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A atuação do Psicólogo no abrigo

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
CURSO DE PSICOLOGIA
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
RELATÓRIO FINAL
PROF: FLÁVIO ROBERTO DE CARVALHO SANTOS
A atuação do Psicólogo no abrigo
Carlos Alberto – 20181100407, Daniel P. Azevedo – 20181105871, Edilane do Nascimento Ferreira – 20181105948, Eduardo Souza – 20181101955, Emilene de Oliveira Campos – 20172102069, Fernando Mizael – 20171101952, Ivan Augusto Fonseca Lima – 20181102920, Larissa Viana – 20171109986, Natalia Bruno – 20181102174, Natália Vitória – 2016110459500, Raquel – 20181105141
1- Introdução 
A realidade de desassistência dos direitos básicos das crianças e dos adolescentes torna de extrema importância a criação de alternativas de acolhimento institucional por órgãos governamentais e não governamentais. Assim, os abrigos e casas-lares são fundamentais para atender às necessidades materiais, emocionais e educacionais desse público, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, BRASIL, Lei nº 8.069 de 1990).
	Os abrigos ou casas-lares geralmente contam com equipes multidisciplinares, compostas por administradores, assistentes sociais, psicólogos, entre outros. A atuação do psicólogo é cada vez mais importante, nesses locais, quando visa amenizar o sentimento de desamparo, oferece suporte aos internos e os fortalece para a vida. O objetivo do presente trabalho é a investigação sobre a prática desse profissional para a construção de conhecimento sobre a sua rotina e as formas de intervenção.
	O método a ser utilizado é o levantamento bibliográfico de artigos recentes que abordam o tema escolhido pela equipe; leitura dos textos selecionados; discussão do conteúdo e elaboração do relatório parcial ao professor para recebimento de orientação do estágio; novas pesquisas e leituras de artigos e reelaboração do relatório. Também está prevista a elaboração do questionário. Na segunda etapa, será realizado trabalho de campo, composto por visita à unidade de acolhimento institucional e entrevista com o psicólogo que trabalha no local. 
Esse estudo se justifica pela relevância do tema para a sociedade brasileira. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (2010), a pedido do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, existem no Brasil 2.624 abrigos para crianças e adolescentes. Legalmente, os abrigos têm como responsabilidade, além da assistência às necessidades materiais, emocionais, educacionais, religiosa, saúde, a oferta de oportunidades de convivência com a comunidade e a família e o apoio à reinserção das crianças e adolescentes na família de origem ou substituta. (SENADO FEDERAL, 2013).
	No Brasil vemos uma quantidade de crianças e adolescentes em situação de abrigo, seja por motivo de abandono, ou morte dos pais. É válido inferir que viver em tal situação pode gerar nos indivíduos sentimentos e conflitos que podem não ser bem trabalhados por eles tornando relevante a figura do psicólogo neste contexto. 
Cronograma 
	Data
	Atividade
	01/03
	Escolha do tema e formação do grupo
	02/03 a 08/03
	Levantamento de artigos sobre a temática
	9/03 a 15/03
	Leitura, discussão divisão de escrita pelos integrantes do grupo
	16/03 a 22/03
	Desenvolvimento da escrita - esboço
	23/03 a 29/03
	Fechamento da escrita e estrutura do relatório parcial
	 05/04
	Entrega do relatório parcial 
	06/04 a 12/04
	Contato com o abrigo a ser visitado e marcação da entrevista
	13/04 a 19/04
	Ajustes a partir da correção e levantamento de novas literaturas
	26/04
	Últimos ajustes do questionário para a realização da entrevista 
	02/05
	Visita e entrevista na Obra do Berço
	03/05 a 10/05
	Transcrição da entrevista 
	10/05 a 16/05
	Transcrição da entrevista e observações sobre o conteúdo
	17/05
	Apresentação da entrevista ao professor
	18 a 24/05
	Ajustes a partir das orientações dadas
	31/05
	Feriado Corpus Christi
	07/06
	Entrega do relatório final
2- Desenvolvimento 
O abrigo é uma medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a criança e/ou adolescente em situação de risco, para realocação em uma família substituta, não implicando privação de liberdade. 
O abrigo é um serviço sócio assistencial que deve prover acolhimento provisório da criança ou do adolescente em situação de risco pessoal e social, para que seja protegido até que sua família possa voltar a acolhê-lo, ou até que uma nova família seja definida para assumi-lo. É responsável por prover atenção psicossocial, educativa e jurídica tanto à criança quanto à sua família, utilizando-se de recursos sociais e serviços existentes na rede pública.
	Segundo SILVA, (2004, apud CARVALHO, 2015), as principais causas de abrigo de crianças e adolescentes pesquisados são a carência de recursos materiais na família (24,1%), o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%), a violência doméstica (11,6%), a dependência química de pais e responsáveis (11,3%), a vivência de rua (7,0%), a orfandade (5,2%), a prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis (3,3%). 
	A decisão de abrigo de uma criança e adolescente passa por processo de diagnóstico que investiga composição familiar, história, dinâmica, vínculos, costumes, situações de risco, demandas, estratégias e histórico de ações de serviços para enfrentamento de situações de violação de direitos, dentre outros (CAGNANI, 2015). A ação de abrigo é uma medida tomada somente quando todas as outras possibilidades forem exauridas e quando a integridade física e/ou psicológica da criança ou adolescente estiver em grave risco. 
	Em consonância com o artigo 101 parágrafo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, BRASIL, Lei nº 8.069 de 1990), fica claro o direcionamento do processo de abrigo estar comprometido com a correta inserção social do sujeito abrigado, com a convivência familiar e com um ambiente agradável e propício a um desenvolvimento saudável. Vemos no trabalho de CAGNANI (2015) os tópicos sintetizados da lei em ações diretivas para o abrigo:
“(...)o abrigo deve se assemelhar à dinâmica de uma residência, atender pequenos grupos e não romper vínculos fraternos, possibilitando um ambiente acolhedor, que ofereça condições para crianças e adolescentes se desenvolverem, respeitando sua individualidade e as diferentes fases de desenvolvimento. ” p.36
A equipe técnica de casas de acolhida, devem, obrigatoriamente, ter no mínimo um psicólogo e um assistente social e, diante das Orientações Técnicas: Serviço de acolhimento para Crianças e Adolescente (BRASÍLIA, 2009), o trabalho precisa ser feito de forma colaborativa e interdisciplinar. Diante do complexo sistema de acolhimento que envolve a instituição, o poder judiciário, a família, a criança e ao adolescente, o psicólogo torna-se figura de extrema importância, pois atua tanto no fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, capacitação e instrumentalização da equipe interna, como na mediação da relação entre os acolhidos com os demais agentes. (SILVA et al.,2015).
A qualidade do acolhimento institucional está diretamente ligada ao trabalho do psicólogo, pois a metodologia, as ações e ferramentas utilizadas e a condução da equipe desenvolverá uma relação intrínseca com o bem-estar e com os encaminhamentos a serem dados para cada caso no abrigo. Segundo CAGNANI (2015), as crianças e adolescentes precisam sentir que o serviço de acolhimento, representado por pessoas, é responsável por elas e apoia seu crescimento e desenvolvimento. 
Diante do levantamento da literatura acima exposta para compreensão do processo de abrigo assim como a atuação do psicólogo em uma instituição, acreditamos ser de suma importância a realização de uma pesquisa em campo para conhecimento in loco do assunto aqui abordado. Realizamos uma entrevista semiestruturada com a psicóloga Patrícia Ribeiro Vargas da “A Obra do Berço” apresentada a seguir:
Questionário
Nome: Patrícia Ribeiro Varges
Especialidade: Psicologia PositivaCRP:05/44393
1. Até que ponto a diferença de idade entre os jovens pode ser um obstáculo para o convívio entre eles? E como vocês fazem a intervenção? Na “A Obra do Berço” atendemos crianças desde os seis meses aos seis anos de idade, em turmas organizadas por faixa etária. Aqueles que estão na primeira infância nos trazem um desafio maior, por causas das emoções. Observamos algumas disputas de atenção, a construção de identidade, bem como a diferenciação em relação ao outro. Na turma do berçário, também temos desafios, mas, ainda assim, na mesma faixa etária. Esses desafios são relativos às fases de desenvolvimento e do processo de construção da identidade. Por exemplo, no berçário, há a questão de uma criança morder a outra. Isso acaba mobilizando a família, os profissionais e as próprias crianças. Para evitar que isso se transforme em um problema, fazemos reuniões com os pais, ou seja, com os adultos para que eles possam entender o que está acontecendo. Atuo sempre mediando as relações das crianças, capacitando as profissionais da equipe, no sentido de olhar para essa questão (uma criança morder a outra) como algo que não é maldoso, que não é intencional para machucar o outro. Esclareço que a mordida faz parte da fase oral da criança. Temos sempre que apresentar essa base teórica, para capacitar nossos colegas para que eles tenham um outro olhar sobre essa situação. Como psicólogos, entendemos a mordida como uma linguagem, uma forma de expressão da criança. Dessa forma, vemos como podemos ajudá-los a lidar com o outro, afinal as crianças ainda estão nessa fase muito egocêntrica, voltadas para si. Estão começando a enxergar um ao outro, o que é um processo difícil.
Nas outras turmas de “A Obra do Berço”, também acontecem suas dificuldades, como uma criança bater na outra (expressão por meio da agressão). Uma forma que temos para lidar com isso é mediar as relações e instruir as educadoras na maneira de agir. Muitas vezes, nosso primeiro impulso é colocar a criança de castigo, mas aqui tentamos não colocar. Outro exemplo é que já se pensou em trocar uma criança de turma, por causa das atitudes infantilizadas. Expliquei que não é assim que se faz, pois isso só iria expor a criança e não resolveria a questão. Fazemos esse trabalho de instruir, procurando também entender o que isso está provocando nelas (na criança e na equipe).
Isso nos leva a seguintes questionamentos: " Será que as crianças precisam de atividades com mais movimento”; “Será que as atividades estão muito estruturadas? ”; “Será que elas precisam de algo mais livre?". Dessa forma, acompanhamos seus movimentos, olhamos para as crianças e levamos essas ideias para a equipe. Já para as crianças mais velhas, nós ensinamos estratégias para que elas se expressem, sejam assertivas, enfim, saibam dizer “basta” ao outro.
2. O treinamento da equipe é feito aqui mesmo?
Sim, oferecemos. Participo dessas atividades, em conjunto com os setores de Pedagogia e de Serviço Social. Estou sempre envolvida. Quando observamos uma demanda, acrescentamos um novo treinamento ou realizamos um encontro para orientação. Por exemplo, com aquela “questão da mordida” que ocorreu no berçário, nós fizemos uma reunião, neste ano, com a nossa equipe de trabalho e com os pais das crianças, para explicarmos a questão e orientá-los. Tratamos também dos cuidados com a higiene da criança e da relação que se estabelece nesses momentos.
“Como dar banho” e “Como trocar fralda” também são exemplos de cursos oferecidos. O foco desses treinamentos não é a parte técnica, mas sim o cuidado com a criança, a forma de tratá-la nesses momentos, buscando sua individualidade.
Fazemos essas orientações, conforme a demanda, mas há também assuntos fixos. Sempre realizamos treinamentos para esclarecer informações sobre Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o objetivo de reforçar para as educadoras seus papéis e o papel da instituição. Enfim, enfatizarmos que nossa função aqui é garantir os direitos das crianças.
Há ainda momentos em que precisamos orientar a equipe. Isso é necessário, por exemplo, quando a família que faz uso da instituição vira alvo de julgamento da equipe. Situações como essa ocorrem, principalmente, com as famílias que estão em situação de violação de direitos. As educadoras fazem questionamentos sobre as crianças dessas famílias pernoitarem aqui de segunda a sexta-feira. A equipe não entende que, o fato de a criança não ir para a casa e permanecer na “A Obra do Berço” durante toda a semana, ela não se encontra em estado de abandono total. Em diversos casos, essa foi a única opção que a mãe teve para se manter mãe. Ao seu jeito, ainda é uma forma de cuidado, mesmo que seja mais difícil de se compreender. Nesses casos, busco na Psicologia a compreensão sobre as necessidades da criança e lanço um olhar singular sob cada família.
Para finalizar, podemos ainda chamar grupos para treinamentos, com o intuito de tratar as relações, a comunicação ou resolver algum mal-entendido que tenha ocorrido entre as crianças, a equipe e a família.
 
3. Quanto ao fato da maioria dos casais preferirem a adoção de crianças mais novas, como você acompanha o sentimento das mais velhas? 
Aqui na “A Obra Berço”, ainda não tratamos sobre o processo de adoção. Embora sejamos uma instituição de acolhimento, esse acolhimento possui outro perfil. Nós recebemos crianças (de 6 meses a 6 anos de idade) que ficam na instituição de segunda a sexta-feira. Essas crianças são de núcleos que não perderam o poder familiar. As crianças ainda possuem o vínculo com a família nos finais de semana. A mãe deixa a criança aqui na segunda-feira, a busca na sexta e passa o final de semana com ela. Há mães que estão em uma situação um pouco mais estruturada e conseguem buscar a criança durante a semana. Assim, essa criança não precisa dormir na instituição.
Já em outras situações, quando observamos que não há mais como fortalecermos os vínculos da criança com a família, ou quando a criança está em risco, nós pedimos uma transferência, fazemos um relatório para o Juizado da Infância e da Juventude e pedimos a transferência para uma instituição de acolhimento que atenda a esse novo perfil.
O perfil de “A Obra do Berço” é o de crianças que estão em alguma situação delicada, seja de carência de recursos, violência doméstica, ou mães que não têm acesso a creches, por exemplo. No caso de ocorrer uma transferência, a outra equipe de acolhimento vai acompanhar o caso e ver se há possibilidade de adoção, ou não, se a família ainda pode ser trabalhada. Nos cabe fazer os estudos de caso para podermos gerar os relatórios de transferência. Se a outra equipe de acolhimento entender que não há mais como resgatar esses laços familiares, vendo que não é uma situação favorável para a criança, aí sim é indicada a destituição do poder familiar. Isso pode gerar um processo de adoção posteriormente.
 
4. Como lidar com o sentimento de exclusão das crianças, diante do conceito de família estabelecido em suas mentes?
 
Nós procuramos acolher a criança. Até mesmo o nome/conceito da nossa instituição não é mais de “abrigo” e sim “buscamos acolher”. Buscamos entender o que cada criança percebe como família. Buscamos aceitação, até mesmo, em situações em que a criança precisa ficar aqui além da sexta-feira, porque sua família ainda está em processo de reestruturação. Outro ponto importante: o horário de saída na sexta-feira é às 17 horas e, quando dá 18 horas e ninguém veio buscar a criança, nós percebemos sua ansiedade, sua raiva. O que fazemos então? Nós acolhemos tanto a criança, quanto a mãe ou responsável.
Pelo olhar da Psicologia, buscamos a ideia do não julgamento, a ideia da neutralidade. Filtramos essas emoções para podermos lidar, da melhor maneira possível, com as situações de desamparo, mesmo que algumas famílias não façam isso intencionalmente. As crianças aqui estão em processo de fortalecimento de vínculos e em constante atividade. Algumas crianças se questionam por que as famílias não vêm buscá-las.Permitimos esse questionamento, pois é importante que isso exista para a criança entender a situação em que ela se encontra. Usamos essa experiência para fazer o registro da história de cada criança. Usamos fotos, desenhos, o conceito de rotina e trabalhamos a ideia do porquê de ela estar aqui. Conversamos sobre situações de violência doméstica, bem como situações banais do dia-a-dia. Temos um livro chamado “Livro da Família”, que mostra como cada família é diferente. Mostramos nele o conceito de “famílias” e deixamos a criança vê-lo e fazer o juízo de valor sobre sua própria família. Olhamos para isso e a acolhemos. Sempre tentamos ouvir, de maneira cuidadosa, a situação da criança.
 
5. . Vocês têm alguma forma de supervisionar a família? 
Sim. Desde o momento em que a criança chega na instituição, temos por objetivo acolher, não só ela, mas também a família. O acolhimento institucional, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente é provisório. A criança só pode ficar na instituição por até dois anos. Mas, na prática, não é o que acontece. Muitas vezes, a família passa por necessidades financeiras e o próprio juiz pode abrir exceções, aumentando o tempo de permanência da criança sob nossos cuidados.
A partir do ingresso da criança na “A Obra do Berço”, fazemos uma entrevista inicial. Nesse momento, verificamos se ela foi encaminhada pelo Conselho Tutelar, ou pela Vara da Infância. Também observamos o histórico familiar, fazendo entrevistas com pais ou responsáveis pela criança, para entendermos o motivo do acolhimento. Desde o momento em que a criança entra na instituição, realizamos esse acompanhamento. A partir dessas informações, fazemos um Plano Individual de Atendimento para cada criança. Nesse documento, registramos o motivo do acolhimento, o que devemos tratar com a família dessa criança (se vamos encaminhar para outros setores ou instituições; se tentaremos melhorar a situação econômica dessa família, usando o Bolsa Família, um Aluguel Social, ou até mesmo uma vaga de emprego). Verificamos também se essa família também tem outros filhos. Caso algum deles também esteja passando por necessidades específicas as tratamos igualmente (direcionar para escolas é um exemplo). Vemos a família como um todo e quais são suas demandas. Tudo isso faz parte do plano que elaboramos para a criança. Nós os atualizamos a cada seis meses. Para fazer isso, usamos como referências as seguintes questões: “O que fizemos? ”; “O que aconteceu? ”; “Os outros órgãos nos deram a resposta sobre a transferência da criança? ” etc. Devido à situação do estado do Rio de Janeiro, diversos casos que são encaminhados, não são respondidos. Para nós, é importante saber a situação da família da criança acolhida.
Há ainda a discriminação das famílias que precisam do abrigo [nota do grupo: a psicóloga usa o termo “abrigo”, quando se refere às crianças que pernoitam na “A Obra do Berço”, de segunda a sexta-feira, ou até a semana toda]. Há mães que usam o abrigo e elas mesmas já estiveram abrigadas em outras instituições, quando eram crianças. Percebemos, às vezes, um padrão, uma repetição e trazemos isso à luz, quando entrevistamos a família, sempre agindo com cuidado.
Depois de revisado, o Plano Individual de Atendimento de cada criança é encaminhado para o Ministério Público e para a Vara da Infância e Adolescência. De posse desse documento, o juiz avalia se a criança continuará conosco, no esquema de segunda a sexta-feira; ou se será desligada da família; ou se voltará para a casa da família. Acompanhamos essas situações sempre com os órgãos competentes. 
 
6. Quando algum jovem tem algum desentendimento dentro da instituição com outro, como você trata isso? Eles só atendem crianças.
Primeiro, observamos e, depois, buscamos entender o que está motivando as ações dessas crianças. As mais novas, às vezes, não conseguem se comunicar de maneira completa. Vários fatores influenciam o comportamento dessas crianças: trabalhamos com crianças muito carente financeiramente; crianças de origem de famílias monoparentais (casos, por exemplo, em que só a mãe trabalha); famílias com muitos filhos e que estão sobrecarregadas por causa da carência de recursos etc. Tudo isso acaba afetando a criança de alguma forma.
Em alguns casos, as mães têm dificuldade de estimular a criança, de acolhê-la. Aqui, tentamos assumir essa função e conversamos com a família, no intuito de esclarecer qual o papel da família no desenvolvimento da criança. A questão “de não bater na criança” ainda é algo muito difícil para algumas famílias (mesmo havendo lei que atua para impedir esse tipo de ação do adulto). Quando criança, elas (as mães) apanhavam. Assim, elas acabam reproduzindo esse comportamento, trazendo isso para seus filhos e sua família.
Aqui, ensinamos a dar limites, a exercer a disciplina, mas sem fazer isso de forma autoritária. Usamos o olhar da firmeza e da gentileza, em vez de bater de frente com as crianças e castigá-las. Nossa ideia não é criar um adestramento ao estilo “Super Nanny” [nota do grupo: programa de televisão que se propõe a ajudar pais e mães a “a domarem” seus filhos, usando um conjunto de regras e recompensas]. Aqui, queremos que as crianças internalizem o que pode e o que não se pode fazer com o outro. Em situações de conflito, como a briga por um brinquedo, treinamos nossa equipe para atuar como suporte, mediadores. Não é suficiente, nem ideal tirar o brinquedo e colocar a criança de castigo. Buscamos ensinar para a criança que ela pode brincar depois com o objeto, ou até mesmo brincar junto com a outra criança.
 
7. No seu trabalho, você valoriza a criança no seu período pré-natal e neonatal para intervir?
Sim. Trabalhamos com a percepção da intervenção precoce. Olhamos para a história da família, da criança e de seu desenvolvimento. Não há uma forma fixa e sistemática sobre como aprendemos. As coisas não são tão estáticas como somos levados a crer. Às vezes, há uma carência de recursos na estimulação da criança. Então, trabalhamos para entender o que houve desde o período pré-natal. “Como foi a gravidez que deu origem a essa criança? ” É um dos nossos questionamentos. Recebemos crianças a partir dos 6 meses de idade (podendo haver exceções a pedido da Justiça). Uma das vantagens da “A Obra do Berço” é que a educação é ministrada aqui mesmo, em período integral, junto com as outras atividades. Além disso, contamos com a família para participar de todo o processo para gerar fortalecimento de vínculo. Tivemos um exemplo do caso de uma mãe que não sabia o que era o pré-natal. Conversamos com ela e a orientamos. Casos como esses mostram que nem sempre há uma negligência por parte da família, mas é sim falta de informação.
Nós também procuramos obter informações sobre a construção dessas famílias. Fazemos perguntas do tipo: “A gravidez foi desejada, planejada? ”; “Houve depressão pós-parto? ”; “Se houve depressão, a mulher e a criança receberam algum tipo de acolhimento durante aquela situação? ” Tudo isso ajuda a registrar a história da relação da criança com os pais. Por isso, levamos em consideração esses períodos para entender melhor essa história.
 
8. Como você intervém com uma criança que começa a apresentar problemas psicopatológicos? 
Aqui fazemos o acompanhamento de todas as crianças e, além de serem acompanhadas em grupo, também são acompanhadas em caráter individual. Se observamos alguma demanda específica sobre sua saúde mental, procuramos acompanhar e atuar. “Como ela se comporta comigo? ”; “Como ela se comporta em sala? ”, nos perguntamos. Em casos extremos podemos fazer encaminhamento. Em casos de agressividade, pode ocorrer, mas como são crianças de 6 meses a 6 anos de idade apenas fechamos um diagnóstico posteriormente. Muito do comportamento da criança se deve a um histórico conturbado. Podemos citar o exemplo de um caso em que uma criança sempre "atropelava" as outras crianças. Percebemos que não era por querer. Quando ele falava, falava cuspindo, o que também incomodava as outras crianças.Intervimos trazendo à consciência da equipe a maneira correta de tratar esse tipo de situação. Houve o encaminhamento para o neuropediatra para avaliação e observação. A médica atribuiu a situação a um desajuste e foi indicado acompanhamento psicológico. Essa criança, em específico, refletia aquilo que via em casa, particularmente, as atitudes da mãe. Nosso olhar é o de observar e orientar.
 
9. Qual o preparo ao se aproximar a data limite do período de permanência na instituição?
O prazo máximo que uma criança pode ficar em um abrigo é de dois anos, mas em casos específicos (dependendo do Juizado da Infância e Adolescência) esse período pode ser estendido. A reintegração da criança à sociedade depende do nosso trabalho, da família e também das políticas públicas. Quando algum desses eixos não vai bem, problemas podem ocorrer e até mesmo adiamentos da reintegração podem acontecer. Há muitos desafios a vencer, como mães que trabalham e dormem no emprego. Não podemos pedir que essa mãe deixe o emprego para cuidar da criança e, dessa forma, colocar a criança em situação de risco. Questões políticas também podem gerar desassistência. Por isso, nem sempre a família deve ser culpabilizada. Durante o período do acolhimento, tentamos ajudar a organizar a família, a criar oportunidades de emprego e renda, a distribuir currículos etc. Também temos observado as dificuldades enfrentadas pelo Conselho Tutelar. Há comunidades na cidade do Rio de Janeiro a que o Conselho Tutelar não tem mais acesso (exemplo disso é o bairro do Vidigal). Isso nos deixa em situações difíceis para garantir à criança melhores condições de vida, após sua saída da instituição. O Ministério Público convoca a Vara da Infância e Adolescência, que convoca a família para saber como estão indo as coisas. Porém, as dificuldades relatadas, bem como a distância, a falta de emprego e de alternativas impedem que as coisas mudem. Em nossos relatórios damos mais prioridade ao que mudou na relação da mãe com a criança, da família com a criança. “O lidar mudou? ”; “Antes a família batia na criança e agora não bate mais? ”; “A criança conversa? ”; “Participa de nossas atividades? ”, respostas a essas questões podem mostrar que houve um desenvolvimento. Talvez não da forma como que queríamos, mas ainda sim houve um ganho. Nesse momento da reintegração, nós também perguntamos se a situação melhorou, ou se será necessário encaminhar a criança para outra instituição que a abrigue de segunda a segunda-feira. Levamos essas questões à família e à Promotoria, mas cabe ao juiz determinar o que será feito. Acompanhamos todo o processo, reavaliando, sempre que necessário, nosso Plano de Atendimento Individual.
 
10. Existem casos de desistência da adoção após o processo ser efetivado e como você trabalha isso com o jovem?
Quando entendemos que a criança está em situação de risco, fazemos o encaminhamento para a Vara da Infância e Adolescência e, com a intervenção do juiz, ocorre a escolha de uma nova instituição para acolher a criança. O foco principal é investir na família biológica da criança e fortalecer essa relação. Temos relatos de colegas que trabalham em outras instituições sobre casos de desistência de adoção. Nesses casos, a criança precisa ser acolhida. Tivemos um caso semelhante na “A Obra do Berço”. O padrasto de um menino acolhido era o único responsável por ele e por seus quatro irmãos. Nós conversamos com esse padrasto e ele disse que não queria ficar com essa criança. O juiz entendeu que essa era uma situação de risco para o menino e o encaminhou para uma instituição com outro perfil de acolhimento. O sofrimento desse menino foi agravado, pois o padrasto fazia com que ele o chamasse de pai. Além disso, o menino sofreu com o processo de separação dos irmãos e com a sua ida para essa nova instituição. No momento da transferência, foi necessário trabalhar com a criança toda essa situação de desamparo. Enfim, fazer a criança perceber a diferença entre pai e padrasto para ela entender essa cisão.
11. Até que ponto a diferença de idade entre os jovens pode ser um obstáculo para o convívio entre eles? E como vocês fazem a intervenção?
Na “A Obra do Berço” atendemos crianças desde os seis meses aos seis anos de idade, em turmas organizadas por faixa etária. Aqueles que estão na primeira infância nos trazem um desafio maior, por causas das emoções. Observamos algumas disputas de atenção, a construção de identidade, bem como a diferenciação em relação ao outro. Na turma do berçário, também temos desafios, mas, ainda assim, na mesma faixa etária. Esses desafios são relativos às fases de desenvolvimento e do processo de construção da identidade. Por exemplo, no berçário, há a questão de uma criança morder a outra. Isso acaba mobilizando a família, os profissionais e as próprias crianças. Para evitar que isso se transforme em um problema, fazemos reuniões com os pais, ou seja, com os adultos para que eles possam entender o que está acontecendo. Atuo sempre mediando as relações das crianças, capacitando as profissionais da equipe, no sentido de olhar para essa questão (uma criança morder a outra) como algo que não é maldoso, que não é intencional para machucar o outro. Esclareço que a mordida faz parte da fase oral da criança. Temos sempre que apresentar essa base teórica, para capacitar nossos colegas para que eles tenham um outro olhar sobre essa situação. Como psicólogos, entendemos a mordida como uma linguagem, uma forma de expressão da criança. Dessa forma, vemos como podemos ajudá-los a lidar com o outro, afinal as crianças ainda estão nessa fase muito egocêntrica, voltadas para si. Estão começando a enxergar um ao outro, o que é um processo difícil.
Nas outras turmas de “A Obra do Berço”, também acontecem suas dificuldades, como uma criança bater na outra (expressão por meio da agressão). Uma forma que temos para lidar com isso é mediar as relações e instruir as educadoras na maneira de agir. Muitas vezes, nosso primeiro impulso é colocar a criança de castigo, mas aqui tentamos não colocar. Outro exemplo é que já se pensou em trocar uma criança de turma, por causa das atitudes infantilizadas. Expliquei que não é assim que se faz, pois isso só iria expor a criança e não resolveria a questão. Fazemos esse trabalho de instruir, procurando também entender o que isso está provocando nelas (na criança e na equipe).
Isso nos leva a seguintes questionamentos: " Será que as crianças precisam de atividades com mais movimento”; “Será que as atividades estão muito estruturadas? ”; “Será que elas precisam de algo mais livre?". Dessa forma, acompanhamos seus movimentos, olhamos para as crianças e levamos essas ideias para a equipe. Já para as crianças mais velhas, nós ensinamos estratégias para que elas se expressem, sejam assertivas, enfim, saibam dizer “basta” ao outro.
 
2. O treinamento da equipe é feito aqui mesmo?
Sim, oferecemos. Participo dessas atividades, em conjunto com os setores de Pedagogia e de Serviço Social. Estou sempre envolvida. Quando observamos uma demanda, acrescentamos um novo treinamento ou realizamos um encontro para orientação. Por exemplo, com aquela “questão da mordida” que ocorreu no berçário, nós fizemos uma reunião, neste ano, com a nossa equipe de trabalho e com os pais das crianças, para explicarmos a questão e orientá-los. Tratamos também dos cuidados com a higiene da criança e da relação que se estabelece nesses momentos.
“Como dar banho” e “Como trocar fralda” também são exemplos de cursos oferecidos. O foco desses treinamentos não é a parte técnica, mas sim o cuidado com a criança, a forma de tratá-la nesses momentos, buscando sua individualidade.
Fazemos essas orientações, conforme a demanda, mas há também assuntos fixos. Sempre realizamos treinamentos para esclarecer informações sobre Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o objetivo de reforçar para as educadoras seus papéis e o papel da instituição. Enfim, enfatizarmos que nossa função aqui é garantir os direitos das crianças.
Há ainda momentosem que precisamos orientar a equipe. Isso é necessário, por exemplo, quando a família que faz uso da instituição vira alvo de julgamento da equipe. Situações como essa ocorrem, principalmente, com as famílias que estão em situação de violação de direitos. As educadoras fazem questionamentos sobre as crianças dessas famílias pernoitarem aqui de segunda a sexta-feira. A equipe não entende que, o fato de a criança não ir para a casa e permanecer na “A Obra do Berço” durante toda a semana, ela não se encontra em estado de abandono total. Em diversos casos, essa foi a única opção que a mãe teve para se manter mãe. Ao seu jeito, ainda é uma forma de cuidado, mesmo que seja mais difícil de se compreender. Nesses casos, busco na Psicologia a compreensão sobre as necessidades da criança e lanço um olhar singular sob cada família.
Para finalizar, podemos ainda chamar grupos para treinamentos, com o intuito de tratar as relações, a comunicação ou resolver algum mal-entendido que tenha ocorrido entre as crianças, a equipe e a família.
 
3. Quanto ao fato da maioria dos casais preferirem a adoção de crianças mais novas, como você acompanha o sentimento das mais velhas? 
Aqui na “A Obra Berço”, ainda não tratamos sobre o processo de adoção. Embora sejamos uma instituição de acolhimento, esse acolhimento possui outro perfil. Nós recebemos crianças (de 6 meses a 6 anos de idade) que ficam na instituição de segunda a sexta-feira. Essas crianças são de núcleos que não perderam o poder familiar. As crianças ainda possuem o vínculo com a família nos finais de semana. A mãe deixa a criança aqui na segunda-feira, a busca na sexta e passa o final de semana com ela. Há mães que estão em uma situação um pouco mais estruturada e conseguem buscar a criança durante a semana. Assim, essa criança não precisa dormir na instituição.
Já em outras situações, quando observamos que não há mais como fortalecermos os vínculos da criança com a família, ou quando a criança está em risco, nós pedimos uma transferência, fazemos um relatório para o Juizado da Infância e da Juventude e pedimos a transferência para uma instituição de acolhimento que atenda a esse novo perfil.
O perfil de “A Obra do Berço” é o de crianças que estão em alguma situação delicada, seja de carência de recursos, violência doméstica, ou mães que não têm acesso a creches, por exemplo. No caso de ocorrer uma transferência, a outra equipe de acolhimento vai acompanhar o caso e ver se há possibilidade de adoção, ou não, se a família ainda pode ser trabalhada. Nos cabe fazer os estudos de caso para podermos gerar os relatórios de transferência. Se a outra equipe de acolhimento entender que não há mais como resgatar esses laços familiares, vendo que não é uma situação favorável para a criança, aí sim é indicada a destituição do poder familiar. Isso pode gerar um processo de adoção posteriormente.
 
4. Como lidar com o sentimento de exclusão das crianças, diante do conceito de família estabelecido em suas mentes? 
Nós procuramos acolher a criança. Até mesmo o nome/conceito da nossa instituição não é mais de “abrigo” e sim “buscamos acolher”. Buscamos entender o que cada criança percebe como família. Buscamos aceitação, até mesmo, em situações em que a criança precisa ficar aqui além da sexta-feira, porque sua família ainda está em processo de reestruturação. Outro ponto importante: o horário de saída na sexta-feira é às 17 horas e, quando dá 18 horas e ninguém veio buscar a criança, nós percebemos sua ansiedade, sua raiva. O que fazemos então? Nós acolhemos tanto a criança, quanto a mãe ou responsável.
Pelo olhar da Psicologia, buscamos a ideia do não julgamento, a ideia da neutralidade. Filtramos essas emoções para podermos lidar, da melhor maneira possível, com as situações de desamparo, mesmo que algumas famílias não façam isso intencionalmente. As crianças aqui estão em processo de fortalecimento de vínculos e em constante atividade. Algumas crianças se questionam por que as famílias não vêm buscá-las. Permitimos esse questionamento, pois é importante que isso exista para a criança entender a situação em que ela se encontra. Usamos essa experiência para fazer o registro da história de cada criança. Usamos fotos, desenhos, o conceito de rotina e trabalhamos a ideia do porquê de ela estar aqui. Conversamos sobre situações de violência doméstica, bem como situações banais do dia-a-dia. Temos um livro chamado “Livro da Família”, que mostra como cada família é diferente. Mostramos nele o conceito de “famílias” e deixamos a criança vê-lo e fazer o juízo de valor sobre sua própria família. Olhamos para isso e a acolhemos. Sempre tentamos ouvir, de maneira cuidadosa, a situação da criança.
 
5. . Vocês têm alguma forma de supervisionar a família? 
Sim. Desde o momento em que a criança chega na instituição, temos por objetivo acolher, não só ela, mas também a família. O acolhimento institucional, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente é provisório. A criança só pode ficar na instituição por até dois anos. Mas, na prática, não é o que acontece. Muitas vezes, a família passa por necessidades financeiras e o próprio juiz pode abrir exceções, aumentando o tempo de permanência da criança sob nossos cuidados.
A partir do ingresso da criança na “A Obra do Berço”, fazemos uma entrevista inicial. Nesse momento, verificamos se ela foi encaminhada pelo Conselho Tutelar, ou pela Vara da Infância. Também observamos o histórico familiar, fazendo entrevistas com pais ou responsáveis pela criança, para entendermos o motivo do acolhimento. Desde o momento em que a criança entra na instituição, realizamos esse acompanhamento. A partir dessas informações, fazemos um Plano Individual de Atendimento para cada criança. Nesse documento, registramos o motivo do acolhimento, o que devemos tratar com a família dessa criança (se vamos encaminhar para outros setores ou instituições; se tentaremos melhorar a situação econômica dessa família, usando o Bolsa Família, um Aluguel Social, ou até mesmo uma vaga de emprego). Verificamos também se essa família também tem outros filhos. Caso algum deles também esteja passando por necessidades específicas as tratamos igualmente (direcionar para escolas é um exemplo). Vemos a família como um todo e quais são suas demandas. Tudo isso faz parte do plano que elaboramos para a criança. Nós os atualizamos a cada seis meses. Para fazer isso, usamos como referências as seguintes questões: “O que fizemos? ”; “O que aconteceu? ”; “Os outros órgãos nos deram a resposta sobre a transferência da criança? ” etc. Devido à situação do estado do Rio de Janeiro, diversos casos que são encaminhados, não são respondidos. Para nós, é importante saber a situação da família da criança acolhida.
Há ainda a discriminação das famílias que precisam do abrigo [nota do grupo: a psicóloga usa o termo “abrigo”, quando se refere às crianças que pernoitam na “A Obra do Berço”, de segunda a sexta-feira, ou até a semana toda]. Há mães que usam o abrigo e elas mesmas já estiveram abrigadas em outras instituições, quando eram crianças. Percebemos, às vezes, um padrão, uma repetição e trazemos isso à luz, quando entrevistamos a família, sempre agindo com cuidado.
Depois de revisado, o Plano Individual de Atendimento de cada criança é encaminhado para o Ministério Público e para a Vara da Infância e Adolescência. De posse desse documento, o juiz avalia se a criança continuará conosco, no esquema de segunda a sexta-feira; ou se será desligada da família; ou se voltará para a casa da família. Acompanhamos essas situações sempre com os órgãos competentes. 
 
6. Quando algum jovem tem algum desentendimento dentro da instituição com outro, como você trata isso? Eles só atendem crianças.
Primeiro, observamos e, depois, buscamos entender o que está motivando as ações dessas crianças. As mais novas, às vezes, não conseguem se comunicar de maneira completa. Vários fatores influenciam o comportamento dessas crianças: trabalhamos com crianças muito carente financeiramente; criançasde origem de famílias monoparentais (casos, por exemplo, em que só a mãe trabalha); famílias com muitos filhos e que estão sobrecarregadas por causa da carência de recursos etc. Tudo isso acaba afetando a criança de alguma forma.
Em alguns casos, as mães têm dificuldade de estimular a criança, de acolhê-la. Aqui, tentamos assumir essa função e conversamos com a família, no intuito de esclarecer qual o papel da família no desenvolvimento da criança. A questão “de não bater na criança” ainda é algo muito difícil para algumas famílias (mesmo havendo lei que atua para impedir esse tipo de ação do adulto). Quando criança, elas (as mães) apanhavam. Assim, elas acabam reproduzindo esse comportamento, trazendo isso para seus filhos e sua família.
Aqui, ensinamos a dar limites, a exercer a disciplina, mas sem fazer isso de forma autoritária. Usamos o olhar da firmeza e da gentileza, em vez de bater de frente com as crianças e castigá-las. Nossa ideia não é criar um adestramento ao estilo “Super Nanny” [nota do grupo: programa de televisão que se propõe a ajudar pais e mães a “a domarem” seus filhos, usando um conjunto de regras e recompensas]. Aqui, queremos que as crianças internalizem o que pode e o que não se pode fazer com o outro. Em situações de conflito, como a briga por um brinquedo, treinamos nossa equipe para atuar como suporte, mediadores. Não é suficiente, nem ideal tirar o brinquedo e colocar a criança de castigo. Buscamos ensinar para a criança que ela pode brincar depois com o objeto, ou até mesmo brincar junto com a outra criança.
 
7. No seu trabalho, você valoriza a criança no seu período pré-natal e neonatal para intervir?
Sim. Trabalhamos com a percepção da intervenção precoce. Olhamos para a história da família, da criança e de seu desenvolvimento. Não há uma forma fixa e sistemática sobre como aprendemos. As coisas não são tão estáticas como somos levados a crer. Às vezes, há uma carência de recursos na estimulação da criança. Então, trabalhamos para entender o que houve desde o período pré-natal. “Como foi a gravidez que deu origem a essa criança? ” É um dos nossos questionamentos. Recebemos crianças a partir dos 6 meses de idade (podendo haver exceções a pedido da Justiça). Uma das vantagens da “A Obra do Berço” é que a educação é ministrada aqui mesmo, em período integral, junto com as outras atividades. Além disso, contamos com a família para participar de todo o processo para gerar fortalecimento de vínculo. Tivemos um exemplo do caso de uma mãe que não sabia o que era o pré-natal. Conversamos com ela e a orientamos. Casos como esses mostram que nem sempre há uma negligência por parte da família, mas é sim falta de informação.
Nós também procuramos obter informações sobre a construção dessas famílias. Fazemos perguntas do tipo: “A gravidez foi desejada, planejada? ”; “Houve depressão pós-parto? ”; “Se houve depressão, a mulher e a criança receberam algum tipo de acolhimento durante aquela situação? ” Tudo isso ajuda a registrar a história da relação da criança com os pais. Por isso, levamos em consideração esses períodos para entender melhor essa história.
 
8. Como você intervém com uma criança que começa a apresentar problemas psicopatológicos? 
Aqui fazemos o acompanhamento de todas as crianças e, além de serem acompanhadas em grupo, também são acompanhadas em caráter individual. Se observamos alguma demanda específica sobre sua saúde mental, procuramos acompanhar e atuar. “Como ela se comporta comigo? ”; “Como ela se comporta em sala? ”, nos perguntamos. Em casos extremos podemos fazer encaminhamento. Em casos de agressividade, pode ocorrer, mas como são crianças de 6 meses a 6 anos de idade apenas fechamos um diagnóstico posteriormente. Muito do comportamento da criança se deve a um histórico conturbado. Podemos citar o exemplo de um caso em que uma criança sempre "atropelava" as outras crianças. Percebemos que não era por querer. Quando ele falava, falava cuspindo, o que também incomodava as outras crianças. Intervimos trazendo à consciência da equipe a maneira correta de tratar esse tipo de situação. Houve o encaminhamento para o neuropediatra para avaliação e observação. A médica atribuiu a situação a um desajuste e foi indicado acompanhamento psicológico. Essa criança, em específico, refletia aquilo que via em casa, particularmente, as atitudes da mãe. Nosso olhar é o de observar e orientar.
 
9. Qual o preparo ao se aproximar a data limite do período de permanência na instituição?
O prazo máximo que uma criança pode ficar em um abrigo é de dois anos, mas em casos específicos (dependendo do Juizado da Infância e Adolescência) esse período pode ser estendido. A reintegração da criança à sociedade depende do nosso trabalho, da família e também das políticas públicas. Quando algum desses eixos não vai bem, problemas podem ocorrer e até mesmo adiamentos da reintegração podem acontecer. Há muitos desafios a vencer, como mães que trabalham e dormem no emprego. Não podemos pedir que essa mãe deixe o emprego para cuidar da criança e, dessa forma, colocar a criança em situação de risco. Questões políticas também podem gerar desassistência. Por isso, nem sempre a família deve ser culpabilizada. Durante o período do acolhimento, tentamos ajudar a organizar a família, a criar oportunidades de emprego e renda, a distribuir currículos etc. Também temos observado as dificuldades enfrentadas pelo Conselho Tutelar. Há comunidades na cidade do Rio de Janeiro a que o Conselho Tutelar não tem mais acesso (exemplo disso é o bairro do Vidigal). Isso nos deixa em situações difíceis para garantir à criança melhores condições de vida, após sua saída da instituição. O Ministério Público convoca a Vara da Infância e Adolescência, que convoca a família para saber como estão indo as coisas. Porém, as dificuldades relatadas, bem como a distância, a falta de emprego e de alternativas impedem que as coisas mudem. Em nossos relatórios damos mais prioridade ao que mudou na relação da mãe com a criança, da família com a criança. “O lidar mudou? ”; “Antes a família batia na criança e agora não bate mais? ”; “A criança conversa? ”; “Participa de nossas atividades? ”, respostas a essas questões podem mostrar que houve um desenvolvimento. Talvez não da forma como que queríamos, mas ainda sim houve um ganho. Nesse momento da reintegração, nós também perguntamos se a situação melhorou, ou se será necessário encaminhar a criança para outra instituição que a abrigue de segunda a segunda-feira. Levamos essas questões à família e à Promotoria, mas cabe ao juiz determinar o que será feito. Acompanhamos todo o processo, reavaliando, sempre que necessário, nosso Plano de Atendimento Individual.
 
10. Existem casos de desistência da adoção após o processo ser efetivado e como você trabalha isso com o jovem?
Quando entendemos que a criança está em situação de risco, fazemos o encaminhamento para a Vara da Infância e Adolescência e, com a intervenção do juiz, ocorre a escolha de uma nova instituição para acolher a criança. O foco principal é investir na família biológica da criança e fortalecer essa relação. Temos relatos de colegas que trabalham em outras instituições sobre casos de desistência de adoção. Nesses casos, a criança precisa ser acolhida. Tivemos um caso semelhante na “A Obra do Berço”. O padrasto de um menino acolhido era o único responsável por ele e por seus quatro irmãos. Nós conversamos com esse padrasto e ele disse que não queria ficar com essa criança. O juiz entendeu que essa era uma situação de risco para o menino e o encaminhou para uma instituição com outro perfil de acolhimento. O sofrimento desse menino foi agravado, pois o padrasto fazia com que ele o chamasse de pai. Além disso, o menino sofreu com o processo de separação dos irmãos e com a sua ida para essa nova instituição. No momento da transferência, foi necessário trabalhar com a criança toda essa situação de desamparo. Enfim, fazer a criança perceber a diferença entre pai e padrasto para ela entender essa cisão.3- Conclusão
	O presente trabalho tem por objetivo a investigação da prática do psicólogo em abrigos. Para a construção desse corpo de conhecimento realizamos pesquisa teórica sobre o assunto e uma entrevista com a profissional Patrícia Ribeiro Vargues da “A Obra do Berço”. 
	A partir das respostas dadas pela psicóloga entrevistada entendemos a que teoria e prática caminham juntas. A psicóloga entrevistada, ao falar sobre sua atuação, confirmou pontos levantados durante a pesquisa como: o fortalecimento de vínculos entre criança e família, a mediação entre os diversos agentes do sistema de acolhimento, a realização de pré diagnótico da situação de cada criança entre outros. 
	Para além das ações que seguem as orientações técnicas de acolhimento, observamos também o comprometimento e a relação afetiva e pessoal que a psicóloga em questão imprime em seu trabalho, como por exemplo, a direção em compreender o conceito de família para cada criança ali presente (desenvolver mais).
	No processo de transcrição e leitura da entrevista observamos (...desenvolver mais)
Referências 
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