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O Conhecimento Histórico como Ciência

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Aula 1 – O Conhecimento Histórico como uma Ciência Especializada
O historiador germânico Leopold von Ranke é considerado o pai da historiografia científica. Isso porque seus estudos foram fundamentais para que a História ganhasse identidade científica própria e se tornasse uma disciplina autônoma no universo do conhecimento. Precisamos analisar esse processo de cientificação da História a partir de duas perspectivas:
a primeira se refere ao conhecimento histórico;
e a segunda à nova relação, fundada na modernidade, entre passado e presente.
Examinar com cuidado o cenário intelectual que serviu de palco para a fundação da Ciência Histórica é fundamental para a produção de conhecimento nesse campo do saber. Os historiadores contemporâneos, aqueles que a partir da especialização profissional interpretam o passado, são herdeiros da proposta metodológica desenvolvida pela primeira geração do historicismo germânico em pelo menos um aspecto: a centralidade da análise da documentação, aquilo que Ranke chamou de “fontes”, para o estudo do passado.
Crítica Documental
De acordo com o historiador José D’Assunção Barros: "os historicistas (...) levam muito além a crítica documental, porque à parte de se assenhorear de técnicas para a crítica externa, passam a atribuir à documentação um lugar fundacional para a análise histórica". Ainda hoje, passados mais de 150 anos da primeira geração do historicismo germânico, a crítica documental continua a ser o elemento fundamental para a identidade científica da histórica, justamente aquilo que distingue a prosa realista histórica do discurso literário ficcional.
Para o filósofo francês Paul Ricoeur, a documentação é uma espécie de “presença fictícia” do passado, o que faz com que a imaginação do historiador encontre limites, o que é fundamental para uma relação ética do pesquisador com a vida daqueles que ele estuda. Por isso, todo e qualquer trabalho de História, independentemente do formato em que ele é constituído ou do tema abordado, precisa, obrigatoriamente, apresentar uma discussão específica a respeito do trato metodológico com a documentação. Explorar as diversas propostas de crítica documental que foram desenvolvidas ao longo desses dois séculos de vida da ciência histórica é um dos propósitos desta aula.
A Modernidade e o Projeto da Ciência Histórica
De acordo com autores como a filósofa Hannah Arendt e o historiador Reinhart Koselleck, a definição da História como uma ciência especializada no estudo do passado é algo genuinamente moderno: trata-se de uma possibilidade que não estava dada no conhecimento ocidental antes do século XVIII. É claro que, como já sabemos, a História já se constitui como uma prática intelectual valorizada no mundo ocidental desde a Antiguidade. Porém, até o século XIX os estudos históricos não tinham uma identidade disciplinar específica, ora estando tutelados pelos estudos jurídicos, ora subordinados às artes retóricas
Nesse sentido, cabe a pergunta: o que mudou na experiência cultural da modernidade que permitiu a emancipação do conhecimento histórico e sua configuração como um campo disciplinar específico e autônomo? Para responder a essa questão, vamos fazer uma dupla reflexão sobre:
A aceleração da temporalidade moderna, que fundou uma nova relação entre passado e presente;
A proposta de conhecimento moderno, que pelo menos desde o tratado cartesiano O discurso sobre o método é baseado no primado da especialização.
Características da Modernidade
Uma das principais características da modernidade, de acordo com autores como Marshall Berman e Reinhart Koselleck, é: a aceleração do ritmo das mudanças sociais, o que fez com que se inaugurasse uma relação de alteridade entre passado e presente.
Se na experiência histórica pré-moderna, na sociedade tradicional onde as instituições sociais se modificam mais lentamente, a relação entre passado e presente é caracterizada pela continuidade, pelas semelhanças, nas sociedades modernas isso se transforma radicalmente, o que foi fundamental para a fundação da Ciência Histórica. “Até o século XVIII, as experiências passadas, em função de sua semelhança estrutural com as experiências presentes, eram utilizadas de forma utilitária, como fonte de exemplos e de lições morais.”
No tipo de experiência cultural visto, não existe a possibilidade de o conhecimento histórico se configurar como uma ciência especializada, já que o passado não tem valor heurístico próprio, não sendo definido como um objeto de estudos capaz de justificar a existência de uma análise sistemática. Ou seja, nas sociedades pré-modernas ou tradicionais, os letrados não estudam o passado para entendê-lo em si, mas sim porque têm a expectativa de que esses estudos sejam, em alguma medida, úteis ao tempo presente.
Nesse sentido, são as demandas do tempo presente que condicionam e formatam o interesse pelo estudo do passado, o que somente é possível em função da semelhança entre essas duas temporalidades; semelhança que se relaciona ao lento ritmo de mudanças sociais.
História Magistra Vitae?
No tipo de experiência cultural onde as instituições sociais se transformam lentamente, a História é definida como um conhecimento pragmático e voltado a um exercício de pedagogia moral e cívica. Esses princípios foram consagrados na fórmula que Cícero criou para definir a História: História Magistra vitae (História é a mestra da vida). Marco Túlio Cícero (106 a. C. – 43 a. C.) escreveu o tratado retórico De Oratore, onde definiu a história como “mestra da vida”. Essa definição, que podemos chamar de topos, regulou a cultura histórica ocidental até o século XVIII.
Passado e Presente: Nova Relação
Foi exatamente no século XVIII, na consolidação da experiência cultural da modernidade, quando as revoluções modernas, em particular a francesa, transformaram intensamente as instituições sociais e políticas vigentes que se inaugurou uma nova relação entre passado e presente. Nessa nova dinâmica temporal, o passado não poderia mais ser utilizado como fonte de exemplos e de lições morais, já que passa a ser mais diferente do que semelhante quando comparado ao presente.
Qualquer lição que se pudesse extrair do estudo do passado somente seria válida se aplicada no próprio passado, o que é obviamente impossível. Alguns pensadores modernos propuseram uma leitura conservadora desse processo de distanciamento entre passado e presente. Por exemplo: “Desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, o espírito humano erra nas trevas”. Podemos entender que esse diagnóstico aponta para a perda da capacidade do passado, da tradição, em influenciar a vida dos homens.
É exatamente por causa desse distanciamento entre passado e presente, entre experiências e expectativas, para utilizar as palavras de Koselleck, que o passado ganhou valor heurístico próprio. Já que nos tempos modernos o passado não serve mais como fonte de exemplos morais, passa a ser pensado como um objeto de estudos que precisa ser conhecido em suas particularidades. Ou seja, a partir de então, os estudos históricos passam a ser motivados pelo interesse dos homens em conhecer o passado como experiência singular e específica.
Temos aqui a possibilidade de fundação de uma ciência especializada no estudo desse passado, o que aconteceu no século XIX nos quadros do historicismo germânico. Ainda nesta aula, analisaremos a fundação da Ciência Histórica como um domínio especializado do conhecimento.
Os Tratados Cartesianos e o Princípio da Ciência Moderna Especializada
Não foi apenas a ciência histórica que surgiu no século XIX. O mesmo aconteceu com a maioria dos campos científicos que hoje servem como base para a nossa cultura escolar, como, por exemplo, a Geografia, a Sociologia, a Matemática e a Física. Por isso, precisamos relacionar a fundação da Ciência Histórica também a certa concepção moderna de conhecimento fundada no primado da especialização temática, o que nos remete diretamente a René Descartes. A seguir, vamos conhecer esse que foium dos pensadores mais importantes para a tradição científica da modernidade.
René Descartes (1596-1650)
De acordo com o filósofo Danilo Marcondes, os escritos filosóficos de René Descartes traduzem com precisão a concepção moderna de racionalidade científica. Uma das principais características do pensamento cartesiano é o estilo que o autor utilizou na produção dos seus principais tratados: as Meditações (1642) e o Discurso do Método (1637). Diferente dos textos anteriores, nos quais os autores adotavam um estilo abstrato e impessoal, Descartes utiliza quase sempre a primeira pessoa do singular, o que se configura como uma espécie de reivindicação de sua autoridade sobre aquele estudo.
Essa individualização do conhecimento é uma das grandes marcas da concepção moderna de ciência, na qual o cientista é um especialista em um determinado conjunto de saberes. Sobre isso, Danilo Marcondes afirma: Podemos considerar o projeto filosófico de Descartes como uma defesa do modelo de ciência inaugurado por Copérnico, Kepler e Galileu contra a concepção escolástica de inspiração aristotélica em vigor no final da Idade Média. A defesa desse novo modelo depende da possibilidade de mostrar que a nova ciência se encontra no caminho certo, ao passo que a ciência antiga havia adotado concepções falsas e errôneas, como, por exemplo, o sistema geocêntrico de cosmo. (Marcondes; 1997, p. 162)
Concepção Especializada de Conhecimento
Com o passar do tempo, a concepção especializada de conhecimento, vista anteriormente, foi ganhando força na tradição científica ocidental, consagrando-se definitivamente no século XIX, no momento de nascimento da maior parte dos campos científicos que hoje são fundamentais para a nossa cultura acadêmica. Nesse sentido, para além de uma temporalidade moderna que fundou uma nova relação entre passado e presente, a definição dos estudos históricos como um campo científico especializado e autônomo precisa ser situada, também, nessa concepção moderna de conhecimento científico, que encontra em René Descartes um dos seus principais representantes.
O Historicismo Germânico e o Projeto de uma Ciência Histórica Fundada na Análise das “Fontes”
No século XIX, que, como já vimos, foi o momento de nascimento da Ciência Histórica moderna, havia duas tradições científicas com a qual a jovem ciência da história precisou dialogar:
A tradição das “ciências do espírito”, que seria o que chamamos hoje de “ciências humanas”;
As tradições das “ciências duras”, que seria aquilo que hoje consideramos “ciências exatas”.
Como a Ciência Histórica ainda não tinha uma identidade científica pronta, podemos observar o trânsito desse jovem campo do conhecimento entre essas duas tradições. É possível dizer que, na transição do século XVIII para o XIX, foram propostos dois modelos de Ciência Histórica, sendo que um deles foi consagrado inicialmente e depois criticado. Para isso, iremos estudar rapidamente os escritos de alguns importantes representantes do historicismo germânico, que se destacaram nessa discussão, como, por exemplo, Wilhelm von Humboldt e Leopold von Ranke.
A despeito dessas discussões, algo se tornou comum a esses autores e a todos os outros que, até os nossos dias, dedicaram-se aos estudos históricos: a exigência da análise da documentação como um requisito básico para esse tipo de conhecimento. Por isso, você, caro aluno concluinte, precisa ficar atento para essa questão na elaboração do seu Trabalho de Conclusão de Curso. As fontes, como são denominados os documentos históricos, precisam ser analisados de forma clara, de maneira que o seu leitor consiga identificar com precisão o tipo de material consultado no processo de produção do seu texto.
Wilhelm Von Humboldt
Wilhelm von Humboldt foi um dos principais historiadores envolvidos nos primeiros debates teórico-metodológicos da Ciência Histórica. De acordo com Lúcia Ricota: Ele foi um dos primeiros a enfrentar os problemas epistemológicos e metodológicos para o conhecimento do mundo histórico, de tal forma que as bases científicas da “tarefa” do historiador, consistindo fundamentalmente na “representação dos acontecimentos”, fossem por ele delimitadas.
Dialogou com a tradição filosófica representada por grandes autoridades como, por exemplo, Aristóteles e Kant, e tentou definir o conhecimento histórico como uma ciência interpretativa baseada no princípio da subjetividade autoral.
A Concepção de Leopold Ranke
A concepção de estudos históricos proposta por Leopold Ranke difere da de Humboldt naquilo que se refere ao rigor metodológico. Por mais que Ranke tenha posteriormente suavizado esse rigor, ele foi registrado na memória disciplinar da História como alguém que defendeu a apropriação do conhecimento histórico a partir da proposta das “ciências duras”. As “fontes históricas” são a única via de acesso do historiador à experiência utilizada; por isso, o pesquisador precisa se esforçar ao máximo para narrar da forma mais imparcial possível os eventos estudados.
Mesmo com as diferenças, é inegável uma similaridade entre os projetos de metodologia científica propostos por Humboldt e Ranke: a definição do documento, ou “fonte”, como um elemento indispensável da escrita histórica, como o aspecto fundamental da identidade científica da história. De alguma forma, somos até hoje herdeiros desse princípio. Por isso, é fundamental que todo trabalho de História mostre muito bem o tipo de documentação com o qual está trabalhando e a forma como está trabalhando.
Nesse sentido, caro aluno, ao definir o seu tema de pesquisa, você precisa ter clareza de qual tipo de material utilizará nesse trabalho. É justamente a proposta da pesquisa que define o tipo de documentação que será examinado. A documentação histórica tem uma tipologia bastante variada, podendo ser textual, iconográfica, material ou audiovisual.
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