fármacos documentada com dois outros agentes serotonérgicos que foram
removidos do mercado – fenfluramina e dexfenfluramina – foi devida à ativação de
receptores de 5-HT2B expressos nas células intersticiais das valvas cardíacas. Pela
ativação do receptor de 5-HT2C, acredita-se que a lorcaserina reduza a ingestão de
alimento por meio do sistema pró-opiomelanocortina dos neurônios.
A lorcaserina participou de dois ensaios randomizados duplo-cegos controlados por
placebo de eficácia e segurança. Os participantes foram randomizados para receber
lorcaserina (10 mg duas vezes ao dia) ou placebo no estudo BLOOM e para receber
lorcaserina (10 mg 1 ou duas vezes ao dia) ou placebo no estudo BLOSSOM. Todos os
participantes receberam aconselhamento nutricional e de exercícios físicos. O número
de participantes, a elegibilidade, as características e os resultados da perda de peso
estão mostrados no Quadro 416.6. Os indivíduos com sobrepeso ou obesos mostraram
pelo menos uma condição coexistente (hipertensão, dislipidemia, doença
cardiovascular, comprometimento da tolerância à glicose ou apneia do sono) –
condições médicas que são comumente observadas no ambiente de consultório. A perda
de peso em um ano subtraída do placebo com intenção de tratamento foi de 3,6 e 3%,
respectivamente, nos ensaios BLOOM e BLOSSOM. A ecocardiografia foi realizada na
visita de rastreamento e em intervalos de tempo regulares durante o curso dos estudos.
Não foram observadas diferenças no desenvolvimento de valvulopatia definida pela
FDA entre os participantes tratados com fármacos ou tratados com placebo em um ou
dois anos. Foi observada uma modesta melhora estatística consistente com a perda de
peso em avaliações selecionadas de resultados metabólicos e cardiovasculares. Os
eventos adversos mais comuns experimentados pelo grupo tratado com o fármaco foram
dor de cabeça, tontura e náuseas.
QUADRO 416.6 ENSAIOS CLÍNICOS PARA MEDICAÇÕES DA PERDA DE PESOa
Lorcaserina PHEN/TPMd
BLOOMb BLOSSOMc EQUIP CONQUER
Nº de participantes (ITT-LOCF) 182 008 230 448
Idade (anos) 18-65 18-65 ≥ 35 27-45
IMC (kg/m2) 27-45 27-45 18-70 18-70
Condições de comorbidade (cardiovascular e
metabólica)
≥ 1 ≥ 1 ≥ 1 ≥ 2
Perda de peso média (%) com tratamento vs.
placebo
5,8 vs. 2,2 4,8 vs. 2,8 11 vs.
1,6
10,4 vs. 1,8
Perda de peso subtraída do placebo (%) 3,6 3,0 9,3 8,6
Alteração categórica em perda de peso de 5%
com tratamento vs. placebo
47,5 vs. 20,3 47,2 vs. 25 67 vs.
17
70 vs. 21
Taxa de conclusão (%) Lorcaserina, 55,4;
placebo, 45,1
55,5 59,9 62
aO quadro mostra uma comparação de dois ensaios duplo-cegos randomizados prospectivos de um ano da lorcaserina (BLOOM e BLOSSOM) e do
fentermina-topiramato de liberação prolongada (EQUIP e CONQUER). bDose de lorcaserina: 10 mg, 2x/dia. cDose de lorcaserina: 10 mg 1 ou
2x/dia. dDose de fentermina-topiramato de liberação prolongada: 15 mg/92 mg.
Abreviações: IMC, índice de massa corporal (ver Quadro 416.1); ITT-LOCF, intenção de tratamento, últ ima observação levada adiante, de
intention to treat, last observation carried forward; PHEN/TPM, fentermina-topiramato de liberação prolongada.
Na aprovação do PHEN/TPM e da lorcaserina, a FDA introduziu uma nova
provisão com relevância clínica importante: uma prescrição de um período
experimental para avaliar a eficácia. A resposta a ambas as medicações deverá ser
avaliada após três meses de tratamento. No caso da lorcaserina, a medicação deverá
ser interrompida se o paciente não tiver perdido pelo menos 5% de peso corporal até
aquele momento. No caso do PHEN/TPM, se o paciente não tiver perdido pelo menos
3% de peso corporal em três meses, o médico poderá aumentar a dose e reavaliar o
progresso em seis meses ou interromper o tratamento completamente.
Medicações de ação periférica O orlistate é um derivado hidrogenado sintético de um
inibidor da lipase de ocorrência natural, a lipostatina, que é produzido pelo fungo
Streptomyces toxytricini. Esse fármaco consiste em um inibidor potente, lentamente
reversível, das lipases pancreáticas, gástricas e carboxiléster e da fosfolipase A2, que
são necessárias à hidrólise da gordura alimentar em ácidos graxos e monoacilgliceróis.
O orlistate atua no lúmen do estômago e intestino delgado formando uma ligação
covalente com o sítio ativo dessas lipases. Administrado em uma dose terapêutica de
120 mg três vezes ao dia, o orlistate bloqueia a digestão e a absorção de cerca de 30%
da gordura alimentar. Após a interrupção de sua administração, o conteúdo de gordura
fecal em geral volta ao normal em 48 a 72 horas.
Vários estudos randomizados duplo-cegos controlados por placebo mostraram que,
após um ano, o orlistate induz uma perda de peso de cerca de 9 a 10%, enquanto os
receptores de placebo apresentaram uma perda de peso de 4 a 6%. Como a absorção do
orlistate do trato gastrintestinal é mínima (< 1%), ele não apresenta efeitos colaterais
sistêmicos. A tolerabilidade ao fármaco está relacionada à má absorção de gordura
alimentar e à subsequente passagem de gordura pelas fezes. Efeitos gastrintestinais
adversos, incluindo gases com eliminação, urgência fecal, fezes gordurosas/oleosas e
aumento da evacuação, são relatados por pelo menos 10% dos pacientes tratados com
orlistate. Em geral, tais efeitos colaterais são observados precocemente, diminuem à
medida que os pacientes controlam o consumo de gordura e poucas vezes fazem os
pacientes abandonarem os ensaios clínicos. Quando administrado em conjunto, o
muciloide de psyllium é útil no controle dos efeitos colaterais gastrintestinais induzidos
pelo orlistate. Como as concentrações séricas das vitaminas lipossolúveis D e E e do
β-caroteno podem ficar reduzidas em consequência do tratamento com orlistate, os
suplementos vitamínicos são recomendados para prevenir possíveis deficiências. O
orlistate foi aprovado para venda sem prescrição em 2007.
Fármacos antiobesidade em desenvolvimento Dois medicamentos adicionais
encontram-se atualmente em desenvolvimento. A bupropiona e a naltrexona – um
inibidor da recaptação de dopamina e norepinefrina e um antagonista do receptor de
opioide, respectivamente – são combinadas para reduzir a motivação/o reforço que a
comida proporciona (efeito dopamina) e o prazer/a palatabilidade de comer (efeito
opioide).

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