Buscar

1 Introdução à Fenomenologia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A Fenomenologia
Aproximando-se da Fenomenologia...
É notável um interesse cada vez maior pelo estudo da Fenomenologia. Esse tema começa a ganhar espaço nas faculdades de Psicologia, ainda que discretamente. A busca por cursos de formação, grupos de estudo e supervisão nessa abordagem vem crescendo aos poucos. É comum escutar alunos de Psicologia dizendo que não se identificam com os postulados da Psicanálise, tampouco conseguem reduzir o homem à análise do comportamento, proposta pelas teorias comportamentais. E nesse contexto, a Fenomenologia surge como outra possibilidade de compreensão do humano, porém trazendo muitas dúvidas e questionamentos, uma vez que grande parte do conteúdo dos cursos de graduação enfatiza ora o olhar psicodinâmico, ora o entendimento cognitivo-comportamental, reservando um espaço muito pequeno para a Fenomenologia Existencial.
Como podemos entender esse interesse pela Fenomenologia e por que apenas recentemente ela vem alcançando uma representatividade no mundo acadêmico? 
Para respondermos essas questões, teremos que compreender todo o contexto histórico e cultural no qual a Fenomenologia surge. Essa história remonta ao início do pensamento ocidental, especificamente com o nascimento da Metafísica em Platão, e sua consolidação em Descartes, filósofo racionalista do século XVII. [1: Modo característico de pensar que constitui o traço mais marcante da filosofia ocidental, e à medida que se transformou em paradigma alicerçou toda uma civilização. Falaremos mais sobre o tema ao longo do módulo. ]
É interessante também buscarmos o entendimento de um período anterior ao pensamento estruturado da Filosofia, chamado período pré-socrático, no qual temos uma verdadeira riqueza em termos de compreensão de homem e de mundo.[2: Para saber mais sobre esse período consulte o livro “Filósofos pré-socráticos. primeiros mestres da filosofia e da ciência grega”, de Miguel Spinelli, EDIPUCRS, 2003. Disponível no Google Livros.]
Esse passeio pela História nos permitirá entender a força do pensamento metafísico, o poder do método científico tradicional, ao qual, justamente, se opõe a Fenomenologia, e o motivo pela busca da compreensão fenomenológica se constituir em um grande desafio. 
Desafio porque o cenário que se mostra é o seguinte: de um lado temos o método científico tradicional com toda a sua eficácia e eficiência, baseado na objetividade do real, fundamentado em relações causais que permitem a mensuração, o controle e a previsibilidade das ocorrências, agindo na realidade a partir da referência do poder. Do outro, temos a Fenomenologia, que não se constitui formalmente como uma teoria, mas como um modo diferente de nos aproximarmos daquilo que queremos investigar, ou seja, um método diferente para olharmos o mundo, o homem e as relações entre eles estabelecidas. 
O que propõe o método fenomenológico é o que iremos abordar agora. Mas antes é preciso ressaltar que a Fenomenologia não exclui, muito menos descaracteriza, a importância do método científico tradicional. As ciências naturais, que utilizam esse método, continuam tendo o seu espaço garantido; o que há é uma outra possibilidade de compreensão, principalmente no que diz respeito ao que é peculiarmente humano.
O surgimento da Fenomenologia
A Fenomenologia não é uma escola de Filosofia ou de Psicologia propriamente. Ela é uma espécie de movimento que se desdobra em diversos ramos e que assume diferentes significados conforme o autor que a utiliza. 
Para nosso estudo, é importante entendê-la como um método na busca de conhecimento do que é propriamente humano, que surge no início do século XX motivado por uma crítica às ciências naturais, uma vez que estas, a partir de seu método científico, se distanciaram do mundo da vida. Essa pontuação será esclarecida ao longo da apostila. [3: São as ciências que estudam os aspectos físicos do universo, organizado por leis de origem natural. ]
Atenção! Tal crítica não é dirigida ao caráter científico das ciências naturais, em seu procedimento metodológico rigoroso e fecundo, mas ao modo como esse procedimento é utilizado para pensar a existência humana. 
Nossa época está tão obcecada pela busca da objetividade científica que se fala da vida e do homem em blocos teóricos, promovendo uma distância cada vez maior entre o pensar científico e o viver humano. Nesse cenário, podemos dizer que a Fenomenologia surge com a proposta de conhecer a realidade, as coisas e o homem, e não conceitos construídos, ideias ou juízos. 
A crítica da Fenomenologia é dirigida, então, ao dogmatismo da Ciência em sua pretensão de desvendar o mistério do mundo, estabelecendo um conhecimento que define todas as coisas. Esse é o discurso que abarca o mundo dos objetos, das coisas, da natureza, mas jamais poderá dar conta de definir o homem, que está sempre em construção, sempre vindo-a-ser. 
Essa redução em nome da objetividade é aplicada no universo das ciências naturais – como a Física, a Química, a Biologia – por motivos práticos, ou seja, a investigação de um evento físico, por exemplo, só é possível dentro dos moldes da pesquisa científica. O problema surge quando o objeto da pesquisa é o homem, e ao aplicar o método científico, as abstrações resultantes dessa pesquisa se tornam autônomas, ou seja, os resultados são mais confiáveis que o próprio mundo concreto, e se estendem para uma realidade mais ampla, numa espécie de determinismo universal. Aqui temos o pensar teórico que precede a vivência do humano. 
As teorias psicológicas, por exemplo, explicam tudo, porém, na maior parte das vezes, engessam o homem em rótulos; e esses rótulos dão conta de explicar os sintomas apresentados e definir uma forma de tratamento para os mesmos. E apenas isso! Mas o que garante que a explicação de um sintoma, ou a eliminação do mesmo, dará conta de aplacar uma angústia mais enraizada no modo de ser de uma pessoa? Com o pensar metafísico, ganha-se poder e perde-se contato com a vida.
Um exemplo: muitas pessoas chegam ao consultório relatando um desconforto muito grande porque se sentem deprimidas. Elas já chegam com o diagnóstico fechado e o pedido que geralmente fazem é: “será que você pode me dizer como eu faço para não sentir isso que estou sentindo.” Conforme o processo psicoterapêutico vai acontecendo, há a possibilidade dessa pessoa se apropriar de seu sentimento, sem que este esteja inserido em um sistema de classificação geral – no caso: depressão. E ao olhar para seu sintoma, ela pode identificar pontos de mudança em seu modo de ser e de agir. Essa pessoa autentica, dessa forma, sua depressão como sinal de um viver específico, que é o seu viver, e aproxima-se de sua história e de suas possibilidades de mudanças, responsabilizando-se por suas escolhas. 
A contrapartida nesse caso seria embarcar em um discurso científico pronto, que define “a depressão é...”, e, a partir daí, propor um caminho que deverá ser seguido rumo à cura (entendida como eliminação do sintoma). Olhando dessa maneira, podemos perceber que essa atitude restringe esse viver, limita as possibilidades dessa pessoa exercer sua singularidade. 
Dito de outra maneira, por mais que a depressão possa ser definida cientificamente, de forma generalizada, a maneira como cada um vive sua depressão, atribuindo significados a esse estado, encontrando caminhos e ressignificações, é própria em cada caso.
Outro exemplo que deixa claro a impossibilidade de categorizar o que é próprio do humano: imagine uma pessoa que passa por uma perda de um ente querido que lhe cause um sofrimento imensurável. Pode uma explicação científica dar conta de aplacar essa dor? Uma explicação teórica seria suficiente para diminuir esse sofrimento? Talvez, nesse momento, um poema possa ajudar muito mais, não no sentido de acabar com a dor, mas abrindo uma possibilidade de contato diferente com essa perda. 
Aqui começamos a entrar na proposta da Fenomenologia, que é buscar um contato direto e imediato com as coisas, na forma como elas se apresentam,sem a mediação de um pensamento teorizado, reduzido na forma de ciência. Falaremos mais sobre isso.
Contexto Histórico – da metafísica ao pensar fenomenológico
Já dissemos que a Fenomenologia surge como uma crítica ao método das ciências naturais aplicado à condição humana. Para entendermos melhor o que isso significa, precisamos ter claras as bases que fundamentam o método científico, o que é o pensar metafísico, e de que modo esse contexto favoreceu o surgimento de um pensar fenomenológico. 
As ciências naturais – Geografia, Biologia, Química, Física, etc. – estudam os fatos da natureza, pautando-se nos critérios de neutralidade e objetividade que compõem o método experimental. 
Levanta-se uma hipótese que será ou não comprovada cientificamente a partir da manipulação de variáveis estudadas em laboratório e, por fim, são formuladas leis gerais que expliquem aqueles fatos. 
Existe aqui a divisão muito clara entre sujeito que estuda e objeto que é estudado. Encontramos aqui uma dicotomia, e com isso um problema de ordem prática: como pensar o homem enquanto objeto de estudo, dentro desse âmbito, sendo ele mesmo o sujeito que busca esse conhecimento? 
Por toda a tradição histórica que constituiu o pensamento metafísico, as ciências naturais impõem seu método como aquele capaz de estudar o homem, dando a esse estudo o rigor científico.
Mas o que é metafísica e como ela foi consolidada como modelo de pensamento do mundo ocidental?
O que chamamos de metafísica é um modelo geral que vigora desde Platão até a modernidade. É como se existisse um acordo básico que fundamenta o conhecimento nesse intervalo histórico, do século V a.C. aos dias de hoje. E por que esse modelo básico é chamado de metafísica? E qual é a natureza desse modelo básico? 
A natureza desse modelo é constituída pela idéia fundamental de que aquilo que deve ser objeto do conhecimento deve ser necessariamente algo imóvel, imutável. A ideia de mobilidade é uma ideia que se opõe à idéia do conhecimento a partir do seguinte enunciado: se a realidade que funcionará amanhã for completamente diferente da realidade que estou estudando hoje, o que adianta eu estudar o que está acontecendo hoje, se amanhã isso será outra coisa completamente diferente? Para que o conhecimento tenha sentido, para que ele seja útil, é necessário que o seu objeto de estudo permaneça constante ao longo do tempo, isto é, quando uma lei é enunciada, ela deve permanecer válida em qualquer momento do tempo. Um exemplo disso é a lei de gravitação universal de Newton – ela é o enunciado de um princípio que funciona para todos os corpos do universo conhecido, em todos os momentos do tempo. Essa lei é o exemplo de lei universal que a ciência procura, por excelência, porque ela não se move, ela é estática, eterna, absoluta, imutável. 
Ainda seguindo o mesmo raciocínio, temos o exemplo da Medicina, que foi se aprimorando cada vez mais em seu conhecimento e tecnologia, fazendo surgir infinitas especialidades desta ciência. O médico, então, forma-se especialista em tal área, e qualquer outra questão, apresentada por seu paciente, que fuja de seu âmbito de atuação, rapidamente providencia-se o encaminhamento para outro especialista. O médico de família chega a ser uma figura lendária! Veja bem, não estamos desprezando todos os benefícios que desfrutamos em decorrência dessa evolução – a cura de muitas doenças antes letais, os tratamentos cada vez mais eficientes, que garantem qualidade de vida – mas queremos mostrar como a realidade vai ficando cada vez mais compartimentada, fragmentada. O homem-paciente já não é mais para o homem-médico uma unidade, mas ele é um sistema ou um órgão, e sua especialidade profissional o permite tratar apenas dessa pequena parte do corpo humano. Mas como podemos pensar o homem como sendo nós mesmos, sem o reducionismo metafísico, que media o entendimento do ser humano através de teorias? Como o homem pode ter um contato mais direto com o mundo, sem que seja através desse pensar teorizado, reduzido na forma de ciência? 
E por que o pensamento metafísico é tão presente e forte em nosso dia-a-dia? Por que ele caracteriza tão bem a sociedade ocidental?
Bom, tomando a existência como algo que é mutável, dinâmico, finito, podemos dizer que nossa base existencial é areia movediça – usando novamente a linguagem metafórica! E o pensamento metafísico nos coloca à margem do rio. O rio é a existência que corre, que muda, e nós nos sentimos seguros na margem, apenas observando e concluindo, observando e criando teorias sobre o rio-existência. 
Sabemos que a vida é uma coisa perigosa, por isso precisamos de tantas explicações – para nos acalmar, para nos dar segurança. 
Enfim, são essas as questões principais que precisam ser levantadas, para que possamos entender a proposta de Husserl ao apresentar a Fenomenologia como uma nova forma de olhar e compreender o homem e a vida. 
Husserl – o pai da Fenomenologia
Edmund Husserl (1859 - 1938) é considerado o pai da Fenomenologia. Iniciou sua carreira como matemático, mas gradualmente seu interesse por questões filosóficas se sobrepôs. Husserl estava interessado na questão do conhecimento, e se fazia a pergunta: “como se dá o conhecimento?”
Acabamos de apontar mudanças importantes na forma de compreender o homem e o mundo que se deram ao longo da história do pensamento ocidental. Essas mudanças consolidaram o pensar metafísico, que encontra seu auge no pensamento de Descartes, que abre caminho para todo o desenvolvimento das ciências e da tecnologia, presente de forma inegável e indispensável em nossos dias.
O cenário daquele momento era formado então pela consolidação da metafísica e um grande fascínio com o progresso das ciências. E foi justamente esse cenário que mobilizou Husserl a pensar na Fenomenologia. 
Husserl queria criar uma Filosofia de rigor, pois ele percebeu que a Filosofia estava caindo no descrédito por causa do aparecimento das ciências autônomas (Psicologia, Sociologia, Antropologia...), aparecimento este favorecido pela visão de mundo dividido pelo pensamento metafísico. Todas essas ciências surgem da Filosofia, mas cometem o “matricídio”, pois se distanciam da matriz. Observação: no final dessa apostila, indico alguns livros para ampliação dos seus estudos, e um deles é o “Psicologia - uma (nova) introdução”, de Luis Claudio M. Figueiredo e Pedro Luiz R. de Santi. Ele retrata o surgimento da Psicologia como ciência independente, dentro do contexto aqui relatado. É bem interessante! 
Justamente ao querer resgatar o rigor da Filosofia, Husserl cria a Fenomenologia. A Fenomenologia surge como um método que traz a preocupação com a construção do conhecimento. Para o pensamento ocidental, a compreensão de mundo está dividida em mundo sensível e mundo suprassensível, portanto é um conhecimento que parte do abstrato, distanciando-se da apreensão sensível. 
A partir da modernidade, pós Descartes, várias tendências teóricas em conceber o conhecimento foram surgindo.
Citarei duas dessas tendências, por serem mais significativas para nosso entendimento:
A primeira tendência é chamada Idealismo. O que sustenta o conhecimento a partir dessa forma de pensar é um intelecto já equipado, que independe da experiência. O pensar ganha ênfase na construção do conhecimento. Temos como representante dessa corrente o filósofo René Descartes (1596 - 1650). 
A segunda tendência é o Empirismo, que postula o seguinte: Temos que chegar às coisas em si, eliminando toda subjetividade do processo de construção do conhecimento. O pensamento precisa ser domesticado, e a ênfase é posta na experiência, a partir da apreensão sensível da experiência. Como representante dessa tendência, o filósofo John Locke (1632 - 1704).
Essas duas tendências ganharam, no séc. XVIII, uma mudança com Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, grande expoente da era moderna. Ele propôs a síntese dessas duas tendências. Dizia Kant: “é claro que há apreensão sensível, ou seja, uma percepção. E o homem já tem em si umaestrutura transcendental que comporte essa apreensão, portanto além da experiência, tem, por exemplo, as noções de espaço, tempo, lógica, causa-efeito... e é nessa síntese que o fenômeno se dá. O fenômeno não é a coisa em si, porque nada existe fora da relação com o sujeito que a conhece. Todo conhecimento é uma relação entre o sujeito e as coisas.”
Fenômeno, para Kant, seria a síntese da apreensão sensível e da organização que faço no meu intelecto, atribuindo uma nomeação. 
Com o tempo, essa síntese foi se dando em vários níveis e em diferentes perspectivas – por exemplo: sociológica, biológica, antropológica, psicológica... 
Vamos tomar como exemplo um caso de assassinato cometido por um jovem. É possível olhar para esse fenômeno a partir de diversas perspectivas de entendimento: 
- psiquiátrica: o jovem tem um transtorno de personalidade ou é um psicopata;
- social: esse jovem nada mais é do que fruto do meio;
- biológica: há uma disposição genética que justifica esse comportamento;
- psicológica: é um jovem que sofreu fortes traumas em sua infância.
Todas essas múltiplas perspectivas reivindicam para si a verdade, e aqui temos instalada a crise das ciências autônomas. Esse movimento de querer defender cada qual a sua verdade, gerou diferentes maneiras de ver o real, e um real dividido em pedacinhos. 
Husserl vai dizer que o pensamento está muito poluído por todo esse recorte interpretativo múltiplo, e será preciso voltar às coisas mesmas. Porém, voltar às coisas mesmas não é voltar à coisa em si, como no Empirismo, porque a coisa em si não existe. As coisas são sempre já para um olhar. O homem que interpreta as coisas. Não existe nada sem o olhar interpretativo do homem lançado sobre a coisa, ou dito mais uma vez: 
Não há nada fora da relação homem-mundo! 
A Fenomenologia surge, não só como crítica ao método natural, mas, também como uma purificação do pensar, para que se volte para aquilo que é próprio do fenômeno. O “voltar às coisas mesmas” abre a perspectiva de um olhar despoluído, pois a Fenomenologia se pauta no respeito ao modo de apresentação das coisas. Em vez de suposições, as coisas são tomadas como estão. O que interessa é a presença da coisa, o que aparece e não a coisa em si.
Husserl chega a algumas importantes descobertas, sendo a mais importante e ainda em vigor a intencionalidade da consciência. 
A consciência é caracterizada pela intencionalidade porque é sempre consciência de alguma coisa. A consciência é intencional, isto é, um movimento de transcendência em direção ao objeto, e o objeto se dá ou se apresenta à consciência “em carne e osso” ou “pessoalmente”. Um objeto intencional é algo para o qual minha mente está direcionada – a palavra latina intendere quer dizer “dirigir-se a”. Michael Inwood no verbete dedicado à Fenomenologia de Husserl, em seu Dicionário Heidegger afirma: “Um objeto intencional é algo para o qual minha mente está direcionada. (...) ele não precisa ser real: posso sonhar com unicórnios ou com Sherlock Holmes. Um objeto real, em contrapartida, não precisa ser objeto intencional de ninguém. Pode haver coisas sobre as quais nunca ninguém pensou nem pensará.”[4: Inwood, Michael. Dicionário Heidegger. Editora Jorge Zahar, 2002.]
Consciência e objeto nunca foram separados. A conexão entre consciência e objeto é uma questão de conexão, ou seja, algo que é significativo afeta o meu campo de percepção e deixa de ser indiferente. Tal coisa passa a ser, para mim, objeto de atenção. 
A Fenomenologia não vai trabalhar com dados. Ela precisa entrar no campo do vivido para ser fenômeno. 
E como a Psicologia se articula diante disso? 
A Psicologia começa a surgir enquanto ciência independente, buscando exatamente o rigor científico das Ciências Naturais. Os primeiros psicólogos, seguindo a tendência naturalista, aplicaram o método das ciências naturais às ciências humanas, deixando de lado as preocupações de caráter filosófico. 
A Psicologia surge como ciência na Alemanha, relacionada com as questões psicofísicas. Destaque para nomes como: Wundt (1832-1920), Pavlov (1849-1936), Thorndike (1874-1949), Titchener (1867-1927), Watson (1878-1958), Skinner (1904-1990), todos eles trabalhando com a chamada Psicologia Comportamental ou Behaviorismo, que tinha como objeto de estudo o comportamento observável. Falaremos mais sobre isso adiante. 
Porém, já sabemos que o método científico das ciências naturais não é capaz de atender às especificidades das ciências humanas e das ciências sociais. A Fenomenologia, como foi dito, surge para resolver esse impasse.
Podemos dizer que a Fenomenologia de Husserl começa a falar da necessidade de uma nova Psicologia. Através da Fenomenologia há a contestação de caráter epistemológico das ciências humanas em geral, mas com um peso muito grande na Psicologia, pois para Husserl a Psicologia estava para as ciências humanas assim como a Física estava para as ciências naturais. Ela seria a ciência fundamental, de onde todas as outras ciências humanas deveriam surgir. Esse foi o projeto iniciado por Husserl, porém sem uma conclusão, pois Husserl não conseguiu chegar a uma nova Psicologia, apenas preparou um caminho fecundo para que ela possa surgir.
Segundo Tommy Akira Goto, “A psicologia fenomenológica, concedida por Edmund Husserl, é uma nova disciplina que pretende ser um fundamento metodológico sobre o qual se pode erguer uma psicologia cientificamente rigorosa. Husserl, rejeitando todo cientificismo naturalista e procurando fundar uma filosofia rigorosa, deparou com a necessidade de fundar uma psicologia racional, pura e não experimental no estudo da subjetividade. Diante disso, passou a elaborar uma psicologia fenomenológica dentro da fenomenologia filosófica, possibilitando, anos mais tarde, a formação de uma nova abordagem na ciência psicológica: a abordagem fenomenológica.” [5: Goto, Tommy Akira. Introdução à Psicologia Fenomenológica – a nova Psicologia de Husserl. – São Paulo: Paulus, 2008. ]
Ainda segundo o autor supracitado, encontramos no Brasil muitas psicologias fenomenológicas e muitas vertentes de Psicologia que se classificam como fenomenológicas ou fenomenológico-existenciais, apresentando, em seu corpo teórico, diferentes maneiras de fazer Psicologia, tanto na pesquisa quanto na psicoterapia. Por isso, ele nos atenta para o fato de que em muitos casos falta um embasamento na Fenomenologia Filosófica de Husserl. 
Por isso, se quisermos entender a Psicologia Fenomenológica é importante um cuidadoso estudo do caminho em que Husserl descreveu a Fenomenologia em relação à Psicologia, ou mais precisamente, como o próprio Husserl chamou este estudo de Psicologia Fenomenológica. Dito de outra maneira, para pensarmos genuinamente em uma Psicologia Fenomenológica temos que ir à própria Fenomenologia Filosófica e compreendê-la em face da Psicologia. Uma ótima leitura, que eu indico para este estudo, é o livro de Tommy Akira Goto, chamado “Introdução à Psicologia Fenomenológica – a nova Psicologia de Edmund Husserl”, da editora Paulus, 2008. Mandarei o texto do primeiro capítulo, porém recomendo a leitura integral do livro.

Outros materiais