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Filologia Portuguesa: Estudos da Língua

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2016
Filologia
Portuguesa
Prof. Luiz Henrique M. Queriquelli
469.07
Q4f Queriquelli; Luis Henrique M.
Filologia portuguesa / Luis Henrique M. Queriquelli: 
UNIASSELVI, 2016.
176 p. : il. 
 
ISBN 978-85-515-0039-2
1.Língua Portuguesa – Estudo e Ensino.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Copyright © UNIASSELVI 2016
Elaboração:
Prof. Luiz Henrique M. Queriquelli
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri 
UNIASSELVI – Indaial.
Impresso por:
III
aPresentação
Caro acadêmico!
Este Caderno de Estudos pretende oferecer uma porta de entrada para os 
estudos filológicos da língua portuguesa. A filologia é uma das áreas mais an-
tigas ligadas aos estudos da linguagem. Inicialmente, ela consistia no estudo 
de textos antigos, para fins de estabelecimento, interpretação e edição, mas na 
Idade Moderna os filólogos passaram a assumir também a tarefa de descre-
ver e explicar o desenvolvimento histórico das línguas com base nos textos 
antigos. Na virada para o século XX, a filologia foi o terreno em que floresceu 
a linguística moderna. Hoje, os estudos filológicos compartilham o mesmo 
espaço que agora também é ocupado pela linguística histórica, pelos estudos 
variacionistas e pelos estudos de gramaticalização, embora cada abordagem 
difira em métodos, concepções e, eventualmente, objetos. Resumindo, isso 
quer dizer que, ao convidarmos você a embarcar nesta incursão pelos estudos 
filológicos lusófonos, em outras palavras, nós estamos convidando você a co-
nhecer a história da língua portuguesa.
Talvez você esteja se perguntando: por que devo estudar a história da lín-
gua portuguesa? Esta é uma pergunta extremamente importante, que pode 
ter diferentes respostas, e é por isso que o primeiro capítulo deste caderno 
é dedicado a respondê-la. Você terá a oportunidade de conhecer algumas 
dessas possíveis respostas, mas a resposta assumida neste material caminha 
na seguinte direção: se não conhecermos a história da nossa língua, não te-
remos condições de compreender uma série de aspectos que distinguem o 
português do Brasil; consequentemente, não teremos esclarecimento suficien-
te para ensinar essa língua no contexto escolar brasileiro e, provavelmente, 
vamos reproduzir estereótipos, preconceitos e prescrições equivocadas aos 
nossos alunos.
Essa será a tônica assumida em todo o material: este Caderno de Estudos visa 
a informá-lo sobre a história da língua que usamos hoje, para que você possa 
ensiná-la com a consciência de que ela é algo vivo e dinâmico, que está em 
constante mudança ao longo do tempo.
Prof. Luiz Henrique M. Queriquelli
IV
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para 
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades 
em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é 
o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um 
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. 
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova 
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui 
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, 
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade 
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. 
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para 
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto 
em questão. 
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas 
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa 
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de 
Desempenho de Estudantes – ENADE. 
 
Bons estudos!
UNI
Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos 
materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os 
seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que 
possuem o código QR Code, que é um código que 
permite que você acesse um conteúdo interativo 
relacionado ao tema que você está estudando. Para 
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos 
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar 
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!
UNI
V
VI
VII
sumário
UNIDADE 1 - POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ? .............................................. 1
TÓPICO 1 – UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA ............................................... 3
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3
2 O ESTUDO DOS TEXTOS ANTIGOS ............................................................................................. 5 
3 A LINGUÍSTICA HISTÓRICO-COMPARATISTA E O
 INDO-EUROPEU .................................................................................................................................. 8 
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO HISTÓRICA
 DA LÍNGUA PORTUGUESA ............................................................................................................ 14
 4.1 EXEMPLOS DE MUDANÇAS POR MOTIVAÇÃO INTERNA
 E EXTERNA AO SISTEMA............................................................................................................. 14
 4.2 DO LATIM AO PORTUGUÊS ........................................................................................................ 16
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 21
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 23
TÓPICO 2 – DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA À LINGUÍSTICA
 HISTÓRICA: UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE............................................ 25
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 25
2 LIMITAÇÕES DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA ....................................................................... 25
3 A LINGUÍSTICA HISTÓRICA .......................................................................................................... 27
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 29
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 32
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 33
TÓPICO 3 – ASPECTOS HISTÓRICOS NA IDENTIDADE DA
 LÍNGUA DE HOJE ........................................................................................................... 35
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 35
2 A IDENTIDADE GRAMATICAL DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
 E SUA HISTORICIDADE .................................................................................................................. 36
3 LÍNGUA E IDENTIDADE ..................................................................................................................36
4 IDENTIDADE GRAMATICAL E ASPECTOS DISTINTIVOS ................................................... 39
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 42
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 43
TÓPICO 4 – O DEBATE SOBRE AS ORIGENS DO PORTUGUÊS
 BRASILEIRO ..................................................................................................................... 45
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 45
2 EVOLUCIONISTAS, CRIOULISTAS E INTERNALISTAS ......................................................... 47
3 PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS ............................................................................................... 50
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 59
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 60
VIII
UNIDADE 2 - PERMANÊNCIAS E REINCIDÊNCIAS LATINAS ................................................ 61
TÓPICO 1 – VOCALISMO E ALÇAMENTO VOCÁLICO ............................................................. 63
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 63
2 VOGAIS ÁTONAS ............................................................................................................................... 63
 2.1 AS VOGAIS ÁTONAS E O LATIM ............................................................................................... 66
 2.2 OUTROS ASPECTOS DO VOCALISMO ..................................................................................... 71
 2.2.1 Ditongos /ej/ e /ej̃/ .................................................................................................................... 71
 2.2.2 Oposição entre /ɐ/ e /a/ ........................................................................................................... 73
3 ALÇAMENTO DAS VOGAIS PRETÔNICAS ................................................................................ 77
 3.1 O ALÇAMENTO DAS VOGAIS PRETÔNICAS E O LATIM .................................................... 82
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 85
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 87
TÓPICO 2 – ASPECTOS DO CONSONANTISMO ......................................................................... 88
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 88
2 QUEDA DE /S/ FINAL E DESNASALIZAÇÃO ............................................................................. 88
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 94
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 95
TÓPICO 3 – ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS I: CLÍTICOS,
 PREPOSIÇÕES, CLASSES NOMINAIS E DUPLA NEGAÇÃO ............................. 96
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 96
2 PRÓCLISE DO PRONOME ÁTONO ............................................................................................... 96
3 USO DA PREPOSIÇÃO EM COM VERBOS DE MOVIMENTO .............................................. 98
4 CLASSES NOMINAIS TEMÁTICAS ............................................................................................... 100
5 NEGAÇÃO REPETITIVA .................................................................................................................... 104
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 108
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 109
TÓPICO 4 – ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS II: GERÚNDIO,
 CONDICIONAL ANALÍTICO, PARTICÍPIOS E
 DATIVO COM INFINITIVO ......................................................................................... 110
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 110
2 O MODO CONDICIONAL ................................................................................................................ 113
3 PARTICÍPIOS ........................................................................................................................................ 117
4 DATIVO COM INFINITIVO ............................................................................................................. 122
 4.1 A CONSTRUÇÃO DE DATIVO COM INFINITIVO E O
 DATIUUS AUCTORIS LATINO ............................................................................................ 126
 4.2 O DCI NO PORTUGUÊS ARCAICO: EVIDÊNCIA DE UMA
 PERMANÊNCIA SINTÁTICA? .............................................................................................. 128
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 131
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 133
UNIDADE 3 - COMO TRAZER A HISTÓRIA DA LÍNGUA PARA
 A SALA DE AULA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ...................................... 135
TÓPICO 1 – A LÍNGUA QUE O ESTUDANTE TRAZ PARA A ESCOLA
 É CARREGADA DE HISTORICIDADE ...................................................................... 137
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 137
2 HISTORICIDADE ................................................................................................................................ 137
3 A HISTORICIDADE QUE O ESTUDANTE TRAZ PARA A SALA
IX
 DE AULA ................................................................................................................................................ 139
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 141
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 144
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 145
TÓPICO 2 – DA FONOLOGIA ATUAL ÀS PERMANÊNCIAS FÔNICAS ................................. 147
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 147
2 TRATANDO DO VOCALISMO CONSERVADOR EM SALA DE AULA ............................... 147
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 153
AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................154
TÓPICO 3 – DO VERNÁCULO ATUAL ÀS PERMANÊNCIAS
 MORFOSSINTÁTICAS ................................................................................................... 155
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 155
2 DO USO DE EM COM VERBOS DE MOVIMENTO AO USO DE
 IN COM ACUSATIVO NO SISTEMA PREPOSICIONAL LATINO ......................................... 155
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 159
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 160
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 161
X
1
UNIDADE 1
POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA
DA LÍNGUA ?
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade tem por objetivos:
• conhecer as origens da filologia e seu papel na compreensão da história 
das línguas românicas;
• compreender a diferença existente entre linguística diacrônica e linguís-
tica histórica, bem como a mudança de mentalidade que essa diferença 
representou;
• reconhecer a existência de aspectos históricos na identidade da língua de 
hoje;
• identificar as principais teses por trás do debate sobre as origens do portu-
guês brasileiro.
Essa unidade está organizada em quatro tópicos. Em cada um deles você 
encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que lhe 
darão uma maior compreensão dos temas a serem abordados.
TÓPICO 1 – UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
TÓPICO 2 – DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA À
 LINGUÍSTICA HISTÓRICA: UMA MUDANÇA
 DE MENTALIDADE
TÓPICO 3 – ASPECTOS HISTÓRICOS NA IDENTIDADE
 DA LÍNGUA DE HOJE
TÓPICO 4 – O DEBATE SOBRE AS ORIGENS DO PORTUGUÊS
 BRASILEIRO
Assista ao vídeo 
desta unidade.
2
3
TÓPICO 1
UNIDADE 1
UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade, os estudiosos da linguagem perceberam similaridades 
entre o latim e o grego clássicos, que não deveriam ser fruto do acaso. Entretanto, 
no período medieval, crenças infundadas sobre a natureza das línguas humanas 
obstruíram o desenvolvimento dos estudos sobre a gênese e a mudança linguística. 
Uma dessas crenças, por exemplo, muito disseminada na escolástica cristã, era a 
de que o latim derivava diretamente do grego – o que veremos não ser verdade 
– e de que este derivava diretamente do hebraico, que seria supostamente a 
língua original, cuja variedade mais antiga teria sido falada por Adão (PINTO, 
2008, p. 156). Assim, forjava-se uma evolução histórica das principais línguas que 
formavam a base da civilização cristã. Tal linha evolutiva era conveniente, mas 
carecia de fundamentação factual.
Com a revolução ideológica pela qual a Europa passou a partir de meados 
do séc. XVII (a chamada revolução científica), cresceu o interesse pelas línguas 
do Oriente, que passou a ser largamente explorado por conta das navegações 
ultramarinas. Em consequência dessa expansão do conhecimento sobre as línguas 
humanas pelo mundo, os estudiosos da linguagem de então se viram tentados a 
comparar as diversas línguas que passavam a ser descobertas pouco a pouco.
A essa altura, naturalmente, tais estudiosos já tinham traçado a linha 
hereditária entre as línguas latinas, as línguas germânicas e outras línguas 
europeias. Faltavam, porém, algumas peças para fechar o quebra-cabeça. Essas 
peças foram finalmente encontradas e encaixadas quando o filólogo Sir William 
A Escolástica foi o método de pensamento dominante no ensino nas 
universidades medievais europeias de cerca de 1100 a 1500. Nasceu nas escolas monásticas 
cristãs, a fim de conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional, especialmente 
o da filosofia grega, e colocava uma forte ênfase na dialética para ampliar o conhecimento por 
inferência e resolver contradições.
NOTA
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
4
Jones (1746-1794) comparou o sânscrito, uma antiga língua da Índia, às línguas 
europeias. Sir Jones verificou que essa língua, sem dúvidas, guardava parentesco 
com o latim, com o grego, com o protogermânico e também com o persa, que era 
falado no Irã. Ao fazer tal descoberta, Sir Jones, que era sócio fundador da Royal 
Asiatic Society, em Londres, decidiu publicá-las em um discurso proferido numa 
assembleia dessa academia, em 1786.
Em seu discurso, ele mostrou que as gritantes semelhanças existentes 
entre todas essas línguas só poderiam ter uma explicação: todas derivavam de 
uma mesma língua ancestral. Essa língua ancestral foi chamada de indo-europeu 
(ou protoindo-europeu, já que não se sabe exatamente como ela era, uma vez que 
não restaram registros). A descoberta desse filólogo foi a pedra fundamental da 
linguística histórico-comparatista.
FIGURA 1 – LEGADO DE SIR WILLIAM JONES EM EXPOSIÇÃO NA 
 ROYAL ASIATIC SOCIETY EM LONDRES
FONTE: Ibbotson (2014)
A Royal Asiatic Society é uma organização fundada em Londres, em 1823, com 
o objetivo de investigar e encorajar a investigação de assuntos da ciência, da literatura e das 
artes relativos à Ásia.
NOTA
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
5
A Inquisição era um grupo de instituições dentro do sistema jurídico da Igreja 
Católica Romana, cujo objetivo era combater a heresia.
Nas próximas seções deste tópico, veremos por que a filologia é tradicionalmente 
considerada “o estudo dos textos antigos”, veremos como a filologia participa do 
surgimento da linguística histórico-comparatista (e como a descoberta do idioma 
indo-europeu cumpre um papel decisivo nessa história) e faremos algumas 
considerações sobre a formação histórica da língua portuguesa. Acompanhe. 
2 O ESTUDO DOS TEXTOS ANTIGOS
Você deve se perguntar: por que estamos falando de linguística histórico-
comparatista neste tópico que propõe explicar as origens da filologia? A resposta 
a esta pergunta nos leva a entender que, em última instância, a filologia era tudo o 
que existia até aquele momento em termos de estudos da linguagem. Portanto, ser 
um estudioso das línguas naquela época era o mesmo que ser um filólogo. Mas o 
que fazia um filólogo?
Como dissemos na apresentação deste Caderno de Estudos, inicialmente, 
a filologia consistia no estudo de textos antigos, para fins de estabelecimento, 
interpretação e edição, mas na Idade Moderna os filólogos passaram a assumir 
também a tarefa de descrever e explicar o desenvolvimento histórico das línguas 
com base nos textos antigos. Por isso, uma definição comum dada à filologia é 
a de “estudo dos textos antigos”. Mas, como você já deve ter se dado conta, a 
abrangência da filologia é muito maior do que isso e variou ao longo do tempo. 
Vamos entender um pouco o que é estabelecimento, interpretação e edição de 
textos antigos.
Estabelecer um texto antigo significa organizá-lo, a partir do confronto 
de manuscritos, comentários ou edições antigas, a fim de oferecer aos leitores e 
estudiosos do momento atual uma versão o mais completa e fidedigna possível. 
Esse é um trabalho extremamente difícil, minucioso e técnico, pois a situação de 
muitos textos antigos é, não raras vezes, caótica. Há textos dos quais só sobraram 
fragmentos, devido à censura da Inquisição.
Há textos quase ilegíveis, por conta da deterioração ocorrida com o tempo. 
Há textos fragmentados cujas lacunas foram emendadas por outros autores, e 
nesse caso o filólogo tem o trabalho hercúleo de identificar o que é texto original 
e o que são emendas falsárias. De modo semelhante,em edições antigas, muitos 
NOTA
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
6
Liofilização ou criodessecação é um processo de desidratação usado para 
conservar livros muito antigos. As folhas são congeladas sob vácuo e o gelo formado é 
sublimado. Dessa forma, a folha não se desfaz quando manuseada.
FIGURA 2 - RESTAURAÇÃO DE UM LIVRO LIOFILIZADO NO ARQUIVO 
 HISTÓRICO DE COLÔNIA, ALEMANHA
FONTE: Spekking (2011)
A interpretação de textos antigos, por parte do filólogo, passa principalmente 
pelas notas e paratextos que complementam o estabelecimento de um texto. Os 
paratextos envolvem introduções, prefácios, apêndices, estudos complementares 
etc. que acompanham o texto estabelecido numa edição crítica. A natureza das notas 
é muito diversa: qualquer tipo de esclarecimento que o comentador (ou exegeta) 
julgue apropriado para guiar o leitor do seu tempo cabe nas notas, e isso envolve 
desde comentários de cunho linguístico até explicações relativas ao estilo do autor, 
editores se sentiam no direito de “corrigir” o texto original, alterando aquilo que 
julgavam erros gramaticais ou vícios de estilo etc. Nesse caso, o confronto de 
edições, manuscritos e comentários pode levar o filólogo a desvendar o que foi 
adulterado e estabelecer o texto plenamente.
NOTA
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
7
Liofilização ou criodessecação é um processo de desidratação usado para 
conservar livros muito antigos. As folhas são congeladas sob vácuo e o gelo formado é 
sublimado. Dessa forma, a folha não se desfaz quando manuseada.
Um pequeno exemplo desse tipo de diferença são as abreviaturas usadas 
tanto por escribas quanto pelas primeiras casas editoras quando se chegava ao 
final de uma linha, no limite da “mancha da página” (aquele espaço recoberto pelo 
texto numa página). Existia um sem-número de convenções abreviatórias usadas 
para que a mancha ficasse perfeitamente justificada. A figura a seguir mostra um 
dicionário de abreviaturas latinas usadas por escribas e editores antigos.
à sua biografia, ao gênero no qual o texto se enquadra, a subtextos pretendidos 
pelo autor no seu contexto histórico, entre outras inúmeras possibilidades.
A edição de textos antigos, por fim, é o trabalho final, posterior ou 
concomitante ao estabelecimento e à interpretação. Envolve editar de fato o texto, 
isto é, prepará-lo para ser publicado, definindo-o com base em critérios científicos. 
Entre os muitos desafios envolvidos no trabalho de edição está a transcrição do 
texto, por exemplo. As convenções alfabéticas e ortográficas variaram muito 
ao longo da história, e isso se apresenta como um problema ao editor-filólogo. 
Tanto os escribas antigos ou medievais quanto os editores dos tempos da Prensa 
de Gutenberg dispunham de convenções diagramatórias significativamente 
diferentes das atuais.
NOTA
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
8
Agora que você pôde entender um pouco do que é a filologia enquanto 
estudo dos textos antigos, vamos voltar a falar sobre como a filologia propiciou o 
surgimento da linguística histórico-comparatista e sobre as consequências desse 
acontecimento.
3 A LINGUÍSTICA HISTÓRICO-COMPARATISTA E O
INDO-EUROPEU
Conforme dissemos antes, a descoberta do filólogo Sir William Jones foi 
a pedra fundamental da linguística histórico-comparatista. Num famoso trecho 
do já mencionado discurso em que seus achados foram anunciados, fica clara a 
fascinação que o estudioso sentiu ao perceber os elos que ligam as línguas do 
Velho Mundo e do Oriente:
O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura 
maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais 
extraordinariamente refinado do que ambos. Mantém, todavia, com 
estas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto 
nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do acaso. 
É tão forte essa afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, 
FIGURA 3 - DICIONÁRIO DE ABREVIATURAS LATINAS USADAS POR ESCRIBAS E EDITORES 
ANTIGOS
Fonte: O autor (2016)
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
9
o grego e o latim não pode deixar de acreditar que os três provieram de 
uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica, embora 
menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma 
origem que o sânscrito. (JONES, 1788 apud ROBINS, 1983, p. 107).
Essa constatação abriu o caminho para que o termo “indo-europeu” fosse 
cunhado, em 1813, pelo polímata inglês Thomas Young.
Mais do que isso, esse marco da filologia, que até então monopolizava 
os estudos da linguagem, fez nascer a ciência que dominaria essa área do 
conhecimento, a linguística, relegando para a filologia um campo de ação mais 
limitado. Como observam Gonçalves e Basso (2010, p. 13):
O século XIX foi o período em que uma série de filólogos desenvolveu 
gramáticas comparativas entre várias línguas indo-europeias, entre eles 
Rasmus Rask, Jakob Grimm, Franz Bopp, August Schlegel, Wilhelm 
von Humboldt e August Schleicher. Trata-se do primeiro capítulo da 
história da linguística moderna, que viria a culminar em abordagens 
cada vez mais cientificizantes, como a dos chamados neogramáticos do 
final do século, que abriram caminho para o estruturalismo no início do 
século XX.
Mais tarde, quando Saussure fundaria definitivamente a linguística 
moderna, estabelecendo a divisão entre análise sincrônica e análise diacrônica, 
a filologia, além de continuar sendo reconhecida como “o estudo dos textos 
antigos”, passou a se confundir com a disciplina “história da língua” e com a 
chamada “linguística diacrônica”, mas nunca mais foi reconhecida como a ciência 
da linguagem em sentido amplo, pois essa atribuição se tornou exclusiva da 
linguística.
Polímata é um indivíduo que estuda ou que conhece muitas ciências, isto é, é 
uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área.
NOTA
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
10
Você estudará esse assunto com mais profundidade na disciplina de Linguística 
Aplicada à Língua Portuguesa, mas desde já é importante saber que fazer uma análise sincrônica 
de uma língua é olhar para esta língua e buscar entender como ela funciona em um específico 
momento histórico, independente de como ela foi antes e de como ela será ou seria depois; 
ou seja, é fazer uma fotografia daquela língua; e fazer uma análise diacrônica de uma língua, ao 
contrário da análise sincrônica, é justamente olhar para a evolução dessa língua no tempo, a fim 
de encontrar explicações para os processos que a levaram a ser como ela é em determinado 
momento histórico; ou seja, é fazer um filme daquela língua.
Por exemplo, se fizermos uma análise sincrônica do português brasileiro contemporâneo, 
encontraremos a forma pronominal você (com variantes como cê e ocê). Se olharmos, contudo, 
para a diacronia, veremos que essa forma derivou da expressão de tratamento de deferência 
vossa mercê, que se transformou sucessivamente em vossemecê, vosmecê, vancê e você.
Com o pontapé dado por Sir William Jones, outros filólogos aprofundaram 
os estudos sobre as línguas indo-europeias, com destaque para Rasmus Rask, 
Jakob Grimm, Franz Bopp, August Schlegel, Wilhelm von Humboldt e August 
Schleicher, nomes já destacados por Gonçalves e Basso (2010, p. 13), na citação 
feita acima, além de Hermann Osthoff e Karl Brugmann. Entre as contribuições 
mais relevantes desses comparativistas, podemos destacar:
1. as investigações sobre mudanças fonéticas das línguas indo-europeias, 
como as Leis de Grimm; e
2. as tentativas de reconstrução do protoindo-europeu, como a de August 
von Schleicher, que inclusive escreveu textos nessa língua.
Eis alguns exemplos das leis que Jakob Grimm (1822) propôs para desvendar 
o caminhodas mudanças do protoindo-europeu (PIE) para suas línguas derivadas:
 Consoantes oclusivas surdas do PIE e/ou das línguas mais antigas da família 
passam a fricativas surdas nas línguas germânicas, como em p → f, t → θ.
 Consoantes oclusivas sonoras do PIE e/ou das línguas mais antigas da família 
passam a oclusivas surdas, como em b → p, d → t.
 Consoantes oclusivas aspiradas sonoras do PIE e/ou das línguas mais antigas da 
família tornam-se oclusivas sonoras, como em bh → b e dh → d.
IMPORTANT
E
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
11
Ao descrever determinados sons como “oclusivas surdas”, “fricativas 
surdas”, “oclusivas sonoras”, “oclusivas aspiradas”, “oclusivas sonoras”, estamos usando 
uma nomenclatura fonética que baseia essa descrição no ponto de articulação e no 
modo como os sons são produzidos no nosso aparelho fonador. Essas descrições, 
especificamente, fazem referência ao modo. Por exemplo, “oclusivas” (também 
chamadas de plosivas) são aquelas consoantes que soam quando nossa boca fecha 
a passagem do ar (oclusão) e em seguida o som sai explodindo (por isso, plosivas). 
“Surdo” ou “sonoro” diz respeito ao fato de as cordas vocais vibrarem ou não na 
produção do som, respectivamente. Fricativas são aquelas consoantes que soam 
quando o ar passa raspando (fazendo fricção).
Tais leis se aplicariam a casos como os seguintes:
 d → t: PIE *dékm(t) “dez”, latim decem, grego antigo déka, sânscrito 
daśan → inglês ten, alemão zehn, pronunciado [tze:n].
 p → f: PIE *póds “pé”, latim pēs, grego antigo poús, sânscrito pāda→inglês 
foot, alemão Fuss.
 bh→b: PIE *bhréhter “irmão”, sânscrito bhrātŗ→inglês brother, alemão 
Bruder.
A descoberta de leis como essas, o cotejamento de registros de línguas 
de todo o mundo que pouco a pouco se tornavam mais acessíveis, a ampliação 
da compreensão sobre a natureza, o funcionamento e a mudança das línguas 
humanas, e a mudança de mentalidade quanto ao tratamento delas – pouco 
a pouco menos imbuído de preconceitos e mais objetivo – fizeram com que a 
compreensão que se tinha sobre o desenvolvimento histórico das línguas naturais 
mudasse completamente.
Nas décadas seguintes, os filólogos puderam identificar os ramos mais 
antigos da família indo-europeia, como o anatólico, surgido por volta de 2000 
a.C.; o indo-iraniano, por volta de 1400 a.C.; e o grego, por volta de 1300 a.C. 
Com base nesse conjunto de descobertas, estima-se que o PIE tenha sido falado 
provavelmente antes de 2500 a.C.
NOTA
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
12
A ideia de “ramos” remete à metáfora de uma árvore. Essa metáfora foi proposta 
pelo já citado August von Schleicher, na obra “Compêndio da gramática comparativa de línguas 
indo-europeias”, de 1862, onde ele elaborou a teoria da árvore genealógica (Stammbau Theorie). 
Assim como se fala em ramos, também se fala em tronco. O indo-europeu, a propósito, é 
considerado um tronco. E, caso você esteja se perguntando, ele não é o único existente no 
mundo. Há outros troncos linguísticos, como o semítico, o sino-tibetano e o altaico.
Mais de dois séculos após o início dos estudos comparatistas sobre o tronco 
indo-europeu, hoje já temos uma visão muito completa sobre o desenvolvimento 
desse tronco, conhecemos em detalhes muitas de suas ramificações e sabemos 
da história delas, tanto da sua história interna (a história das suas mudanças 
estruturais, independentemente das influências sociais, geográficas etc.) quanto 
da sua história externa (a história dos fatores externos à estrutura da língua, as 
mudanças sociais, guerras, colonizações, migrações etc. que motivaram a mudança 
linguística). A filologia indo-europeia – sem demérito para os estudos dos demais 
troncos linguísticos – foi talvez o grande motor que fez avançar a ciência das línguas 
naturais. Alguns dos grandes gênios que nos legaram o arcabouço conceitual da 
linguística moderna, como Saussure, Meillet e Humboldt, beberam diretamente 
dessa fonte.
A imagem a seguir traz uma visão geral do tronco indo-europeu, com todas 
as suas ramificações e línguas conhecidas, tanto aquelas ainda em uso quando 
aquelas já extintas.
NOTA
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
13
FIGURA 4 - TRONCO INDO-EUROPEU
FONTE: O’Neill (2014)
Para visualizar com maior clareza o Tronco Indoeuropeu, acesse a trilha da 
disciplina de Filologia Portuguesa.
Se, por um lado, não podemos falar em filologia sem abordar o 
desenvolvimento da filologia indo-europeia, por outro, é necessário reconhecer 
que nosso foco neste material não é explorar exaustivamente a história do tronco 
indo-europeu, mas sim a história de uma língua específica nesse tronco, a língua 
portuguesa. Acima de tudo, nossa preocupação é fazer com que esse conhecimento 
histórico lhe dê condições de ser um professor mais completo e consciente acerca 
da formação da nossa língua, a fim de formar estudantes aptos a usar diferentes 
ATENCAO
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
14
variedades e registros do português brasileiro, com proficiência e adequação aos 
diferentes contextos. Isto posto, passamos ao próximo tópico, que oferecerá um 
breve panorama da formação da língua portuguesa.
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA 
 LÍNGUA PORTUGUESA
Você certamente já ouviu falar que o português veio do latim e agora sabe 
que ambos descendem do indo-europeu. Se você voltar e der uma olhada naquela 
árvore que recém-apresentamos, verá que o latim descende mais especificamente 
do itálico, uma língua indo-europeia falada na Península Itálica antes de o latim 
surgir e imperar na região. Da mesma forma, verá que o português descende mais 
especificamente não do latim, mas do romance – no caso, do romance ibérico. 
Mas como essas línguas surgiram umas das outras? O que acontece para que 
elas mudem? Quando sabemos que uma nova língua surge? Essas são perguntas 
centrais para esta disciplina, e vamos respondê-las aos poucos.
Há pouco falamos que uma língua tem uma história interna e uma história 
externa, lembra-se? Pois bem. A história interna mostra como as regras estruturais 
da língua foram mudando, e o sistema foi se reorganizando. Essas mudanças 
estruturais podem acontecer motivadas por possibilidades inerentes ao próprio 
sistema, ou motivadas por fatores externos que induzem ajustes na estrutura da 
língua. Muitas vezes podem acontecer por ambas as motivações, isto é, já existe 
uma motivação interna para a mudança e, além disso, alguma motivação externa 
“dá mais uma ajudinha” para a mudança acontecer.
4.1 EXEMPLOS DE MUDANÇAS POR MOTIVAÇÃO INTERNA 
E EXTERNA AO SISTEMA
Antes de prosseguirmos com a nossa brevíssima história da formação da 
língua portuguesa, é válido dar alguns exemplos práticos de como essas mudanças 
internas acontecem de acordo com cada motivação.
Vamos falar primeiro sobre uma mudança no latim de motivação 
estritamente estrutural. Assim como ainda acontece no português brasileiro (PB), 
no latim arcaico (falado entre os séculos II e V a.C.), havia uma tendência a se apagar 
o som nasal em final de palavra. Por exemplo, assim como no PB muitas vezes 
dizemos viage[viaʒi] ao invés de viagem, home [ɔmi] ao invés de homem, também em 
latim arcaico se dizia, por exemplo, sella ao invés de sellam, équa ao invés de equam, 
Deciu ao invés de Decium, Fortunatu ao invés de Fortunatum, plurima ao invés de 
plurimam, pane ao invés de panem, permissūm ao invés de permissū, diem ao invés de 
die (WALLACE, 2005). A questão é que, em latim, esse -m final era extremamente 
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
15
significativo: ele indicava que aquela palavra era um objeto direto numa sentença, 
e a sua ausência podia mudar o sentido da frase, fazendo com que aquela palavra 
fosse compreendida como um sujeito, ou um advérbio,por exemplo. Durante 
alguns séculos, esse fenômeno foi algo pontual, que não afetava o sistema da 
língua como um todo, porém, alguns séculos mais tarde, esse fenômeno se tornou 
mais e mais regular, e fez com que a língua tivesse que se reorganizar. Por causa 
dessa, entre outras motivações internas na língua latina, hoje nossa língua é uma 
analítica, em que a ordem das palavras é fundamental para o significado: temos que 
dizer “o estudante está lendo o livro”, pois, se dissermos “estudante o está livro o 
lendo”, a frase ficará incompreensível. Em latim, que era uma língua sintética (pois 
a palavra sintetizava nela mesma sua função sintática), a ordem das palavras na 
frase era mais livre.
Agora, um exemplo de mudança por motivação externa. A Península 
Ibérica, onde estão Espanha e Portugal, passou por cerca de sete séculos de 
domínio dos árabes (os mouros), do séc. VIII ao séc. XV. O contato da língua 
árabe com o romance ibérico (aquela língua da qual derivaria o português) deixou 
muitas marcas, sobretudo no léxico (no vocabulário da língua). O artigo definido 
do árabe é a forma al; por isso, todas as palavras iniciadas por al- em português 
são de origem árabe, já que se lexicalizaram na nossa língua incluindo o artigo 
no radical. Exemplos são: alface, alfavaca, alfaiate, alfândega, albergue, alecrim, almoço 
(que é uma arabização do latino admorsus), almoxarife, almanaque, alambrado, entre 
muitos outros. Muitas vezes, o /l/ do artigo al caía por motivações fonológicas, 
reduzindo-o apenas a /a/. Por isso temos, na língua, vocábulos como açafrão, acelga, 
acém, açougue, açúcar, azar, azeite, azeitona, azul, azulejo, atabaque, ataúde, amálgama, 
andaime, andaluz, anil, anta, arraia, arraial, arroba, arroz etc.
Mas, engana-se quem pensa que a influência árabe ficou apenas no 
inventário lexical da língua. O grande influxo de léxico árabe na língua acabou 
forçando mudanças estruturais nela, particularmente na morfologia e na prosódia. 
“Sabemos que a maioria dos vocábulos terminados em /i/ tônico, ou ainda /im/ ou 
/il/, são influências árabes” (SILVA, 1996, p. 150). Por exemplo: javali, anil, cantil, 
covil, alecrim, carmesim, cetim, gergelim, jasmim. Na morfologia, isso fez com que 
surgisse uma quarta classe nominal na nossa língua além das outras três herdadas 
do latim (as de tema em a, o e e); muitas vezes essa classe é chamada de atemática. 
Na prosódia, isso motivou a criação de um novo padrão acentual. O acento natural 
do romance ibérico recaía sobre a penúltima sílaba, como é ainda hoje na nossa 
língua na maioria dos vocábulos – isso explica por que não colocamos um acento 
gráfico numa palavra quando o acento dela está na penúltima sílaba (como em 
palavra, casa, parede etc.). Entretanto, a influência árabe fez surgir uma nova regra 
para palavras terminadas em /i/ ou /l/, nas quais o acento natural recai sobre a 
última sílaba. Por isso não colocamos acento gráfico nas palavras mencionadas 
acima, pois ao lê-las reconhecemos que o acento naturalmente está na última sílaba 
– prova de que se trata de uma regra prosódica.
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
16
4.2 DO LATIM AO PORTUGUÊS
Se o português é uma língua latina, o que aconteceu do latim ao português? 
Para responder a essa pergunta é conveniente voltar para uma outra pergunta 
que fizemos anteriormente: quando sabemos que uma nova língua surgiu? De 
antemão, podemos afirmar que, em geral, o surgimento de uma nova língua é algo 
muito mais político do que linguístico. Reconhece-se que uma nova língua existe 
quando as pessoas (em geral, os governos) afirmam que uma nova língua está 
sendo falada.
Na Península Itálica, por exemplo, a língua falada na região do Lácio (ou 
Latio, de onde vem o termo latim) nada mais era do que um dialeto do itálico, 
que coexistia com outros dialetos dessa língua, como o piceno, o umbro e o osco. 
Portanto, em determinado momento, embora tivessem uma identidade gramatical 
própria, um léxico próprio etc., o latim, o piceno, o umbro e o osco nada mais 
eram do que dialetos do itálico. À medida que os latinos, com a ascensão de Roma, 
foram ganhando poder e prestígio sobre território italiano, eles também ganharam 
coragem para afirmar que a variedade do itálico que eles falavam não era só um 
dialeto, mas era uma língua: a língua latina – isso aconteceu por volta do séc. VII 
a.C.
Algo muito parecido aconteceu com o português. Ao longo da expansão 
do Império Romano, o latim foi levado para muitas regiões da Europa e nelas 
imposto. Uma dessas regiões foi a Ibéria. Ali, antes da chegada dos latinos, 
falavam-se diferentes línguas indo-europeias, entre elas, línguas celtas, variedades 
de grego e o basco. Depois de algum tempo de domínio romano, os ibéricos 
aceitaram a imposição do latim. Obviamente, o latim falado ali não era o mesmo 
falado em Roma, sobretudo não era o mesmo falado pela elite romana. Imagine 
que era um latim falado pelos soldados (muito diferente do latim falado pelos 
senadores romanos) e, ainda por cima, cheio de influências das línguas nativas 
com as quais ele entrou em contato e foi influenciado. Não é à toa que os romanos 
faziam questão de diferenciar o latim falado em Roma (o que eles chamavam de 
latine loqui) do latim falado nas colônias (o que eles chamavam de romaniceloqui). 
Esse termo, romaniceloqui (algo como “o falar dos românicos”), era de certa forma 
pejorativo entre os romanos: significava o jeito (errado) como os colonos falavam.
A propósito, o termo romance, usado para designar as línguas que derivaram do latim nas 
diversas regiões colonizadas pelos romanos, vem de romanice (pronunciado românice), 
resultado da síncope (da queda) do i no meio da palavra.
NOTA
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
17
Uma das provas de que esse latim falado na Ibéria não era o mesmo falado 
em Roma são as camadas (ou estratos) que o compunham: a base gramatical dele e 
a maior parte do léxico, isto é, seu substrato (o estrato que está por baixo, na base), 
é a língua do colonizador, o latim; apesar disso, permaneciam muitos vocábulos 
das línguas nativas e certamente resquícios estruturais delas, na morfologia 
e em eventuais construções sintáticas; essas permanências compunham o seu 
superstrato (o estrato que está por cima, na superfície). O quadro a seguir mostra 
um pouco do que restou desse superstrato oriundo das línguas pré-românicas:
QUADRO 1 – PERMANÊNCIAS MORFOLÓGICAS E LEXICAIS DAS LÍNGUAS DOS POVOS 
 PRÉ- ROMANOS
Contribuições linguísticas do basco:
Sufixos –rro / -rra (como em bezerro, cachorro, piçarra, bizarro, guitarra), -rdo 
/ -rda (como em esquerdo, palavra suplantou a latina sinônima sinister), barro, nava 
(que quer dizer “depressão”, e que entra no topônimo Navarra), Tagus (que deu 
Tejo), lausiae (que deu lousa), arrugia (que deu arroio, palavra que significava antes 
“galeria das minas”), antropônimos Sancho / Sanches, Gimeno / Gimenes, Urraca. 
Contribuições linguísticas do celta:
Sufixo -essu> -és (em Algés, Arbués), briga e dunum “fortaleza”, palavras 
que entraram na composição dos topônimos Conímbriga> Coimbra, Lugdunum> 
Lião, Vinodunum> Verdun, carrus> carro, carruca> charrua, por importação francesa, 
substituindo-se a palavra latina aratrum, manteiga, bragas “roupa branca” (e, 
por etimologia popular barriguilha, formado a partir de braguilha), sagum> saio 
/ saia, camisa, cogula “veste sacerdotal”, brio, caminho, légua, caballus> cavalo, que 
suplantou o latim equus, preservado no português como o feminino égua, gato, 
bico, cabana, cerveja, trado, lança, cumba “vale”, no topônimo Santa Comba Dão 
(em que deve ter havido uma reinterpretação de comba como colomba, donde 
o “santa”), cambiare> cambiar, que em alguns casos suplantou a palavra latina 
correspondente mutare, basium> beijo e basiare> beijar. 
Contribuições linguísticasdo grego:
No léxico, podemos citar os itens: púrpura, governar, tomilho, golpe, greda, 
cima, gesso, escola, igreja, bodega, bispo, Ângelo, blasfêmia e blasfemar, batizar, cada, 
monarquia, drama, mecânica. Não são aqui mencionados os termos técnicos de que 
o grego abasteceu abundantemente o português, por não terem entrado para a 
língua neste período histórico. 
Fonte: Castilho (2009, p. 16)
Após a queda do Império Romano do Ocidente, no séc. V d.C., o poder 
político que garantia a manutenção do latim em todo o território colonizado (a 
chamada România) desapareceu, e pouco a pouco os romances das mais diversas 
regiões foram desenvolvendo de forma autônoma e diversa, tornando-se línguas 
diferentes. Foi exatamente o que aconteceu com o romance ibérico.
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
18
O fim da ingerência romana na Ibéria fez com que o romance ibérico fosse se 
desenvolvendo de forma autônoma e, de certa forma, “descontrolada”, justamente 
pela ausência de poderes políticos que garantissem a manutenção de uma língua-
padrão. Isso acelerou a mudança linguística.
Do séc. V, quando cai o Império Romano do Ocidente, até o séc. XII, quando 
surge a língua portuguesa, muita coisa aconteceu. Os ibéricos não passaram sete 
séculos em paz falando o romance ibérico como eles bem quisessem. Muito pelo 
contrário: foram sete séculos de guerra e submissão a novos conquistadores: 
primeiro os bárbaros e depois os árabes. Esse novo período de submissão a novos 
conquistadores também deixou marcas na língua. Acima, já demos alguns exemplos 
de permanências árabes no português. Agora, oferecemos alguns exemplos de 
permanências germânicas:
QUADRO 2 – PERMANÊNCIAS GERMÂNICAS
Substantivos comuns:
Elmo, orgulho, aleive, laverca, sabão, burgo, guerra (que suplantou o latim bellum), 
brasa, trégua, luva, espora, albergue, fralda, coifa, feudo, embaixada, rico, branco, bruno, 
guisa “maneira”, donde guisado “disposto, arranjado”, parra, ufano, íngreme, aio, 
aleive (donde aleivosia, “calúnia”), ganso, bramar, guardar, roubar, gastar, britar, 
agasalhar, gabar-se, guarir e guarecer “curar”, sufixo -engo (avoengo, realengo, 
solarengo, abadengo), sufixo -ardo (bastardo). 
Substantivos próprios:
Os nomes próprios germânicos compunham-se de elementos significativos, 
tais como Wulf “lobo, força”, Mir e Mil “glória”, Rigo e Riz “poder”, donde 
Ruderigo>Rodrigo, Gunths “espada, valor guerreiro”. Esses elementos aparecem 
em Teodulfo, Rodolfo, Gondemir “célebre na luta”, Argemil, Teodorigo, Godo, Godinho, 
Alvarenga, Ramiro, Elvira, Fernando, Afonso, Gondomar, Wilhelm>Guilherme, 
Rugerius>Rogério, Viliati>Guilhade.
Topônimos: 
Vimaranis>Guimarães, Fafiães, Atiães, Ermegilde, Ramilde, Resende, Álvaro e 
Alvarenga, Ataíde, Baião, Borgonha, Brandão, Brito, Burgo, Guedes, Guiães, Lobão, Melo, 
Ourique, Gomes / Gomide, Gonçalo, Gonçalves, Gouveia, Gradim, Teles, Valdemir, Vera, 
Esposende, Godói. Muitos desses topônimos transformaram-se em antropônimos. 
Fonte: Castilho (2009, p. 20)
Talvez você esteja se perguntando: se foi assim, por que os ibéricos não 
passaram a falar alemão ou árabe, assim como tinham passado a falar latim antes? 
A chave para responder a essa questão está na religião: o cristianismo já tinha se 
difundido pela România quando o Império caiu, e a língua do cristianismo era o 
latim, incluindo aí todas as variedades de latim, inclusive o latim “caipira” dos 
românicos. Os cristãos ibéricos resistiram bravamente à imposição das religiões 
bárbaras e do islamismo árabe, e a língua era uma parte central dessa resistência. 
Passar a falar a língua dos pagãos era como abandonar suas crenças.
TÓPICO 1 | UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOLOGIA
19
Os cristãos ibéricos criaram núcleos de resistência na forma de pequenos 
reinos espalhados principalmente pelo norte da península e, aos poucos, foram 
expulsando os árabes do território. Essa expulsão progressiva ficou conhecida como 
as Guerras de Reconquista. Com o avançar da Reconquista, por volta do séc. X, o 
Reino de Castela despontou como uma das potências da região. Como você pode 
imaginar, assim como tinha acontecido mais de um milênio antes na Península 
Itálica, quando os latinos, sentindo-se poderosos, declararam que falavam latim, 
também na Ibéria os castelhanos decidiram que no Reino de Castela se falava 
castelhano. E assim surgiu o castelhano. Outra potência ibérica surgida também 
por volta do séc. X era o Reino de Leão, que ficava no noroeste da península, na 
região conhecida como Galícia. Naturalmente, ao se verem poderosos, os leoneses 
decidiram que falavam a língua galega.
Naquele momento, Portugal era apenas um condado do Reino de Leão, 
chamado Condado Portucalense, por conta do porto que o dava fama, o mesmo 
que dá nome hoje à Cidade do Porto. Tudo ia muito bem no Condado Portucalense 
até que, no séc. XII, algumas coisas mudaram. Depois da morte do Conde D. 
Henrique, em 1112, sua viúva, Teresa de Leão, assumiu o governo do condado 
até que seu filho, Afonso Henriques, atingisse a maioridade. O problema é que a 
conduta de Teresa não agradou à corte e tampouco ao seu filho Afonso. Além de 
cometer certas arbitrariedades ultrajantes, Teresa mantinha relações afetivas com 
um fidalgo galego chamado Fernão Peres. Assim, aos 14 anos, Afonso Henriques 
resolveu se rebelar contra a sua mãe, contra a ingerência dos galegos (os leoneses), 
contra a ingerência dos espanhóis (os castelhanos) e naturalmente contra a ameaça 
ainda presente dos mouros. Ele então reuniu um exército e, com sucesso, venceu 
as batalhas que travou contra todos os seus adversários. Orgulhoso de seus feitos e 
agora cheio de poder, Afonso Henriques decidiu que o Condado Portucalense não 
seria mais um condado do Reino de Leão e passaria a ser um reino independente. 
Estava fundado então o Reino de Portugal, e, naturalmente, esse reino tinha que 
ter sua própria língua: estava fundada a língua portuguesa.
Obviamente, quando os latinos declararam a existência do latim, quando 
os castelhanos declararam a existência do castelhano, os leoneses, a do galego, 
e os portucalenses, a do português, seus respectivos dialetos já tinham sofrido 
inúmeras mudanças e já tinham ganhado uma identidade linguística própria, o 
que permitia que seus falantes as sentissem como línguas distintas de fato. Isso 
nos leva a concluir que o surgimento de novas línguas passa tanto pela mudança 
linguística propriamente quanto pela mudança política da comunidade que fala 
uma determinada língua. Esses processos raramente são totalmente concomitantes 
e coincidentes entre si – geralmente, a mudança linguística ocorre antes, lentamente, 
silenciosamente, imperceptivelmente, até que surja a situação política propícia 
para que uma nova língua seja declarada.
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
20
O português brasileiro já se distanciou muito, linguisticamente falando, do 
português europeu. Mais cedo ou mais tarde, dependendo dos desdobramentos políticos por 
que passarmos, é muito provável que as pessoas passem a se referir a uma língua brasileira. 
Isso, a propósito, já acontece em softwares e em muitos formulários eletrônicos na internet.
Do latim ao português muitas mudanças linguísticas se processaram, e 
veremos com mais detalhes algumas delas ao longo deste material. Algumas já 
foram mencionadas aqui:
• na passagem para o romance, o latim deixou de ser uma língua sintética, por 
conta de erosões fonéticas responsáveis por apagar as marcas morfológicas que 
sustentavam a sintaxe latina, e assim o sistema românico se reorganizou em 
uma sintaxe analítica;
• a língua sofreu profundas mudanças no léxico (no vocabulário), principalmente 
por conta do contato com outras línguas: primeiro, as línguas nativas dos povos 
colonizados (no caso da Ibéria, línguas como o basco, o grego e o celta), depois, 
aslínguas dos colonizadores pós-romanos (no caso da Ibéria, os bárbaros e os 
mouros).
Além disso, tendências para mudanças que já estavam prefiguradas 
internamente no sistema da língua latina também foram se manifestando, e 
a língua foi mudando naturalmente, como já explicamos acima no exemplo do 
apagamento das nasais finais. Havia muitas outras tendências inscritas no que 
chamamos de “deriva da língua” (SAPIR, 1921, p. 160), e você conhecerá algumas 
delas nas próximas unidades.
IMPORTANT
E
21
Neste tópico você viu que:
 Neste tópico você aprendeu que inicialmente a filologia consistia no estudo de 
textos antigos, para fins de estabelecimento, interpretação e edição, mas na Idade 
Moderna os filólogos passaram a assumir também a tarefa de descrever e explicar 
o desenvolvimento histórico das línguas com base nos textos antigos. Com a 
revolução ideológica pela qual a Europa passou a partir de meados do séc. XVII 
(a chamada revolução científica), cresceu o interesse pelas línguas do Oriente, 
que passou a ser largamente explorado por conta das navegações ultramarinas. 
Em consequência dessa expansão do conhecimento sobre as línguas humanas 
pelo mundo, os estudiosos da linguagem de então se viram tentados a comparar 
as diversas línguas que passavam a ser descobertas pouco a pouco.
• Estabelecer um texto antigo significa organizá-lo, a partir do confronto de 
manuscritos, comentários ou edições antigas, a fim de oferecer aos leitores e 
estudiosos do momento atual uma versão o mais completa e fidedigna possível. 
A interpretação de textos antigos, por parte do filólogo, passa principalmente 
pelas notas e paratextos que complementam o estabelecimento de um texto. 
A edição de textos antigos é o trabalho final, posterior ou concomitante ao 
estabelecimento e à interpretação. Envolve editar de fato o texto, isto é, prepará-
lo para ser publicado, definindo-o com base em critérios científicos.
• Mais de dois séculos após o início dos estudos comparatistas sobre o tronco 
indo-europeu, hoje já temos uma visão muito completa sobre o desenvolvimento 
desse tronco, conhecemos em detalhes muitas de suas ramificações e sabemos 
da história delas, tanto da sua história interna (a história das suas mudanças 
estruturais, independentemente das influências sociais, geográficas etc.) quanto 
da sua história externa (a história dos fatores externos à estrutura da língua, 
as mudanças sociais, guerras, colonizações, migrações etc. que motivaram a 
mudança linguística). A filologia indo-europeia foi talvez o grande motor que 
fez avançar a ciência das línguas naturais. Alguns dos grandes gênios que nos 
legaram o arcabouço conceitual da linguística moderna, como Saussure, Meillet 
e Humboldt, beberam diretamente dessa fonte.
• O surgimento de novas línguas passa tanto pela mudança linguística 
propriamente quando pela mudança política da comunidade que fala uma 
determinada língua, e esses processos raramente são totalmente concomitantes 
e coincidentes entre si – geralmente, a mudança linguística ocorre antes, 
lentamente, silenciosamente, imperceptivelmente, até que surja a situação 
política propícia para que uma nova língua seja declarada. O português 
brasileiro já se distanciou muito, linguisticamente falando, do português 
europeu. Mais cedo ou mais tarde, dependendo dos desdobramentos políticos 
por que passarmos, é muito provável que as pessoas passem a se referir a 
uma língua brasileira. Isso, a propósito, já acontece em softwares e em muitos 
formulários eletrônicos na internet.
RESUMO DO TÓPICO 1
22
• Na passagem para o romance, o latim deixou de ser uma língua sintética, por 
conta de erosões fonéticas responsáveis por apagar as marcas morfológicas 
que sustentavam a sintaxe latina, e assim o sistema românico se reorganizou 
em uma sintaxe analítica. A língua sofreu profundas mudanças no léxico (no 
vocabulário), principalmente por conta do contato com outras línguas: primeiro, 
as línguas nativas dos povos colonizados (no caso da Ibéria, línguas como o 
basco, o grego e o celta), depois, as línguas dos colonizadores pós-romanos (no 
caso da Ibéria, os bárbaros e os mouros).
23
Leia o texto a seguir para responder à questão:
Os estudos dos períodos anteriores ao século XIX eram muito esparsos e 
baseados em suposições muitas vezes infundadas, como a de que o latim 
derivava diretamente do grego, e este diretamente do hebraico, a suposta língua 
original cujo dialeto mais antigo Adão teria falado. Aos poucos, as hipóteses 
que ligavam o latim e o grego ao hebraico foram sendo descartadas, em grande 
parte devido ao interesse crescente pelas línguas do Oriente, que passaram 
a ser mais bem conhecidas pelo Ocidente europeu em virtude dos contatos 
crescentes entre os povos, derivados de um trânsito comercial e colonialista 
mais intenso, acirrado pelos movimentos expansionistas europeus. Muitos 
estudiosos, principalmente aqueles que participaram dos estudos linguístico-
comparativos entre o século XIX e começo do século XX, descobriram 
semelhanças também entre diversas línguas da Europa, organizando essas 
línguas em famílias linguísticas, que, por sua vez, também eram aparentadas 
entre si. Exemplos mais comuns são justamente as línguas românicas, como 
o francês, o espanhol, o italiano, o romeno, o português etc., cujo percurso do 
latim até seu estado moderno foi documentado através dos mais diversos tipos 
de texto (políticos, literários, jurídicos etc.), e também as línguas germânicas, 
como o inglês, o holandês, o alemão, o islandês, o dinamarquês etc., que 
descendem de uma língua chamada de protogermânico.
Fonte: GONÇALVES, Rodrigo Tadeu; BASSO, Renato Miguel. História da 
Língua. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2010. p. 12.
A partir desta leitura, julgue as afirmações a seguir:
I. A revolução ideológica pela qual a Europa passou a partir de meados do séc. 
XVII, as navegações ultramarinas e a consequente expansão do conhecimento 
sobre as línguas humanas pelo mundo fizeram com que a compreensão sobre 
a natureza e a mudança das línguas humanas mudasse, dando origem aos 
estudos filológicos modernos.
II. A filologia pode ser compreendida como “o estudo dos textos antigos”, 
pois inicialmente ela consistia no estudo de textos antigos, para fins de 
estabelecimento, interpretação e edição, embora na Idade Moderna os 
filólogos tenham passado a assumir também a tarefa de descrever e explicar o 
desenvolvimento histórico das línguas com base nos textos antigos.
III. Os estudos indo-europeus, além de serem um marco da filologia, fizeram 
nascer a ciência que dominaria os estudos da linguagem, a linguística, relegando 
para a filologia um campo de ação mais limitado.
IV. A história do latim ao surgimento do português pode ser resumida nos 
seguintes estágios: latim vulgar (levados pelos soldados à Ibéria) > romance 
ibérico (com influências germânicas e árabes) > elevação do romance ibérico 
falado no Condado Portucalense à condição de língua quando esse condado se 
torna o Reino de Portugal.
AUTOATIVIDADE
24
É correto apenas o que se afirma em:
a. I e II.
b. I, II e IV.
c. I, III e IV.
d. Todas as afirmações estão corretas.
25
TÓPICO 2
DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA À LINGUÍSTICA HISTÓRICA: 
UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Até aqui, já vimos que as línguas têm o que se chama de história interna 
e história externa; já vimos que as línguas podem ser analisadas na sincronia ou 
na diacronia; e já vimos que a filologia, depois de um certo momento, passou a 
ser confundida com a disciplina história da língua e com a chamada linguística 
diacrônica. Atualmente, entretanto, existe uma diferença sensível entre o que se 
convencionou chamar de linguística diacrônica (e a filologia se situa nesse âmbito) 
e o que se convencionou chamar de linguística histórica.
Talvez você esteja se perguntando:ora, se eu aprendi que a linguística 
diacrônica olha para o desenvolvimento de uma língua de um ponto de vista 
histórico, analisando sua formação ao longo do tempo, linguística diacrônica e 
linguística histórica não seriam a mesma coisa? Teoricamente sim, porém na prática 
existe um debate, de viés teórico-ideológico, acerca dessas duas terminologias, 
sendo que de fato essa diferença terminológica revela uma mudança de mentalidade 
ocorrida no último século. Vamos entender melhor que mudança de mentalidade 
é essa.
2 LIMITAÇÕES DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA
Desde o séc. XVII até meados do séc. XX, muitos filólogos – mais tarde 
usando princípios da linguística diacrônica – produziram muitas gramáticas 
históricas, sobretudo das línguas modernas. Essas gramáticas – verdade seja dita – 
supervalorizavam a história interna das línguas e davam pouca importância para 
sua história externa. Essa subvalorização da história externa, no fundo, revelava 
uma compreensão limitada sobre o modo como os fatores sociais são determinantes 
no condicionamento da mudança das línguas. Assim, muitas vezes, a filologia 
orientada pela linguística diacrônica podia até ser competente em descrever as 
mudanças de uma língua no plano histórico, mas era incapaz de explicá-las por ter 
uma compreensão limitada sobre como a interação entre os fatores linguísticos e 
sociais converge para a variação e a mudança das línguas.
Apenas para citar um exemplo do que estamos tratando aqui, na Gramática 
do Português Antigo, de Joseph Huber, uma obra de excelência na área dos estudos 
romanistas, publicada em 1933, seu autor dedica, em meio a 420 páginas, apenas 
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
26
20 páginas a uma seção intitulada “História externa da língua portuguesa”, 
reservando todo o restante da obra à sua história interna. Não bastasse essa 
evidente desproporção, o próprio ato de se abordar a história externa numa seção 
à parte é sintomático, já que, como veremos, não há muito sentido em separar uma 
da outra.
Além disso, o tipo de “história externa” tradicionalmente feita, 
caricaturalmente falando, era uma história de reis e rainhas, de colonizados e 
colonizadores, de migrações e expansões territoriais. Para dar uma amostra daquilo 
a que estamos nos referindo, transcrevemos aqui o início da referida seção da obra 
de Joseph Huber (1986 [1933], p. 17):
O português – que, fora da República Portuguesa, ainda hoje se fala na 
província espanhola da Galiza, situada ao norte de Portugal, e, como 
português oceânico, em territórios ultramarinos, por exemplo no Brasil, 
nas ilhas cabo-verdianas, na ilha de S. Tomé, na Guiné portuguesa (cf. a 
este respeito Leite de Vasconcellos, Esquisse d'une dialectologie portugaise, 
Paris, 1901) – proveio, como as restantes línguas românicas, da língua 
romana corrente. A história da língua portuguesa começa, portanto, com 
a romanização da Península Ibérica. Hoje já não é possível acompanhar 
o processo da romanização em pormenor, nem sequer em todos os 
seus traços fundamentais. De uma maneira geral, podemos dizer (cf. 
Gerland, in G Grdr. I2, 429) que na romanização da Península Ibérica – 
Portugal, compartilhava, naquela época, o destino da Espanha, a qual 
foi constituída como província romana em 197 – se podem distinguir 
duas épocas principais. A primeira situa-se no tempo da República, 
desde as Guerras Púnicas até à constituição do domínio de Augusto, 
e é essencialmente um período de conquista guerreira. Somente com 
o Imperador Augusto é que as três províncias, Tarraconense, Lusitânia 
e Bética, nos surgem quase subjugadas, não possuindo, contudo, 
a Lusitânia os limites do Portugal de hoje. Por sua vez, a segunda 
época – durante os séculos do Império a pode ser considerada uma 
época da assimilação pacífica. A Península Ibérica, devido à, riqueza 
do solo, ao comércio e à navegação com ele ligada, era para Roma da 
maior importância. O país também fornecia numerosos soldados, e este 
tráfego militar não foi de pouca importância para a romanização. Esta 
deu mais um passo quando, em 74, Vespasiano concedeu o direito de 
cidadania a todas as cidades hispânicas. Se a Lusitânia, no ano 72 a.C., 
ainda era uma parte da província romana da Hispânia Ulterior, no ano 
27 a.C. passou a constituir uma província imperial à parte (Provincia 
Emeritensis), tendo como capital Augusta Emerita (hoje Mérida). O 
imperador Constantino dividiu as três antigas províncias em sete 
novas; nesta divisão, a Lusitânia estava limitada a norte pelo Douro, a 
sul e a ocidente pelo mar. Sobre a romanização da Península Ibérica, cf. 
especialmente Harri Meier, Beiträge, 1930, pp. 88-97. 
Os aspectos tratados por Huber são de fato muito importantes para a 
compreensão da formação dialetológica do romance ibérico. Mas perceba que, nem 
nesse trecho citado nem em qualquer outro dentro de toda a seção sobre história 
externa, há qualquer menção a socioletos (variedades faladas por diferentes 
grupos sociais), ou sobre o prestígio ou desprestígio de determinadas variedades 
linguísticas dentro do contexto social, entre outras questões relevantes. Por esse 
tipo de postura tradicionalmente assumida pela filologia românica orientada pela 
TÓPICO 2 | DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA À LINGUÍSTICA HISTÓRICA: UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE
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linguística diacrônica, pesquisadores como Mattos e Silva (2008, p. 41) afirmam 
que há uma “linguística diacrônica ou associal” e uma “linguística histórica sócio-
histórica”, sendo esta última um desenvolvimento posterior, motivada por uma 
mudança de paradigma epistemológico na análise das línguas humanas.
 
Pelo que expusemos até aqui, faz sentido que Mattos e Silva chamem a 
linguística diacrônica de “associal”, embora nos pareça um termo um tanto pesado. 
Mas o que seria essa linguística histórica sócio-histórica?
3 A LINGUÍSTICA HISTÓRICA
No Curso de Linguística Geral, uma obra seminal para a consolidação da 
linguística moderna, Saussure (1977 [1917]) faz uma série de insinuações relativas 
à dinâmica das transformações no plano diacrônico, mas trata timidamente 
dos fatores sociais nelas envolvidos. Essas insinuações, porém, receberam uma 
formulação teórica bem-acabada ao final da década de 60, quando Labov, junto de 
Weinreich e Herzog, publicou os Fundamentos Empíricos para uma Teoria da Mudança 
Linguística. A abordagem variacionista, fundada por esse trabalho, deu uma 
nova orientação para os estudos históricos sobre a linguagem, apresentando uma 
alternativa à abordagem histórico-comparatista em voga desde os séculos XVIII e 
XIX, que se mostrava cada vez mais incompatível com o estado da arte dos estudos 
linguísticos. Não é à toa que tal trabalho foi preparado para ser apresentado 
num simpósio intitulado “Direções para a Linguística Histórica”, organizado na 
Universidade do Texas em abril de 1966.
É importante lembrar que, pouco tempo depois que o Curso de Linguística 
Geral veio à baila, Meillet, em 1921, em resposta a Saussure (de quem fora aluno), 
havia publicado Linguística Histórica e Linguística Geral, obra em que tentou 
reconciliar sincronia e diacronia, colocando o fator social da linguagem como elo e 
reforçando noções como a de gramaticalização, que ele mesmo já havia formulado 
uma década antes, em A Evolução das Formas Gramaticais, de 1912. Coelho et al. 
(2010, p. 15) propõem uma síntese das diferenças entre Meillet e Saussure oportuna 
para o problema que buscamos contextualizar aqui:
Comparando brevemente as ideias de Meillet e de Saussure, podemos 
dizer que (i) Saussure opõe linguística interna (aquela que se ocupa 
estritamente da língua) e linguística externa (aquela que se ocupa das 
relações entre a língua e fatores extralinguísticos), e Meillet as associa; 
(ii) Saussure distingue abordagem sincrônica (estrutural) de abordagem 
diacrônica (histórica), e Meillet as une. Em suma,enquanto Saussure 
elabora um modelo abstrato da langue (sistema de signos), Meillet busca 
explicar a estrutura linguística por meio de fatores históricos e sociais. 
Essas ideias de Meillet, como vamos ver adiante, serão retomadas por 
Labov décadas depois.
Até a década de 60, a Linguística norte-americana não havia considerado o 
tipo de abordagem proposto por Meillet, o que veio a mudar com as proposições 
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
28
de Labov. Influenciados por Meillet, cujos trabalhos salientavam a natureza 
histórica e social da linguagem, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 274) 
mostraram que, no plano sincrônico, as línguas estão sempre em variação, numa 
“[...] heterogeneidade ordenada, que é a característica fundamental da linguagem”. 
Eventualmente, as variações podem resultar em mudanças na língua, as quais só 
aparecem no plano diacrônico, sendo que o fator decisivo para as motivar não é 
outro senão o fator social.
Disso, surgem implicações mútuas tanto para os estudos sincrônicos como 
para os estudos diacrônicos. Observando a ação de fatores sociais sobre a língua, 
passa a ser possível compreender variações no presente e mudanças no curso do 
tempo de forma interligada. Como observaram Coelho et al. (2010, p. 22),
[...] ao eleger como objeto de estudo a estrutura e a evolução linguística, 
Labov rompe com a relação estabelecida por Saussure entre estrutura 
e sincronia de um lado e história evolutiva e diacronia de outro, 
aproximando igualmente a sincronia e a diacronia às noções de estrutura 
e funcionamento da língua.
Castro (1991, p. 14) partilha do mesmo posicionamento e acrescenta:
A entrada dos conceitos e métodos da sociolinguística para o campo 
habitualmente ocupado pela linguística histórica tem vantagens 
mútuas: a sociolinguística procura, e encontra, nos estados passados 
de uma língua os dados que podem validar ou invalidar as hipóteses 
que formulou para explicar uma mudança atualmente em curso; e a 
linguística histórica tem a possibilidade, que até aqui lhe escapava, de 
ver processarem-se perante os seus olhos mudanças análogas àquelas 
que se deram no passado, e que apenas podia conjecturar.
Uma das maiores provas do quão frutífero pode ser esse casamento entre 
linguística histórica e sociolinguística, que rende dados e ferramentas potenciais 
para ambas as partes, são os estudos de gramaticalização.
Tal campo, também influenciado por Meillet, vem ampliando, pelo menos 
desde a década de 70, a compreensão dos processos de mudança linguística sob 
uma perspectiva pancrônica (considerando sincronia e diacronia em conjunto). 
Atualmente, estudos sociolinguisticamente orientados vêm comparando os 
modos pelos quais elementos em aparente processo de gramaticalização são 
usados por falantes em situações reais nas quais seu comportamento é moldado 
(NEVALAINEN; PALANDER-COLLIN, 2011, p. 119). Se esta interseção dos dois 
campos procede, o estudo da história social ganha, então, um novo significado 
para quem pretende compreender o português.
Nas próximas unidades deste material você terá exemplos mais concretos 
de como fatores linguísticos e sociais convergem no direcionamento da mudança 
linguística. Entretanto, para que você tenha uma ideia mais clara de como isso 
acontece, podemos mencionar um breve exemplo de como a linguística diacrônica 
e a linguística histórica tratam diferentemente um mesmo fato linguístico.
TÓPICO 2 | DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA À LINGUÍSTICA HISTÓRICA: UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE
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Pense nas possibilidades existentes para a realização (a pronúncia) do 
fonema /r/ em português brasileiro em final de sílaba (pense em como se pronunciam 
as palavras porque e amor, por exemplo). Entre as diferentes possibilidades que lhe 
devem ter vindo à mente – além do erre forte [R] (o erre de radialistas), do erre tap 
[ɾ] (o erre do paulistano ou do gaúcho), da fricativa velar [ɣ] (o erre do carioca), 
da fricativa glotal [h] (o erre do litoral catarinense) – está o retroflexo [ɻ], também 
chamado de “r caipira”. Se um linguista diacrônico fosse descrever a história 
dessa variante no PB, provavelmente ele diria que, no período da colonização, essa 
forma entrou na língua por conta do contato com línguas indígenas, especialmente 
o tupinambá e o guarani (já que essa realização do fonema /r/ não existe no 
português europeu e em nenhuma outra língua latina), e não iria muito além 
disso. Já um linguista histórico, além de mostrar que essa forma entrou via contato 
com línguas indígenas brasileiras, iria adiante, mostrando que essa forma é típica 
de dialetos rurais, que historicamente ela não foi frequente em dialetos urbanos, 
e que carrega um estigma social por isso, o que condiciona historicamente a sua 
presença na língua, vinculando-se a outros aspectos, como a escolaridade dos 
falantes, sua etnicidade, suas comunidades de fala, seu local de residência etc., 
além de condicionantes estritamente linguísticos.
Nossa abordagem da história e da formação da língua portuguesa e, em 
particular, do português brasileiro, daqui em diante, será tanto quanto possível 
vinculada à perspectiva da linguística histórica, que dá igual importância tanto à 
história interna e à história externa da língua.
LEITURA COMPLEMENTAR
O texto a seguir é um fragmento do seguinte artigo:
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Teorias da mudança linguística e a sua 
relação com a(s) história(s) da(s) língua(s). Revista de Estudos Linguísticos da 
Universidade do Porto, v. 3, n. 1, 2008, p. 39-53.
O que é a mudança linguística? Quais as teorias contemporâneas sobre a 
mudança das línguas no tempo?
Rosa Virgínia Mattos e Silva
A mudança das línguas no tempo é o cerne da Linguística Histórica. Já 
que os principais testemunhos para o passado linguístico são os textos escritos 
– inscrições, manuscritos, textos impressos –, são apropriadas metáforas para 
definir a Linguística Histórica, como a de Roger Lass, “Ouvir o inaudível” 
(1997, p. 45), e a mais conhecida, de William Labov, “a arte de fazer o melhor 
uso dos maus dados” (1982, p. 20). Metáforas que, em parte, podem delimitar 
o que seja o trabalho nesse campo da Linguística.
Ao longo de seu tempo histórico, as línguas mudam: há mudanças 
UNIDADE 1 | POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA LÍNGUA ?
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fônicas, mórficas, sintáticas e léxico-semânticas. Contudo, a história de uma 
língua, como a história dos homens, como disse Michel Foucault, “não é uma 
duração: é uma multiplicidade de tempos que se emaranham e se envolvem 
uns nos outros” (2000 [1972], p. 293).
Se assim é, a linearidade temporal nas línguas deve ser revista e a 
“multiplicidade de tempos que se emaranham” deve ser levada em conta por 
aquele que faz Linguística Histórica. Uma lei do tipo neogramático, em que X 
(no tempo A) > Y (no tempo B), não se sustenta, porque entre A e B múltiplos 
fatores condicionantes podem ter efeitos inesperados sobre a mudança de X>Y.
Pode-se conceber a mudança linguística no sentido estrito e no sentido 
lato. No primeiro caso, pode ser trabalhada em duas orientações: a) a Linguística 
Histórica sócio-histórica; b) a Linguística Diacrônica ou associal. Quanto à 
Linguística Histórica no sentido lato, trabalha com dados datados e localizados, 
como qualquer Linguística que trabalhe com corpus, como a Dialetologia e a 
Sociolinguística laboviana, a Etnolinguística e mesmo a teoria da conversação, 
desde que use corpora. Inspirei-me para essa dicotomia – sentido lato e estrito 
– em Eugênio Coseriu que, em Sincronia, Diacronia e História diz que a 
“descrição e a história da língua situam-se no nível histórico da linguagem e 
constituem juntas a Linguística Histórica” (1979, p. 236) e no clássico Empirical 
Foundations for a Theoryof Language Change (1968), em que Uriel Weinreich, 
estudioso do contato linguístico, Marvin Herzog, dialetólogo,

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