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SOCIEDADE LIMITADA Luiz Gonzaga Modesto de Paula 2 Sumário CAPITULO I ................................................................................................................................. 5 A ORIGEM DO TIPO SOCIETÁRIO ................................................................................................. 5 A SEMENTE .................................................................................................................................................................... 5 NA FRANÇA .................................................................................................................................................................... 7 A CRIACAO DEFINITIVA .................................................................................................................................................. 7 NO BRASIL ..................................................................................................................................................................... 8 CAPÍTULO II ................................................................................................................................ 9 CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE LIMITADA.............................................................................. 9 A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS ............................................................................................................................... 9 NATUREZA CONTRATUAL ............................................................................................................................................ 11 O “NOMEM JURIS”: SOCIEDADE LIMITADA ................................................................................................................. 15 CAPITULO III ............................................................................................................................. 15 OS SÓCIOS QUOTISTAS ............................................................................................................. 15 OS MENORES E OS INCAPAZES .................................................................................................................................... 16 A MULHER CASADA ..................................................................................................................................................... 19 OS IMPEDIDOS ............................................................................................................................................................. 22 CAPITULO IV ............................................................................................................................. 25 O CAPITAL SOCIAL E AS QUOTAS .............................................................................................. 25 A COMPOSIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL ........................................................................................................................... 29 SUBSCRIÇÃO E INTEGRALIZAÇÃO ................................................................................................................................ 30 A CONTRIBUIÇÃO EM SERVIÇOS .................................................................................................................................. 30 DA MORA NA INTEGRALIZACAO .................................................................................................................................. 31 DA RESPONSABILIDADE NA SUBSCRIÇÃO .................................................................................................................... 31 A INDIVISIBILIDADE DA QUOTA SOCIAL ....................................................................................................................... 31 DO AUMENTO E DA REDUCAO DO CAPITAL SOCIAL .................................................................................................... 32 DA REDUCAO DO CAPITAL SOCIAL POR RESOLUCAO DA SOCIEDADE EM RELACAO A UM DOS SOCIOS ...................... 35 DA INTANGIBILIDADE DO CAPITAL SOCIAL .................................................................................................................. 37 A RESPONSABILIDADE DO SUBSCRITOR ...................................................................................................................... 38 A PENHORA DAS QUOTAS SOCIAIS .............................................................................................................................. 39 CAPÍTULO V .............................................................................................................................. 47 A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE .......................................................................................... 47 A ADMINISTRACAO POR PESSOA JURÍDICA ................................................................................................................. 48 O ADMINISTRADOR ..................................................................................................................................................... 50 OS IMPEDIDOS ............................................................................................................................................................. 53 PREPOSTOS E GERENTES ............................................................................................................................................. 55 O CONSELHO FISCAL .................................................................................................................................................... 58 A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES ......................................................................................................... 62 3 A TEORIA DO “ULTRA VIRES” ....................................................................................................................................... 65 DA REMUNERACAO DO ADMINISTRADOR .................................................................................................................. 67 CAPÍTULO VI ............................................................................................................................. 69 A DELIBERAÇÃO DOS SÓCIOS .................................................................................................... 69 AS FORMALIDADES PARA A REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA .......................................................................................... 71 AS MATÉRIAS SUJEITAS Á REUNIÃO OU ASSEMBLEIA .................................................................................................. 72 ASSEMBLEIA OU REUNIÃO ANUAL OBRIGATÓRIA ....................................................................................................... 74 CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA .................................................................................................................................. 74 DO QUÓRUM DE INSTALAÇÃO .................................................................................................................................... 75 REGRAS DE FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLEIA ......................................................................................................... 76 QUÓRUM DE DELIBERAÇÃO ........................................................................................................................................ 76 DAS PUBLICAÇÕES ....................................................................................................................................................... 78 CAPÍTULO VII ............................................................................................................................ 80 DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE...............................................................................................80 UMA QUESTÃO SEMÂNTICA ........................................................................................................................................ 80 A DISSOLUÇÃO TOTAL ................................................................................................................................................. 80 A DISSOLUÇÃO PARCIAL .............................................................................................................................................. 81 MODOS DE SE FAZER A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE .................................................................................................. 81 A DISSOLUÇÃO DE PLENO DIREITO .............................................................................................................................. 81 1. O VENCIMENTO DO PRAZO DE DURAÇÃO: ........................................................................................................ 81 2. FALTA DE PLURALIDADE DE SÓCIOS: ................................................................................................................. 82 3. EXTINÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO ........................................................................................ 83 A DISSOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL ................................................................................................................................... 83 1. POR DECISÃO UNÂNIME DOS SÓCIOS................................................................................................................ 83 2. DECISÃO DE MAIORIA ABSOLUTA EM SOCIEDADE POR PRAZO INDETERMINADO. .......................................... 84 3. FALECIMENTO DE SÓCIO .................................................................................................................................... 85 4. DIREITO DE CESSÃO DAS QUOTAS .................................................................................................................... 85 5. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETIRADA ................................................................................................................ 86 6. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE ....................................................................................................................... 87 7. EXCLUSÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO (CC. arts. 1.030 e 1.085). .......................................................................... 87 DISSOLUÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL .......................................................................................................................... 89 1. POR PEDIDO DE ANULAÇÃO DO ATO CONSTITUTIVO ........................................................................................ 90 2. POR SENTENÇA DE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA (art. 1.044).............................................................................. 90 3. EM CASO DE EXAURIMENTO DO OBJETO SOCIAL OU VERIFICADA A SUA INEXEQUIBILIDADE (CC. art. 1.034, II); ............................................................................................................................................................................... 91 CAPÍTULO VIII ........................................................................................................................... 92 A RESOLUÇÃO PARCIAL DO CONTRATO SOCIAL ........................................................................ 92 CAPÍTULO IX ............................................................................................................................. 93 A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE .................................................................... 93 4 1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ........................................................................................................................................... 93 2. JUÍZO COMPETENTE ................................................................................................................................................ 94 3. LEGITIMIDADE ATIVA ............................................................................................................................................... 94 4. LEGITIMIDADE PASSIVA ........................................................................................................................................... 94 5. VALOR DA CAUSA .................................................................................................................................................... 94 6. PRAZO DE CONTESTAÇÃO ........................................................................................................................................ 95 7. DO PEDIDO INICIAL .................................................................................................................................................. 95 8. DA CONSTESTAÇÃO ................................................................................................................................................. 95 9. A APURAÇÃO DOS HAVERES .................................................................................................................................... 96 CAPÍTULO X .............................................................................................................................. 97 CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 97 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................... 99 5 CAPITULO I A ORIGEM DO TIPO SOCIETÁRIO Sociedade limitada é a denominação atual da sociedade por quotas de responsabilidade limitada criada no Brasil em 1919, pelo Decreto n˚. 3.708 de 10 de janeiro daquele ano, fruto do trabalho de Inglez de Souza apresentado em forma legislativa ao Congresso Nacional, em 1918, pelo deputado federal Joaquim Luiz Osório. Esse tipo societário nasceu por força de pressões de ordem social e econômica, uma vez que a atividade empresarial estava estrangulada pelos tipos societários então existentes. De um lado, a so- ciedade anônima, apesar de libertada da autorização real, para a sua criação privada ainda exigia vultoso capital ou um número grande de sócios; e de outro, as sociedades de responsabilidade ilimi- tada, também denominadas de solidárias, como a sociedade em nome coletivo, a sociedade em co- mandita simples e a de capital e indústria, que faziam arriscados os negócios mercantis para o patri- mônio pessoal dos empresários. Nelson Abrão entendia que a sociedade por quotas de responsabilidade limitada fora fruto de longa elaboração legislativa e não das pressões sociais e econômicas1 Mas, diante do quadro de alternativas para o exercício da atividade empresarial não podemos negar que urgia a criação de um novo tipo societário que fosse de elaboração mais facilitada e possi- bilitasse ao empresário a realização da atividade econômica com garantias para o seu patrimônio pessoal e com a limitação de sua responsabilidade ao capital investido, tal qual ocorria nas sociedades anônimas de então. A SEMENTE As tentativas inglesas de facilitarem a criação de sociedades anônimas menos complexas já eram, nesse tempo, respostas para as pressões sociais e econômicas do mundo empresarial. Como o próprio Nelson Abrão afirma, com apoio nos estudos de Egberto Lacerda Teixeira2 e Cunha Peixoto3: A private company nasceu da sociedade anônima. Dela teria surgido a sociedade de responsabilidade limitada.4 1 A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, (omissis) diferentemente de outros tipos societários que apareceram porforça de contingências sociais, políticas ou econômicas, foi fruto de elaboração legislativa, antecedida de longas lucubrações jurídicas. Abrão, Nelson, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limi- tada - 6a. ed. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 21 2 Lacerda Teixeira, Egberto, Sociedade por quotas, São Paulo, 1956, p. 8, apud Nelson Abrão. 3 Cunha Peixoto, Carlos Fulgêncio da, A Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, Rio, 1958, vol. 1 p. 8, apud Nelson Abrão. 4 Abrão, Nelson, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada - 6a. ed. Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 23. 6 Ao simplificarem as regras das sociedades anônimas, atenderam aos reclamos dos comerci- antes que precisavam de uma roupagem jurídica mais simples e menos arriscada, quanto aos seus patrimônios pessoais, do que as então existentes. A necessidade da época era encontrar uma solução jurídica que possibilitasse a criação de sociedades empresariais nas quais, tal como sucedia nas complexas e dificultosas sociedades anôni- mas, o patrimônio pessoal dos sócios ficasse a salvo da responsabilidade pelo pagamento das dívidas da sociedade. Urgia criar um modelo que fizesse com que o patrimônio pessoal dos sócios ficasse livre da cobrança dos credores da sociedade. Era necessário que a sociedade e os seus sócios tivessem patri- mônios independentes, e somente a sociedade fosse responsável pelo pagamento de suas dívidas.5 Mas, em verdade, havia um reclamo mundial, numa época pouco anterior a essa, para a sim- plificação das regras sobre sociedades anônimas, possibilitando que os empresários de então pudes- sem se reunir em sociedades menos complexas do que a sociedade por ações e sem os riscos dos empreendimentos individuais ou das sociedades em nome coletivo. Como reconhece, adiante Nelson Abrão, citando Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto: Impunha-se a criação de um tipo societário que representasse uma solução concili- atória, isto é, que aliasse a vantagem da responsabilidade limitada à facilidade de criação e funcionamento.6 Nesse passo, houve a criação de sociedades anônimas menos complexas, na Inglaterra, em 1857, denominadas de private company (limited by shares, e limited by guarantee), e no Companies Act de 1862, para distinguir as pequenas empresas das grandes empresas que eram conhecidas por public company.7 Rubens Requião8, nos informa que: “A lei de 14 de julho de 1856, no artigo 61, permitia na Inglaterra, formarem-se sociedades em que nenhum sócio é responsável além de sua entrada para o capital da sociedade”. 5 José Waldecy Lucena, nos remete às obras de Fran Martins (Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada no direito estrangeiro, Imprensa Universitária do Ceará, 1956 e Das sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, Editora Forense, 1960) para uma resenha completa do surgimento das sociedades por quotas de responsabilidade limitada nos diversos ordenamentos jurídicos. 6 Abrão, Nelson, Sociedade por quotas de responsabilidade limitada - 6a. ed. Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 22, e Cunha Peixoto, Carlos Fulgêncio da , A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, Rio, 1958, vol. 1, p. 8. 7 Marcondes Machado, Sylvio, Ensaio sobre a Sociedade de Responsabilidade Limitada, 1940, p. 29. 8 Requião, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2005, p. 477 7 Alguns autores, entre os quais Waldemar Ferreira, entendem que a sociedade por quotas de responsabilidade limitada nasceu na Inglaterra9, no que é secundado, ainda hoje, por modernos auto- res, como Pereira Calças.10 NA FRANÇA Não podemos esquecer que, em França, em 1863, surgiu a “société à responsabilité limitée”,11 de duração efêmera, mas que foi muito importante para o desenvolvimento posterior do tipo societá- rio, inspirando aqueles que propugnavam pela criação legislativa do novo tipo societário. Como se vê, por este breve relato histórico, a criação das sociedades por quotas de responsa- bilidade limitada foi fruto de uma longa evolução legislativa de aperfeiçoamento das sociedades então existentes decorrente da evolução do mercado e das necessidades humanas empresariais. O desenvolvimento completo dessa história não cabe nos estreitos limites deste trabalho, mas aconselhamos a busca na nossa literatura jurídica do completo desenvolvimento desse tipo societário. A CRIACAO DEFINITIVA A criação definitiva da sociedade limitada se deu na Alemanha, sob o imperador Guilherme II, em 20 de abril de 1892, pela aprovação no Congresso Nacional da proposta do deputado OECHE- LHAEUSER, com o nome de Gesellschaft mit beschraenkter Haftung - GmbH.12 O deputado alemão justificou a sua iniciativa, como nos afirma JACQUES HATT, dizendo: As formas de sociedade de comércio atualmente em vigor no Império Alemão não bastam mais às necessidades econômicas; importa fazer penetrar o princípio da res- ponsabilidade limitada, que se implanta com vigor irresistível na vida econômica, nas sociedades de base individualista, nas quais o capital e a inteligência entram em contato direto; a capital igual e a força humana igual, as sociedades individualistas produzem, sem contradita, valores superiores aquela das sociedades coletivas.13 A grande maioria dos autores reconhece que esse tipo societário, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, atualmente denominada pelo nosso Código Civil de sociedade limitada, 9 Ferreira, Waldemar, Sociedade por quotas, 1925, 5ª. Ed. p. 4. 10 Pereira Calças, Manoel de Queiroz, Sociedade limitada no novo código civil, São Paulo, 2003, Editora Atlas, p. 16. 11 vide em Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 10ª. Ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2007, p. 366. 12 confira em Villemor Amaral, Hermano, Das sociedades limitadas - 2ª. Ed. Rio de Janeiro, Briguet & Cia., 1938, que traz o texto traduzido da lei alemã de 1892, com as modificações feitas em 10/05/1897 pelo artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Comercial Alemão. O estudo dessas modificações pode ser encontrado na Revista de Direito Mercantil, vol. 71, p.88 de autoria de Vera Helena de Mello Franco. 13 JACQUES HATT, La société à responsabilitée limitée em droit allemand, Paris, 1908, p. 6, apud Nelson Abrão, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, 6a., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 24 8 teve a sua gestação no direito consuetudinário inglês pela evolução das sociedades anônimas, já co- nhecidas desde o século XV, em decorrência dos esforços de sua simplificação e possibilidade de utilização pelos empresários de então, sem as exigências de autorização ou concessão governamental e limites mínimos de investimento.14 Portugal adotou esse tipo societário em 11/04/1901 e foi, depois da Alemanha, o primeiro país a fazê-lo. NO BRASIL No Brasil, em 1865, JOSÉ THOMAZ NABUCO DE ARAÚJO15, então ministro da Justiça, apresentou projeto de criação de uma sociedade anônima simplificada, que denominou de sociedade de responsabilidade limitada, mas foi rejeitado pelo imperador Pedro II, em 1867. Em 1912, HERCULANO MARCOS INGLEZ DE SOUZA foi incumbido pelo Governo Fe- deral para elaborar um novo Código Comercial, em substituição ao Código Comercial do Império, de 1850, e ao fazê-lo dedicou um capítulo, por ele denominado de “Das Sociedades Limitadas”, no qual preconizava um novo tipo de sociedade: Como a aprovação de um novo Código Comercial pelo Congresso Nacional, já à época, era umatarefa de dezenas de anos, o deputado JOAQUIM LUIZ OSÓRIO, com base no trabalho de INGLEZ DE SOUZA e no modelo alemão de 1892, apresentou um projeto de lei criando a, por ele denominada, sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que deu origem ao Decreto n˚. 3.708, aprovado em 10 de janeiro de 1919, que vigorou até 2002, quando foi substituído pelas novas regras dos artigos 1052 a 1087 do Código Civil. 14 Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil, 2ª. Ed. reformulada, São Paulo, 2009, Editora Saraiva, p.313 15 Lucena, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 2ª. Ed., Rio de Janeiro, 1997, Editora Renovar, traz o texto integral da proposta do Conselheiro Nabuco de Araújo – pags. 12/18. 16 Inglez de Souza, Projeto de Código Comercial, vol. 1, p. 24, apud Sylvio Marcondes, Problemas de Direito Mercantil, 1970. “... de modo a animar a concorrência das atividades e dos capitais do comércio, sem ser pre- ciso recorrer à sociedade anônima, que melhor se reservará para as grandes empresas indus- triais, que necessitam de capitais muito avultados e prazo superior ao ordinário da vida hu- mana.”16 9 CAPÍTULO II CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE LIMITADA As sociedades empresariais, no Brasil, têm alguns pontos de semelhança e outros de diferen- ças, razão pela qual importa, no estudo da sociedade limitada, apontar as características desse tipo societário para, em primeiro lugar, fazer um reconhecimento de suas particularidades e em segundo lugar para a identificar em confronto com as características das outras sociedades empresariais. Para isso, devemos adotar alguns critérios como norteadores das semelhanças e diferenças que devemos apontar. O mais importante deles, principalmente porque foi o motivo da sua criação, é a questão da responsabilidade dos sócios pelos atos praticados pela pessoa jurídica, tanto dos sócios administra- dores, como dos sócios não administradores. Outro aspecto relevante é a sua natureza jurídica como sociedade contratual e as suas consequências práticas. Dentre outras características possíveis, escolhemos a questão do nome empresarial porque é pela simples visão do nome societário que reconhecemos a natureza jurídica da sociedade. A socie- dade em nome coletivo se identifica pela falta de nome discriminador, a sociedade em comandita agrega ao nome a expressão “em comandita”, a sociedade anônima agrega a expressão “Sociedade Anônima” ou sua abreviatura “S.A.”, no começo, no meio ou no fim do nome, ou “Companhia” ou sua abreviatura “Cia.” e a sociedade limitada pela obrigatória inserção da expressão “Ltda.”, ou “Li- mitada” no final do nome. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS A principal característica da sociedade limitada é, sem dúvida, a determinação contida no caput do art. 1052 do Código Civil de limitar a responsabilidade dos sócios ao valor de suas quotas.17 É a concretização da grande conquista dos empresários do final do século XIX, como vimos antes. O patrimônio pessoal dos sócios está resguardado das vicissitudes da vida empresarial e dos riscos inerentes a todo negócio. De fato, ao contrário das sociedades solidárias existentes até então (sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita e a sociedade de capital e indústria) a respon- sabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, nesta nova sociedade tem (exceto em casos especiais como veremos adiante) por limite o seu capital investido na atividade empresarial. Na sociedade limitada, os sócios só respondem com o seu patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade quando: a) não integralizarem o capital social (artigo 1.052 do Código Civil)18; 17 Art. 1052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio e restrita ao valor de suas quotas... 18 Artigo 1052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 10 b) agirem contra a lei, com excesso de poder ou contra dispositivo do contrato social (artigo 1.080 do Código Civil)19; c) quando a sociedade vier a ser constituída entre marido e mulher sem observar as restrições contidas no artigo 977 do Código Civil20, que proíbe a constituição de sociedade limitada entre cônjuges ca- sados pelo regime de comunhão universal ou de separação total de bens; d) por força da possibilidade de decisão judicial de desconsideração da personalidade jurídica, pre- vista no artigo 50 do Código Civil21, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor - Lei Federal n. 8.078/9022; no art. 18 da Lei Federal nº. 8.884/94, que cuida das infrações a ordem econômica; e no art. 4º. da Lei Federal nº. 9.605/98, que cuida da defesa do meio ambiente; f) pela falta de pagamento de tributos em virtude de fraude ou ação contrária à lei, ao contrato social e ao estatuto (inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional - Lei Federal n. 5.172/66)23; g) pela falta de pagamento das contribuições previdenciárias, como determina o art. 13 da Lei Federal nº. 8.602/93; h) inadimplemento das obrigações trabalhistas, uma vez que a doutrina e a jurisprudência da justiça especializada entendem que o empregado não deve suportar os riscos do empreendimento dirigido pelo empregador.24 Mesmo nesses casos, há de se observar o benefício de ordem previsto nos artigos 596 do Código de Processo Civil e artigo 1.024 do Código Civil, que determinam a necessidade de, primeiro, 19 Artigo 1080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram. Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF - Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal : Enunciado nº 229: - A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia pa- trimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta. 20 Artigo 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. 21 Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 22 Artigo 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de in- solvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 23 Artigo 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias re- sultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: ................................................................................................................. III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. 24 Pereira Calças, ob. cit. pag. 102/103 11 serem excutidos os bens da sociedade e só na falta destes a responsabilidadetransborda para o patri- mônio pessoal dos sócios25. NATUREZA CONTRATUAL Outra característica das sociedades limitadas, (não exclusiva como a limitação de responsabi- lidade, mas tão importante como) é a sua natureza contratual. Difere das sociedades anônimas de natureza institucional. A sociedade limitada, com efeito, nasce da celebração de um contrato (acordo de vontades) entre duas ou mais pessoas, em torno de um objetivo comum, mediante a colaboração de todos para a constituição de um fundo comum (o capital social) e o compromisso de colaboração mútua na perseguição do objetivo. VIVANTE afirma que o contrato de sociedade transforma os interesses individuais dos sócios em um interesse coletivo, razão pela qual esse contrato tem característica diversa dos demais contratos de direito civil.26 No mesmo diapasão, ASCARELLI27 classifica o contrato das sociedades como uma subes- pécie de contrato, por ele denominado de plurilateral, dadas as suas características formais. “Todas as partes de um contrato plurilateral são titulares de direitos e obrigações. Cada parte tem, pois, obri- gações, não para com uma ou outra, mas para com todas as outras.” A natureza contratual da sociedade limitada é uma das suas principais características, e para o seu exame cumpre começar por seguir as determinações contidas nos artigos 997 e seguintes do Código Civil28, que estabelecem os requisitos necessários e indispensáveis para a elaboração de um contrato de constituição de sociedade29. Como se verá, o artigo 997 do Código Civil trata das regras para a constituição de sociedade personificada, empresarial ou não (a sociedade simples), estabelecendo o denominado tipo padrão de sociedade, as quais todas as sociedades, exceto as sociedades por ações, poderão aderir. 25 CPC Artigo 596 - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. e CC Artigo 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. 26 citado por Cunha Peixoto, A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, 2ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1958, vol. I, pag. 63. 27 Ascarelli Tulio, Problema das sociedades anônimas e Direito Comparado, São Paulo, Saraiva, 1945, pag. 275, nº. I, citado por Cunha Peixoto. 28 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 214: - As indicações contidas no artigo 997 não são exaustivas, aplicando-se outras exigências contidas na legislação pertinente para fins de registro. 29 Enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil Enunciado CJF nº 383: A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - artigo 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no artigo 997 (irregularidade superveniente - artigo 999, parágrafo único) conduzem à aplicação das regras da sociedade em comum (artigo 986). 12 Artigo 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou pú- blico, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação30, objeto, sede e prazo da sociedade31; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qual- quer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços32; VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.33 Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrá- rio ao disposto no instrumento do contrato. e Artigo 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas nor- mas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.34 30 30 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 213: - O artigo 997, inc. II, não exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou razão social. 31 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 213: - O artigo 997, inc. II, não exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou razão social. Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 215: - A sede a que se refere o caput do artigo 998 poderá ser a da administração ou a do esta- belecimento onde se realizam as atividades sociais . 32 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 222: - O artigo 997, V, não se aplica a sociedade limitada na hipótese de regência supletiva pelas regras das sociedades simples. Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 206 - A contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços é permitida nas socieda- des cooperativas (artigo 1.094, I) e nas sociedades simples propriamente ditas (artigo 983, 2ª parte). 33Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15.09.2002) Enunciado nº 61: - o termo "subsidiariamente", constante do inc. 8º do artigo 997 do Código Civil, deverá ser substituído por "solidariamente" a fim de compatibilizar esse dispositivo com o artigo 1.023 do mesmo Código. Enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil Enunciado CJF nº 384: Nas sociedades personificadas previstas no Código Civil, exceto a cooperativa, é ad- missível o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações pertinentes ao acordo de acionistas. 34 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF 13 Artigo 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do artigo 997, e, se for o caso, a firma social.35 O contrato social ou contrato de sociedade é no dizer de Maria Helena Diniz36: “ convenção por via da qual duas ou mais pessoas (naturais ou jurídicas) se obrigam a conjugar seus esforços ou recursos ou a contribuir com bens ou serviços, para a consecução de fim comum, ou seja, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” Dispõe o artigo 981 do Código Civil que: Artigo 981 - Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obri- gam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados. Essa definição genérica de contrato social sofre restrição importante quando se trata de con- trato de sociedade limitada porque, como determina o § 2˚. do artigo 1.055 do Código Civil, na soci- edade limitada não é possível a contribuição de sócio que consista em prestação de serviços.37 O contrato de sociedade é um contrato bilateral, oneroso, consensual e comutativo. A bilateralidade surge quando duas ou mais pessoas se obrigam reciprocamente à contribui- ção para o empreendimento e à partilha entre si dos resultados. Comoadverte Maria Helena Diniz38, Enunciado nº 217: - Com a regência supletiva da sociedade limitada, pela lei das sociedades por ações, ao sócio que participar de deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade aplicar-se-á o disposto no artigo 115, § 3º, da Lei n. 6.404/76. Nos demais casos aplicam-se o disposto no artigo 1.010, § 3º, se o voto proferido foi decisivo para a aprovação da deliberação, ou o artigo 187 (abuso do direito), se o voto não tiver prevalecido. Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 222: - O artigo 997, V, não se aplica a sociedade limitada na hipótese de regência supletiva pelas regras das sociedades simples. Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 223: - O parágrafo único do artigo 1.053 não significa a aplicação em bloco da Lei n. 6.404/76 ou das disposições sobre a sociedade simples. O contrato social pode adotar, nas omissões do Código sobre as sociedades limitadas, tanto as regras das sociedades simples quanto as das sociedades anônimas. 35 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 214: - As indicações contidas no artigo 997 não são exaustivas, aplicando-se outras exigências contidas na legislação pertinente para fins de registro. 36 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 111 37 Artigo 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. ................................................................................................ § 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. 38 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 113 14 em consentâneo com Waldo Fazzio Junior e Rubens Requião, (mencionados por ela), essa bilaterali- dade seria mais bem entendida como uma plurilateralidade, não no sentido de existência de mais de dois sócios, mas no sentido de que, diferentemente do que ocorre nos contratos bilaterais, quando a falta de cumprimento de uma obrigação por um dos sócios leva à possibilidade de rescisão contratual, aqui os sócios “caminham lado a lado para a obtenção de um bem comum”. O referido contrato é oneroso porque os sócios assumem, pela subscrição, a obrigação de integralizar suas quotas, e em decorrência da participação societária o direito de participar da distri- buição dos lucros. É, como regra geral, consensual, dada a possibilidade da existência da denominada sociedade comum39, na qual basta o consentimento das partes para a sua formação (sociedades irregulares ou de fato40), exigindo-se, todavia, contrato escrito para a sociedade limitada, cuja existência depende, ainda, de arquivamento do ato constitutivo na Junta Comercial. Esse contrato também é comutativo, porque na subscrição das suas respectivas quotas os só- cios já sabem, de antemão, o montante de sua participação. A possibilidade de terem de arcar com eventuais prejuízos (álea) não desnatura a comutatividade do contrato social. Durante muito tempo a doutrina debateu sobre a natureza jurídica do ato constitutivo das sociedades, com fundamento nos estudos de TULIO ASCARELLI41, que afirmava que a sociedade resulta de um ato complexo, no qual se fundem as vontades dos participantes, resultando na manifes- tação de uma só vontade. As teorias anticontratualistas que se seguiram, entretanto, não encontraram eco no direito brasileiro porque, tanto o artigo 1.363 do Código Civil de 191642, como o atual artigo 981 do novo Código Civil de 200243, consagra a natureza contratual do ato criador das sociedades. Como nos ensina PEREIRA CALÇAS44: Por isso, pode-se afirmar que o principal efeito do contrato de sociedade é a cons- tituição de um sujeito de direito, uma pessoa jurídica, totalmente distinta dos sócios que a criaram, com personalidade jurídica, autonomia patrimonial, nome empresa- rial e domicílio próprio. 39. artigos 986 a 990 do Código Civil. 40. artigos 304 e 305 do Código Comercial revogado. 41 ASCARELLI, Tulio, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, São Paulo, Editora Sa- raiva,1945, p. 274, 42 "Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar os seus esforços ou recursos para lograr fins comuns." 43 "Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou ser- viços, para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados." 44 PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz, Sociedade limitada no novo código civil, São Paulo, Ed. Atlas, 2003, p. 43 : 15 O “NOMEM JURIS”: SOCIEDADE LIMITADA A denominação SOCIEDADE LIMITADA, encontrada nos artigos 1.052 a 1087 do Código Civil (Lei Federal n˚. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Capítulo IV do Título II do Livro II), não pode ser entendida na sua expressão literal. A sociedade empresarial, assim denominada, não apresenta nenhuma limitação, sob qualquer ponto de vista. A “limitação” contida em seu nomen juris se refere à limitação da responsabilidade dos sócios quanto aos efeitos decorrentes da ação da pessoa jurídica. Na sociedade em nome coletivo, e nas sociedades onde existem sócios solidários45, estes res- pondem, com o seu patrimônio pessoal, pelas dívidas contraídas e não pagas pela pessoa jurídica. Por enquanto, queremos apenas enfatizar que o nome da sociedade poderia ter sido adotado como SOCIEDADE POR QUOTAS para manter uma coerência lógica com as determinações da Lei Federal n˚. 6.404/76, que cuida das SOCIEDADES POR AÇÕES. O Enunciado n˚. 65 do Conselho da Justiça Federal46 já orientou no sentido de que: A expressão ‘sociedade limitada’ tratada no artigo 1.052 e seguintes do Código Ci- vil, deve ser interpretada stricto sensu como sociedade por quotas de responsabili- dade limitada. A alteração do nomen juris de “sociedade limitada” para “sociedade por quotas”, para se manter a coerência com a denominação das “sociedades por ações”, contudo, esbarra em três in- transponíveis argumentos: a) o histórico, que se apegam às denominações adotadas pelos outros países para identificar esse tipo societário, desde a sua criação até os nossos dias; b) o prático, que impede a alteração do nome até então utilizado porque a mudança acarretaria a necessidade da alteração contratual em todas as sociedades limitadas existentes, o que seria inimagi- nável; e, c) o fato de que a expressão limitada, por extenso ou abreviadamente constitui parte inseparável do próprio nome desse tipo societário. CAPITULO III OS SÓCIOS QUOTISTAS Todos sabemos que a higidez do negócio jurídico depende de três pressupostos: a) ter sido celebrado entre pessoas capazes; 45 O sócio ostensivo na sociedade em conta de participação e os contratantes de um consórcio (artigo. 278 da Lei das S/As.) 46 Enunciado n˚. 65 da Jornada de Direito Civil da CJF de 11 a 15/09/2002 16 b) ser lícito o seu objeto; e, c) observar a forma prescrita em lei (CC. artigo 104).47 O contrato social é um negócio jurídico, e, como tal, exige, para a sua eficácia, a observância dessas três condições essenciais, sob pena de ser considerado nulo, e, portanto, sem qualquer efeito, passado ou futuro. Entretanto, no caso de constituição de sociedade empresária limitada, a lei impõe outras con- dições acerca da capacidade das partes contratantes,sendo certo, também, e não podemos nos esque- cer disto, que a incapacidade, tida como restrição legal ao exercício de negócios jurídicos, deve ser encarada restritivamente, considerando-se o princípio de que “a capacidade é a regra e a incapacidade, a exceção”. (RTJ. 95/1349).48 As pessoas naturais, capazes e não impedidas, podem fazer parte do contrato social, assim como, nada obsta que as pessoas jurídicas, regulares, devidamente representadas, possam constituir uma sociedade limitada. Também podem celebrar contrato de sociedade pessoas naturais com pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas, para comporem uma sociedade limitada com pessoas naturais ou com outras pessoas jurídicas devem ser brasileiras. As estrangeiras dependem de autorização do Poder Executivo (artigo 1.134 do Código Civil): Artigo 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabeleci- mentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira. OS MENORES E OS INCAPAZES A possibilidade de menores, incapazes ou relativamente capazes, de participarem, como só- cios, da sociedade limitada é o objeto da nossa primeira preocupação, pois a literalidade do disposto no artigo 104 do Código Civil que exige, para a validade do ato jurídico, a capacidade do contratante, aponta para a proibição legal de menores comporem o quadro social das limitadas. Se obedecido o princípio estabelecido pelo artigo 104 do Código Civil, os menores não pode- riam participar de qualquer negócio jurídico, e, portanto, não poderiam ser sócios da sociedade limi- tada, por falta de capacidade jurídica para tanto. Todavia, em 1976, em virtude da morte de um sócio de uma sociedade por quotas de respon- sabilidade limitada (como era chamada, então, a sociedade limitada pelo DL. 3708/1919), a Junta 47 Artigo 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. 48 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 67. 17 Comercial do Estado de São Paulo se recusou a arquivar alteração contratual que incluía no lugar do sócio falecido o seu herdeiro, menor de idade. A questão foi ao Judiciário, através de Mandado de Segurança, e após ter sido concedida em todas as instâncias, o Supremo Tribunal Federal, que em memorável Acórdão, proferido no Recurso Extraordinário n˚. 82.433-SP, de 1982, de lavra do então ministro Xavier de Albuquerque estabeleceu a possibilidade de ingresso de menor, por sucessão, na sociedade limitada, desde que devidamente representado ou assistido.49 A jurisprudência que se seguiu, no Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade da parti- cipação de incapazes nas sociedades limitadas, fez com que o DNRC (Departamento Nacional de Registro do Comércio) orientasse as Juntas Comerciais para aceitar o arquivamento de contratos so- ciais de constituição dessas sociedades, e mesmo alterações contratuais, desde que se observassem três requisitos: a) a gerência ou qualquer tipo de administração não poderia ser exercida pelo menor; b) o capital social deveria estar totalmente integralizado; e c) o incapaz deveria estar representado ou assistido, conforme o caso. Sobre a participação de menor, ver Fabio Ulhôa Coelho50 É importante consignar que o DNRC tinha, por força do disposto no artigo 4°. da Lei Federal n°. 4.726/65 poderes para expedir normas com a finalidade de resolver dúvidas na interpretação e aplicação das leis comerciais, e usando dessa prerrogativa editou a Instrução Normativa n°. 12, em 26 de outubro de 1986, pela qual as Juntas Comerciais deveriam permitir o arquivamento dos atos constitutivos de sociedades limitadas, desde que observadas as três condições anteriormente referidas: proibição de exercício de gerência, integralização total do capital social e observância das regras do direito civil para a manifestação da vontade do menor (representação ou assistência). Entretanto em 1994, a Lei Federal n°. 8.934 revogou a lei anterior, e até hoje, com exceção do disposto no artigo 974 do Código Civil, não há nenhuma regra legal sobre a participação de menores nas sociedades limitadas. Por isso, a matéria, hoje, ainda se presta a algumas discussões tanto que o Enunciado n°. 203, aprovado na III Jornada de Direito Civil do CEJ do Conselho da Justiça Federal preconiza: O exercício da empresa por empresário incapaz, representado ou assistido somente é possível nos casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte. 49 confira-se RT. 478/96 e RTJ. 70/608 : “EMENTA : Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Participação de menores, com capital integralizado e sem poderes de gerência e administração, como cotistas. Admissibilidade reconhecida, sem ofensa ao artigo 1˚. do Código Comercial.” 50 Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 18a. edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2014, p. 418 18 Assim, ao teor do que determina o artigo 974 do Código Civil: Artigo 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. § 1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das cir- cunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou represen- tantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros. poderíamos concluir que os incapazes (os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (incisos I, II e III do artigo 3˚. do Código Civil), e os relativamente capazes (os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; os pródigos; e os índios cuja capacidade é regulada pela Lei (incisos I a IV e § único do artigo 4˚. do Código Civil), só poderiam fazer parte de uma sociedade limitada desde que devidamente representados ou assistidos, e apenas por continui- dade antes da perda da capacidade ou por sucessão, mas, sempre, dependente de autorização judicial, obtida mediante pedido de alvará. Autorização esta que poderá ser posteriormente revogada pelo juiz. Assim, ao contrário da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da orientação do DNRC para as Juntas Comerciais, a literalidade do artigo 974 do Código Civil dispõe que não poderão ser sócios os menores, mesmo se representados ou assistidos, de forma original. Ou seja, só podem ser sócios, como permite o artigo, por sucessão. Entretanto, não é esta a posição do DNRC que, como vimos no modelo de contrato social por ele divulgado, os incapazes podem ser sócios da sociedade limitada, que de forma original, quer por sucessão, desde que observadas as condições que haviam sido estabelecidas pela jurisprudência e promulgadas pela, hoje revogada, Instrução Normativa n°. 12 de 1986. Não podemos nos esquecer, ainda, dos casos previstos no parágrafo único do artigo 5˚. do CódigoCivil que trata da possibilidade de cessação do estado de incapacidade pelo advento dos fatos ali arrolados. Assim estabelece o parágrafo único do artigo 5˚. do Código Civil: Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: 19 I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ou- vido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de em- prego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. A MULHER CASADA A menção à possibilidade jurídica de a mulher casada compor o quadro societário, neste tra- balho, tem a finalidade de fazer notar a evolução do direito brasileiro com relação à condição inferior da mulher estabelecida pelo revogado Código Civil de 1916, e do avanço conquistado pela legislação, estabelecendo a igualdade jurídica entre os sexos. A mulher casada, ao tempo da vigência do Código Civil de 1916, pela redação do seu artigo 6˚. era “incapaz relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer”. Somente em 1962, a Lei Federal n˚. 4.121, de 27 de agosto de 1962, revogou tal dispositivo, e colocou fim ao longo período de tempo que a mulher casada era considerada relativamente capaz, submetida aos caprichos e a vontade de seu marido. Artigo 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempe- nho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do artigo 1.647; II - administrar os bens próprios; III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do artigo 1.647; V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente. 20 A Lei Federal n˚. 4.121/62, denominada de Estatuto da Mulher Casada, restaurou a dignidade da mulher, constituindo-se em notável avanço normativo, que hoje, com o advento do novo Código Civil, chega a sua plenitude com as disposições constante do artigos 1.642: A mulher casada, portanto, livrou-se definitivamente das amarras oriundas da cultura medie- val, e, hoje, tem plena capacidade jurídica para celebrar contrato de sociedade, sem necessidade de outorga uxória. Era comum, durante a vigência do Decreto Lei n˚. 3.708/19, a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada entre marido e mulher, em que o marido constituía a sociedade mantendo para si 99%, ou mais, do capital social e atribuindo a mulher os restantes 1%, ou menos, apenas para compor e quadro societário e evitar a possibilidade de responder, como empresário indi- vidual, com o seu patrimônio particular pelas dívidas da sociedade. Eram as denominadas “sociedades de palha”.51 A atividade empresarial do marido era protegida pela personalidade jurídica da sociedade as- sim constituída, e seu patrimônio pessoal só estaria comprometido se e quando agisse contra a lei ou contra as normas de seu contrato social, como determinava o artigo 596 do Código de Processo Civil: Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei Todavia, a jurisprudência, ao analisar as hipóteses segundo as quais isso ocorria, insistia em considerar comum o patrimônio societário e o patrimônio conjugal, fazendo o ônus incidir sobre os bens particulares do casal. Tais decisões tinham por fundamento a confusão patrimonial entre os bens societários e os bens conjugais, uma vez que marido e mulher eram os únicos sócios da sociedade. O novo Código Civil, em seu artigo 977, para resolver essa questão, determinou: Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. Fabio Ulhôa Coelho52 defende a tese da inconstitucionalidade do artigo 977 do novo Código Civil, sob o argumento de que tal dispositivo infringe a norma constitucional inserta no inciso XVII do artigo 5˚. da Constituição Federal de 1988, que assegura a livre associação para fins lícitos.53 51 Ver Salomão Filho, Calixto, A sociedade unipessoal, São Paulo, Malheiros Editores, 1995 52 Coelho, Fabio Ulhôa, apud Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 102 53 XVII - Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra- sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ................................................................................................................. XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; 21 Não compactuamos com o emérito professor por entendermos que vale para o caso, na solução da pseudo-antinomia54, a aplicação da regra da especialidade, pois, muito embora a regra constituci- onal do inciso XVII do artigo 5˚. preveja a liberdade de associação lícita, o artigo 977 do Código Civil específica essa possibilidade, dada a possibilidade de confusão patrimonial. O mesmo ocorre, guardadas as devidas proporções, nas limitações legais às associações entre brasileiros e estrangeiros para o exercício de determinadas atividades empresariais (por exemplo: participação em empresas de navegação aérea – Lei Federal n˚. 7.565/86 e Decreto n˚. 92.319/86; ou de médicos nas sociedades empresariais cujo objeto seja farmácia – Lei Federal n˚. 5.991/73). O fundamento de tal proibição é na opinião de Paulo Salvador Frontini55 a confusão, no regime de comunhão universal, entre o patrimônio social e o patrimônio conjugal, e a evidente alteração de regime conjugal, no caso de separação obrigatória, uma vez que sociedade significa comunhão de interesses e patrimônio. Quanto à proibição contida no artigo 977 do Código Civil de 2002 de constituição de socie- dade empresária limitada entre cônjuges que adotaram o regime de comunhão universal ou de sepa- ração obrigatória, cumpre esclarecer que a proibição se refere à participação dos cônjuges numa única sociedade. Não haverá obstáculo legal se os cônjuges participarem, cada um, de sociedades limitadas diferentes. Importante ressaltar, também, que a proibição se estende aos casos de ingresso de um dos cônjuges em sociedade preexistente da qual participe o outro cônjuge.56 O Código Civil, de 2002, prevê no seu artigo 2.031, que: “As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007. (Redação dada ao caput pela Lei nº. 11.127, de 28.06.2005)”. Grande celeuma se estabeleceuna doutrina, em face do que dispõe o artigo 6˚. da Lei de Intro- dução ao Código Civil, que prescreve: Artigo 6º. - A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 01.08.1957) 54 vide MODESTO DE PAULA, Luiz Gonzaga, Lacunas e antinomias em direito tributário, São Paulo, Revista dos Tribunais n˚. 539, p. 24 e sgts. 55 in “Sociedade comercial ou civil entre cônjuges, inexistência, validade, nulidade, anulabilidade ou descon- sideração desse negócio jurídico?” na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo – JTACSP, vol 78, p. 6. 56 cf. Enunciado 206 do Conselho da Justiça Federal na III Jornada de Direito Civil. 22 A questão era de se saber se as sociedades constituídas, antes da entrada em vigor do novo Código Civil, entre marido e mulher casados sob o regime de comunhão universal de bens ou de separação obrigatória, estariam obrigadas a obedecer ao mandamento contido no artigo 2.031 do novo Código Civil ou prevaleceria o princípio da irretroatividade, inscrito no artigo 6˚. da Lei de Introdu- ção. Na III Jornada de Direito Civil, patrocinada pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado n˚. 204, que assim dispõe: A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime de comunhão univer- sal ou de separação obrigatória só atinge as sociedades constituída após a vigência do Código Civil de 2002. Como tal Enunciado não tinha força vinculatória, mas servia apenas de orientação, a dúvida sobre a sua aplicabilidade foi espancada pelo PARECER JURÍDICO DNRC/COJUR n˚. 125/2003, que entendeu: “...em respeito ao ato jurídico perfeito essa proibição não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código”. Portanto, as sociedades limitadas constituídas antes de 11 de janeiro de 2003, data em que entrou em vigor no novo Código Civil, não se submetem à necessidade de qualquer alteração contra- tual. Todavia, isto não quer dizer que em caso de causarem prejuízos a terceiros, não estejam a salvo da possibilidade de terem decretada judicialmente a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em face da evidente confusão patrimonial no caso de regime conjugal de comunhão universal de bens, ou fraude no caso de regime de separação obrigatória. OS IMPEDIDOS A legislação cuidou de estabelecer uma série de impedimentos para o exercício da empresa, seja para um empresário individual, seja para um partícipe de sociedade empresária (com exceção da participação em sociedades anônimas, desde que não exerça, direta ou indiretamente, cargos em ór- gãos de administração da mesma), sob o fundamento de resguardo da ordem pública.57 Assim, muito embora capazes para praticar todos os atos da sua vida civil, os impedidos estão proibidos, por lei, de exercer a empresa, na forma individual, especialmente, e na forma societária, exceto a anônima. Se qualquer dos impedidos vier a ser sócio de sociedade empresária ou for administrador de sociedade anônima, além das penalidades administrativas e penais (Decreto Lei n˚. 3.688/41 – Lei das Contravenções Penais, artigo 47 - exercício ilegal de profissão) que poderão sofrer em razão de 57 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 90. 23 disposições contidas na legislação especial de regência da sua atividade58, deverão responder com o seu patrimônio particular pelos prejuízos causados. Muito embora o agente sofra essas restrições, os atos praticados serão válidos perante tercei- ros e onerarão a sociedade (artigo 973 do Código Civil)59. São impedidos de celebrar contrato de sociedade: os Chefes do Poder Executivo, nacional, estadual ou municipal (Lei Federal n˚. 8.112/90 – inciso X do artigo 117); os membros do Poder Legislativo, como senadores, deputados federais e estaduais e vereado- res, se a empresa “goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada” (CF. artigos 54, inciso II, letras “a” e “b” e artigo 55, inciso I); os Magistrados (Constituição Federal de 1988, artigo 95 § único, Lei Complementar n˚. 35/79, artigos 36, incisos I e II); os membros do Ministério Público Federal (Constituição Federal de 1988 artigo 128 § 5˚., II “c” e Lei Federal n˚. 8.625;93, artigo 44, inciso II); os empresários falidos, enquanto não forem reabilitados (Lei de Falências e Recuperação Ju- dicial – Lei Federal n˚. 11.101/2005, artigo 102); as pessoas condenadas à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públi- cos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou con- tra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdu- rarem os efeitos da condenação (Código Penal artigo 47, inciso I, e Código Civil artigo 1.011 § 1˚.); os leiloeiros (Decreto n˚. 21.981/32, artigo 36); os cônsules, nos seus distritos, salvo os não remunerados (Decretos n˚s. 24.113/34, artigos 48 e 49, 4.868/82, artigo 11 e 3.529/89, artigo 42); os médicos, para o exercício simultâneo da farmácia; os farmacêuticos, para o exercício si- multâneo da medicina (Decretos n˚s. 19.606/31, 20.877/31, Lei Federal n˚. 5.991/73 e Decreto Lei n˚. 3.988/89, artigo 42); os servidores públicos civis da ativa, federais (inclusive Ministros de Estado e ocupantes de cargos públicos comissionados em geral) – (Lei Federal n˚. 1.711/52)60. Em relação aos ser- vidores estaduais e municipais, cada estado federado e cada município tem legislação própria, no mesmo sentido. os servidores militares da ativa das Forças Armadas e das Polícias Militares (Constituição Federal de 1988, artigo 42 § 1˚., Código Penal Militar artigos 180 e 204, Decreto Lei n˚. 1.029/69, artigo 35, Lei Federal n˚. 6.880/80, artigos 29 e 35); estrangeiros (sem visto permanente) (Lei Federal n˚. 6.815/80, artigos 13, 98 e 99); 58 Artigo 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa. 59 Artigo 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, respon- derá pelas obrigações contraídas. 60 Os servidores públicos não poderão ser empresários individuais e nem exercer a gerência ou qualquer cargo administrativo de sociedades empresárias, mas poderão ser sócios ou acionistas não administradores (Lei Fe- deral n˚. 8.112/90, artigo 117, inciso X). Só é vedada a administração de sociedade empresarias. Em sociedades de economia mista poderão participar do Conselho de Administração (Medida Provisória n˚. 1.794/98). O presidente e os conselheiros do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica não poderão partici- par de sociedade empresária. (Lei Federal n˚. 8.884/94, artigo 6˚. inciso III) 24 estrangeiros naturais de países limítrofes, domiciliados em cidade contígua ao território naci- onal; estrangeiro (com visto permanente), para o exercício das seguintes atividades (CF. artigo 176 § 1˚., artigo 222): os devedores do INSS (Lei Federal n˚. 8.212/91, artigo 95, § 2˚.) portugueses, no gozo dos direitos e obrigações previstos no Estatuto da Igualdade, compro-vado mediante Portaria do Ministério da Justiça, podem requerer inscrição como Empresários, exceto na hipótese de atividade jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; brasileiros naturalizados há menos de dez anos, para o exercício de atividade jornalística e de radiodifusão de sons e de sons e imagens. A capacidade dos índios para o exercício de atividade empresarial deverá ser regulada por lei especial.” 61 a) pesquisa ou lavra de recursos minerais ou de aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica; b) atividade jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; c) serem proprietários ou armadores de embarcação nacional, inclusive nos serviços de navegação fluvial e lacustre, exceto embarcação de pesca; d) serem proprietários ou exploradores de aeronave brasileira, ressalvado o disposto na legislação específica; 61 Redação da Instrução Normativa n˚. 97, de 2003 do DNRC, acrescida da indicação da legislação de regên- cia. 25 CAPITULO IV O CAPITAL SOCIAL E AS QUOTAS Como já vimos anteriormente, qualquer atividade empresarial exige a reunião de recursos para a produção ou a circulação de bens e serviços. Dentre esses recursos, o mais importante deles é o dinheiro necessário para que a atividade empresarial possa ser desenvolvida, e ele é obtido pela con- tribuição dos sócios na formação do patrimônio inicial da pessoa jurídica que irão criar. Esse mon- tante de dinheiro, bem como os bens móveis ou imóveis, concretos ou abstratos, que foram a contri- buição dos sócios na formação da pessoa jurídica, denomina-se capital social. Como veremos adiante, a formação do capital social pode ser feita em dinheiro ou em bens, proibida taxativamente a contribuição em serviço ou trabalho: Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. § 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidari- amente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. § 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. Diferentemente do que ocorre nas sociedades anônimas nas quais o capital social é dividido em ações de mesmo valor, nas sociedades limitadas as quotas sociais podem ter valores diferentes, ou como diz o artigo 1.055 do Código Civil, podem ser iguais ou desiguais. Veremos adiante estudos e propostas no sentido de não mais se dividir o capital em quotas, mas em porcentagem, o que tradu- zirá melhor a participação de cada sócio no montante do capital social. E a iniciativa se justifica porque uma das principais características da quota social é a sua imaterialidade e a impossibilidade de cartularização. Quando a integralização do capital social se fizer posteriormente, ou quando for feita por bens, materiais ou imateriais, móveis ou imóveis, essa circunstância deverá estar explicitada no con- trato social e em se tratando de contribuição em bens imóveis deverá constar a assinatura da mulher (se o sócio for casado) no próprio contrato social, como se vê no item 6 das Instruções do Departa- mento Nacional do Registro do Comércio: Quando a integralização se der em bens, a responsabilidade dos sócios, além de solidária até o montante a ser integralizado é de cinco anos a contar do registro da constituição da sociedade.62 62 Anotação: Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 224: - A solidariedade entre os sócios da sociedade limitada pela exata estimação dos bens con- feridos ao capital social abrange os casos de constituição e aumento do capital e cessa após cinco anos da data do respectivo registro. 26 O capital social é definido como a soma das contribuições dos sócios para a constituição do patrimônio inicial de uma sociedade. Carvalho de Mendonça63 mostra a diferença de conceitos de “capital social” e “patrimônio da sociedade” quando nos ensina que: “É, porém, sensível a diferença entre um e outro. - O capital social é o fundo originário e essencial da sociedade, fixado pela vontade dos sócios; é o monte cons- tituído para a base das operações. O fundo social é o patrimônio da sociedade no sentido econômico, a dizer, a soma de todos os bens que podem ser objeto de troca, possuídos pela sociedade; compreende não somente o capital social, como tudo que a sociedade adquirir e possuir durante a sua existência.” Por isso que enfatizamos que o capital é a soma das contribuições dos sócios para a formação do patrimônio inicial da sociedade. A identificação entre capital social e patrimônio dura um átimo de tempo, existente apenas antes da primeira escrituração contábil, onde a soma da contribuição dos sócios é escriturada como capital social e a sua contrapartida é lançada em conta de ativo. Nesse momento, ocorre a dissociação completa entre o conceito de capital social e de patrimônio. Este tido como a soma de todos os bens da sociedade, inclusive o capital social. A partir desse fato, o valor escriturado como capital social para a ser fixo, imutável e intangí- vel enquanto que o patrimônio “entra em constante mutação”, como afirma José Waldecy Lucena.64 Nas sociedades limitadas, o capital social tem indiscutível importância porque o artigo 1.052 do Código Civil determina que, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. É, pois, da essência da sociedade limitada a vinculação entre o montante do capital social e a responsa- bilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade. O valor da contribuição do sócio para a formação do capital social da sociedade que está sendo criada sai do seu patrimônio pessoal para compor o patrimônio da pessoa jurídica. E, a partir desse momento, são distintos e incomunicáveis os patrimônios dos sócios com o patrimônio da sociedade. Integralizado o capital social, os sócios nada mais devem, nem para a sociedade, e muito menos para terceiros. A exceção colocada pelo artigo 1052 do Código Civil, acima reproduzido, diz respeito à res- ponsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social. Depois de integralizado o 63 Carvalho de Mendonça, José Xavier, Tratado de direito comercial, vol. 3, n˚. 536, p. 28/29. 64 Lucena, José Waldecy, Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, 2a. ed. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1997, pag.115, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 2ª. Ed. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1997, p. 207. 27 capital nada devem para ninguém, e não respondem, com o seu próprio patrimônio, pelas dívidas da sociedade, exceto quando presentes as estritas hipóteses legais de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Como baliza desse entendimento, temos as previsões dos artigos 596 do Código de Processo Civil, e do artigo 1.024 do Código Civil, que prescrevem, respectivamente: CPC - Artigo 596 - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei;. CC - Artigo 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Parodiando José Waldecy Lucena65, que fazia as mesmas observações sobre as antigas regras do Decreto n˚. 3.708/1919, que então regia a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o
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