Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E PRECONCEITOS NO CONTEXTO PRÁTICO. Acadêmico: Ezequiel Chites Chaves, Professor-Tutor Externo – Silvana Lazzarini Bulla. Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI Curso (LED103) – Prática Interdisciplinar IV 18 de junho de 2019. RESUMO A leitura teórica dos estudos em sociolinguística tem evidenciado a tamanha riqueza e complexidade que a linguagem humana é capaz de experimentar. Não nos causa estranheza o fato de que a capacidade cognitiva do homem possa criar e experimentar um complicado conjunto de códigos sonoros que são capazes de carregar significados à um sem fim de pessoas que compartilham do mesmo mecanismo de codificação e decodificação desses sinais, a fim de produzir o que chamamos de língua e comunicação. Esses estudos em sociolinguística demonstram que a língua materna é sob o ponto de vista social, um patrimônio internalizado nas sociedades, correspondendo à identidade cultural de uma nação que congrega em comum, um espaço, valores e linguagens comuns. A par disso, e considerando as especificidades internas dessa língua materna, sobrevêm uma infinidade de situações e regras do falar que se manifestam entre os falantes que podemos chamar de variações, que dinamizam e evidenciam a riqueza de experiências múltiplas do exercício da comunicação social. É fato que há certa ordenança nas regras aplicáveis à estrutura da língua, a chamada gramática, e muitas das vezes essa gramática, ou essa padronização tem produzido uma corrente de negação das diversas formas de expressar a língua, imputando equivocadamente a noção de erro e correção no que diz respeito ao ato de falar, fechando o olhar para a manifesta diversidade verificada na língua pelos diversos modos de falar, seja pelo fator de status social, regional ou de instrução. Esse menosprezo à diversidade de formas linguísticas correspondem aos preconceitos explorados nesse trabalho, pelo qual se produz uma reflexão acerca dos fatores que os fazem subsistir até os nossos dias. Palavras-chave: Linguística, sociolinguística, Escola, desenvolvimento, linguagem, fala, língua, variação linguística, preconceitos linguísticos. 1 INTRODUÇÃO O objetivo do presente trabalho é estudar, brevemente, o problema do processo de formação de preconceitos linguísticos em seus diversos aspectos, frente à norma padrão ou de prestigio consagrado na sociedade brasileira. O tema é inquietante e suscita problemas de 2 aplicabilidade prática e de sustentação teórica. Espera-se provocar o leitor à reflexão e ao menos gerar em sua consciência sérias dúvidas sobre leituras precipitadas que enxerguem na língua portuguesa, um código invariável e insensível á dinâmica social em processo de contínua modificação, que desconsidera todo o arcabouço prévio de linguagem que cada indivíduo já dispõe intrinsecamente estruturado pela vivência social, e pela posição que se situa no tecido social. A linguagem é considerada umas das mais antigas tecnologias que a humanidade já concebeu, e tem servido para muitas finalidades, de religiosas à políticas, de literárias à publicitárias. Todas as línguas apresentam de certa forma um dinamismo inerente, de forma que podemos dizer que elas são heterogêneas. O português do Brasil é exemplo do quão diverso é o modo de falar, e que essas formas distintas, em princípio se equivalem semanticamente no nível do vocábulo, ou do nível fonético-fonológico.(MOLLICA, 2003, p. 9). Esse aspecto variável do modo pelo qual nos expressamos é um fenômeno da mudança linguística que corresponde, nas palavras de Maria Cecília Mollica (2003, p. 10): A variação linguística constitui fenômeno universal e pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas denominadas variantes. Entendemos então por variantes as diversas formas alternativas que configuram um fenômeno variável, tecnicamente chamado de variável dependente. Ainda, acerca das variantes, a autora descreve que “ todo o sistema linguístico encontra- se permanentemente sujeito à pressão de duas forças” essas atuam no sentido de variedade e de unidade, produzindo assim inovações que geram o impulso à convergência à noção de unidade resistente à mudança que se caracterizam pela mantença de padrões estruturais e estilísticos.(MOLLICA, 2003, p. 12). O outro aspecto correlato à variação linguística é sobremaneira a criação de estigmas que acompanham à essa “pressão” apontada pela autora, de forma que tem-se evidenciado a produção de formas de prestígio que os sociolinguistas tem se voltado, a fim de obter uma analise dessas relações “e o preconceito linguístico tem sido um ponto muito debatido na área, pois ainda predominam as práticas pedagógicas assentadas em diretrizes maniqueístas do tipo certo/errado, tomando-se como referência o padrão culto”. (MOLLICA, 2003, p. 13). 3 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1 FATORES DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA. a) O dinamismo da língua. É factível que as línguas mudam com o passar do tempo, nesse sentido a própria estruturação do português brasileiro pode ser considerada de forma geral como uma variação do português europeu. Em nível mais profundo, o próprio latim como gênese das línguas latinas como o francês, o espanhol e o português, são provas irrefutáveis que a língua tende a modificar-se em todos os níveis, desde à semântica até a sintaxe passando pela fonologia, lexo, morfologia, e assim por diante (MOLLICA 2003, p. 41); Essa mutação temporal da língua, não apresenta contudo um marco pré-definido para sua ocorrência, a latência para essa transformação ocorre aos poucos conforme a sociedade evolui em seu curso natural, as experiências sociais, os contatos e relações entre culturas diversas tendem à promover no tempo essa transformação, conforme destaca Mollica, (2003, 43). Esta mudança a longo prazo, através dos séculos, não se processa de maneira instantânea ou abrupta, como se numa determinada manhã a população inteira acordasse falando de maneira diferente da do dia anterior. De fato, as mudanças linguísticas normalmente se processam de maneira gradual em várias dimensões. Nos eixos sociais por exemplo, os falantes mais velhos costumam preservar mais as formas antigas, o que pode acontecer também com as pessoas mais escolarizadas, ou das camadas da população que gozam de maior prestigio social, ou ainda de grupos sociais que sofrem pressão social normalizadora, a exemplo do sexo feminino de maneira geral, ou das pessoas que exercem atividades socioeconômicas que exigem uma boa apresentação para o público. E mesmo uma única pessoa pode escolher uma forma mais conservadora numa situação formal, preferindo outra forma mais atual em conversa informal. Das considerações da autora, sobressaem as especificidades da variação linguística que 4 exploraremos na sequencia, ora, como visto, as variantes linguísticas sempre estiveram presente nas sociedades, motivadas por vários fatores que a autora aponta, conforme a citação acima, e podem ser elencadas da seguinte forma: a) de natureza temporal de faixa etária do falante; b) de natureza de nível de escolarização; c) de natureza de status social; d) de natureza de gênero e de natureza de dominação de poder e e) de natureza de contexto social. b) Faixa etária como fator de variação. A língua se modifica conforme a visão de mundo da sociedade se transforma, novas experiências, inovações tecnológicas e efeitos da globalização, são alguns dos fatores que fazem com que as novas gerações vão internalizando na língua as experiências que a evolução social transmite. De certa forma, as pessoascom idade mais avançada tendem à conservar o modelo linguístico pelo qual foram submetidos no contexto social em que se desenvolveram. Um exemplo trazido pela autora Maria Luiza Braga (2003, p. 44), destaca que “No português atual do Rio de Janeiro, podemos apontar vários fenômenos em que a idade atua fortemente: seu/dele: Para se referir ao possessivo da terceira pessoa (exemplo: o livro dele/o seu livro), os jovens de 25 anos ou menos estão usando pouquíssimo a forma seu para a terceira pessoa, preferindo reserva-la para a segunda pessoa: nós/a gente: os jovens estão evitando a forma nós e usando mais a forma a gente; ir – os jovens estão evitando as regências ir a e ir para, preferindo ir em.” Isso aponta que os falantes adultos tendem a preferir as formas antigas, existem pessoas que apesar de estarem em interação constante (pai/filho), costumam falar de maneira distinta, contudo isso não chega a comprometer a comunicação, já que ambos os lados são capazes de compreender o contexto e todas a formas. (BRAGA 2003, P. 44). Esse processo pode ser concebido como natural ao percurso da língua entre as gerações sensível à mudança de paradigmas da sociedade moderna, da mesma maneira que a sociedade é dinâmica, a própria língua também se comporta dessa maneira, criando situações novas que carregam significados e valores que não são estanques ou imutáveis, mas ao contrário, os postulados são dinâmicos e podem até manifestarem fenômenos cíclicos que fazem da língua uma experiência viva e multifacetária. C) Escolaridade como fator de variação. 5 É inegável que a escola gera mudanças na fala e na escrita das pessoas que a frequentam, mas também pode ocorrer um fenômeno de conservação de formas pré estabelecidas, formas de prestígio em confronto com as novas formas de expressar a língua, como exemplificado acima. Muitas vezes a escola desempenha um papel normatizador no que se refere ao ensino da língua. Nesse sentido a escola age como transmissora de valores normatizados por padrões estéticos e morais em face da conformidade de dizer, como veículo de familiarização da literatura clássica, nacional, nesse aspecto a escola age incutindo gostos, normas, padrões estéticos e morais que muitas vezes são correlatos à determinada parcela da sociedade, na maioria dos casos expresso por aqueles que detém maior status social, a classe mais privilegiada, e que utiliza da escola a fim de preservar esses conceitos, agindo de forma conservadora quanto ao uso da língua. É nesse campo que os fatores puramente gramaticais da língua entram em evidência em relação à resistência à variação linguística. A autora Maria Luiza Braga, faz essa análise (2003, p 53): A quarta distinção opõe fenômenos controlados por fatores gramaticais, incluídos no nível da oração e do período, contra fenômenos associados a fatores discursivos. A gramática do sintagma e da oração tem sido beneficiada com a atenção quase exclusiva dos pesquisadores e dos profissionais do ensino da língua, enquanto o nível transfásico, do texto, ainda engatinha em termos de atenção que desperta. Eis por que a maioria dos fenômenos estudados apresenta alta concentração de fatores estruturais e poucos acolhem variáveis discursivas ou funcionais. Assim é possível identificar que à escola apesar do seu caráter normatizador, culto, de pende de muitas variáveis, e a escola pode ser responsável de forma salutar na tarefa de socializadora que o uso de uma linguagem de prestígio requer em uma sociedade com uma língua nacional, desde de que não ignore fatores de variação desse mesmo conjunto. d) O contexto social como fator de variação e a relevância das variáveis. Acreditamos que o contexto social é capaz de evidenciar os fatores de gênero, poder e 6 status social, uma vez que o uso da linguagem em relação aos contextos sociais tem como objetivo descobrir quais são as normas linguísticas aplicáveis a cada situação concreta, reveladas pelas variações estilísticas que forem observadas desde o ambiente mais informal até o mais formal. A concepção de mundo, sob o aspecto cultural revelam a diversidade de situações que a língua pode estar submetida, agimos de forma diversa em situações diversas, o contexto e que se processa a comunicação é fator para aplicação de determinado padrão linguístico. O uso efetivo da língua no cotidiano social demonstra que alteramos o nosso modo de falar conforme o público alvo de nossa explanação. O contexto forma ou informal irá definir qual variável linguística será aplicável à situação concreta. Por fim, podemos retirar em conclusão que os membros da comunidade são falantes homens e mulheres, jovens e idosos, pertencentes à estratos sociocultural e sócio econômico distintos, que desenvolvem atividades variáveis em contato e correlação direta, mostrando-se natural as diferenças no modo de expressar a língua. Assim reclama uma compreensão inclusiva das variantes linguísticas a fim de minimizar os efeitos indesejáveis que estão enraizados na sociedade quanto à noção de certo e errado no uso da língua, e a generalização de preconceitos linguísticos capazes de agir como motor de exclusão social. 2.2 PRECONCEITOS LINGUÍSTICOS NO CONTEXTO PRÁTICO. a) A noção de certo e errado. Conforme aponta Maria Marta Pereira Scherre (2005, p 15), “ a história da humanidade revela que certo e errado são noções relativas. Todavia, no dia a dia, por razões diversas, convivemos com estas noções como se fossem valores absolutos, portadores de verdades inerentes e até imutáveis”. É por conta dessa falsa convicção entendemos que possam existir uma forma superior e outra inferior de linguagem à ser utilizada no contexto social, ora, tendemos à repulsar tudo aquilo que nos parece inadequado linguisticamente, criando um grupo de estigmatizados que são vistos como incapazes de comunicar de forma correta e efetiva. Por conta disso, a autora (2005, p. 17), assevera que “um dos papéis fundamentais dos estudos da linguagem é mostrar de forma clara que fenômenos linguísticos estruturais chamados de errados tem pode detrás de si um sistema, uma diretriz e além disso, que 7 fenômenos linguísticos variáveis apresentam tendências sistemáticas.” Ora isso significa dizer que, mesmo o uso variável da língua está calçado por pressupostos lógicos e sistemáticos, agem segundo uma finalidade específica e sob regras efetivas. A forma diversa de se expressar na fala consegue com a mesma eficiência atingir o principal objetivo que é comunicar, transmitir significados através de sons. A autora esclarece essa assertiva (SCHERRE, 2005 p. 20): O português brasileiro passa por uma crise de identidade? E como fica a interpretação – a leitura – do que não é saber falar? Quem deixa de fazer concordância de número é normalmente chamado de burro, ignorante, porque, afirma-se, “não sabe falar”. Somo então as vezes inteligentes e as vezes burros? Somo “variavelmente” inteligentes? Repito: a variação da concordância de numero no português brasileiro está seguramente instalada na língua falada, mas o que vou apresentar a seguir evidencia indícios de variação de concordância em português também na escrita, incluindo a escrita de pessoas escolarizadas submetida a um mínimo de revisão, ou seja, na escrita com algum grau de monitorização, embora as estatísticas de sua frequência ainda não sejam conhecidas. Ora essa noção dede erro, de desconhecimento da língua, está presente também nos veículos de comunicação, tomando exemplo trazido pela autora citada: “ em fevereiro de 1995, o Correio Braziliense inaugurou uma seçãointitulada “a ultima do português”, extremamente preconceituosa e , consequentemente, desrespeitosa, com a seguinte chamada: Uma seção de olho nos atentados ao idioma (Anexo 1, p. 72). Nesta seção, o Correio explicita à pagina 26 que tinha como objetivo ser uma “seção de crítica ao idioma português falado e escrito por autoridades brasileiras em discursos, entrevistas e documentos”... A pessoa que apresenta a seção – não identificada nesta primeira matéria – revela explicitamente este preconceito logo no primeiro parágrafo: “[a seção] deve ser entendida como uma alusão aos nossos irmãos do além mar, que falam o idioma melhor que os brasileiros.” No terceiro parágrafo, o preconceito linguístico é ainda mais evidente. Afirma-se o seguinte: O português falado no Brasil possui as peculiaridades do linguajar 8 dos colonizados. É um idioma destinado a esconder o pensamento e jamais revelar intenções. Faz sentido do ponto de vista político mas provoca monumentais desencontros na comunicação. (2005, p 39) Ao certo, necessário seria procurar entender que quando uma pessoa fala um dialeto diferente ele tende à transmitir esse mesmo espectro na escrita, por isso a escola não deve menosprezar a cultura desse aluno, mas sim orientá-lo quanto a adequação em diversas situações que possam exigir dele uma ortografia diversa daquela do cotidiano social. Nesse sentido o autor expressa que (CAGLIARI, 1990, p 34) “a língua portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado somente em relação à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades falantes, não existe o certo e o errado linguisticamente, mas o diferente.” Assim, se uma pessoa usa as palavras fora da prescrição dita pela norma padrão, ela não está errada linguisticamente, uma vez que poderá estar fazendo uso do regionalismo, de forma que o errado não existe, o que existe é que cada região fala diferentemente o português, e muitas vezes a escola não compreende essa situação e acaba por traduzir essa variante como erro. O português, como qualquer língua e um fenômeno dinâmico, não estático, isto é, evolui com o passar do tempo. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS. Nota-se que a questão da variação linguística carece de maior reflexão pelos envolvidos no uso da língua portuguesa no Brasil. Diversas barreiras formaram ao longo dos anos a errônea noção de que falar de uma forma diferente, é falar de forma errada, ou simplesmente não falar. É preciso que o ensino institucionalizado seja capaz de formar cidadãos conscientes da diversidade linguística, concebendo essa característica como algo natural, que decorre da forma como a sociedade constrói relação de significância e correspondência no uso da língua. Fatores histórico-sociais e histórico- culturais, também permeiam e justificam a existência de variantes, o regionalismo, o contato direto com culturas imigrantes tem produzido um rico e vasto conjunto de peculiaridades que, longe de ser considerado como atentado ao idioma, apenas trazem maior riqueza para a identidade cultural da sociedade brasileira. 9 REFERÊNCIAS SCHERRE, MARIA MARTA PEREIRA, 1950 – DOA-SE LINDOS FILHOTES DE POODLE: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, MÍDIA E PRECONCEITO – São Paulo: Parábola Editorial, 2005. MOLLICA, MARIA CECILIA, MARIA LUIZA BRAGA, (ORGS) - INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA: O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO – São Paulo: Contexto, 2003. CAGLIARI, L.C. ALFABETIZAÇÃO E LINGUISTICA. São Paulo, Editora Scipione, 1990.
Compartilhar