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02-06- QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO

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Qualidade de vida no trabalho
ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA
ELIETE BERNAL ARELLANO
1. Introdução
O ambiente empresarial tem buscado a competitividade em virtude das profundas mudanças ocorridas na economia mundial, nas relações sociais e políticas, na tecnologia, na organização produtiva e nas relações de trabalho. 
No Brasil, essas transformações assumiram expressão maior em conseqUência da abertura abrupta da economia, da implementação dos programas de estabilização monetária e das reformas constitucionais que visam à redução e à reorientação do papel do Estado na economia. Todas essas mudanças geram um ambiente socioempresarial em ebulição, no qual os fatores conjunturais de sobrevivência muitas vezes se sobrepõem aos objetivos de mudanças de longo prazo na sociedade que conduzam, efetivamente, a melhorias de condições de vida e bem-estar dos cidadãos. 
Segundo Albuquerque (1992), dentro desse contexto, no qual as organizações buscam produtividade e processos de mudança que tenham o objetivo de melhorar seu posicionamento competitivo no mercado, a qualidade de vida no trabalho (QVT) vem ganhando espaço como valor intrínseco das práticas de competitividade concomitantemente ao bem-estar organizacional. 
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Na discussão deste capítulo, pretende-se apresentar: 
>a evolução histórica do conceito de qualidade de vida no trabalho; 
>a importância da administração de programas de qualidade de vida no trabalho, como parte de uma estratégia de gestão de pessoas, na dimensão individual — do estresse —, na organizacional e na gestão da qualidade; 
>os elementos organizacionais que devem ser observados nos programas das empresas.
2. Conceitos e abordagens sobre qualidade de vida no trabalho
Qualidade de vida no trabalho é o conjunto das ações de uma empresa no sentido de implantar melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho (Limongi-França, 1996). 
Existem muitas interpretações de qualidade de vida no trabalho, desde o foco clínico da ausência de doenças no âmbito pessoal até as exigências de recursos, objetos e procedimentos de natureza gerencial e estratégica no nível das organizações. 
Novos paradigmas de modos de vida dentro e fora da empresa, construindo novos valores relativos às demandas de qualidade de vida no trabalho, estão sendo estruturados por diversos segmentos da sociedade e do conhecimento científico, entre os quais destacam-se: 
>Saúde: visa preservar a integridade física, psicológica e social do ser humano em vez de apenas atuar sobre o controle de doenças e propiciar maior expectativa de vida e reintegração profissional da pessoa que adoece. 
>Ecologia: ciência em que o homem é parte integrante e responsável pela preservação do ecossistema e dos insumos da natureza, bem como ator do desenvolvimento sustentável. 
>Ergonomia: estuda as condições de trabalho ligadas à pessoa. Fundamenta-se na medicina, na psicologia, na motricidade e na tecnologia industrial, visando ao conforto e ao desempenho nas diversas posições de trabalho. 
>Psicologia: demonstra a influência das atitudes internas e as perspectivas de vida da pessoa e a importância do significado intrínseco das necessidades individuais para seu envolvimento com o trabalho em conjunto com a filosofia. 
>Sociologia: atua sobre a dimensão simbólica do que é compartilhado e construído socialmente, demonstrando as implicações de quem influencia e é influenciado nos diversos contextos culturais e antropológicos da empresa. 
>Economia: enfatiza a consciência de que os bens são finitos e de que a distribuição de bens, recursos e serviços deve envolver de forma eqüitativa a responsabilidade e os direitos da sociedade. 
>Administração: procura aumentar a capacidade de mobilizar recursos para atingir resultados em ambiente cada vez mais complexo, mutável e competitivo. 
>Engenharia: elabora formas de produção voltadas para flexibilização da manufatura, armazenamento de materiais, uso da tecnologia, organização do trabalho e controle de processos.
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Essas contribuições permitem identificar dois movimentos principais na gestão de qualidade de vida no trabalho: o primeiro, individual, caracteriza-se pelo aprofundamento da compreensão a respeito do estresse e das doenças associadas às condições do ambiente organizacional; o segundo, organizacional, refere-se à expansão do conceito de qualidade total, que deixa de restringir-se a processos e a produtos para abranger aspectos comportamentais e satisfação de expectativas individuais, visando à concretização dos resultados da empresa.
3. Evolução histórica
O conceito de qualidade de vida no trabalho tem sido avaliado e questionado através dos anos, definindo-se não como modismo passageiro, mas como um processo que consolida a busca do desenvolvimento humano e organizacional. 
Walton (1973), um dos pesquisadores pioneiros da sistematização dos critérios e conceitos de QVT, define-a como algo além dos objetivos da legislação trabalhista, surgido no começo do século XX com a regulamentação do trabalho de menores, da jornada de trabalho e descanso semanal e das indenizações por acidentes de trabalho. 
A QVT também está relacionada com os objetivos do movimento sindical após a grande crise dos anos 1930, que se centraram na segurança e na salubridade do trabalho, no tratamento dispensado ao trabalhador e no aumento de salários. também associada ao enfoque da psicologia surgido na década de 1950, em que se considera a existência de uma correlação positiva entre estado de ânimo e produtividade e afirma-se que é possível elevá-los mediante a melhoria das relações humanas. Faz parte dos novos conceitos da década de 1960, como a igualdade de oportunidades e os inumeráveis esquemas de enriquecimento do trabalho. Pode-se definir QVT como a junção desses movimentos reformistas mais as necessidades e aspirações humanas, como o desejo de trabalhar para um empregador que possua sensibilidade social. 
Para Wahon (1976), a QVT deve ter como meta a geração de uma organização mais humanizada, na qual o trabalho envolva relativo grau de responsabilidade e de autonomia no que se refere a cargo, recebimento de recursos de feedback do desempenho, tarefas adequadas, variedade, enriquecimento do trabalho e ênfase no desenvolvimento pessoal do indivíduo. Em 1976, o autor propõe um modelo conceitual composto de oito categorias com o objetivo de avaliar a QVT nas organizações: 
>Remuneração justa e adequada: trata-se da relação do salário com outros trabalhos, desempenho da comunidade e padrão subjetivo do empregado. Em síntese, eqüidade salarial. 
>Segurança e salubridade do trabalho: os trabalhadores não devem ser expostos a condições ambientais, jornada de trabalho nem a riscos que possam ameaçar sua saúde. 
>Oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades: o uso e o desenvolvimento das capacidades devem atender a certas condições, como autonoWia, variedade de habilidades, informação e perspectiva da atividade, significado e planejamento da tarefa.
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>Oportunidade de progresso e segurança no emprego: manifestam-se no desenvolvimento pessoal, no desenvolvimento da carreira, na possibilidade de aplicação de novas habilidades, na sensação de segurança no emprego e na remuneração. 
>Integração social na organização: um ambiente favorável nas relações pessoais é atingido com ausência de preconceitos, democracia social, ascensão na carreira, companheirismo, união e comunicação aberta. 
>Leis e normas sociais: o grau de integração social na organiação está relacionado com o direito à privacidade e à liberdade de expressão de idéias, com tratamento eqüitativo e normas claras. 
>Trabalho e vida privada: as condições de crescimento na carreira não devem interferir no descanso nem na vida familiar do empregado. 
>Significado social da atividade do empregado: a atuação social da organização tem significado importante para os empregados tanto em sua percepção da empresa quanto em sua auto-estima. 
Nadler e Lawler (1983), ao analisar
as origens do movimento da qualidade de vida no trabalho, descrevem a primeira fase da QVT, de 1969 a 1974, como um período em que grande número de pesquisadores, acadêmicos, líderes sindicais e representantes do governo, preocupados com a relação entre os efeitos das atividades profissionais sobre a saúde e o bem-estar das pessoas e sua satisfação no trabalho, começaram a se interessar pelas formas de influenciar a qualidade das experiências vividas pelas pessoas durante o período de trabalho. 
Tais características do movimento perduraram até meados da década de 1970, época em que sofreu uma baixa, uma vez que nos Estados Unidos as atenções foram desviadas para problemas como inflação e custos de energia. A partir de 1979, surgiu novo interesse na QVT, estimulado pela competição internacional. Algumas iniciativas, como as implantadas na General Motors, começaram a ganhar o apreço do público, coincidindo com uma crescente preocupação com a produtividade. Tais iniciativas produziram grande quantidade de projetos americanos de QVT, que tiveram seu auge em meados dos anos 1980. 
Aguiar (2000) explica que fatores intervenientes no aumento da produtividade estão presentes no estudo da organização do trabalho desde o início do século, porém foi só a partir da década de 1960 que os indicadores referentes às necessidades e às aspirações pessoais ganharam relevância. Isso se deveu ao desafio de produtividade enfrentado pelas organizações em busca de competitividade, em que se incluía a responsabilidade social da empresa como fator de avaliação da produtividade. Houve então uma mudança de postura das organizações, que passaram a entender a qualidade de vida no trabalho como um aspecto tão importante quanto a modernização tecnológica. 
Nadler e Lawler (1983) definem qualidade de vida no trabalho de acordo com a evolução no tempo e com as diferentes pessoas que o utilizam, isto é, como uma
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forma de pensar sobre as pessoas, o trabalho e as organizações. Seus elementos distintivos são: 
> a preocupação com o impacto do trabalho sobre as pessoas e sobre a efetividade organizacional; 
> a idéia de participação na tomada de decisões e na solução de problemas. 
Bergeron (1982) afirma que a QVT consiste na aplicação concreta de uma filosofia humanista pela introdução de métodos participativos, visando modificar um ou vários aspectos do meio ambiente de trabalho a fim de criar uma situação favorável à satisfação dos empregados e à produtividade. 
Fernandes (1996) conceitua QVT como uma gestão dinâmica e contingencial de fatores físicos, tecnológicos e sociopsicológicos que afetam a cultura e renovam o clima organizacional, refletindo-se no bem-estar do trabalhador e na produtividade das empresas. A autora explicita que a QVT deve ser considerada uma gestão dinâmica, porque as organizações e as pessoas mudam constantemente, e contingencial, porque depende da realidade de cada empresa, do contexto em que está inserida. Fatores físicos, aspectos sociológicos e psicológicos interferem igualmente na satisfação dos indivíduos em situação de trabalho, sem deixar de considerar os aspectos tecnológicos da organização do próprio trabalho, que, em conjunto, afetam a cultura e interferem no clima organizacional com reflexos na produtividade e na satisfação dos empregados. 
A concepção de Hackman e Oldham discutida por Paiva e Marques (1999) considera que a qualidade de vida no trabalho se apóia em características objetivas das tarefas realizadas no ambiente organizacional. Os autores propuseram o “modelo das dimensões básicas da tarefa”. Tal modelo pressupõe que as “dimensões da tarefa” influenciam os “estados psicológicos críticos”, que, por sua vez, determinam os “resultados pessoais e de trabalho”. A “necessidade individual de crescimento”, porém, exerce forças em toda a cadeia de fatores determinantes da QVT. 
Mendelewski e Orrego (1980), ao analisar os diversos enfoques da qualidade de vida no trabalho, concluem que há uma relação direta entre a posição diante da QVT e os seguintes tipos de visão: 
>visão democrática; 
>visão gerencial; 
>visão sindical; 
>visão humanista;
Quadro 1. Visões da qualidade de vida no trabalho 
Visão democratica 
Democracia industrial 
>Aumento da participação dos empregados na tomada de decisões. 
>Alcance das metas do movimento de relações humanas. 
Visão gerencial 
Aumento da produtividade 
>Melhora dos inputs humanos antes dos Ínputs tecnológicos ou do capital para a produção.
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Visão sindical Visão humanista 
Conquistas sociais Satisfação de necessidades 
Quadro 1. Visões da qualidade de vida no trabalho 
>Alcance de porção mais eqúitativa de entradas e recursos da organização produtiva. Organização personalizada. 
>Alcance de condições de trabalho mais humanas e saudáveis. 
Visão humanista
Satisfação de necessidades
>Satisfação no cargo
>Humanização do trabalho
>Organização personalizada
>Desenvolvimento organizacional
Essas visões vão orientar áreas de concentração de resultados e percepções específicas de QVT. 
O modelo de Belanger (in Fernandes, 1996), abrange aspectos ligados ao trabalho em si, ao crescimento pessoal e profissional, a tarefas com significado e funções e a estruturas organizacionais abertas. 
Westley (1979) analisa quatro dimensões relacionadas ao trabalho e suas manifestações no nível individual e no social. Tais dimensões são definidas como econômicas, políticas, psicológicas e sociológicas e se concretizam em indicadores de QVT. O autor sugere que a participação de empregados, associações de classe, sindicatos e partidos políticos é fundamental para a manutenção do bem-estar intra-organizacional.
4. Qualidade de vida no trabalho como gerenciamento do estresse
Toda pessoa é um complexo biopsicossocial, isto é, tem potencialidades biológicas, psicológicas e sociais que correspondem, simultaneamente, às condições de vida. Essas respostas apresentam variadas combinações e intensidades nos três níveis e podem ser mais visíveis em um deles, embora todos sejam interdependentes. Essa abordagem é descrita por Lipowsky (1986) como o resgate de uma visão mais ampla do conceito de saúde, tendência que tem crescido nas últimas décadas. 
A saúde não é apenas ausência de doença, mas o completo bem-estar biológico, psicológico e social. A conceituação, adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1986, foi estudada por Dejours (1994) e abre um campo significativo para a compreensão dos fatores psicossociais na vida moderna e, especifica- mente, no desempenho e na cultura organizacional da saúde no trabalho. 
Essa compreensão do ser humano, em que o indivíduo é o seu corpo, revela condições de vida e marcas das experiências vividas e desejadas. Situa-se na mesma proposta conceitual da visão holística do homem, o elo fundamental da qualidade de vida no trabalho. 
Alvesson (1987) cita estudos de Bolinder e Ohlstrõm’s em que se estabelece uma clara correlação entre experiências de estresse mental, pressões no trabalho e sintomas psicossomáticos. As causas observadas são trabalhos com exaustivo esforço físico, padrões forçados de trabalho (forced rates of work), problemas salariais, atividades estúpidas e desinteressantes.
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Rodrigues (1992) reviu detalhadamente os aspectos psicossociais do estresse, concluindo que não há qualidade de vida no trabalho se as condições em que se trabalha não permitem viver em nível tolerável de estresse, de preferência tendo como meta o eustresse (o lado bom do estresse), e não o distresse, tensão nociva que gera, entre outros, os distúrbios psicossomáticos. 
O estresse é vivido no trabalho pela capacidade de adaptação, na qual sempre está envolvido o equilíbrio obtido entre exigência e capacidade. Se o equilíbrio for atingido, obter-se-á o bem-estar; se for negativo, gerará diferentes graus de incerteza, conflitos e sensação de desamparo. O estresse é, talvez, a melhor medida do estado de bem-estar da pessoa, já que a qualidade de vida no trabalho é individualizada por
meio de suas diferentes manifestações de estresse. 
Samulski, Chagas e Nitsch (1996) propõem a compreensão do fenômeno do estresse “como transação que envolve risco, perda ou situação na qual capacidades a mais devem ser mobilizadas, e quanto maior é o esforço, mais duvidoso se torna o acontecimento”. Apresentam-se, assim, os dois componentes básicos da ocorrência de estresse: a exigência e a capacidade. Exigência condicionada ao meio externo e exigência interna relacionada com metas e valores pessoais e expectativas de estilo de vida. 
Uma abordagem associada à ética da condição humana. Essa ética busca desde a identificação, a eliminação, a neutralização ou o controle dos riscos ocupacionais observáveis no ambiente físico, os padrões de relações de trabalho, a carga física e a mental requeridas para cada atividade, as implicações políticas e ideológicas, a dinâmica da liderança empresarial e do poder formal ou informal até o significado do trabalho em si, o relacionamento e a satisfação no trabalho (Cerquinho, 1994). As pesquisas clássicas sobre condição humana no trabalho voltaram-se inicialmente para a questão do moral no grupo com base na demonstração de que uma fábrica é uma instituição social (Mayo apud Tragtenberg, 1985); para as necessidades básicas de segurança, de associação, de prestígio e de auto-realização (Maslow apud Hersey e Blanchard, 1977); para os fatores de motivação e hierárquicos que geram estabilidade de interesse e comportamento de continuidade (Herzberg apud Hersey e Blanchard, 1977); e para os estilos de liderança e resultados entre líder, liderados e alvo a ser atingido, maturidade e processos de decisão (McGregor e Argyris apud Hersey e Blanchard, 1977). 
Os estudos sobre psicodinâmica organizacional, com Dejours e seguidores, sobre saúde mental do trabalho e lesões por esforços repetitivos (LER) reforçam a necessidade de aprofundar a compreensão da provável relação entre pressão de competitividade e respostas de estresse no trabalho.
5. Produtividade e qualidade de vida no trabalho
De acordo com Bennett (1983), a melhora da produtividade não pode ser discutida sem o reconhecimento de que o conceito de produtividade vai além da idéia de uma boa produção ou de eficiência no trabalho. um conceito que encontra raízes no dinamismo humano por ter uma conexão indispensável com a melhoria da natureza e a qualidade de vida de cada indivíduo no trabalho.
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A melhora da produtividade significa motivação, dignidade, participação no desenho e no desempenho do trabalho na organização. Significa desenvolver indivíduos cujas vidas podem ser produtivas em todos os sentidos. Segundo o autor, as responsabilidades gerenciais devem influenciar o comportamento de outros. Max Frisch (in Bennett, 1983) disse: “Nós pedimos trabalhadores e vêm seres humanos”. 
Henry Nunn (in Bennett, 1983) seguiu a mesma linha de pensamento em seu livro The whole man goes to work, publicado em 1953. Desde aquele tempo, o mundo tem testemunhado que o homem inteiro traz uma nova étIca ao trabalho e diferentes valores ao ambiente de trabalho e à instituição. Se as pessoas e suas expectativas e necessidades mudaram, as práticas e as técnicas gerenciais também precisam mudar para que a melhora da produtividade seja obtida. A melhora da produtividade significa não só produzir mais e melhores serviços mas também ter um gerenciamento efetivo e participativo, que permita uma comunicação mais eficiente, que desenvolva pessoas no sentido completo e que simbolize uma atitude de apoio. 
Estratégias para aumentar a qualidade de vida no trabalho contribuem para um subproduto essencial da melhora da produtividade, uma vez que estão relacionadas com a qualidade de experiências humanas no ambiente de trabalho que envolvem o trabalho em si, o ambiente de trabalho e a personalidade do empregado.
6. Qualidade de vida no trabalho como expansão do conceito de qualidade total
O segundo movimento refere-se à expansão do conceito de qualidade total, que teve origem na engenharia e visava, especialmente, processos e controles produtivos e tecnológicos da fabricação do produto. Com a evolução do conceito de qualidade total dos serviços, abriu-se nova discussão sobre a necessidade de incluir nele o conceito de qualidade pessoal e, conseqüentemente, o de qualidade de vida no trabalho. 
O gerenciamento da qualidade, inclusive a busca da certificação ISO 9000, tem sido um dos procedimentos mais freqüentes em todo o mundo, a começar pelas exigências da União Européia de acelerar e proteger a integração econômica européia. A cultura oriental, por sua vez, tem uma visão organizacional mais abrangente, em que prevalece a visão da gestão da qualidade total. 
A qualidade deve ser gerenciada juntamente com a qualidade de vida. No entanto, existe grande distãncia entre o discurso e a prática do que seria o bem- estar das pessoas. Filosoficamente, todos o acham importante, mas na prática prevalece o imediatismo, e os investimentos de retorno de médio e de longo prazo ficam esquecidos. Tudo está por fazer. A qualidade de vida no trabalho é uma evolução da qualidade total. E o último elo da cadeia. Não se pode falar em qualidade total sem incluir a qualidade de vida das pessoas no trabalho, O esforço que deve ser desenvolvido é o de conscientização, o de preparação de postura para a qualidade em todos os sentidos — de produção, serviço, desempenho e qualidade de vida no trabalho. Trata-se de um estado de espírito. Portanto, é necessária a coerência em todos os enfoques.
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Os esforços empresariais devem, em última instância, conduzir à realização humana, isto é, a qualidade só terá sentido se gerar qualidade de vida. Esforços e foco estratégico como na gestão da qualidade e no envolvimento de pessoas. Essas mudanças demonstram o aumento da responsabilidade estratégica dos gestores de recursos humanos. 
Nesse sentido, observando-se a evolução das fases de gestão da função de recursos humanos nas empresas, conforme classificação proposta por Wood Jr. (1995), verifica-se o surgimento do movimento da qualidade. Pode-se sugerir, na sequência, nova fase denominada de integral, em que a qualidade de vida será um valor agregado à qualidade total com vistas a um vínculo mais forte entre competências humanas e processos produtivos de uso intensivo de tecnologia. 
Guerreiro (1989) aponta as limitações dos modelos competitivos baseados no mercado e propõe a ordenação de negócios sociais e pessoais na esfera microperspectiva e na macroperspectiva. A idéia central é compreendê-las dentro do enfoque ecológico. Nesse modelo, a variedade de sistemas sociais constitui qualificação essencial em qualquer sociedade — o que o autor denomina de paradigmas paraeconõmicos, sistemas que também compõem a sociedade e não a tornam centrada somente no mercado.
7. Aspectos práticos da qualidade de vida no trabalho nas empresas
Os dados apresentados a seguir fazem parte de pesquisa de campo realizada por Limongi-França (1996) sobre indicadores empresariais de qualidade de vida no trabalho — esforço empresarial e satisfação dos empregados no ambiente de manufatura com certificação ISO 9000. As conclusões foram extraídas de 26 unidades fabris com até 500 empregados localizadas na região de São Paulo. 
> O gerenciamento do estresse é percebido como um nível de tensão moderado, mais acentuado no nível das gerências, que não é administrado adequadamente pelas empresas; ao mesmo tempo, todos os segmentos consideram muito importante programas de qualidade de vida para a obtenção de resultados empresariais. 
> A maioria das empresas não possui diretoria de gestão de qualidade de vida. Quando há uma diretoria responsável, ela está ligada a recursos humanos e qualidade. 
> Existe poder decisório para a QVT na maioria das empresas pesquisadas, com ênfase no nível de direção, sugerindo ações mais estratégicas do que gerenciais. 
> As áreas específicas envolvidas em QVT estão concentradas em recursos humanos e saúde. Na área de qualidade, houve a ocorrência
de uma empresa que associou QVT ao programa 5S. 
> A maioria das empresas tem funcionários especialmente envolvidos com atividades de QVT, em geral equipes formadas por uma a cinco pessoas. Algumas empresas menores relataram ter equipes com mais de dez funcionários, o que indica boa mobilização organizacional para ações e programas de QVT.
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>Quanto aos métodos para levantar necessidades de QVT, uma pequena parcela estabelece procedimentos por meio de freqüência de acidentes de trabalho, 
movimento no ambulatório, diagnóstico de clima e auditoria interna. Poucas declararam associação com determinação legal. 
> Na maioria das empresas os programas de QVT têm de um a três anos, o que significa uma posição consolidada modesta desses programas. Um pequeno 
grupo de empresas desenvolve programas há mais de cinco anos, o que caracteriza solidez e visibilidade dessas ações na empresa. 
> Não há propostas de novos programas de QVT para os próximos doze meses na maioria das empresas. Nas que responderam positivamente, a ênfase é em procedimentos de implantação e consideração dos empregados como foco de ação de QVT. Uma das empresas associou novos programas ao 5S do projeto de qualidade total. 
> As atividades de QVT, em sua maioria, não têm duração prevista. Podem variar de duas horas a três anos. Houve duas indicações de duração contínua. 
Percebe-se, portanto, escopo muito abrangente, caracterizando a ausência de um modelo homogêneo e referencial de gestão da QVT. 
> Não há dotação orçamentária para QVT na maioria das empresas. Quando existe, o orçamento é e faz parte do programa de saúde ocupacional, o que demonstra frágil estrutura orçamentária para QVT. 
> Na maioria das empresas, a destinação da verba orçamentária não é específica. Nas que possuem destinações específicas, os critérios são variados: departamento, projeto e genérico. 
> Apenas uma pequena minoria (20%) das empresas calcula o investimento em QVT sobre o faturamento anual. As porcentagens vão de 0,0 1% a 1,5% da folha de pagamento mensal. 
> Só um terço das empresas possui atividades formais denominadas de QVT; entre elas, as mais citadas são as campanhas e palestras. Melhoras no posto de 
trabalho e mudanças administrativas também são citadas, embora com menor incidência. 
> A maioria das empresas não controla os resultados associados à QVT. Entre as que o fazem, os controles referem-se à saúde e à doença, com dados obtidos por 
meio de questionários e controles numéricos. Os comitês de avaliação aparecem em quase metade das empresas como instrumento de avaliação. Em geral, as 
empresas assinalaram múltiplas ferramentas de controle. 
> A maioria das empresas considera os programas e as ações de QVT importantes na certificação ISO 9000. Os motivos giram em torno de questões de qualidade, atendimento às necessidades pessoais e até ao negócio da empresa, inclusive com relato de pressão de cliente externo. 
> Os programas e as ações de QVT têm valor para a política de negócios da empresa. As respostas positivas foram maiores com relação a todas as outras 
questões. Os motivos apontados associam-se à empresa como um todo, à imagem institucional, ao envolvimento dos empregados e à auditoria de clientes externos.
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8. Considerações finais
A qualidade de vida no trabalho vem ganhando expressão cada vez maior no ambiente empresarial brasileiro dentro das estratégias de gestão de pessoas. Seja por aumentar a produtividade, seja como peça importante da competitividade e da modernidade da gestão de pessoas, seja no atendimento a exigências dos clientes, o fato é que, por meio de melhorias das condições de trabalho, que fazem parte do escopo dos programas de QVT, os resultados obtidos podem ter alcançado os objetivos empresariais, auxiliando a organização a enfrentar o ambiente competitivo e a comprometer as pessoas com o negócio da empresa. Muitas inovações de gestão foram desejadas pelos que trabalham em sistemas produtivos, O desafio da QVT é aprofundar o reconhecimento da dimensão essencial do compromisso do ser humano com as organizações e gerar melhores condições de vida.
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AUTORAS
ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA
Professora livre-docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Coordenadora e professora da área de recursos humanos do Departamento de Administração, psicóloga do trabalho, pesquisadora nas áreas de comportamento humano em questões psicossociais e qualidade de vida no trabalho. Trabalha com gestão de pessoas desde 1971 em organizações como Sesi-SP e Unibanco. Desenvolveu projetos na Fundacentro, Brasil Telecom, Nestlé, Alcoa, SefazMT, Banco
do Brasil, Petrobrás, Antarctica, Visa, Villares, Embrapa, Fiesc-Sesi, Metrô, entre outras. Membro do Conselho de Especialistas de Administração (Sesu) do Ministério da Educação e do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), da FIA, conveniada à FEA-USP Professora nos MBA-FIA e da Fundação Vanzolini, conveniada à Poli-USP Ocupou cargos de direção e no Conselho Científico das seguintes associações: Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), Ergonomia (Abergo), Paulista de Recursos Humanos (APARH) e Medicina Psicossomática (ABMP). Co-autora, com A. L. Rodrigues, do livro Stress & trabalho, da Editora Atlas. Escreveu centenas de artigos e oito capítulos de livros relacionados à gestão de qualidade de vida no trabalho.
ELIETE BERNAL ARELLANO
Mestranda pela Universidade de São Paulo no Programa Interunidades em Nutrição Humana Aplicada — FEA-FSP-FCF —, bacharel e licenciada em Psicologia, além de pós-graduada em Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ministra aulas na FEA-USP no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), na disciplina Comportamento Organizacional. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas de administração de salários, desenvolvimento de carreiras, recrutamento e seleção, sistemas gerenciais de desenvolvimento de pessoas, organização de rotinas de trabalho, avaliação de desempenho e projetos de qualidade de vida no trabalho. Foi assistente de pesquisa nos projetos: Pesquisa RH-2010 — Pesquisa em tendências de recursos humanos para os próximos dez anos (FIA-FEA-USP) e Análise do cumprimento da Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL) pela indústria de alimentos brasileira. Consultora autônoma na Fischer & Dutra, atua em empresas como Petroquímica União, Unesp, Conab (trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas) e Condomínio Conjunto Nacional.
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