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2013 Pré-História Prof.ª Daniela Gadotti Sophiati Prof.ª Johanna Wolfram Heuer Copyright © UNIASSELVI 2013 Elaboração: Prof.ª Daniela Gadotti Sophiati Prof.ª Johanna Wolfram Heuer Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 001.309 S712p Sophiati, Daniela Gadotti Pré-história / Daniela Gadotti Sophiati e Johanna Wolfram Heuer. Indaial : Uniasselvi, 2013. 188 p. : il ISBN 978-85-7830-752-3 1. Humanidades – História. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. III aPresentação Caro(a) acadêmico(a)! Você vai iniciar agora o estudo da disciplina Pré-História, período histórico que antecede a invenção da escrita e a História Antiga. Este momento é considerado o mais extenso da história da humanidade, tendo iniciado há 4,5 milhões de anos e terminado em 4.000 a.C. Durante este período, ocorreram importantes mudanças e transformações que foram determinantes para a história da humanidade. Há 5 milhões de anos, ocorreram mudanças ambientais na África, possibilitando o surgimento de uma nova espécie: os hominídeos. Desde o Australopithecus até o Homo sapiens sapiens, nossos antepassados enfrentaram uma longa e difícil jornada, aprenderam a criar objetos, lutaram pela sobrevivência com a caça e coleta, criaram formas de sociedade, dominaram a natureza, manifestaram-se artisticamente, viveram nas primeiras aldeias, criaram civilizações. A partir de agora, convidamos você a conhecer um pouco mais a história de nossos antepassados. Vamos percorrer juntos o caminho do homem, desde o seu surgimento até as primeiras aldeias e civilizações. Prof.ª Daniela Gadotti Sophiati Prof.ª Johanna Wolfram Heuer IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO..................................... 1 TÓPICO 1 – A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A PRÉ-HISTÓRIA .......................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA ........................................................................................................ 4 3 A ESCOLA DE ANNALES .................................................................................................................. 6 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 8 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 9 TÓPICO 2 – ARQUEOLOGIA ............................................................................................................... 11 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 11 2 ETAPAS DE PESQUISA ...................................................................................................................... 14 2.1 LEVANTAMENTO .......................................................................................................................... 17 2.2 ESCAVAÇÃO .................................................................................................................................... 18 2.3 ANÁLISE DE LABORATÓRIO ...................................................................................................... 19 2.4 PUBLICAÇÃO .................................................................................................................................. 20 2.5 A ARQUEOLOGIA COMO CIÊNCIA TRANSDISCIPLINAR ................................................. 20 2.5.1 Formas de datação .................................................................................................................. 20 2.5.2 Áreas de atuação ..................................................................................................................... 23 3 HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA ..................................................................................................... 26 3.1 ARQUEOLOGIA NA IDADE MÉDIA.......................................................................................... 26 3.2 ARQUEOLOGIA NA IDADE MODERNA .................................................................................. 26 3.3 ARQUEOLOGIA NA IDADE CONTEMPORÂNEA ................................................................. 27 3.3.1 Atuação dos arqueólogos no Brasil ...................................................................................... 31 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 33 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 35 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 36 TÓPICO 3 – TEORIA DE DARWIN..................................................................................................... 37 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 37 2 TEORIA DE DARWIN ......................................................................................................................... 38 2.1 TEORIAS EVOLUTIVAS ................................................................................................................. 39 2.2 O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DARWINISTA ............................................................. 40 2.3 A EVOLUÇÃO HUMANA ............................................................................................................. 41 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 45 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................46 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 47 TÓPICO 4 – A FORMAÇÃO DO UNIVERSO ................................................................................... 49 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 49 2 FORMAÇÃO DO UNIVERSO ........................................................................................................... 50 2.1 FORMAÇÃO DA TERRA ............................................................................................................... 51 2.2 PERÍODOS GEOLÓGICOS ............................................................................................................ 51 sumário VIII 2.2.1 Era Pré-Cambriana ................................................................................................................. 51 2.2.2 Era Paleozoica.......................................................................................................................... 52 2.2.3 Era Mesozoica ......................................................................................................................... 52 2.2.4 Era Cenozoica .......................................................................................................................... 52 3 FORMAÇÃO DOS CONTINENTES ................................................................................................ 54 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 55 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 57 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 58 UNIDADE 2 – PERÍODOS PRÉ-HISTÓRICOS ................................................................................ 59 TÓPICO 1 – EVOLUÇÃO HUMANA E PERÍODO PALEOLÍTICO ............................................. 61 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 61 2 EVOLUÇÃO HUMANA ...................................................................................................................... 61 3 PERÍODO PALEOLÍTICO .................................................................................................................. 68 4 OS HOMINÍDEOS ............................................................................................................................... 74 4.1 AUSTRALOPITHECUS ................................................................................................................... 75 4.2 HOMO HABILIS ............................................................................................................................... 76 4.3 HOMO ERECTUS ............................................................................................................................ 77 4.4 HOMO NEANDERTHALENSIS ..................................................................................................... 78 4.5 HOMO SAPIENS .............................................................................................................................. 80 4.6 CARACTERÍSTICAS DOS HOMINÍDEOS .................................................................................. 81 LEITURA COMPLEMENTAR I ............................................................................................................ 82 LEITURA COMPLEMENTAR II ........................................................................................................... 83 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 86 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 87 TÓPICO 2 – PERÍODO MESOLÍTICO ............................................................................................... 89 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 89 2 PERÍODO MESOLÍTICO .................................................................................................................... 89 2.1 ARTE E CRENÇA NA PRÉ-HISTÓRIA ....................................................................................... 91 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 93 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 95 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 96 TÓPICO 3 – PERÍODO NEOLÍTICO ................................................................................................... 97 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 97 2 REVOLUÇÃO NEOLÍTICA ................................................................................................................ 98 2.1 O DOMÍNIO DA AGRICULTURA ............................................................................................... 98 2.2 ORGANIZAÇÃO SOCIAL ............................................................................................................. 99 2.3 ALDEIAS NEOLÍTICAS ................................................................................................................. 100 2.4 AS PRIMEIRAS CIDADES ............................................................................................................. 101 2.5 A CRENÇA DURANTE O NEOLÍTICO ...................................................................................... 103 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 104 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 106 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 107 TÓPICO 4 – IDADE DOS METAIS...................................................................................................... 109 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 109 2 IDADE DOS METAIS .......................................................................................................................... 109 2.1 IDADE DO COBRE .......................................................................................................................... 110 2.2 IDADE DO BRONZE ...................................................................................................................... 110 IX 2.3 IDADE DO FERRO .......................................................................................................................... 110 2.4 SURGIMENTO DO COMÉRCIO ................................................................................................... 110 2.5 DIVISÃO DA SOCIEDADE ............................................................................................................ 111 3 SURGIMENTO DO ESTADO ............................................................................................................ 112 3.1 A CENTRALIZAÇÃO DOPODER ............................................................................................... 113 3.2 O SURGIMENTO DA ESCRITA .................................................................................................... 113 4 AS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES ...................................................................................................... 114 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 115 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 116 UNIDADE 3 – PRÉ-HISTÓRIA DA AMÉRICA, PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL, OS POVOS INDÍGENAS .................................................................................................................. 117 TÓPICO 1 – PRÉ-HISTÓRIA DA AMÉRICA .................................................................................... 119 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 119 2 TEORIAS MIGRATÓRIAS ................................................................................................................. 120 2.1 TEORIA DE CLÓVIS ....................................................................................................................... 120 2.2 TEORIA MALAIO-POLINÉSIA .................................................................................................... 121 2.3 TEORIA AUSTRALIANA............................................................................................................... 121 2.4 UM HOMINÍDEO ANTERIOR AO HOMO SAPIENS? ............................................................. 122 2.5 MAS O QUE SE SABE SOBRE OS PRIMEIROS SUL-AMERICANOS? .................................. 123 3 EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ........................................................................................................ 123 4 DOMÍNIO DA AGRICULTURA ....................................................................................................... 124 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 127 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 130 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 131 TÓPICO 2 – PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL ......................................................................................... 133 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 133 2 PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL ............................................................................................................. 134 2.1 AS POPULAÇÕES DE LAGOA SANTA ...................................................................................... 135 2.1.1 Luzia ......................................................................................................................................... 137 2.2 AS PESQUISAS DE NIÈDE GUIDON .......................................................................................... 138 2.3 ARTE RUPESTRE ............................................................................................................................. 139 2.4 OFICINAS LÍTICAS ........................................................................................................................ 141 3 MUDANÇAS AMBIENTAIS .............................................................................................................. 142 3.1 O ESTUDO DA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA E OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS ............... 142 3.2 OS SAMBAQUIS .............................................................................................................................. 143 3.3 OS POVOS CERAMISTAS .............................................................................................................. 146 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 149 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 151 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 152 TÓPICO 3 – OS POVOS INDÍGENAS ............................................................................................... 153 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 153 2 COMO SE CLASSIFICA UMA LÍNGUA INDÍGENA? ................................................................ 155 3 OS DIVERSOS TRONCOS ................................................................................................................ 155 3.1 TRONCO TUPI................................................................................................................................. 155 3.2 TRONCO MACRO-JÊ ..................................................................................................................... 156 3.3 FAMÍLIAS NÃO INCLUÍDAS EM TRONCOS ........................................................................... 156 3.4 GRUPOS QUE NÃO FALAM MAIS LÍNGUAS INDÍGENAS ................................................. 156 4 OS POVOS INDÍGENAS .................................................................................................................... 157 X 4.1 A ALIMENTAÇÃO .......................................................................................................................... 158 4.1.1 Produção de alimentos ........................................................................................................... 158 4.2 AS HABITAÇÕES ............................................................................................................................ 160 4.3 ORGANIZAÇÃO SOCIAL ............................................................................................................. 161 4.4 CRENÇAS AMERÍNDIAS .............................................................................................................. 162 5 INDÍGENAS HOJE .............................................................................................................................. 163 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 166 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 169 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 170 TÓPICO 4 – EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ....................................................................................... 171 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 171 2 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL – CONCEITOS ............................................................................... 171 3 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DA PRÉ-HISTÓRIA ...... 173 4 PROPOSTAS DE ATIVIDADES DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ......................................... 174 4.1 PROPOSTA DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES ..................................................................... 174 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 178 RESUMODO TÓPICO 4........................................................................................................................ 180 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 181 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 183 1 UNIDADE 1 NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ- HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • identificar as mudanças teóricas nas correntes historiográficas; • compreender as etapas da história da arqueologia; • identificar os procedimentos de pesquisa arqueológica; • analisar as teorias sobre a origem do homem; • compreender as teorias de formação do Universo. Esta primeira unidade está dividida em quatro tópicos. No final de cada tópico, você encontrará atividades que possibilitarão a apropriação de conhecimentos na área. TÓPICO 1 – A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A PRÉ-HISTÓRIA TÓPICO 2 – ARQUEOLOGIA TÓPICO 3 – TEORIA DE DARWIN TÓPICO 4 – A FORMAÇÃO DO UNIVERSO 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A PRÉ-HISTÓRIA 1 INTRODUÇÃO Segundo a divisão tradicional da História, a Pré-História é o momento histórico que antecede a História Antiga. Tal período é comumente associado, especialmente na TV, a dinossauros carnívoros e homens primitivos que conviviam no mesmo período. Você se lembra das histórias em quadrinhos do “Piteco & Horácio”, de Maurício de Souza, onde um Tiranossauro rex, o Horácio, interage com seres humanos, vivenciando cenas do dia a dia na Pré-História? Ou do desenho animado “Os Flintstones”, onde famílias que viviam na Pré-História conviviam em plena harmonia com dinossauros e possuíam o conforto e a praticidade da vida moderna? O que nos leva a perguntar, o que havia de errado com “Os Flintstones”? E o que você realmente sabe sobre a Pré-História? IMPORTANT E Por que os humanos não conviveram com os dinossauros? Simples: os dinossauros desapareceram do planeta muito antes de os primeiros antepassados humanos aparecerem. ESTUDOS FU TUROS Na Unidade 1, Tópico 4, aprofundaremos a questão ao estudarmos “A Formação do Universo”. Considerado o período mais extenso da História, formalmente o início da Pré-História é associado ao surgimento do primeiro hominídeo, há aproximadamente 4,5 milhões de anos, e termina com a criação da escrita, por volta de 5.000 anos antes do presente. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 4 No entanto, como veremos, as mudanças ocorridas na pesquisa historiográfica dos últimos anos vêm questionando essa divisão e até mesmo o conceito de Pré-História. O surgimento de novas fontes, problemas e objetos trouxe reflexões sobre este importante momento da humanidade. IMPORTANT E Você sabia que os primeiros registros escritos apareceram na Suméria, atual Oriente Médio, por volta de 5.000 mil anos antes do presente? Eram pequenos tabletes de argila gravados com cunhas, motivo pelo qual ficaram conhecidos como escrita cuneiforme. Surgiram por necessidades administrativas, de registrar impostos, controlar cobranças etc. Nem todas as sociedades desenvolveram a escrita na mesma época. ATENCAO DICAS Para saber mais sobre a história da escrita você pode assistir aos vídeos disponíveis nos seguintes links: vídeo 1: <http://www.youtube.com/ watch?v=GC8ClPNWv3k&feature=related> e vídeo 2: <http://www.youtube.com/ watch?v=uF9kNYH1EQg&feature=relmfu>. Neles você aprenderá mais sobre o assunto e sobre temas como a arqueologia, que será discutida no Tópico 2 desta unidade. O material disponível nos vídeos pode ser utilizado, ainda, como ferramenta didática no ensino de História Antiga. 2 A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA Desde a Antiguidade existe uma preocupação em conhecer o passado dos homens. Heródoto já realizava uma história narrativa, com a finalidade de “[...] perpetuar o passado e encontrar a causa da guerra”. (BURKE, 1991, p. 37). No entanto, a História mesclava elementos míticos e factuais. Durante o século XIX, a História se estabeleceu como ciência em vários países da Europa, como, por exemplo, a França. Pesquisadores como Charles TÓPICO 1 | A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A PRÉ-HISTÓRIA 5 2 A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA Langlois e Charles Segnobos afirmaram que a História não passa de mera aplicação de documentos, pois os pensamentos e atos realizados por homens quase nunca deixam registros confiáveis. Para se tornar uma ciência, a História desenvolveu métodos confiáveis. Assim, em 1875, o alemão Leopold von Ranke estabeleceu uma série de métodos que nortearam as pesquisas nos anos seguintes: • o objeto de pesquisa da História são os fatos; • a realidade deve ser separada da ficção; • os fatos precisam ser comprovados com documentos escritos; • os documentos devem ser, de preferência, oficiais; • o historiador deve proceder à análise interna e externa dos documentos; • o historiador deve ser neutro na análise dos documentos. NOTA Fica determinado, então, pela teoria rankeana, que a História só existe onde há um registro escrito. O período que antecede o surgimento da escrita passa a ser considerado Pré-História. (BURKE, 1991, p. 42). As pesquisas históricas realizadas neste período (século XIX) foram utilizadas como instrumento de coesão nacional, já que evocavam um passado em comum. A História também foi utilizada para formar cidadãos patriotas, capazes de defender sua pátria. IMPORTANT E O século XIX foi o momento de formação de Estados, como a Itália e a Alemanha. Assim, a História era utilizada para criar símbolos de identificação, como as bandeiras, os hinos e os heróis. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 6 Desta forma, os objetos de estudo da História se restringiam a temas como a política. Os heróis nacionais, datas importantes e grandes acontecimentos eram considerados o objeto central de estudo da História. NOTA Esta visão de História vem sendo deixada de lado, acusada de favorecer uma “História Narrativa”, que apenas descreve os fatos, sem se preocupar com as suas causas. 3 A ESCOLA DE ANNALES A partir de 1929, surgem mudanças na Historiografia, quando Lucien Fevbre e March Bloch fundam a Revista Annales. Juntamente com outros historiadores e sociólogos, os dois propõem uma revisão na forma de se pesquisar história. Assim, a chamada Nova História Cultural, ou Escola de Annales, propõe: • novos métodos • novos objetos • novas fontes • novas abordagens Influenciada por estudos de sociólogos, antropólogos e geógrafos, essa primeira fase da Escola de Annales propôs uma ampliação dos temas de pesquisa, bem como uma nova abordagem. A História deixou de ser apenas uma narrativa de fatos, privilegiando também as estruturas. Ao longo das décadas, surgiram várias linhas de pesquisa na Escola de Annales; no entanto, podemos elencar como principais mudanças: • A negação da neutralidade do historiador: toda produção histórica é subjetiva. • A ampliação dos objetos de estudo: o homem produz história em todas as esferas de sua vida. Assim, temas como a família, os movimentos sociais, a alimentação, a religiosidade também são considerados históricos. • Fragmentação da História nacional: visibilidade para os regionalismos e as especificidades. TÓPICO 1 | A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A PRÉ-HISTÓRIA 7 3 A ESCOLA DE ANNALES • História vista de baixo: estudo de grupos que não eram considerados antes como agentes da história. • Uso de novas fontes:a partir de então, é possível fazer pesquisa histórica a partir de fotografias, música, edificações, entrevistas etc. • Reconhecimento da historicidade de povos sem escrita. • Aproximação de ciências como a antropologia. Assim, com a possibilidade do uso de novas fontes para a pesquisa, a Pré-História não é mais apenas o momento que antecede a escrita. As mudanças teóricas na historiografia, somadas às descobertas arqueológicas, trouxeram uma nova importância para a Pré-História. Didaticamente a divisão histórica tradicional ainda é utilizada. No entanto, o conceito de Pré-História mudou. Agora, desde o surgimento do primeiro hominídeo na Terra, começa a grande aventura humana, sem esquecer todo o período que antecede o aparecimento dos seres humanos, que também faz parte da Pré-História. Da mesma forma, se a Pré-História acaba com o início da escrita, nem todas as regiões terminam a Pré-História em uma mesma época. No continente americano, seu fim é associado à chegada dos colonizadores europeus, por volta do século XV, embora se saiba que em algumas áreas do continente americano já existia escrita muito antes da chegada dos europeus. NOTA Você sabia que a escrita mais complexa do continente americano pertencia aos maias? Esta civilização ocupou a região do atual México e América Central. Sua escrita sofisticada era usada, quase exclusivamente, no contexto religioso. Para mais informações acerca da civilização maia e América pré-colombiana sugerimos que consulte Gendrop (1987). DICAS Para aprofundar seus conhecimentos sobre Teoria da História sugerimos a leitura de Burke (1991) ou pesquisa no site <http.www.klepsidra.net>. A referência completa das obras você encontra no final do Caderno de Estudos. 8 Neste tópico, você viu que: • Tradicionalmente, a Pré-História é o período que antecede a História Antiga. • No século XIX, a História se torna uma ciência com pressupostos e métodos. • Na História rankeana, a História é comprovada com documentos escritos. • A Pré-História passa a ser o período que antecede o surgimento da escrita. • Segundo Ranke, o historiador deve ser neutro na análise dos documentos. • A pesquisa histórica do século XIX privilegiava a política. • Em 1929 é criada a Revista Annales. • A Escola de Annales propõe mudanças teóricas para a História. • Na nova História cultural são pesquisados temas como a infância, a morte, a sexualidade, entre outros. • As fontes de pesquisa se ampliam, podendo ser fotos, músicas, edificações etc. • O período anterior à escrita também passa a ser considerado como histórico. RESUMO DO TÓPICO 1 9 Para fixar os conteúdos estudados neste tópico, responda às questões a seguir: 1 Ao se tornar uma ciência no século XIX, a História estava sujeita a uma série de métodos e regras. Quais eram eles? De que forma isso se relaciona com o estabelecimento da divisão tradicional da História? 2 Em 1929, um grupo de historiadores lança a Revista Annales, que propõe uma série de mudanças na pesquisa histórica. Cite que mudanças foram essas. 3 As mudanças teóricas na historiografia questionam o antigo conceito de Pré- História. Justifique essa afirmação. AUTOATIVIDADE 10 11 TÓPICO 2 ARQUEOLOGIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Para que possamos conhecer o modo de vida das sociedades pré-históricas, várias ciências unem seus conhecimentos. Entre essas ciências encontramos a arqueologia, que é a ciência que estuda os vestígios materiais deixados pelo homem. Vestígios materiais são restos de criações humanas, como utensílios, armas, moradias, enfeites etc. que, em conjunto, são chamados pela arqueologia de “cultura material”. Cada sociedade humana possui uma cultura material que a identifica. Tais vestígios são fruto da criação de soluções para a superação dos mais diferentes obstáculos impostos pelo meio em que vivem ou viveram, bem como de seu relacionamento e da interpretação simbólica deste meio. A cultura material de um povo reflete sua maneira de pensar e seus valores. A pesquisa arqueológica é realizada em sítios arqueológicos, que são assim chamados por possuírem “vestígios arqueológicos”, que são os vestígios materiais acima mencionados. Os sítios arqueológicos podem ser divididos em pré-históricos (sociedades sem escrita) e históricos (sociedades com escrita). FIGURA 1 – EXEMPLO DE VESTÍGIOS LÍTICOS. INSTRUMENTOS FABRICADOS ATRAVÉS DO LASCAMENTO DE DIFERENTES TIPOS DE ROCHAS. NESTE CASO ESPECÍFICO TRATA-SE DE PONTAS DE PROJÉTIL OU PONTAS DE FLECHA FONTE: As autoras UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 12 ESTUDOS FU TUROS Na Unidade 3 voltaremos a estudar os vestígios líticos. Além disso, a arqueologia não estuda somente a Pré-História, mas o material de qualquer época histórica e que esteja associado à ação humana. Existem, por exemplo, pesquisas arqueológicas de vestígios da Idade Média ou da História Moderna. No Brasil, a divisão entre Pré-História e História é marcada pela chegada dos colonizadores europeus e seu contato com as sociedades nativas, por eles então denominados “indíos”. O período que antecede a colonização vem sendo recentemente denominado, por alguns pesquisadores, de Pré-Colonial, tendo em vista que o termo pré-história pode sugerir “antes da história”. Tal interpretação da terminologia vem sendo desconstruída por diversos pesquisadores nos últimos anos, tendo em vista que todas as sociedades humanas possuem história, tendo deixado registros escritos ou não. Mesmo que não tenham deixado registros escritos, seu relato foi e continua sendo feito oralmente. Quando a pesquisa arqueológica destina-se a estudar os vestígios materiais pertencentes ao período pós-colonial (após a chegada dos colonizadores no território hoje chamado Brasil), esta é chamada de arqueologia histórica. Alguns exemplos de sítios arqueológicos históricos são antigas igrejas, centros históricos de diferentes cidades e vestígios de antigos quilombos, por exemplo. FIGURA 2 – EXEMPLO DE SÍTIO ARQUEOLÓGICO HISTÓRICO: RUÍNAS DAS MISSÕES JESUÍTICAS DE SÃO MIGUEL DAS MISSÕES, NO RIO GRANDE DO SUL FONTE: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/ praticapedagogica/serviam-missoes-jesuiticas-629706.shtml>. Acesso em: 24 abr. 2013. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 13 DICAS Aprenda mais sobre arqueologia histórica assistindo ao vídeo “Discurso Silencioso”, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?feature=player_ embedded&v=RQK_8pn0U3E>. Nele você poderá acompanhar pesquisas arqueológicas realizadas no centro histórico do Rio de Janeiro e sua importância para a re-construção da História brasileira e para a des-construção de diversos preconceitos. Você sabia que a arqueologia não estuda os dinossauros? O estudo destes personagens da Pré-História é realizado pela Paleontologia, ciência que estuda a vida na terra através de fósseis, principalmente de animais e vegetais. ATENCAO FIGURA 3 – EXEMPLO DE PEGADAS FOSSILIZADAS ENCONTRADAS EM ARARIPE, NO NORDESTE BRASILEIRO, E A RECONSTITUIÇÃO DO POSSÍVEL ANIMAL QUE GEROU AS MARCAS FONTE: Adaptado de: Dentzien-Dias et al. (2010) UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 14 NOTA Fósseis são restos de matéria orgânica do passado conservados pela natureza, em rochas, geleiras, resinas, sedimentos etc. Eles podem ser associados a seres vivos, como os fósseis de dinossauros, de homens antigos etc. ou resultado de ações que ocorreram no passado, como pegadas deixadas no solo, ovos fossilizados etc. DICAS Você se interessou pela paleontologia? Visite a página da Sociedade Brasileira de Paleontologia, <http://www.sbpbrasil.org/>, que dispõe de informações interessantese trabalhos acadêmicos na área. 2 ETAPAS DE PESQUISA Quando falamos em arqueologia, imediatamente nos vêm à mente imagens de grandes aventuras como as vividas por Indiana Jones ou Lara Croft, personagens que imortalizaram no cinema a ideia de aventura e caça ao tesouro na arqueologia. Você, entretanto, sabia que esta ciência não é feita apenas de aventuras? Esta imagem foi criada no século XIX, quando os primeiros arqueólogos, europeus e norte-americanos, saíam em busca de pesquisa e aventuras em outros países, em um desbravamento imperialista. Um exemplo foi o trabalho do pioneiro Horward Carter, arqueólogo britânico que descobriu a tumba de Tutancâmon, no Egito, em 1922. NOTA Tutancâmon foi um faraó egípcio que morreu ainda jovem, aos 19 anos, em 1324 a.C. Porém a maior parte do trabalho arqueológico é realizada em laboratório, e após longos períodos de estudos e análises os arqueólogos avaliam as atividades realizadas e preparam as pesquisas futuras. É um trabalho muito mais paciente e persistente do que a imagem imortalizada pelo cinema. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 15 2 ETAPAS DE PESQUISA Em alguns casos, as escavações arqueológicas costumam durar anos, já que os vestígios arqueológicos podem ser facilmente danificados. Existem sítios arqueológicos na Serra da Capivara, região nordeste do Brasil que, desde 1973, vêm sendo pesquisados. Outro grande mito associado à arqueologia é a monumentalidade dos achados arqueológicos. É banal pensar que os arqueólogos escavam apenas múmias ou grandes edificações como pirâmides, e que sempre acham algo precioso como tesouros. Afinal, você realmente sabe o que procura um arqueólogo? Para o arqueólogo brasileiro, Paulo Funari (2003), a Arqueologia estuda, diretamente, a totalidade material apropriada pelas sociedades humanas. Logo, esta materialidade ou vestígios deixados pelos homens podem ser tanto uma pirâmide, um sambaqui ou um pedaço de cerâmica. NOTA Sambaqui é um tipo de sítio arqueológico encontrado em diversas partes do mundo, geralmente em regiões litorâneas. Conforme veremos em maior detalhe na Unidade 3, no Brasil tais vestígios são atribuídos a grupos de caçadores-coletores que habitaram a costa, de Norte a Sul, durante a Pré-História. Desta maneira, a maior parte das pesquisas arqueológicas pré-históricas, por exemplo, estudam fragmentos de cerâmicas, peças feitas em pedras, restos de fogueiras, sobras de alimentação, vestígios de antigas habitações e de objetos usados e fabricados no cotidiano das antigas populações. Estes vestígios, conforme vimos anteriormente, trazem importantes informações sobre o dia a dia das populações do passado, seus hábitos e crenças e constituem muitas vezes as únicas informações que restaram destes grupos humanos. As diferentes etapas da pesquisa arqueológica fornecem informações que são trabalhadas e unidas por arqueológos e outros profissionais como uma espécie de quebra-cabeças, procurando gerar maiores informações sobre as sociedades que não deixaram vestígios escritos sobre seu modo de vida e sobre como chegaram aqui, ou como desapareceram. Ao escavar um sítio arqueológico chamado Tapera, em Florianópolis, no estado de Santa Catarina, sul do Brasil, na década de 1960, o arqueólogo Pe. Rohr encontrou 24.122 cacos de cerâmicas, 4.271 artefatos feitos de pedras, 3.502 objetos feitos a partir de conchas e ossos, restos de alimentação, fogueiras, vestígios de habitações, além de 172 esqueletos (SILVA et al., 1990). UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 16 FIGURA 4 – ESQUELETO ESCAVADO NO SÍTIO DA ARMAÇÃO DO SUL, NA ILHA DE SANTA CATARINA – SC, PELO PE. ROHR FONTE: Disponível em: <http://www.anchietano.unisinos.br/equipe/Rohr/ rohr.htm>. Acesso em: 24 abr. 2013. NOTA O padre João Alfredo Rohr, gaúcho naturalizado catarinense, é considerado um dos arqueólogos que mais escavou no Brasil. O resultado de suas pesquisas pode ser encontrado em inúmeras publicações e na coleção do Museu do Homem do Sambaqui Pe. João Alfredo Rohr, SJ, localizado na Ilha de Santa Catarina. Segundo o ponto de vista mais tradicional da arqueologia, ela é a ciência que estuda os artefatos criados pelo homem através da escavação e reconstituição. Porém, dentro das novas metodologias e abordagens, seu objetivo não é a catalogação de objetos, mas o estudo dos sistemas socioculturais. “Além dos artefatos, os chamados ecofatos e biofatos também fazem parte da reflexão arqueológica enquanto apropriação humana da natureza”. (FUNARI, 2003, p. 10). Assim, a arqueologia também analisa o ambiente ocupado por esses antigos homens, considerando as matérias-primas disponíveis na região, bem como os rios, tipos de alimentos, animais e abrigos. DICAS Procure na sua cidade um museu que possua coleção arqueológica e veja de perto as pesquisas realizadas na sua região. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 17 IMPORTANT E Como você verá a seguir, o trabalho do arqueólogo pode ser dividido em várias fases. Entre as principais estão: • levantamento; • escavações; • processamento em laboratório; • publicação. 2.1 LEVANTAMENTO O levantamento (ou prospecção) consiste na localização de áreas que sejam potenciais sítios arqueológicos. Esta pesquisa pode ser feita através de estudo de fotografias aéreas, caminhadas nas áreas estudadas ou com o uso de aparelhos, como sondas, radares, entre outros. O principal objetivo desta fase das pesquisas é encontrar os sítios arqueológicos. Realizada através de caminhadas, a localização dos vestígios estará condicionada à experiência do observador que, através do contato visual, deverá identificar vestígios arqueológicos como artefatos, estruturas, áreas de aquisição de matéria-prima, entre outros. Também devem ser observadas mudanças na vegetação, que podem identificar mudanças na flora, causadas pela ação humana. A concentração de coqueiros, entre outras árvores, em áreas onde não são comuns, pode significar que tenham sido plantados por homens. Da mesma forma, manchas no solo que podem indicar antigas áreas de habitação. Entretanto novas tecnologias se apresentam como um auxílio, rápido e não destrutivo, na identificação de vestígios e sítios arqueológicos. Um exemplo são as técnicas de georradar ou técnicas geofísicas (resistividade elétrica e magnética) que possibilitam uma avaliação do subsolo através da emissão de ondas eletromagnéticas, condutibilidade elétrica etc., para identificação de artefatos em subsolo. A decisão de que técnica de levantamento será empregada está relacionada aos objetivos das atividades planejadas, ao tipo de sítio estudado, ao tempo de pesquisa e outras condicionantes práticas, como financiamento de pesquisa, tamanho da equipe etc. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 18 2.2 ESCAVAÇÃO A segunda etapa dos trabalhos de arqueologia é a escavação. Esta é a mais famosa de todas as etapas e, geralmente, a única que vem à mente quando se pensa nas pesquisas arqueológicas. No entanto, apesar de ser uma fase muito importante destas pesquisas, ela é apenas uma parte do conjunto de atividades desenvolvidas pelos arqueólogos. A primeira etapa de um trabalho de escavação consiste na análise do ambiente a ser pesquisado. São analisadas informações como a composição do solo e a existência de determinadas rochas, rios etc. A etapa seguinte é a demarcação do território a ser escavado, que pode ser dividido em quadrículas, e, delicadamente, o solo é escavado com instrumentos leves, como pincéis, espátulas etc. FIGURA 5 – EXEMPLO DA DIVISÃO DE UM SÍTIO ARQUEOLÓGICO EM QUADRÍCULAS PARA CONTROLE DA ESCAVAÇÃO FONTE: Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2010/06/ tamanho-35-couro-bovino-5.500-anos>.Acesso em: 24 abr. 2013. NOTA Quadrículas são pequenas áreas definidas pelo arqueólogo como unidades de controle. Cada quadrícula recebe um número específico e todo material identificado na mesma quadrícula recebe uma numeração associada, de forma que, em laboratório, é possível reconstituir onde o material foi localizado. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 19 2.2 ESCAVAÇÃO Todo vestígio identificado é detalhadamente registrado, com fotos, desenhos, registros de localização etc. de maneira que em laboratório seja possível visualizar a precisa localização dele no contexto do sítio estudado. O contexto arqueológico é algo muito importante para a arqueologia, é através do estudo da localização do objeto e dos vestígios que estão a ele associados que o arqueólogo pode interpretar seus significados. Um autor francês chamado Leroi-Gourhan (1983) comparou o contexto arqueológico a um livro: se você ler um livro preservado é fácil perceber sua mensagem, seguir a lógica das páginas etc. Agora imagine ler um livro todo rasgado, onde você não consegue identificar qual a sequência das páginas, onde se encontra cada parágrafo, o encadeamento das palavras e assim por diante. Daí a importância de nunca recolher um artefato arqueológico de seu contexto sem o devido estudo e registro. DICAS Você sabe o que fazer em caso de identificar um vestígio arqueológico? Existe um órgão federal chamado IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – que é responsável pela fiscalização e promoção da proteção dos bens arqueológicos brasileiros. Caso encontre um sítio, procure o IPHAN mais próximo de sua cidade. Para maiores informações visite o site do instituto: <www.iphan.gov.br>. 2.3 ANÁLISE DE LABORATÓRIO Quando chega ao laboratório, o material passa por uma lavagem e cadastramento em fichas padronizadas, contendo dados como o local onde foi localizado, posição em relação às outras peças, cor, dimensão, entre outros. O estudo destes vestígios envolve a comparação com outros sítios do local ou da mesma cultura estudada. Deste processo participam outros especialistas, conforme o sítio que está sendo estudado. Podem ser eles biólogos, especialistas em cerâmica, linguistas variados, especialistas em fundição de metais, anatomistas, químicos, geólogos etc. A análise de pedras lascadas, por exemplo, considera fatores como a existência de rochas adequadas a essa produção. Já a análise da composição do solo indica o tipo de cerâmica produzido no local: solo ferruginoso – cerâmica alaranjada, solo com pouco ferro – cerâmica branca ou preta. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 20 Determinadas análises químicas de vestígios, como ossos e dentes, permitem ao arqueólogo descobrir muitas coisas a respeito dos indivíduos que habitavam naqueles locais como sua idade, sexo, o que comiam, que doenças possuíam e a causa de sua morte. No laboratório são feitas ainda as restaurações dos objetos escavados, seu adequado acondicionamento, com temperatura e umidade controladas, e a montagem de exposições a ser realizadas nos museus. 2.4 PUBLICAÇÃO A última fase de ação de uma pesquisa arqueológica é a publicação dos dados observados, na qual todos os resultados das atividades de campo e análises dos vestígios identificados são disponibilizados para o público acadêmico, através de revistas, livros e artigos científicos. Os pesquisadores também procuram divulgar o trabalho ao público em geral através de cartilhas, jornais, revistas e vídeos, por exemplo. 2.5 A ARQUEOLOGIA COMO CIÊNCIA TRANSDISCIPLINAR Outra característica do estudo arqueológico é o trabalho em conjunto. Embora possuam um único objetivo, compreender as relações e mudanças na sociedade, várias são as linhas de estudo e métodos utilizados para isto, vejamos alguns exemplos: 2.5.1 Formas de datação Para determinar a idade de um achado arqueológico são utilizadas várias técnicas e métodos. Para efetuar estas análises o arqueólogo precisa dialogar com profissionais de diferentes áreas como, por exemplo, a química e a geologia. A seguir estão listados alguns metodos de datação: a) Estratigrafia A estratigrafia é um ramo da geologia que estuda as camadas de rochas, determinando sua idade e origem. A estratigrafia teve início com William Smith (1769-1839), que criou o sistema de classificação das camadas. Em 1815, ele elaborou o primeiro mapa geológico de que se tem conhecimento (mapa geológico da Inglaterra). A idade dos estratos obedece à escala de tempo geológico (eras, períodos, épocas). Ela serve tanto para a geologia quanto para a paleontologia. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 21 Assim, conforme a profundidade em que um vestígio é encontrado, é possível dizer, por exemplo, que ele pertencia ao Pleistoceno ou Mioceno. A datação por estratigrafia é chamada de relativa, pois determina uma idade aproximada do fóssil. A arqueologia também usa a estratigrafia como forma de controle e datação relativa, porém adaptada às suas necessidades, controlando as sequências e camadas em que cada artefato é identificado. A forma como as peças arqueológicas são depositadas no solo segue o princípio geral da estratigrafia, ou seja, aquelas que estão mais próximas da superfície podem ser associadas a ocupações humanas da área em um período mais recente. As peças que são encontradas em níveis mais profundos do solo são consideradas mais antigas. Via de regra, quanto mais profundo, mais antigo. Assim, os estratos, ou camadas arqueológicas, vão se depositando ao longo dos anos, séculos, milênios. O sítio arqueológico pode, então, ser comparado a um bolo, com sucessivas camadas, uma sobre a outra, que são escavadas uma a uma pelos pesquisadores. FIGURA 6 – EXEMPLO DE UMA QUADRÍCULA QUE MOSTRA CAMADAS DE UM SÍTIO ARQUEOLÓGICO FONTE: Aragão; Luiz; Lopes (2010) b) Carbono 14 Este método foi desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial e permite uma datação muito mais precisa. Através dele é possível identificar vestígios de até 40.000 anos, com uma margem de erro de 200 anos. Com o carbono 14 somente é possível estabelecer datações em fósseis de seres vivos. Durante toda a sua vida, os seres vivos absorvem o carbono 14. No momento de sua morte, a quantidade de carbono 14 começa a cair e são emitidos elétrons. Assim, é calculada a quantidade de elétrons emitidos por minuto em cada grama do material. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 22 Através do carbono 14 é possível determinar datas de carvões, fósseis animais e vegetais, alguns artefatos, tintas vegetais, entre outros. FIGURA 7 – ESQUEMA DE ABSORÇÃO DO CARBONO 14 FONTE: Adaptado de: <http://www.wwnorton.com/college/anthro/our-origins2/ch/08/ answers.aspx>. Acesso em: 24 abr. 2013. c) Termoluminescência A termoluminescência é utilizada para realizar datação de artefatos de cerâmica. Segundo Pallestrini (1980, p. 39-40), “[...] a argila utilizada por um artesão recebeu, durante anos, a radioatividade do solo ao qual ele pertencia. No momento em que o pote moldado é levado ao fogo, perde toda a radioatividade armazenada e alcança o ponto zero”. Ao alcançar o “ponto zero”, a cerâmica começa a absorver novamente a radioatividade do ambiente. Para verificar a quantidade de radioatividade de uma cerâmica, os cientistas aquecem este artefato e verificam a quantidade de radioatividade desprendida. Esta forma de datação também é utilizada para datar solos próximos a fogueiras. Consegue-se determinar, assim, há quantos anos a fogueira foi acesa. O 14C é produzido na atmosfera Os átomos 14C reagem com o O2 e formam o dióxido de carbono A planta absorve o 14CO2 e incorpora o 14C através da fotossíntese A maiorparte do 14C é absorvido pelos oceanos Os animais e pessoas absorvem o 14C através do consumo das plantas Quando um animal morre, seu organismo cessa de receber os átomos de carbono. De maneira que a quantidade de 14C começa a decair TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 23 d) Outras formas de datação e cronologia Apesar de as três formas anteriormente descritas serem as mais usuais, outras formas de datações são utilizadas: • dendrocronologia – que estabelece uma datação a partir da análise dos anéis de formação do tronco de uma árvore; • varvas – que consiste na análise das camadas de formação dos depósitos de argilas no fundo dos lagos, identificando sequências de datação geocronológica; • ressonância eletrônica Spin (ESR) – que é a contagem de elétrons estimulados por um campo magnético; • potássio-argônio – baseia-se no princípio da desintegração radioativa. É indicada para medir rochas vulcânicas muito antigas; • sequência tipológica – consiste na ordenação das criações em uma sequência cronológica aproximada, o que possibilita fazer uma dedução ou comparação a partir do conhecido, associando tipos semelhantes. FIGURA 8 – EXEMPLO DE COMO PODE SER FEITA UMA CLASSIFICAÇÃO TIPOLÓGICA A PARTIR DE UMA EVOLUÇÃO ASSOCIADA AO PERÍODO DE PRODUÇÃO FONTE: Renfrew; Banh (1993) 2.5.2 Áreas de atuação Conforme visto, a arqueologia é uma ciência transdisciplinar, ou seja, para atingir seus objetivos, dialoga com diversas outras ciências. A formação de um arqueólogo também pode ser bem diversificada, podendo atuar em áreas especializadas ou trabalhar em conjunto com profissionais de diferentes áreas. Vejamos alguns exemplos: • Palinologia – estuda, através dos grãos de pólen, as mudanças ambientais e climáticas, bem como a utilização de recursos vegetais pelas populações passadas. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 24 NOTA Pólen é o conjunto de pequeníssimos grãos originários das flores. • Bioantropologia – estuda os restos de ossos humanos, identificando sexo, idade aproximada, doenças, entre outros indícios, que possam ter deixado marcas ou constituição específica nos ossos humanos. FIGURA 9 – EXEMPLOS DE GRÃOS DE PÓLEN DE ESPÉCIES VEGETAIS (AMPLIADOS APROXIMADAMENTE 1.000 VEZES) FONTE: Barth (2003) NOTA Para compreender melhor a aplicabilidade da palinologia na pesquisa arqueológica, você poderá consultar o artigo: “Uso da Palinologia em Amostras Arqueológicas de Própolis na Reconstituição da Vegetação Histórica de uma Região”. Ele está disponível para acesso em: <http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/184335/1/bp022.pdf>. A referência completa você encontra ao final do Caderno de Estudos. • Zooarqueologia – estuda os restos faunísticos identificados em sítios arqueológicos, ou seja, os vestígios de animais que tenham sido usados como alimentação, nas atividades domésticas etc. • Análises líticas – estuda a fabricação e marcas de uso deixadas nos artefatos feitos em pedras. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 25 • Paleoparasitologia – estuda os agentes patogênicos associados a populações antigas, o que possibilita avaliar epidemias, costumes e hábitos de nossos antepassados. • Arqueologia subaquática – que estuda os vestígios arqueológicos que se encontram submersos em rios, lagos, oceanos etc. É uma adaptação do método usado em solo e pesquisa, por exemplo, os navios que naufragaram na costa brasileira durante o período colonial. NOTA Você pode realizar gratuitamente o download do “Livro Amarelo”, uma cartilha muito interessante sobre arqueologia subaquática, no seguinte endereço eletrônico: <http:// www.arqueologiasubaquatica.org.br/>. Aproveite para navegar no site do Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática da UNICAMP, lá você encontrará diversas informações e notícias sobre este fascinante ramo da arqueologia. • Arqueologia experimental – estuda e trabalha com a construção de réplicas e experimentações atuais que possibilitem entender e auxiliar as explicações sobre os vestígios arqueológicos. Através das experimentações os arqueólogos procuram reproduzir a fabricação de instrumentos de rocha e cerâmica, por exemplo, o que lhes permite entender melhor os objetos encontrados nas escavações e as técnicas utilizadas pelos grupos pré-históricos para fabricá-los. Estas são apenas algumas das tantas áreas de atuação que podem ser associadas à arqueologia. Isto se justifica, entre outros motivos, pela maneira dinâmica com que é composta nossa realidade e assim também foi a de nossos antepassados. IMPORTANT E Vale lembrar que as pesquisas arqueológicas não têm como objetivo apenas o artefato em si, mas procuram, a partir do estudo destes artefatos, entender os sistemas e diferentes áreas da vida social de quem os produziu. Isto quer dizer que os arqueólogos escavam as peças arqueológicas para, através delas, entender melhor a vida das pessoas que as fabricaram. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 26 3 HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA A arqueologia como ciência teve seu início por volta do século XIX, acompanhando o surgimento de tantas outras ciências no período, embora entre gregos e babilônicos, muito antes da era cristã, já existisse o interesse por entender o desenvolvimento humano e colecionar peças antigas. 3.1 ARQUEOLOGIA NA IDADE MÉDIA Existem relatos de achados fósseis desde a Idade Média, no entanto, não se acreditava que pertencessem a sociedades mais antigas. Muitas vezes eles eram usados como amuletos e instrumentos mágicos. “Fósseis de animais pré- históricos foram considerados restos de animais fantásticos, como ciclopes.” (TRIGGER, 2004, p. 48). Neste período, vários registros de povos pré-cristãos foram destruídos para apagar as memórias pagãs, túmulos foram saqueados e ruínas destruídas. A explicação para a origem humana baseava-se no criacionismo – acreditava- se que toda a humanidade teria surgido no Oriente, expandindo-se para outros continentes. 3.2 ARQUEOLOGIA NA IDADE MODERNA Na Idade Moderna, o contato dos europeus com as sociedades americanas revelou a existência de culturas diferenciadas. Antoine de Jussieu (1748-1836) comparou artefatos líticos (de pedra) pré-históricos com os produzidos por populações das ilhas caribenhas. Das comparações realizadas por Jussieu, surgiu a hipótese de que as sociedades europeias pudessem ter se assemelhado aos povos americanos em um passado remoto. As diferenças culturais dos povos das Américas eram explicadas pela Teoria da Degeneração. Acreditava-se que quanto mais os povos se afastaram da Palestina, mais primitivos eles se tornavam. (TRIGGER, 2004). Os povos teriam se tornado nômades, pois perderam o conhecimento da vida sedentária no processo de migração. Nos séculos seguintes desenvolveu-se o antiquarismo, saber que precedeu a arqueologia e se baseava no armazenamento e catalogação de peças pré-históricas. No entanto, elas ainda não tinham valor como fonte de pesquisa. Porém, foi um espaço onde, de forma mais institucionalizada, foram guardadas e expostas as coleções que incluíram peças arqueológicas, são os populares gabinetes de curiosidades. TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 27 FIGURA 10 – ILUSTRAÇÃO DO SÉCULO XVII, FEITA POR OLE WORM, REPRESENTANDO UM GABINETE DE CURIOSIDADE FONTE: Bahn (1999) Os gabinetes de curiosidade funcionavam como um espaço de agregação de coleções, que reuniam objetos de diversas espécies, como peças arqueológicas, ossadas de animais, amostras minerais e outros artefatos relacionados especialmente à história natural. Estes espaços foram impulsionados, em grande parte, pelas novidades trazidas à Europa, entre os séculosXVI e XVIII, com as grandes navegações e descobrimentos. 3.3 ARQUEOLOGIA NA IDADE CONTEMPORÂNEA A profissionalização na arqueologia ganhou impulso com os museus, que através da classificação e descrição das peças arqueológicas, foram criando espaço para o desenvolvimento de uma área específica, com os arqueólogos profissionais. No início do século XVII, o pesquisador Christian Jürgensen Thomsen (1788-1865) elaborou o conceito das três idades. Ele trabalhava no museu dinamarquês e, para organizar uma exposição, separou os artefatos pela tipologia de sua composição, dando origem às famosas três idades: da Pedra, do Ferro e do Bronze. Conforme Renfrew e Bahn (1993), mais tarde, a primeira idade foi subdividida em Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra e Neolítico ou Nova Idade da Pedra. Embora estas divisões não fossem aplicadas a todas as regiões, foram importantes, pois estabeleceram o princípio de que estudando os artefatos pré- históricos poder-se-ia fazer mais que simples especulações. Para os autores citados, isto foi uma mudança para o estudo sistemático dos artefatos descobertos. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 28 ESTUDOS FU TUROS Na Unidade 3 estudaremos a Pré-História na América e veremos que as três idades não se aplicam a todas as regiões do globo. O nascimento de ciências como a estratigrafia (William Smith, 1769) também deu impulso ao saber arqueológico. O paleontólogo Georges Cuvier (1769-1832) dizia que grandes ossadas (como as de mamute) pertenciam a animais já extintos. Neste período acreditava-se que o homem havia surgido há apenas 4.000 anos; assim, estes animais teriam desaparecido no dilúvio citado na Bíblia. ATENCAO Foram realizadas também escavações em locais como Pompeia e Herculano (Itália), América do Sul, Estados Unidos e Egito. No século XIX, a teoria de Darwin trouxe profundas mudanças para a pesquisa pré-histórica. Em seu livro “A Origem das Espécies”, Darwin propôs que todas as espécies vivas estão em constante evolução, buscando se adaptar ao meio. Assim, a espécie humana também teria sofrido transformações ao longo do tempo. Também o Conde de Gobineau, em “O Ensaio sobre a Desigualdade das Raças” (1855), propunha a existência de três raças humanas. Segundo ele, a miscigenação das raças diluiria aspectos positivos de uma raça; assim, os europeus menos miscigenados eram superiores aos povos que se miscigenaram. O Conde de Gobineau foi nomeado ministro da França no Brasil, em 1869, e não viu com bons olhos a mistura de povos existentes no país. Em um relato racista ele afirma: “Já não existe nenhuma família brasileira que não tenha sangue negro e índio nas veias; o resultado são compleições raquíticas que, se nem sempre repugnantes, são sempre desagradáveis aos olhos” (apud SOUZA, 2006, p. 24). TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 29 IMPORTANT E O Conde de Gobineau foi um dos teóricos do racismo científico. Ou seja, usou a “ciência” para justificar uma falsa superioridade europeia frente às outras populações, especialmente indígenas e negras. Por outro lado, influenciados pelas ideias de Darwin, os arqueólogos e etnólogos acreditavam que as sociedades se encontravam em estágios diferentes de evolução. A sociedade europeia teria evoluído do estágio selvagem à civilização, porém existiam sociedades que permaneciam em estágios paleolíticos, como os aborígenes australianos. A etnografia e a arqueologia se completavam, pois era consenso que determinados grupos étnicos eram “retratos vivos” de sociedades pré-históricas. O estudo dessa “infância da humanidade” permitia que os arqueólogos observassem o passado. Assim, várias pesquisas etnográficas foram realizadas na África para compreender o modo de vida dos povos pré-históricos. Nesta época, grande parte das pesquisas acreditava em um evolucionismo unilinear, ou seja, que todas as sociedades passavam pelos mesmos estágios de evolução, logo as sociedades europeias se encontrariam em um estágio mais avançado de evolução. IMPORTANT E As ideias no evolucionismo unilinear não são verdadeiras, as sociedades não precisam necessariamente passar pelos mesmos sistemas evolutivos, de forma linear e progressista. No século XIX, a arqueologia também se voltava para grandes escavações, como as realizadas no Egito. Muitas informações se perderam, já que os métodos eram bem menos cuidadosos. Utilizava-se pá, picareta e até explosivos. A pesquisa era coordenada por um arqueólogo chefe, que muitas vezes deixava a direção a padres, enfermeiros e guardas. A mão de obra também não era qualificada: nas escavações trabalhavam camponeses, operários desempregados, militares e internos de manicômios. O principal objetivo das pesquisas era atender encomendas dos Estados que queriam incrementar seu potencial turístico. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 30 No final do século XIX e começo do século XX, a arqueologia se tornou uma das ciências mais prestigiadas. Na Alemanha foi criada a Sociedade Alemã para a Pré-História. O arqueólogo Gustav Kossina procedeu a pesquisas para reconstituir a origem dos germanos. NOTA Existe uma corrente de estudo conhecida como “Arqueologia Crítica” que escreve sobre a arqueologia e o poder, procurando mostrar como um pesquisador, em seu tempo e espaço, pode se comprometer com uma determinada posição política e social. Logo, a consciência desta posição pode ser, preferencialmente, ética e comprometida com uma realidade mais justa. A localização de adagas de sílex demonstrava o apreço dos germanos pela guerra, enquanto que as trombetas de bronze comprovavam sua superioridade musical. Chegou-se mesmo a afirmar que o alfabeto não foi criado pelos fenícios, mas pelos germanos. Um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, Hitler também encomendou pesquisas arqueológicas. Seu objetivo era comprovar que os germanos habitaram primeiro regiões como a Polônia. Assim, justificava-se a anexação. Outros povos, como os franceses, também empreenderam pesquisas para reconstituir a origem dos gauleses. Parte dos achados feita em Paris ocorreu na grande reforma urbana do século XIX. Por volta dos anos 60, a arqueologia passa por mudanças, acompanhando outras ciências. Na Inglaterra, o pesquisador Gordon Childe (1892-1957) defendia que cada grupo humano deveria ser estudado em seu desenvolvimento específico. Não existia mais uma linha do tempo única, na qual os indígenas estavam no estágio Paleolítico e os europeus na História contemporânea. Agora, cada povo tinha sua própria trajetória. Alinhando-se a novas correntes da antropologia, Gordon Childe acreditava que as técnicas eram criadas em uma região e iam se difundindo para as regiões vizinhas. A arqueologia agora não existe mais “[...] para comprovar estágios evolutivos de sociedades do presente, mas para estudar os povos pré-históricos”. (PALLESTRINI, 1980, p. 26). TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 31 As teorias de Childe foram superadas pela arqueologia culturalista, que defendia a criação cultural de cada cultura sem estar associada necessariamente a regiões vizinhas. Os métodos arqueológicos também se modificaram nas últimas décadas, tornando-se muito mais cuidadosos e especializados. NOTA Você sabe o que é difusionismo? É uma corrente teórica que foi muito usada na antropologia e que acredita que uma inovação acontece em uma região, central, e se espalha para a periferia. O seu uso exagerado, por um grupo de pesquisadores ingleses, chamou-se hiperdifusionismo, eles acreditavam que as principais invenções humanas tinham origem no Egito. No Brasil as ideias difusionistas foram empregadas de maneira errada por alguns, que usavam os fenícios como criadores de gravurasespalhadas pelo Brasil, negando assim a capacidade dos indígenas brasileiros de fazê-las. IMPORTANT E Caro(a) acadêmico(a), uma análise muito interessante da história da arqueologia é feita em Trigger (2004). Além disso, Funari (2002, 2003) e Pallestrini (1980) trazem boas informações sobre os métodos arqueológicos. A referência completa destes autores você encontra ao término do caderno. 3.3.1 Atuação dos arqueólogos no Brasil A pesquisa arqueológica no Brasil, atualmente, é desenvolvida de diferentes formas e em diferentes contextos. Os arqueólogos podem desenvolver seu trabalho, de maneira geral, de duas formas. Uma delas é trabalhar em uma instituição de pesquisa e ensino, pública ou privada. Neste contexto o arqueólogo realiza suas pesquisas no âmbito de projetos específicos, além de lecionar diferentes disciplinas. Outra atuação da arqueologia que vem sendo muito difundida no Brasil nas últimas décadas é a chamada “arqueologia preventiva” ou “arqueologia por contrato”. Neste contexto o arqueólogo volta suas pesquisas para o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura, como construção de estradas e redes de energia, por exemplo. Todos estes empreendimentos, para ser efetuados, precisam passar por diversas análises de impacto ambiental, o chamado EIA/ RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental). UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 32 Como o patrimônio arqueológico é um bem da União, patrimônio público, este é protegido por diversas leis, inclusive pela Constituição Federal de 1988. Isto quer dizer que a destruição deste patrimônio acarreta crime federal, razão pela qual a pesquisa arqueológica faz parte dos estudos de impacto acima mencionados. Assim, antes de construir qualquer obra que possa destruir um sítio, os empreendedores contratam arqueólogos que realizam as pesquisas necessárias para garantir a proteção dos vestígios arqueológicos e liberar a implantação das obras. É a arqueologia preservando o passado sem prejudicar o futuro. DICAS Para maiores informações sobre a arqueologia preventiva você pode consultar o artigo: “Arqueologia de Contrato no Brasil”, publicado em revista da USP e disponível para download gratuito na internet no seguinte endereço: <http://www.usp.br/revistausp/44/04- solange.pdf>. DICAS Você se interessou pela arqueologia? A seguir você encontra uma lista de websites e livros nos quais poderá encontrar maiores informações a respeito do assunto. Aproveite a leitura e viaje por esta fascinante área do conhecimento. Websites interessantes: • Sociedade de Arqueologia Brasileira: <http://www.sabnet.com.br/> • Arqueologia Brasileira (Itaú Cultural Virtual): <http://www.itaucultural.org.br/arqueologia/> • Arqueologia Digital: <http://arqueologiadigital.com/> • História e-história (seção Arqueologia): <http://www.historiaehistoria.com.br/indice. cfm?tb=arqueologia> Artigo recomendado: • Artigo: Como se tornar arqueólogo no Brasil, de Pedro Paulo de Abreu Funari, disponível em: <http://www.usp.br/revistausp/44/05-pedropaulo.pdf> Livros: • Arqueologia, de Pedro Paulo de Abreu Funari • O Brasil antes dos brasileiros, de André Prous • Arqueologia brasileira, de André Prous • Os índios antes do Brasil, de Carlos Fausto • Pré-História do Brasil, de Pedro Paulo de Abreu Funari e Francisco Silva Noelli • História do pensamento arqueológico, de Bruce G. Trigger TÓPICO 2 | ARQUEOLOGIA 33 LEITURA COMPLEMENTAR [...] HISTÓRIA DA CULTURA MATERIAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES Alexandre Guida Navarro e Déborah Gonsalves Silva O historiador Assunção Barros (2009) destaca a similaridade de critérios de análise historiográfica existente entre a história da cultura material, a história política ou história da cultura, explicando que os materiais constituem o alicerce da vida em sociedade. Assim podemos pensar que ocorre determinada interação entre essas modalidades e a história da cultura material, à medida que esta se utiliza das fontes materiais em estudos sobre diferentes aspectos da vida humana, perpassando as relações cotidianas, culturais e de poder. Pensando à maneira de Foucault, todos os objetos são construídos como objetos de discurso e, portanto, sofrem influências políticas. Do mesmo modo que a produção desses objetos materiais, o uso dessas fontes é carregado de intencionalidades e muitas vezes utilizado para afirmar conceitos como o de identidade nacional (FUNARI, 2001b; 2005; FUNARI; ZARANKIN, 2005). Apesar das relações de poder que as envolve, a cultura material torna-se muito importante para uma compreensão mais ampla da sociedade, visto que estas pesquisas partem não apenas do objeto em si, mas também da análise a partir de diferentes visões e contextos. Nesse caso, a cultura material por meio da arqueologia dá luz a novas informações e a uma nova perspectiva no fazer historiográfico, provocando discussões em torno de pensar um revisionismo na História. Por muito tempo a arqueologia foi vista como uma disciplina auxiliar da História e da antropologia. Até 1960 o pensamento dominante considerava que “A arqueologia tinha como propósito a simples coleção, descrição e classificação de objetos antigos”. (FUNARI, 2003, p. 15). A partir de 1960, surge nos Estados Unidos um movimento que apresenta uma nova arqueologia, que entende a arqueologia como o “[...] estudo da cultura material que busca compreender as relações sociais e as transformações na sociedade” (FUNARI, 2003, p. 15). Partindo desse pressuposto, podemos pensar na subjetividade revelada nos estudos arqueológicos, à medida que a reconstituição do arqueólogo depende de sua interpretação, bem como de estudos prévios a respeito da estruturação social, cultural, política e econômica daquele povo no período estudado, ou seja, o contexto em que aquele artefato estava inserido. UNIDADE 1 | NOVA HISTÓRIA CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA, ARQUEOLOGIA, TEORIA DE DARWIN E FORMAÇÃO DO UNIVERSO 34 Hoje compreendemos que o papel do arqueólogo vai muito além do ato de escavar objetos, está em perceber que os artefatos atuam como “indicadores de relações sociais” e também como “mediadores das atividades humanas” (FUNARI, 2003, p. 15). Deste modo, o arqueólogo passa a fazer uma leitura das relações sociais à medida que procura compreender, a partir da cultura material, como essas relações eram estabelecidas (HODDER, 1988). Nesse caso, as perguntas que norteiam o processo de investigação do arqueólogo estão além de um pedaço de cerâmica. É preciso compreender, no seu processo de produção e utilização, quais as intencionalidades e simbologias que o cercam. Pensar as mudanças ocorridas na História e na arqueologia ao longo do século passado nos permite crer no domínio dessas possibilidades de intervenção e de escrita da História cada vez maior. De acordo com Funari (2003, p. 98): A arqueologia cada vez mais deve voltar-se para as disciplinas que refletem sobre o destino da cultura material que ela estuda, e o caminho que se tem proposto é a colaboração da população em geral de maneira que esta possa ajudar a definir os usos desse material e mesmo sua interpretação. São inúmeras as possibilidades de interpretar a vida humana a partir da cultura material, tanto a História como a arqueologia devem atuar em parceria no processo de investigação dos “rastros” deixados pelo homem no passado. O debate em torno dessas transformações epistemológicas é pertinente, assim como a participação da comunidade na construção do conhecimento. Para finalizar, apesar das diferenças conceituais entre História e arqueologia, as duas disciplinas estão em constante diálogo. Aliás, dentro de correntes arqueológicas mais recentes, o próprio artefato pode ser considerado um texto. Neste sentido, ele pode ser lido.
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