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a influencia da paz perpetua de kant e do contratualismo para a declaração universal dos direitos humanos

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A INFLUÊNCIA DO CONTRATUALISMO E DA PAZ PERPÉTUA DE KANT PARA A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Heloísa Venturieri Pires
Contratualismo; Paz Perpétua; Direitos humanos. 
	Acredita-se que a consolidação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 teve suas origens nos ideais de direitos fundamentais e na relação entre direito positivo e direito natural. Nesse sentido, o presente resumo possui o objetivo de realizar uma conexão ideológica entre os ideais defendidos pelos filósofos contratualistas e pela obra À Paz Perpétua de Immanuel Kant, analisando sua primordial influência para a consolidação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
	Em primeira análise, é necessário compreender o que foi o movimento contratualista. É necessário de antemão, ainda, entender que o contratualismo é uma corrente filosófica ampla, constituída por teorias diversas entre si. Desse modo, torna-se de extrema dificuldade reduzir tal corrente tão complexa do pensamento ocidental em um resumo e, para uma melhor análise, será utilizada a estrutura conceitual que compreende a base do pensamento de todo filósofo contratualista.
	Em lato sensu, compreende-se o contratualismo como uma escola filosófica surgida no começo do século XVII e fins do XVIII na Europa, em um contexto social marcado pela queda da nobreza, pela ascensão da burguesia e pela passagem do Estado moderno sobre a sociedade feudal. Teve como seus principais filósofos J. Althusius (1557-1638), T. Hobbes (1588-1679), B. Spinoza (1632-1677), S. Pufendorf (1632-1694), J. Locke (1632-1704), J.-J. Rousseau (1712-1778), I. Kant (1724-1804). 
	É utilizada uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força e alicerçar o poder no consenso: a explicação do surgimento da sociedade civil por meio de um contrato social. Os contratualistas acreditavam na passagem do Estado Natural, estado não organizado marcado pelo homem fora do contexto social e político, para o Estado Civil por meio de um contrato entre os indivíduos conhecido como contrato social, podendo esse ser implícito ou explícito.
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associação de qualquer força comum, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, ficando assim tão livre como dantes. Tal é o problema fundamental que o contrato social soluciona”(ROUSSEAU; JEAN-JACQUES, 1762, p. 29). 
	Diante do exposto, o Estado de Direito teve como razão de estado a criação das leis civis e definiu normas para servirem de fundamento às Constituições. Existe, portanto, a ideia de direitos naturais, que seriam direitos intrínsecos à condição humana e anteriores à criação do Estado. Segundo o tratado Leviatã, Hobbes considerava o direito natural como “a liberdade que cada homem tem de usar livremente o próprio poder para a conservação da vida e, portanto, para fazer tudo aquilo que o juízo e a razão considerem como os meios idôneos para a consecução desse fim”(HOBBES; T, 1651).
	Tais direitos naturais, em contrapartida, apesar da divergência acerca do que seria considerado Estado Natural para os diversos filósofos contratualistas, esses seriam insuficientes para garantir a ordem, sendo necessário o pacto social para sua devida regulamentação. 
“Quero referir-me que, longe de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, pelo contrário, uma igualdade moral e legítima no que a natureza deu de desigualdade física aos homens que, podendo ser desiguais em força ou engenho, tornam-se, por convenção e de direito, iguais.”(ROUSSEAU; JEAN-JACQUES, 1762, p. 34)
	Ademais, o pensamento dos filósofos contratualistas influenciou diversas revoluções e escritos, demonstrando sua vitalidade com características novas e originais na Idade Moderna. O primeiro deles foi o contrato assinado em 11 de novembro de 1620, conhecido como Pacto de Mayflower. Foi escrito por quarenta e dois puritanos separatistas feito com o intuito de impedir problemas e estabelecer um governo, o assentamento de Plymouth. Foi essencialmente um contrato social, no qual os contratantes se submetiam as regras para possibilitar a sobrevivência do grupo. 
	Além disso, a declaração dos direitos do cidadão, na expressão Bill of Rights, pôs fim a Revolução Gloriosa de 1688/89 e conteve claras limitações ao poder real, sendo considerada uma rejeição a teoria do direito divino dos reis. É um exemplo claro de contrato social entre o Estado e o povo, representado pelo Parlamento, ainda que possuindo conteúdo pouco inovador em relação à velha política inglesa. 
	Portanto, o movimento contratualista foi fundamental para o surgimento da ideia de direitos partidos da própria convenção humana, limitando o poder do Estado. Assim sendo, foi essencial para as revoluções, que deram início às gerações de direitos humanos, em especial a 1ª geração dos Direitos Humanos, conhecidos como direitos individuais e negativos, que possui como ideia clássica de liberdade individual, concentrada nos direitos civis e políticos. 
	Outro marco importante para a consolidação da Declaração Universal dos Direitos Humanos é a obra Paz Perpétua, escrita pelo filósofo Immanuel Kant, em 1795. 
	Com um tema atual, apesar de dois séculos já passados, a obra discorre sobre a possibilidade de uma convivência pacífica, com premissas de comum acordo a todos os cidadãos. A partir daí, surge o questionamento de quais as condições necessárias para estabelecer uma paz perpétua e eliminar a guerra de modo permanente. 
	Com a finalidade de responder a tal questionamento, e em um contexto histórico marcado por guerras e mudanças radicais na política, tais como a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), as Três Partições da Polônia (1772, 1793, 1795), a Independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Revolução Francesa (1789), Kant escreve um texto imaginário da paz, organizado em 11 artigos, sendo 6 preliminares, 3 definitivos e 2 suplementares. 
	É feita uma organização em dois níveis. No plano nacional/ doméstico, todos os Estados devem ser repúblicas e deve-se levar em conta a opinião de todos os cidadãos de maneira democrática. Tal posição é esclarecida no primeiro artigo definitivo: “A Constituição civil em cada Estado deve ser republicana”. Dessa maneira, os cidadãos seriam mais cautelosos na hora de realizarem as decisões, pois as consequências afetariam diretamente sua vida individual. Kant exemplifica que a participação dos cidadãos assegurada por uma Constituição Republicana poderia impedir a eclosão de uma guerra, uma vez que os membros da sociedade refletiriam acerca das consequências do conflito armado para si próprios. 
	O segundo plano é o internacional. Para a paz perpétua, seria necessário promover uma fiscalização recíproca entre os Estados para que esses possam intervir quando os mesmos tornarem-se violadores dos direitos humanos. A fiscalização citada ocorreria por meio de um “federalismo de Estados livres” proposta no segundo artigo definitivo, em que seria criada uma liga nacional para promover a paz. A premissa fundamental que sustenta a liga da paz é de que a razão possui mais força que o poder; e a razão condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e instaura a paz como dever imediato. Contudo, não deveria ser feita mediante um contrato de povos entre si, pois esse apenas determinaria o fim de uma guerra, e sim como uma liga da paz que buscaria evitar todas as hostilidades. 
	O escrito de Kant foi uma das mais fortes e relevantes posições acerca de uma organização internacional voltada para fiscalização recíproca de Estados e a promoção da paz. Exemplo disso é A Liga das Nações, idealizada em 1919 em Versalhes, quando potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para organizar um acordo de paz e a criação de uma organização internacional voltada para a promoção da paz e a prevenção de conflitos entre os Estados. 
	Outrossim, em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial surge a criação da Organização das Nações Unidas, que passa a tomar
o lugar da Liga das Nações, possuindo o propósito comum de inaugurar uma nova era de paz, mediante uma nova organização universal que mediasse e administrasse o interesse das nações. 
	Mister ressaltar o fracasso da Liga das Nações em administrar os conflitos existentes no período entre guerras e no impedimento da eclosão de uma Segunda Guerra. Sendo assim, é possível considerar a Organização das Nações Unidas como uma das mais efetivas medidas criadas para realizar um “federalismo de estados livres” proposto por Kant. 
	Após a breve exposição dos tópicos, é necessário explicar a situação atual dos Direitos Humanos. Em primeiro lugar, pode-se conceituá-los como direitos naturais garantidos a todos os indivíduos, consagrados em um plano internacional. Segundo a Organização das Nações Unidas, os Direitos Humanos são “garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. 
	Atualmente, existe um conflito doutrinário acerca das gerações de Direitos Humanos, mas podem ser classificadas em três gerações principais. A primeira geração é considerada a de direitos individuais e negativos, que foram conquistadas no contexto das revoluções burguesas e é marcada pela separação do Estado absolutista e do antigo regime. São direitos fundamentalmente negativos e visam proteger dos abusos mais comuns que ocorreriam nos Estados absolutistas. Pode exemplificá-los como o direito à vida, liberdade civil, igualdade formal, propriedade, voto e presunção de inocência. 
	A segunda geração é de direitos coletivos e positivos, os quais requerem ações e prestações dos Estados e foram conquistados após a Primeira Guerra Mundial. 	Surgem nas formas de direitos fundamentais e impõem obrigações que materializam-se em normas constitucionais, que sujeitam os Estados à sanções caso não as cumpram. É o caso dos direitos sociais, direitos econômicos e direitos culturais. 
	A terceira geração é chamada de direitos transindividuais e implicam compromissos multigeracionais. A preocupação encontra-se em torno dos direitos difusos, direitos que não possuem um número exato de beneficiários, e com os direitos coletivos, que possui número determinável de titulares que compartilham a mesma condição. São exemplo deles: o direito ao progresso, ao desenvolvimento e a autodeterminação dos povos. 
	É possível perceber nas classificações citadas, a existência da ideia primordial de direitos fundamentais positivados e legitimados pelo Estado. Os contratualistas, ao discursarem sobre a legitimação do Poder Estatal e o surgimento de direitos positivados na Constituição contribuíram para a base dos direitos humanos e as Revoluções que foram essenciais para que tais direitos fossem consolidados. Portanto, é impossível falar de Direitos Humanos e da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 sem citar a notável influência dos filósofos contratualistas. 
	Outrossim, é inevitável não perceber as semelhanças entre a Paz Perpétua de Immanuel Kant e as organizações internacionais tais como a Liga das Nações e, atualmente, a Organização das Nações Unidas, mesmo sendo esse um escrito feito há dois séculos. 
Referências:

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