línguas dos colonizadores pós-romanos (no caso da Ibéria, os bárbaros e os mouros). Além disso, tendências para mudanças que já estavam prefiguradas internamente no sistema da língua latina também foram se manifestando, e a língua foi mudando naturalmente, como já explicamos acima no exemplo do apagamento das nasais finais. Havia muitas outras tendências inscritas no que chamamos de “deriva da língua” (SAPIR, 1921, p. 160), e você conhecerá algumas delas nas próximas unidades. IMPORTANT E 21 Neste tópico você viu que: Neste tópico você aprendeu que inicialmente a filologia consistia no estudo de textos antigos, para fins de estabelecimento, interpretação e edição, mas na Idade Moderna os filólogos passaram a assumir também a tarefa de descrever e explicar o desenvolvimento histórico das línguas com base nos textos antigos. Com a revolução ideológica pela qual a Europa passou a partir de meados do séc. XVII (a chamada revolução científica), cresceu o interesse pelas línguas do Oriente, que passou a ser largamente explorado por conta das navegações ultramarinas. Em consequência dessa expansão do conhecimento sobre as línguas humanas pelo mundo, os estudiosos da linguagem de então se viram tentados a comparar as diversas línguas que passavam a ser descobertas pouco a pouco. • Estabelecer um texto antigo significa organizá-lo, a partir do confronto de manuscritos, comentários ou edições antigas, a fim de oferecer aos leitores e estudiosos do momento atual uma versão o mais completa e fidedigna possível. A interpretação de textos antigos, por parte do filólogo, passa principalmente pelas notas e paratextos que complementam o estabelecimento de um texto. A edição de textos antigos é o trabalho final, posterior ou concomitante ao estabelecimento e à interpretação. Envolve editar de fato o texto, isto é, prepará- lo para ser publicado, definindo-o com base em critérios científicos. • Mais de dois séculos após o início dos estudos comparatistas sobre o tronco indo-europeu, hoje já temos uma visão muito completa sobre o desenvolvimento desse tronco, conhecemos em detalhes muitas de suas ramificações e sabemos da história delas, tanto da sua história interna (a história das suas mudanças estruturais, independentemente das influências sociais, geográficas etc.) quanto da sua história externa (a história dos fatores externos à estrutura da língua, as mudanças sociais, guerras, colonizações, migrações etc. que motivaram a mudança linguística). A filologia indo-europeia foi talvez o grande motor que fez avançar a ciência das línguas naturais. Alguns dos grandes gênios que nos legaram o arcabouço conceitual da linguística moderna, como Saussure, Meillet e Humboldt, beberam diretamente dessa fonte. • O surgimento de novas línguas passa tanto pela mudança linguística propriamente quando pela mudança política da comunidade que fala uma determinada língua, e esses processos raramente são totalmente concomitantes e coincidentes entre si – geralmente, a mudança linguística ocorre antes, lentamente, silenciosamente, imperceptivelmente, até que surja a situação política propícia para que uma nova língua seja declarada. O português brasileiro já se distanciou muito, linguisticamente falando, do português europeu. Mais cedo ou mais tarde, dependendo dos desdobramentos políticos por que passarmos, é muito provável que as pessoas passem a se referir a uma língua brasileira. Isso, a propósito, já acontece em softwares e em muitos formulários eletrônicos na internet. RESUMO DO TÓPICO 1 22 • Na passagem para o romance, o latim deixou de ser uma língua sintética, por conta de erosões fonéticas responsáveis por apagar as marcas morfológicas que sustentavam a sintaxe latina, e assim o sistema românico se reorganizou em uma sintaxe analítica. A língua sofreu profundas mudanças no léxico (no vocabulário), principalmente por conta do contato com outras línguas: primeiro, as línguas nativas dos povos colonizados (no caso da Ibéria, línguas como o basco, o grego e o celta), depois, as línguas dos colonizadores pós-romanos (no caso da Ibéria, os bárbaros e os mouros). 23 Leia o texto a seguir para responder à questão: Os estudos dos períodos anteriores ao século XIX eram muito esparsos e baseados em suposições muitas vezes infundadas, como a de que o latim derivava diretamente do grego, e este diretamente do hebraico, a suposta língua original cujo dialeto mais antigo Adão teria falado. Aos poucos, as hipóteses que ligavam o latim e o grego ao hebraico foram sendo descartadas, em grande parte devido ao interesse crescente pelas línguas do Oriente, que passaram a ser mais bem conhecidas pelo Ocidente europeu em virtude dos contatos crescentes entre os povos, derivados de um trânsito comercial e colonialista mais intenso, acirrado pelos movimentos expansionistas europeus. Muitos estudiosos, principalmente aqueles que participaram dos estudos linguístico- comparativos entre o século XIX e começo do século XX, descobriram semelhanças também entre diversas línguas da Europa, organizando essas línguas em famílias linguísticas, que, por sua vez, também eram aparentadas entre si. Exemplos mais comuns são justamente as línguas românicas, como o francês, o espanhol, o italiano, o romeno, o português etc., cujo percurso do latim até seu estado moderno foi documentado através dos mais diversos tipos de texto (políticos, literários, jurídicos etc.), e também as línguas germânicas, como o inglês, o holandês, o alemão, o islandês, o dinamarquês etc., que descendem de uma língua chamada de protogermânico. Fonte: GONÇALVES, Rodrigo Tadeu; BASSO, Renato Miguel. História da Língua. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2010. p. 12. A partir desta leitura, julgue as afirmações a seguir: I. A revolução ideológica pela qual a Europa passou a partir de meados do séc. XVII, as navegações ultramarinas e a consequente expansão do conhecimento sobre as línguas humanas pelo mundo fizeram com que a compreensão sobre a natureza e a mudança das línguas humanas mudasse, dando origem aos estudos filológicos modernos. II. A filologia pode ser compreendida como “o estudo dos textos antigos”, pois inicialmente ela consistia no estudo de textos antigos, para fins de estabelecimento, interpretação e edição, embora na Idade Moderna os filólogos tenham passado a assumir também a tarefa de descrever e explicar o desenvolvimento histórico das línguas com base nos textos antigos. III. Os estudos indo-europeus, além de serem um marco da filologia, fizeram nascer a ciência que dominaria os estudos da linguagem, a linguística, relegando para a filologia um campo de ação mais limitado. IV. A história do latim ao surgimento do português pode ser resumida nos seguintes estágios: latim vulgar (levados pelos soldados à Ibéria) > romance ibérico (com influências germânicas e árabes) > elevação do romance ibérico falado no Condado Portucalense à condição de língua quando esse condado se torna o Reino de Portugal. AUTOATIVIDADE 24 É correto apenas o que se afirma em: a. I e II. b. I, II e IV. c. I, III e IV. d. Todas as afirmações estão corretas. 25 TÓPICO 2 DA LINGUÍSTICA DIACRÔNICA À LINGUÍSTICA HISTÓRICA: UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Até aqui, já vimos que as línguas têm o que se chama de história interna e história externa; já vimos que as línguas podem ser analisadas na sincronia ou na diacronia; e já vimos que a filologia, depois de um certo momento, passou a ser confundida com a disciplina história da língua e com a chamada linguística diacrônica. Atualmente, entretanto, existe uma diferença sensível entre o que se convencionou chamar de linguística diacrônica (e a filologia se situa nesse âmbito) e o que se convencionou chamar de linguística histórica. Talvez você esteja se perguntando: