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ESTADO LAICO volume 1
UNICESUMAR
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coletiva. Em consequência, não podem exteriorizar suas discordâncias à ideologia da organização de forma pública e notória. Aqui estaríamos inclusive diante de situações nas quais a discriminação em razão das convicções pode ser justificada, como será explicado mais a frente. De outro lado estão os trabalhadores de tendência forte que carregam em si mesmos a ideologia da organização, chegando de certa forma a personificá-la. De maneira que esse autor assinala: “A intensidade do vínculo político, sindical ou religioso e a presença em alguns casos de um autêntico dever de fidelidade exclusivamente ideológico justificariam a vinculação contratual de uma grande parte da atividade pública desenvolvida pelo empregado fora do local e do tempo de trabalho.”27 Nesse caso, pode-se falar em identidade do fim ideológico perseguido pelo trabalhador e pela empresa. A modulação do exercício da liberdade de pensamento alcança a vida privada desse trabalhador, que deve adotar ideologia conforme àquela preconizada pela organização de tendência. Portanto, “as limitações especiais decorrentes da empresa de tendência, somente afetarão àqueles trabalhadores cuja prestação de serviços consista especificamente no desenvolvimento da atividade ideológica da empresa; dito de outra forma, são prestações de trabalho de grande conteúdo ideológico, sendo estes trabalhadores os que difundem esse ideal.”28 c) Identificação do fenômeno ideológico no contrato de trabalho A doutrina adota teorias subjetivas e objetivas para explicar a presença da ideologia no contrato de trabalho como uma obrigação contratual. 26 CALVO GALLEGO, F.J. Contrato de Trabajo y Libertad Ideológica: Derechos fundamentales y or- ganizaciones de tendencia. op. cit., p. 156. 27 CALVO GALLEGO, F.J. Contrato de Trabajo y Libertad Ideológica: Derechos fundamentales y or- ganizaciones de tendencia. op. cit., p. 173. 28 GORELLI HERNÁNDEZ, J. Libertad de expresión, ideario de la empresa y despido (en torno a la STC 106/1996, de 12 de junio, BOE de 12 de julio), op. cit., p. 116. 23Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico São duas as teorias subjetivas para explicar esse fenômeno: a vontade das partes e o vínculo entre um contrato de trabalho comum e outro prévio, atípico e/ou implícito de comunhão de fé. A primeira teoria reconhece a vontade das partes e a consideração por estas de sua afinidade ideológica como uma condição necessária para a possível estipulação e manutenção deste tipo de contrato de trabalho. A relevância da ideologia no sinalagma contratual, fruto do expresso ou tácito acordo de vontades, justificaria a possível resolução unilateral da relação quando desaparecesse esta “necessária” comunhão de fé ou de crenças. Para determinados autores, esta identidade ideológica poderia inclusive constituir a base subjetiva do negócio, um pressuposto comum a ambas as partes, cujo desaparecimento permitiria a imediata rescisão contratual. Essa teoria resulta em uma sobrecarga ao trabalhador, como nos alerta Alain Supiot: “Quando a relação de trabalho se concebe como um vínculo pessoal, a dependência que gera não se situa no tempo e no espaço mas atinge a própria pessoa do trabalhador, que está submetido sempre e em todo lugar a um dever de lealdade e de fidelidade com respeito ao seu empresário.” 29 A segunda teoria estabelece o vínculo contratual entre um contrato de trabalho ordinário e outro prévio, atípico e/ou implícito de comunhão de fé. A estipulação, conservação ou resolução do contrato de trabalho só seria possível na medida em que o trabalhador compartilhasse a crença ou orientação ideológica transmitida pela organização, situação verificada na sua filiação à organização. As possíveis vicissitudes deste negócio atípico de comunhão de fé deveriam influir necessariamente sobre a validade da execução da relação de trabalho. A remessa da ideologia a um negócio externo ao contrato de trabalho permitiria, além do mais, afastar a possível especialidade deste tipo de relação, assegurando, ao mesmo tempo, a “inevitável” identidade ideológica entre as partes. São diversas as críticas que se opõem às teorias subjetivas, entre as quais podemos citar: a desnecessária complexidade, a possível ausência original de uma comunhão ideológica entre as partes, e a duvidosa eficácia da simples motivação interna dos contratantes sobre o desenvolvimento do contrato quando o desaparecimento destes pressupostos não afete a causa do negócio. Ademais, elas podem chegar a autorizar limitações no exercício dos direitos fundamentais absolutamente desnecessárias para o correto cumprimento da dívida trabalhista ou para a conservação da imagem e credibilidade da organização.30 29 SUPIOT, A. Critica Del Derecho del Trabajo. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, 1996, P. 185. 30 As críticas são apresentadas na obra de Calvo Gallego. (Contrato de Trabajo y Libertad Ideológica: De- rechos fundamentales y organizaciones de tendencia. op. cit). 24 Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico Nas teorias objetivas, o fenômeno ideológico surge como uma característica qualitativa do objeto da prestação de serviços. As tarefas ideológicas formam parte da prestação de serviços. O trabalho ideológico deve refletir, ao mesmo tempo, a típica orientação política, sindical ou religiosa fomentada pela organização. A ideologia aparece assim como uma característica inseparável ou indivisível da prestação objeto do contrato. Poderia se falar em uma obrigação contratual de trabalho adequada, ao menos no cumprimento da sua atividade laboral, ao conteúdo “ideal” próprio da tendência. Esta é a posição majoritária na doutrina italiana e espanhola. As teorias objetivas permitem fixar um claro critério de distinção entre os contratos neutros e os de tendência, pois a identificação da ideologia como uma parte indistinta da dívida de trabalho delimita perfeitamente o núcleo de contratos em que se concentra a especialidade deste tipo de organização. Esta explicação fixa e determina o conteúdo político, sindical ou religioso do negócio que aparece, desse modo, livre de toda interpretação extensiva por parte do empresário. Em consequência, todas aquelas atividades laborais do trabalhador de tendência contrárias ou contraproducentes à caracterização ideológica da prestação são qualificadas como simples falta contratual. Além do mais, esta mesma explicação permite modular constitucionalmente as amplitudes e intensidades diversas que podem adquirir os distintos deveres acessórios – boa fé, diligencia e colaboração – deduzidos do contrato. E, por fim, permite identificar a existência de uma variada gama de “trabalhos ideológicos”, claramente diferenciados tanto por seu conteúdo como pela lógica em que se inscrevem. 4. A restrição aos direitos fundamentais dos trabalhadores na empresa de tendência O trabalhador “portador de tendência” (tendenztrager) é aquele cuja prestação laboral está a serviço da divulgação da ideologia da organização de tendência e sobre o qual recai a obrigação de promover e defender de maneira ativa o mundo dos valores, crenças e ideias de dita organização, ou seja, exerce uma tarefa ideológica. O conteúdo ideológico das tarefas desempenhadas acentua os deveres pessoais do trabalhador e atua como fator de limitação de suas liberdades de pensamento e de expressão, pois nessas instituições, determinados poderes organizativos, protegidos normalmente pela simples liberdade de empresa, se transformam em autênticas manifestações de um direito fundamental de seu titular. 25Ministério Público - Em Defesa do Estado Laico Embora essas organizações espelhem a composição pluralista da sociedade com concepções ideológicas diversas, elas vão requerer a uniformidade ideológica interna para a consecução dos seus fins. Tais circunstâncias incidem