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Aula 1 Introdução ao direito sucessório

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Direito civil VI
Aula 1: Introdução ao direito sucessório
Nesta aula, faremos uma introdução ao Direito Sucessório, abordando de forma teórica e prática sua abrangência, seus princípios e suas características mais relevantes. Apresentaremos os principais questionamentos sobre a sucessão patrimonial post mortem, tais como o local da abertura da sucessão e a lei aplicável à sucessão em uma eventual situação de conflito aparente de normas. Nesse contexto, a análise da jurisprudência e da doutrina especializada sobre o tema colaborará para uma adequada compreensão e aplicação do Direito pelo seu operador.
Objetivos
- Entender as principais características do Direito Sucessório;
- Compreender a base principiológica do Direito Sucessório e sua aplicabilidade prática;
- Assimilar as principais questões polêmicas sobre a parte geral do Direito das Sucessões.
Conceito de Direito Sucessório
O evento morte marca o fim da personalidade jurídica da pessoa natural. Devemos lembrar, contudo, que os direitos da personalidade (tais como o respeito à honra e à imagem da pessoa humana) podem ser projetados para além da vida física do indivíduo – em razão do efeito post mortem dos direitos da personalidade. Entretanto, em relação aos bens de titularidade do indivíduo, após a sua morte, o seu patrimônio é transferido de imediato para os seus sucessores, independentemente de qualquer formalidade, como a abertura do testamento ou a instauração do procedimento de inventário. Tal ficção jurídica ocorre pelo denominado Droit de Saisine, que será estudado ainda nesta aula.
No que consiste o Direito Sucessório?
Sobre o tema, vejamos a precisa explicação de Gagliano e Pamplona Filho (2019):
O Direito Sucessório, portanto, está diretamente ligado ao direito de propriedade, possuindo o direto à sucessão aberta, status de norma constitucional fundamental, previsto no Art. 5º, XXX e XXXI, da Constituição Federal de 1988 (CF/88):
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXX - é garantido o direito de herança;
XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus". (CF, 1988.)
Classificações de Sucessão Hereditária
A sucessão hereditária pode ser:
- Legítima ou legal
Prevista nos Arts. 1.829 a 1.856 do Código Civil (CC), de 2002. A própria lei traz as regras referentes à transmissão do patrimônio do de cujus, estando as principais delas descritas no Art. 1.829 do CC/2002.
- Testamentária
Prevista nos Arts. 1.857 a 1.990 do CC, de 2002. Tem origem no testamento, uma espécie de ato jurídico negocial. Trata-se de clara expressão do Princípio da Autonomia Privada. Contudo, a liberdade para testar não é plena; a lei estabelece limites e alguns parâmetros que devem ser seguidos pelo testador.
Vejamos, agora, uma importante classificação sobre a sucessão hereditária, que se refere ao conjunto de bens deixados pelo autor da herança. Assim, a sucessão hereditária também pode ser dividida em:
- Sucessão hereditária universal
Quando o herdeiro recebe uma fração, ou seja, uma quota-parte da herança ou mesmo quando recebe toda a herança.
- Sucessão hereditária singular
Quando o legatário (sucessor a título singular) recebe um bem ou direito determinado.
Exemplo: Se João, já viúvo e pai de um ou mais filhos, falece, deixando patrimônio, essa propriedade imediatamente é transferida para seu(s) filho(s), pelo direito de Saisine. No caso de João ter mais de um filho, estes herdarão, cada qual, a sua quota-parte. Se tiver apenas um filho, este herdará todo o patrimônio. Em ambos os casos, haverá a sucessão universal. Todavia, se João tiver deixado um de seus bens (uma casa, por exemplo) para Felipe, seu sobrinho, este será legatário do referido bem, ou seja, haverá a sucessão a título singular. Com isso, percebe-se que há dois tipos de sucessores: os herdeiros universais (que sucedem a título universal) e os legatários (que sucedem a título singular).
Inclusão de bens digitais na herança
Com 22% da população mundial utilizando mídias sociais e 1,86 bilhão de usuários ativos, falar sobre planejamento sucessório e herança digital se tornou a ordem do dia. Isso porque hoje, além da preocupação ordinária acerca da possibilidade de disposição do patrimônio em vida (forma mais econômica, prática e menos conflituosa de partilha entre eventuais herdeiros), há uma preocupação quanto ao patrimônio virtual, seja ele suscetível de valoração econômica, tal como as moedas virtuais, ou não economicamente valorável, se observado o patrimônio sentimental acumulado, tais como fotografias e filmagens armazenadas na nuvem, posts e mensagens trocadas nas redes sociais, e-books colecionados, games, filmes etc.
E a despeito de o direito à herança ter sido alçado como direito fundamental pela Constituição Federal, empresas de tecnologia, provedores de conexão, de conteúdo, hospedagem, dentre outros, não sabem lidar — ao menos de forma clara e transparente para com o usuário e terceiros — com o destino de ativos digitais de pessoas falecidas ou incapacitadas. No caminho de uma evolução, redes sociais como o Facebook já disponibilizam ferramentas de gerenciamento de conta que permitem a indicação em vida de herdeiros, bem como a enumeração expressa da permissão ou não para que estes tenham acesso a dados e procedam à exclusão da conta. Além disso, já se tem disponível pelo Facebook um aplicativo chamado If I Die, que permite aos usuários deixar uma mensagem póstuma a ser publicada em sua página. No entanto, muito se tem questionado se a proteção do interesse e a vontade do usuário na rede deve prevalecer após sua morte. Seria esse acervo virtual um patrimônio a ser transmitido aos herdeiros ou preservado segundo a vontade do falecido? Fazer valer a vontade do falecido, seja através das ferramentas típicas da era da informação (testamento virtual) ou através do legado “real”, que enfrenta um longo processo de abertura de inventário, é um desafio e merece reflexão. As cortes de Justiça brasileiras já foram instadas a decidir em casos concretos se permitiam ou não o acesso a perfis, contas de e-mails etc. Por vezes, a solicitação era para que determinado perfil e/ou conta fosse excluída, e inúmeras outras vezes, para que a sua manutenção fosse determinada, com liberação do acesso pelos herdeiros não identificados e/ou já designados virtualmente, havendo uma certa consonância no entendimento, a despeito das poucas decisões, de que os bens analógicos e digitais devem ser tratados da mesma forma que os reais, materialmente tangíveis. A Justiça de Mato Grosso do Sul, por exemplo, determinou que o Facebook tirasse do ar a página da jornalista Juliana Ribeiro Campos, 24 anos, que morreu em maio de 2012 por complicações após uma endoscopia. A decisão estabeleceu prazo de 48 horas, a partir da notificação, para cumprimento da ordem e atendeu a uma ação aberta pela mãe da jovem, a professora Dolores Pereira Ribeiro, 50 anos. Em outros países, as cortes de Justiça divergem, tendo por exemplo a corte alemã rejeitado pedido de uma mãe para ter acesso à conta de Facebook de sua filha, morta em 2012. Na segunda instância, a corte de Berlim reformou a decisão anterior, pronunciando que o direito de privacidade nas telecomunicações se estende ao mundo digital e que a privacidade da menina não deveria ser violada. Nesse caso, declarou-se que o direito à privacidade se sobrepunha ao direito de herança. Na prática, não há lei clara sobre o tema, mas existem dois projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que buscam regular tais fatos da vida virtual que em muito causam transtornos na vida real: o Projeto de Lei 8.562/2017, que está aguardando votação na Câmara dos Deputados, eo Projeto de Lei 4.099/2012, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado para apreciação. O segundo projeto (PL 4.099/2012), mais simplista, apenas diz o óbvio para aqueles que tratam o patrimônio digital com identidade ao real, ou seja, que deverão ser transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas e arquivos digitais de titularidade do autor da herança. Já o primeiro projeto (PL 8.562/2017) buscou não somente definir o que seria herança digital, ao propor o acréscimo do artigo 1797-A ao Código Civil, mas, também, o que poderia ser transmitido (senhas, redes sociais, contas da internet, qualquer bem e serviço virtual ou digital), caso não haja disposição em contrário do falecido com capacidade para testar, bem como os poderes do herdeiro na gerência de tal herança.
Mas a pergunta que ainda permanece nesses casos é: quanto ao legado digital do falecido, este pode ser disponibilizado, transferido, mesmo que contenha dados e informações de outros usuários? O usuário falecido certamente trocou inúmeras mensagens, compartilhou dados com terceiros que muitas vezes também terão a sua esfera individual, mesmo que virtual, invadida, caso o acesso a herdeiros seja liberado e legalmente autorizado. Como tratar o efeito desses acessos e definir eventuais limites? Aplicar-se-ia a já existente legislação de proteção à honra, imagem e intimidade, inclusive a terceiros, cuja esfera individual restar violada pelo acesso de herdeiros a conteúdo antes preservado entre partes? Nestes novos tempos, no mínimo interessantes, não podemos simplesmente transformar direitos adquiridos a expectativas de direitos, muito menos tornar virtual norma constitucional real que bem protege a privacidade dos indivíduos de forma geral. A necessidade de inclusão dos bens digitais dos indivíduos na herança é indiscutível, no entanto, em tempos de rápida evolução — ao menos até que a geração Z ou os nativos digitais fiquem para trás — deve-se tratar com seriedade os efeitos que as interferências dos atos virtuais podem causar na vida real. (CÉSAR, 2018.)
Atividade
1. (DPE/RS 2011 - FCC - DEFENSOR PÚBLICO DE CLASSE INICIAL) Assinale a alternativa que contém a afirmação correta em relação ao assunto indicado: Direito das Sucessões:
a) Na sucessão universal, o direito de propriedade imobiliária transmite-se quando do registro dos formais de partilha no Ofício do Registro de Imóveis.
b) Conforme regra expressa do Código Civil, são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, os cônjuges e os companheiros.
c) O testador não pode, mesmo justificando, estabelecer cláusula de impenhorabilidade sobre os bens da legítima.
d) O direito de representação, no Direito Sucessório, dá-se apenas na linha reta descendente e ascendente.
e) O prazo de decadência para anular disposição testamentária inquinada de coação é de quatro anos, contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício.
Justificativa: o prazo para anulação de ato eivado do vício do consentimento coação é de 4 anos, e seu termo inicial apenas começa a fluir após o interessado ter ciência do vício.
Princípios setoriais ou específicos de Direito Sucessório
Veja a seguir os princípios setoriais ou princípios específicos de Direito Sucessório.
Princípio da Saisine ou Droit de Saisine
Vejamos o conceito e a origem deste princípio, segundo os ensinamentos de Tartuce (2019):
“Nas duas formas da sucessão, o regramento fundamental consta do Art. 1.784 do CC, pelo qual aberta a sucessão – o que ocorre com a morte da pessoa –, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Trata-se da consagração da máxima droit de saisine. A expressão, segundo Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, tem origem na expressão gaulesa le mort saisit le vif, pela qual com a morte, a herança transmite-se imediatamente aos sucessores, independentemente de qualquer ato dos herdeiros. O ato de aceitação da herança, conforme veremos posteriormente, tem natureza confirmatória.” (TARTUCE, 2019.)
Portanto, a base legal deste instituto está no Art. 1.784 do CC/2002, que assim inaugura o Livro V do Código Civil de 2002, o qual trata do Direito Sucessório: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
Aplicação do Droit de Saisine pelo STJ
É imperioso analisarmos a aplicação prática do referido princípio, por meio do trabalho jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que merece uma atenciosa leitura, decisão extraída do Informativo nº 431 STJ de 2010.
PRINCÍPIO SAISINE. REINTEGRAÇÃO. COMPOSSE.
Cinge-se a questão em saber se o compossuidor que recebe a posse em razão do princípio saisine tem direito à proteção possessória contra outro compossuidor. Inicialmente, esclareceu o Min. Relator que, entre os modos de aquisição de posse, encontra-se o ex lege, visto que, não obstante a caracterização da posse como poder fático sobre a coisa, o ordenamento jurídico reconhece, também, a obtenção desse direito pela ocorrência de fato jurídico – a morte do autor da herança –, em virtude do princípio da saisine, que confere a transmissão da posse, ainda que indireta, aos herdeiros independentemente de qualquer outra circunstância. Desse modo, pelo mencionado princípio, verifica-se a transmissão da posse (seja ela direta ou indireta) aos autores e aos réus da demanda, caracterizando, assim, a titularidade do direito possessório a ambas as partes. No caso, há composse do bem em litígio, motivo pelo qual a posse de qualquer um deles pode ser defendida todas as vezes em que for molestada por estranhos à relação possessória ou, ainda, contra ataques advindos de outros compossuidores. In casu, a posse transmitida é a civil (Art. 1.572 do CC/1916), e não a posse natural (Art. 485 do CC/1916). Existindo composse sobre o bem litigioso em razão do droit de saisine é direito do compossuidor esbulhado o manejo de ação de reintegração de posse, uma vez que a proteção à posse molestada não exige o efetivo exercício do poder fático – requisito exigido pelo tribunal de origem. O exercício fático da posse não encontra amparo no ordenamento jurídico, pois é indubitável que o herdeiro tem posse (mesmo que indireta) dos bens da herança, independentemente da prática de qualquer outro ato, visto que a transmissão da posse dá-se ope legis, motivo pelo qual lhe assiste o direito à proteção possessória contra eventuais atos de turbação ou esbulho. Isso posto, a Turma deu provimento ao recurso para julgar procedente a ação de reintegração de posse, a fim de restituir aos autores da ação a composse da área recebida por herança. Precedente citado: REsp 136.922-TO, DJ 16/3/1998. REsp 537.363-RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 20/4/2010.
As obrigações propter rem (também conhecidas como obrigações ambulatórias, ob rem ou, ainda, in rem scriptae) acompanham a coisa. Ou seja, para saber quem é o devedor da obrigação, basta saber quem é o titular do direito de propriedade do bem. Como exemplos clássicos desse tipo de obrigação, temos débitos de IPTU e IPVA, contribuições condominiais de imóveis etc. Nesse caso, como pelo Princípio da Saisine o domínio do patrimônio deixado pelo autor da herança, após a sua morte, é imediatamente transferido para os sucessores, as obrigações propter rem também o serão.
Princípio da Territorialidade
Pelo Princípio da Territorialidade, e nos exatos termos do Art. 1.785 do CC/2002, “a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”. Tal princípio possui extrema relevância, principalmente no campo do Direito Processual, pois, em razão desse princípio, por exemplo, pode-se saber qual será o foro competente para a distribuição da ação de inventário e partilha, de arrolamento de bens ou, ainda, do pedido de alvará judicial, medidas que serão analisadas ainda no módulo de Direito Sucessório.
Norma que também guarda relevância com o Princípio da Territorialidade se encontra no Art. 10 do Decreto-lei nº 4.657 (Leide Introdução às Normas de Direito Brasileiro), de 1942: 
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. (BRASIL, 1942.)
Pelo § 1º do dispositivo, bem como pelo já visto inciso XXXI do Art. 5º da CRFB, há uma regra que deve ser considerada em eventual conflito aparente de normas:
Sempre que a lei do país do autor da herança estiver em conflito com a legislação brasileira, será aplicada a legislação mais favorável aos sucessores brasileiros.
Princípio Non ultra vires hereditatis
Será que os sucessores do autor da herança (de cujus) responderão pelas dívidas deixadas pelo falecido? Este princípio estabelece que o herdeiro não responderá por débitos que ultrapassem o patrimônio da herança. Ou seja, o sucessor, não aceitando a herança por ter percebido que o patrimônio deixado é superado pelas dívidas do monte, não será economicamente penalizado, conforme disposto no Art. 1.792 do CC/2002:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. (CC, 2002.)
Antes de a codificação civilista surgir no Brasil, bem como no direito romano, o herdeiro poderia ser responsabilizado pelas dívidas deixadas pelo autor da herança. Tal herança era denominada de “herança danosa” ou, ainda, de “herança maldita” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019). Em eventual conflito aparente de normas, qual será a lei aplicada na sucessão do patrimônio para os herdeiros: a lei vigente na época da abertura da sucessão (que ocorre com o falecimento do autor da herança) ou a lei vigente na instauração do processo de inventário? O próximo princípio responde esse questionamento.
Princípio da Temporariedade
Podemos extrair o Princípio da Temporariedade da Sucessão com base na análise do Art. 1.787 do CC/2002, que assim dispõe: “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”. Portanto, a lei aplicável à sucessão será a vigente no momento da abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte do autor da herança (Droit de Saisine).
Princípio do Respeito à Vontade Manifestada
Gagliano e Pamplona Filho (2019) trazem ainda o respeito à vontade manifestada como mais um princípio específico do Direito Sucessório. Vejamos: “Por fim, colacionamos, como último elemento da principiologia própria do Direito das Sucessões, princípio do respeito à vontade manifestada do falecido, conhecido como favor testamenti. Trata-se de um dos mais importantes princípios neste campo. Com efeito, o sentido de admitir a produção de efeitos post mortem em relação a determinado patrimônio está justamente no respeito à manifestação da declaração de vontade do seu titular originário. Percebe-se que a própria lógica da disciplina do Direito Sucessório é, em sede de testamento, a regulação de efeitos para quando o titular dos direitos não estiver mais presente. Tal princípio deve prevalecer, inclusive, no caso de simples irregularidades testamentárias formais ou de modificações supervenientes de situação de fato, se for possível verificar, inequivocamente, qual era a intenção do testador.” Pelo referido princípio, a vontade do titular originário do patrimônio (de cujus) deverá ser respeitada sempre que tiver sido manifestada, desde que dentro dos limites impostos pela lei. 
Terminaremos nossa primeira aula com a seguinte reflexão do jurista Paulo Lôbo (em entrevista ao Instituto Brasileiro de Direito da Família – IBDFAM) sobre as novas perspectivas para o Direito das Sucessões: 
Minha fala vai na contramão da doutrina dominante sobre o tema”. O jurista Paulo Lôbo, diretor nacional do IBDFAM, inicia sua palestra: “Direito Constitucional à herança, Saisine e liberdade de testar” no IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, chamando a atenção para o fato de que a grande transformação do Direito das Sucessões é a mudança do foco milenar no autor da herança para o herdeiro. Paulo Lôbo explica que as transformações são o reflexo das mudanças havidas nas relações de famílias. “Somente em 1907 a mulher foi considerada herdeira e na terceira posição. Hoje, o cônjuge, além de herdeiro, foi alçado a herdeiro necessário e foi alçado também a outro tipo de herança que é a concorrente”, relata. 
O jurista explica que o único dispositivo da Constituição que trata da Sucessão estabelece uma regra simples que garante o direito à herança. A regra da igualdade dos herdeiros se orienta a partir de dois fatores que ligam seus fins sociais: a proibição de suprimir esses direitos e a garantia ao herdeiro. “O Princípio da Dignidade da Pessoa humana, a regra da igualdade de todos os filhos independente da origem. Não há consistência para o Código Civil de 2002 que distingue filhos unilaterais e bilaterais. Essa regra é incoerente ao princípio Constitucional. Só podemos interpretar o Direito Sucessório tendo presente sua função social”. Para Paulo Lôbo, a saisine brasileira não tem paralelo no mundo, já que com a transmissão automática dos bens para os seus herdeiros quase nunca a vacância. “Sempre há um herdeiro e no final da linha está a Fazenda pública. Alguns autores dizem, inclusive, que a Fazenda também é herdeira. O autor não é mais senhor do texto dos herdeiros. A ampliação dos herdeiros necessários limita a liberdade do testador. Eu entendo que a sucessão testamentária não deveria ter necessidade de se submeter ao inventário judicial se todos são capazes. Ainda há muitos desafios como desvincular a sucessão concorrente e uniformizar o tratamento sucessório entre cônjuge e companheiro. Não faz sentido essa distinção discriminatória, resíduo do preconceito com o concubinato no passado”, afirma. (LÔBO, 2013)
Atividade
2. (IADES - 2018 - IGEPREV-PA - Técnico Previdenciário A) Suponha que Miriam é viúva e que tem dois filhos, Amanda e Wiliam, maiores de 18 anos de idade, plenamente capazes, com renda própria da qual tiram o respectivo sustento. Considerando essa situação, é correto afirmar que, caso Miriam faça um testamento:
a) Poderá dispor da totalidade da herança, tendo em vista que os filhos são maiores de idade e possuem renda suficiente para o sustento, não havendo que se falar em mínimo obrigatório resguardado.
b) Não poderá dispor do próprio patrimônio, pois, com a existência de herdeiros necessários, é defeso que seja feito testamento.
c) Só poderá dispor de metade da herança, haja vista que existem herdeiros necessários.
d) Só poderá dispor de 2/3 da herança, haja vista que existem herdeiros necessários.
e) Só poderá dispor de 1/3 da herança, considerando que existem herdeiros necessários.
Resposta correta: letra c. Está expresso no Art. 1.789 do CC/2002: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. Inclusive, a doação que ultrapassar esse limite será considerada “inoficiosa” e nula de pleno direito, conforme disposto no Art. 549 do mesmo diploma legal.
3. (FCC - 2018 - DPE - AM - Defensor Público) Em relação ao Direito Sucessório:
a) A sucessão abre-se no lugar do falecimento do autor da herança.
b) Havendo herdeiros, de qualquer natureza, o testador só poderá dispor de metade da herança.
c) O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
d) Aberta a sucessão, a herança transmite-se com a propositura do pedido de arrolamento ou de inventário, tanto dos herdeiros legítimos como dos testamentários.
e) Legitimam-se a suceder somente as pessoasjá nascidas no momento da abertura da sucessão, pela inexistência de direito adquirido às que tenham sido apenas concebidas na ocasião.
Resposta correta: letra c. A referida opção é a transcrição exata do Art. 1.792 do CC/2002: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados”.
4. (CESPE - 2018 - TJ-CE - Juiz Substituto) Conforme classificação doutrinária, a herança, antes da formalização da partilha, pode ser considerada um bem de indivisibilidade:
a) Convencional e uma universalidade de fato.
b) Convencional e uma universalidade de direito.
c) Legal e uma universalidade de direito.
d) Legal e uma universalidade de fato.
e) Natural e uma universalidade de direito.
Resposta correta: letra c. O direito à sucessão aberta é considerado um bem imóvel e indivisível, por expressa determinação legal (Código Civil de 2002, Arts. 80, II, e 1.791, caput e parágrafo único).
5. (PGE – Procurador do Estado – AP 2018) A sucessão hereditária abre-se:
a) Na comarca em que se realizar o inventário, deferindo-se a herança como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, por isso, cada um deles é legitimado isoladamente para reclamar a restituição de bens da herança que se encontrem na posse de terceiros.
b) No lugar em que ocorrer o óbito, deferindo-se a herança como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, e, nesse caso, a ação de petição de herança pode ser intentada por um só deles.
c) No lugar em que ocorrer o óbito, deferindo-se a herança como bem divisível em tantos quantos forem os herdeiros, cada qual sendo legitimado para intentar ação de petição de herança de sua cota-parte.
d) No lugar do último domicílio do falecido, deferindo-se a herança como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, e, nesse caso, a ação de petição de herança pode ser intentada por um só deles.
e) Na comarca em que se realizar o inventário, deferindo-se a herança como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, mas, nesse caso, a ação de petição de herança só pode ser intentada por todos em conjunto.
Resposta correta: letra d. Conforme Art. 1.785 do CC/2002, “a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”, c/c Art. 1.825, que dispõe: “A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários”.

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