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2. Processos de absorção sistemas de transporte através da membrana, fatores que afetam a absorção de fármacos, parâmetros farmacocinéticos avaliados na absorção, diferenças nos perfis de absorção conforme via de administração. 1 Introdução O estudo da farmacocinética é uma etapa crucial no desenvolvimento de novos medicamentos e no ajuste de regimes de dosagem. A farmacocinética engloba todos os processos relacionados ao movimento dos fármacos (ou outros xenobióticos) no organismo após administração, são eles: absorção, distribuição, metabolismo e excreção, chamado de processo ADME. Neste contexto, serão discutidos a seguir tópicos relevantes na fase de absorção de fármacos, são eles: sistemas de transporte através da membrana, fatores que afetam a absorção de fármacos, parâmetros farmacocinéticos avaliados na absorção e diferenças nos perfis de absorção conforme via de administração. 2. Definição de absorção O conceito básico de absorção é descrito como o processo no qual os fármacos e/ou outras moléculas movem-se do local de administração para a circulação sistêmica. A fase de absorção é necessária em todas as vias de administração, exceto na via intravenosa na qual o fármaco é injetado diretamente na corrente sanguínea e nos casos em que o fármaco atue topicamente, ou seja, no local de aplicação. \2.1 Sistemas de transporte através da membrana e barreiras biológicas Para que ocorra a absorção o fármaco precisa atravessar barreiras biológicas e membranas biológicas que às constituem (ex. de barreiras: pele, epitélio gastrointestinal e endotélio vascular) por meio de diferentes mecanismos de transporte. É através destes mecanismos que moléculas como água, oxigênio, fármacos e demais substâncias conseguem mover-se pelo organismo, portanto são importantes não na absorção, mas em todo processo ADME. Para entender melhor como funcionam esses mecanismos, primeiramente precisamos entender como é a estrutura das membranas biológicas. 2.1.1 Membranas biológicas As membrana biológicas que circundam as células são estruturas semi- permeável composta por uma dupla camada de fosfolipídeos (modelo mosaico fluído). Outras moléculas como colesterol, proteínas e carboidratos também fazem parte da constituição das membranas biológicas. Devido ao caráter lipídico das membranas ocorre a fácil permeabilidade de compostos lipossolúveis. Já moléculas que possuem pouca lipossolubilidade precisam de processos especiais para atravessar as membranas biológicas, como, por exemplo, canais hidrofílicos formados por proteínas das membranas ou por sistemas específicos de transporte. 2.1.2 Tipos de transporte Os principais tipos de transporte são: difusão simples ou passiva; difusão passiva por poros; filtração; mediado por carreador: transporte facilitado e transporte ativo; endocitose e exocitose. Fármacos lipossolúveis, de pequeno tamanho molecular e não ionizados conseguem atravessar as membranas plasmáticas por difusão passiva através da bicamada lipídica. Todo transporte passivo ocorre a favor do gradiente de concentração e sem gasto de energia. Quando alcança o equilíbrio o processo cessa. Com exceção da água que é uma molécula bem pequena, demais substâncias hidrossolúveis não consegue atravessar as membranas por difusão e precisam de mecanismos diferentes de transporte. A difusão passiva por poros (aquaporinas) ocorre com substâncias hidrossolúveis de pequeno tamanho (íons inorgânicos, metanol, água). Quando carregados positivamente ou negativamente estes poros/canais permitem a passagem de pequenos cátions e ânions, respectivamente. Essa passagem envolve fluxo de água, resultante de diferenças de pressão hidrostática ou osmótica através da membrana, o qual arrasta pequenos solutos. O processo de difusão por poros é muito importante nos tecidos renal e hepático. Na filtração o soluto e solvente movem-se juntos através da membrana lipídica, a favor do gradiente de concentração. O solvente, normalmente água, leva consigo moléculas hidrossolúveis de pequeno tamanho. Capilares e o glomérulo renal são os principais locais de ocorrência deste processo de transporte por membranas. As forças responsáveis pela filtração são pressão osmótica e hidrostática. O transporte facilitado e ativo são tipos de transporte mediado por carreador. Nestes casos proteínas especializada são responsáveis pelo transporte. Esse tipo de transporte é passível de competição e saturação dos carreadores. O transporte facilitado ocorre sem gasto de energia e a favor do gradiente de concentração. É utilizado para o transporte de substâncias polares, de alto peso molecular e íons (ex. glicose). Já o transporte ativo ocorre contra o gradiente de concentração, gradiente elétrico ou uma combinação de ambos e com gasto energético pela célula. Esta energia é fornecida por hidrólise do ATP ou de outras ligações altamente energéticas (ex. bombas de Na+/K+ ATPases) A endocitose ocorre quando partículas sólidas (fagocitose) ou líquidas (pinocitose) são englobadas pela membrana, mediante sua invaginação e levadas para o interior da célula num vacúolo. Quando esses vacúolos fundem- se com a membrana novamente e liberam o conteúdo vacuolar para o exterior da célula, o processo é chamado de exocitose. 2.2 Fatores que afetam a absorção de fármacos 2.2.1 Lipossolubilidade e polaridade molecular do fármaco Solubilidade lipídica é um dos determinantes mais importantes das características farmacocinéticas de um fármaco. Como visto anteriormente, fármacos lipossolúveis atravessam as membranas biológicas por difusão passiva devido seu perfil lipídico. A lipossolubilidade é um fator que está correlacionado com a polaridade da molécula. Substâncias polares são hidrossolúveis (ex. água) enquanto as apolares (ex. solventes orgânicos) são lipossolúveis. A lipossolubilidade de uma substância pode ser expressa em termos de seu coeficiente de partição lipídio-água (Log P), assim, quanto maior o Log P, mais lipossolúvel é a substância. Contudo o valor ideal de Log P para fármacos fica entre 2 a 5, isso porque valores abaixo desse limite dificultam a permeação pela membrana plasmática, enquanto que fármaco com log P maior que 5 podem ficar retidos na membrana, devido a sua alta lipossolubilidade. 2.2.2 Ionização do fármaco e ph do meio. Maioria dos fármacos são eletrólitos fracos que quando em solução apresentam uma parte ionizada e outra parte não ionizada. Essa dissociação é influenciada pelo pH do meio, ou seja, fármacos ácidos fracos em ph básico encontram-se predominantemente em sua forma ionizada (com carga), o contrário ocorre para as bases em que a predominância do forma ionizada ocorre em ph ácido. Para cada fármaco, há um valor de pH do meio em que 50% estão em forma ionizada, o qual é representado pela constante de dissociação (pKa). Qualquer pH diferente desse origina proporções diversas das formas ionizada e não ionizada. A constante de dissociação pKa é dada pela equação de Henderson- Hasselbalch: A parte não ionizada é menos polar e, portanto, mais lipossolúvel que a forma ionizada. Como as membranas biológicas do nosso corpo são predominantemente lipídicas, consequentemente a parte não ionizada, lipossolúvel é mais facilmente absorvida devido o processo de difusão passiva. Assim, ácidos fracos são melhores absorvidos em meios ácidos e bases fracas em meios básicos. 2.2.2 Concentração de fármaco no local, fluxo sanguíneo, e área de absorção. Quanto maior a concentração dofármaco e o fluxo sanguíneo no local de aplicação mais eficiente é a absorção. Os intestinos recebem um fluxo de sangue muito maior do que o estômago, por exemplo, de modo que a absorção no intestino é mais favorecida que no estômago. A área de superfície absorvente é um dos determinantes mais importantes da velocidade de absorção. Fazendo a mesma comparação anterior, o intestino possui uma superfície cerca de 1000 vezes maior que o estômago devido as bordas em escova contendo microvilosidades, assim a absorção de fármacos pelo intestino é mais eficiente. As substâncias são absorvidas muito rapidamente a partir de grandes superfícies, como o epitélio alveolar e a mucosa intestinal. A absorção gastrointestinal é afetada por todos os fatores descritos acima mais: Motilidade gastrointestinal, Interação físico-química com outras drogas co-administradas ou com constituintes alimentares, alteração da estrutura e integridade funcional do epitélio gástrico e intestinal. 2.3 Parâmetros farmacocinéticos avaliados na absorção A taxa e a extensão com que um fármaco atinge a circulação sistêmica, ou seja, a estimativa de sua absorção é feita pela determinação de sua biodisponibilidade. Com exceção da via intravenosa, no qual o fármaco é administrado diretamente na corrente sanguínea alcançando 100% de biodisponibilidade (a absorção não é necessária), a administração de fármacos pelas demais vias possuem muitos interferentes (ver a seguir). 2.3.1Biodisponibilidade A biodisponibilidade (a) pode ser calculada através da área sob a curva (ASCtotal) da concentração plasmática vs. tempo obtida após a administração extravascular e a ASCtotal obtida após administração intravenosa. A ASC é proporcional à quantidade de fármaco que entra na circulação sistêmica e independe da velocidade. (a) Biodisponibilidade = ASC oral /injetada x 100 2.3.2 Área sob a curva total (ASC total) A ASCtotal pode ser calculada pelo método dos trapézios. Após determinar a concentração plasmática versus tempo do fármaco em estudo e plotar os dados formando a curva, calcula a área de cada trapézio da curva pela seguinte equação: ASC = B (base maior) + b (base menor) / 2 x h (altura). No caso de uma curva: ASC = B (C maior) + b (concentração menor) / 2 x h ( ex. T3 – T-2). Após, calcular a área de cada trapézio, soma-se os valores para encontrar a ASC0-t. Após, para obter a área total (ASCt) deve se achar o valor de ASC0- inf que é calculada da seguinte forma: ASC0- inf = Ct-f / K que é = 0,693/ T1/2. 2.3.3 Concentração plasmática máxima (Cmáx) e tempo máximo (Tmáx). A concentração plasmática máxima (Cmáx) corresponde a maior concentração sanguínea alcançada pelo fármaco após administração oral, sendo, por isso, diretamente proporcional à absorção. Desta forma, depende diretamente da extensão e velocidade de absorção, porém, também da velocidade de eliminação, uma vez que esta inicia-se assim que o fármaco é introduzido no organismo. O tempo máximo (Tmáx) é um parâmetro que representa o tempo para alcançar a Cmáx no plasma. Este parâmetro tem íntima relação com a velocidade de absorção do fármaco. Ambos, Cmax e Tmax são obtidos diretamente a partir dos dados experimentais como representado na figura 1. Figura 1. Curva da concentração plasmática versus tempo após a administração oral de uma droga hipotética. Cmax = concentração máxima; Tmax = tempo máximo; ASC 0-t = área sob a curva. 2.4 Diferenças nos perfis de absorção conforme via de administração. A escolha da via de administração do medicamento deve considerar o tipo de ação desejada, a rapidez de ação da mesma e a natureza do medicamento. As vias denominam-se enterais quando o fármaco entra em contato com qualquer segmento do trato digestivo (vias sublingual, bucal, oral e retal). As demais são designadas parenterais, já que não utilizam o tubo digestivo. 2.4.1 Enterais 2.4.1.1 Via oral A via oral apesar de ser a via mais comum de administração de fármacos é a que apresenta maior prejuízo na biodisponibilidade, pois para chegar à circulação sistêmica o fármaco precisa atravessar barreiras locais como a mucosa intestinal, dissolver-se no meio, vencer as diferenças regionais de ph (estomago diferente do intestino) e escapar da inativação por enzimas na parede intestinal e no fígado, denominada de metabolismo de primeira passagem. Os fármacos absorvidos no trato gastrointestinal (TGI) são primeiramente levados ao fígado antes de caírem na circulação sistêmica limitando a eficácia de fármacos que sofrem extensa metabolização hepática. Nestes casos a dose administrada deve ser suficiente para assegurar a efetividade do fármaco. A absorção de fármacos por via oral irá acontecer no trato gastrointestinal (TGI), além de todos os fatores que afetam a absorção, comentados anteriormente, no TGI ainda possui a interferência de alimentos, motibilidade intestinal, tempo de esvaziamento gástricos, e presença de enzimas metabolizadoras. 2.4.1.2 Via sublingual Não é tão comum de ser utilizada, mas diferente da via oral não sofre metabolização de primeira passagem isto porque o fármaco sofre absorção no local que é bastante vascularizado e cai diretamente na corrente sanguínea, promovendo efeitos rápidos. Contudo, a taxa de dissolução relativamente lenta da maioria das formas sólidas e a dificuldade em manter a droga dissolvida em contato com a mucosa oral por período suficiente de tempo limitam a absorção de fármacos por essa via. Porém, formulação que permitam a rápida dissolução do comprimido na secreção salivar pode ser um boa alternativa. 2.4.1.3 Via retal É utilizada em pacientes que têm vômitos, estão inconscientes ou não sabem deglutir, como as crianças pequenas. Protege fármacos suscetíveis da inativação gastrintestinal e hepática, pois somente 50% do fluxo venoso retal têm acesso à circulação porta. A absorção pode ser errática ou incompleta, especialmente em pacientes com motilidade intestinal aumentada. Além disso, pode irritar a mucosa retal. 2.4.2 Parenterais 2.4.2.1 Via cutânea Pela via cutânea se absorvem medicamentos para efeitos tópico e sistêmico. A pele íntegra funciona como barreira, sendo a absorção muito lenta e ineficaz para a maioria dos fármacos. Por isso é fundamentalmente utilizada para obtenção de efeitos locais. A absorção cutânea é aumentada por uso de veículos lipossolúveis, lesões (queimaduras, ulcerações, lacerações), aumento de temperatura e grau de hidratação (curativos oclusivos e adesivos cutâneos). Os sistemas transdérmicos (adesivos ou patches cutâneos) são formas farmacêuticas de liberação contínua e prolongada. Facilitam a liberação controlada de princípios ativos através da pele até a circulação sistêmica. Os fármacos administrados por esses sistemas escapam do metabolismo de primeira passagem, e o nível sérico de manutenção se assemelha ao da infusão intravenosa contínua por vários dias. 2.4.2.2 Via transdérmica Essa via de administração é ideal para um fármaco que precisa ser administrado lentamente e de modo contínuo por um longo período (ex. adesivos trasndérmicos de estradiol e nicotina). Dentre as vantagem é um método indolor e conveniente. Todavia podem causar irritabilidade cutânea ou reações de hipersensibilidade no local do adesivo. 2.4.2.3 Via respiratória A via respiratória pode ser usada para obtenção de efeitos locais ou sistêmicos. A grande área absortiva (estende-se da mucosa nasal ao epitélio alveolar), elevada vascularização e fluxo sanguíneo promovempicos séricos tão precoces como os obtidos com a via intravenosa. Exemplo de fármacos utilizados nesta via são aerossóis. Uma desvantagem dessa via é a potencial irritação da mucosa, ocasionada por várias substâncias. 2.4.2.4 Intravenosa A via intravenosa propicia a obtenção de efeito imediato e níveis plasmáticos inteiramente previsíveis, pois a absorção não é necessária. A biodisponibilidade é de 100%. É a via indicada em emergências médicas e doenças graves para garantir obtenção rápida de níveis plasmáticos satisfatórios. 2.4.2.5 Intramuscular A absorção por via intramuscular é geralmente rápida, havendo pronto início dos efeitos terapêuticos. É considerada mais segura do que a via intravenosa. Para que fármacos sejam por ela administrados, é necessário que permaneçam em solução nos líquidos intersticiais até serem absorvidos, e para isso se exige suficiente solubilidade em água no pH fisiológico. Se assim não ocorrer, os fármacos precipitam no local de injeção e não difundem até os capilares, sendo a absorção incompleta e muito lenta. Algum grau de lipossolubilidade é necessário para permear as células endoteliais dos capilares. Nesta via de administração o fluxo sanguíneo na massa muscular é determinante da velocidade absortiva. Pode se acelerar a absorção intramuscular mediante calor local, massagem e exercício. As soluções utilizadas são aquosas, oleosas e suspensões. 2.4.2.6 Vias subcutânea e submucosa Vias subcutânea e submucosa, abrangendo, respectivamente, áreas abaixo de pele e mucosas, preveem absorção rápida, pois o fármaco só necessita ultrapassar células endoteliais para chegar à corrente circulatória. O fluxo sanguíneo regional é o maior determinante da velocidade de absorção. Uso de vasoconstritores prolonga os efeitos locais, e aplicação de calor ou massagem acelera a absorção. A via subcutânea pode ser depositária de formas farmacêuticas que liberam pequenas e constantes quantidades de fármaco durante certo período de tempo. Isso é conseguido com suspensões ou implantes, formas sólidas de lenta desintegração, implantadas no tecido. 2.4.2.7 Inalatória A via inalatória é usada para os anestésicos voláteis e gasosos, servindo o pulmão tanto como via de administração quanto de eliminação. A troca rápida resultante da grande área e do fluxo sanguíneo possibilita a obtenção de ajustes rápidos na concentração plasmática. Fármacos utilizados pelos seus efeitos nos pulmões também são administrados por inalação, geralmente na forma de aerossol. Glicocorticoides (p. ex., dipropionato de beclometasona) e broncodilatadores (p. ex., salbut; Cap. 28) são administrados por essa via para alcançar altas concentrações locais, minimizando os efeitos adversos sistêmicos. 3 Considerações finais A absorção, como os demais processos farmacocinéticos, é modificada por diversos fatores ligados ao fármaco, forma farmacêutica ou as características fisiológicas do individuo. De forma resumida, um fármaco para ser bem absorvido ele precisa reunir características adequadas para atravessar as barreiras biológicos e alcançar a corrente sanguínea, sem ser degradado. Neste sentido é necessário conhecer as características físico-químicas do fármaco é via de administração adequada para garantir um boa absorção.
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