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Processo do Grupo Gestáltico Elaine Kepner Retirado do Livro “Além da Cadeira Quente” (Livro sem tradução oficial para português) Editados por Bud Feder e Ruth Ronall. Tradução livre de Afonso Henrique Lisboa da Fonseca Foreground? Descrevo neste capítulo o que chamo de “processo do grupo gestáltico,” que integra os princípios e práticas da Gestalt Terapia e das dinâmicas de grupo. É um modelo em que o líder usa lentes bifocais, prestando atenção ao desenvolvimento dos indivíduos no grupo e ao desenvolvimento do grupo como um sistema social. Desta perspectiva, o grupo é considerado não apenas como um conjunto de indivíduos, mas como um potente ambiente psicossocial que afeta profundamente aos sentimentos, atitudes e comportamentos dos indivíduos no sistema e, por outro lado, é profundamente afetado pelos sentimentos, atitudes e comportamentos do indivíduo. O capítulo é dividido em duas seções: a primeira parte trata de alguns antecedentes pessoais e históricos, e a segunda parte trata da teoria e prática desta abordagem bifocal do desenvolvimento pessoal em grupos. Parte I: Fundo Na verdade este capítulo começa a cinco anos atrás, quando, no meio do caminho de um workshop gestáltico de crescimento humano de três dias que eu estava conduzindo, um membro descontente pulou de sua cadeira, postou-se à minha frente e gritou, “Este não um grupo gestáltico verdadeiro, e você não é uma verdadeira líder gestáltica!” Respirei profundamente, centrei-me em minha cadeira, e pedí-lhe que especificasse as suas queixas. Numa sucessão de tiroteio, ele catalogou-as. Disse que eu não utilizei a cadeira vazia -- nem uma única vez, que eu o desencorajei a trabalhar um sonho na sessão de abertura até que mais suporte para este fim se desenvolvesse no grupo, que eu permiti aos indivíduos darem-se feed-backs uns aos outros e a envolverem-se em outros tipos de “merdas”. Desnecessário dizer que eu tive reações misturadas com relação a esta confrontação. Uma parte de mim sentiu-se defensiva e quis passar-lhe um detalhado resumé de minhas credenciais como terapeuta e líder de grupo gestáltico. Uma outra parte, o líder de grupo, aceitou com boas vindas o desafio. O seu comportamento significava que o grupo, através de um de seus membros, estava testando as fronteiras da autoridade.Posicionando-se contra mim como líder, esta pessoa 2 estava estabelecendo uma nova norma e talvez movendo o grupo no sentido de uma crescente diferenciação e autonomia. Foi deste ponto de vista que eu respondí. Fui deixada, entretanto, com fortes sentimentos de frustação misturados com desespêro. A questão que formou-se em minha mente foi, “Como é que veio a acontecer que tantos tenham malentendido o meio pela mensagem em Gestalt, e tenham confundido as técnicas e truques com a essência do método?” Neste capítulo, tento responder a minha própria questão e fazer a preleção sobre o processo do grupo gestáltico que eu queria ter dado, há cinco anos atrás, a este inquisidor cliente. Retrospectivamente, parece sábio que eu tenha escolhido reprimir aquela preleção. Naquele momento, eu estava lutando para integrar o que eu aprendera sobre grupos com os colegas no Gestalt Institute of Cleveland * e com pessoas de equipes com quem trabalhei no National Training Laboratories ** . Eu estava assimilando as fortes experiências em grupos e comunidades que a mim ocorreram como participante do Arica *** Training Institute, em São Francisco. Quando retornei a Cleveland, vindo da Costa Oeste, eu intencionalmente mudei o meu estilo de liderança, de Gestalt “terapeuta” para professor de processo a níveis intrapessoal, interpessoal e grupal. Eu não abandonei o trabalho individual em grupos, mas eu estava expandindo a minha consciência do “que é” para incluir estas outras dimensões. Tendo sido socializada como profissional em uma certa variedade de tipos de grupos, eu estava tentando integrar o que parecia ser uma certa quantidade de diferenças, conflitos e polaridades com relação a indivíduos e a sistemas. Quanto mais familar eu me tornei com cada polaridade, mais comecei a dar-me conta de que eu não tinha que fazer uma escolha excludente. Tendo lutado com estes dilemas por alguns anos, acredito agora que cheguei ao que é uma integração útil do que são para mim estas polaridades, integração que acredito será de utilidade para alguns colegas que estão interessados em algumas dessas mesmas questões. Este modelo está baseado em duas pressuposições: primeiro, de que o desenvolvimento do potencial criativo nos indivíduos depende, e está relacionado, com um sistema social bem funcionante e saudável; e segundo, que os grupos, como os indivíduos, atravessam estágios de desenvolvimento no processo de mudança que podem ser grosseiramente caraterizados, de um modo comportamental, como um movimento a partir da dependência, através da contradependência, no sentido da independência. Este modelo requer portanto uma mudança no papel e na atividade do líder ao longo do tempo(over time). Ele difere substancialmente da noção popular de grupos gestálticos, nomeadamente, aquela da terapia individual feita em um contexto grupal, tal como praticada por Fritz Perls e outros em seus workshops, e amplamente comunicada desta forma através de filmes e fitas de vídeo. Paradoxalmente, este modelo é construído sobre o que Fritz articulou na teoria da Gestal mas não praticou, por razões que devo abordar posteriormente. O que não é em geral entendido é que tanto a Gestalt terapia como a dinâmica de grupo desenvolveram-se de raízes comuns na psicologia e na filosofia. Assim, antes de descrever a forma como funciona este modelo integrado de processo grupal, quero preencher algo deste importante fundo histórico. * Instituto Gestáltico de Cleveland. ** Laboratórios Nacionais de Treinamento. *** Instituto Arica de Treinamento. 3 Essencialmente, o conceito de contato e de fronteira de contato, tão centrais na teoria gestáltica, são uma afirmação acerca do organismo individual num campo ambiental, e sobre a interação de um com o outro. Laura Perls (1976, p.223) dsecreve contato como um fenomeno de fronteira entre o organismo e o ambiente: “É o reconhecimento do outro, e a contenda com o outro, com o não eu, com o diferente, o estranho.” Na teoria Guestáltica nós também consideramos o indivíduo e o ambiente como um campo ou sistema unificado, no qual todas as partes são interdependentes, de modo que uma mudança em uma parte do todo afeta todas as outras partes. Esta relação entre o indivíduo e o ambiente é suscintamente colocada por Fritz Perls (1973, p.16) quando fala da fronteira de contato: Nenhum indivíduo é auto-suficiente; o indivíduo só pode existir num campo ambiental. O indivíduo é inevitavelmente, a cada momento, uma parte de algum campo, que inclui tanto a ele próprio como a seu ambiente. A natureza da relação entre ele e seu ambiente determina o comportamento do ser humano. Nesta nova visão geral, o ambiente e o organismo mantêm-se numa relação de mutualidade um para com o outro. Esta citação, ou uma similar, poderia ser tomada, de um modo igualmente fácil, a partir dos escritos de Kurt Lewin, o seminal pensador no campo das dinâmicas de grupo. Isto não é surpreendente, considerando que ambos esses homens derivaram seus modelos de mudança pessoal e social a partir de duas fontes: o trabalho dos psicólogos alemães, Koffka, Köhler e Wertheimer. (Cujos estudos experimentais em percepção e aprendizagem tornaram-se o fundamento da Psicologia da Gestalt); e as contribuições de um pesquisador e médico alemão,Kurt Goldstein, que estendeu estes princípios à totalidade da pessoa. Na medida em que cada um desses homens, Lewin e Perls, dedicaram-se à mudança comportamental, desenvolveram as suas idéias no que parecem ser campos de aplicação muito diferentes, e aparentemente polarizados -- indivíduos e sistemas. Lewin era um psicólogo social, e ainda que ele não perdesse o indivíduo de vista, o que para ele tornou-se “figural” foi o ambiente social. O maior objetivo para ele era a mudança social. Seu trabalho como um scholar e cientista pesquisador forneceu os fundamentos teóricos do campo da ciência comportamental aplicada, que inclui o que hoje é conhecido como dinâmicas de grupo, desenvolvimento organizacional e mudança de grandes sistemas. Perls era um médico e um psicoterapeuta. Para ele, o indivíduo era “figural” e a mudança individual era o objetivo maior de seu método. Perls, como Lewin, via o indivíduo a partir da perspectiva dos sistemas, mas enfocou a fenomenologia do sistema interpessoal. Na verdade, o objetivo maior em Gestalt Terapia é “curar as fragmentações” dentro dos subsistemas pessoais -- corpo, mente e alma --, a integração sendo definida como sendo a unificação e a disponibilização de todas as partes para o contato com o ambiente. Dado o fato de que Lewin e Perls enfocaram diferentes aspectos da configuração pessoa- ambiente total, não supreende que os seguidores de cada um tenham tendido a ignorar ou negligenciar o trbalho do outro. Ainda que Gestalt terapia e dinâmica de grupo tenham se desenvolvido simultaneamente nos Estados Unidos, correm cursos paralelos, ao invés de interseccionantes. Perls reconheceu a contribuição de Lewin para a psicologia da Gestalt, mas conservou-se um individualista e um terapeuta individual ao longo de sua carreira. Nunca 4 reinvidicou estar fazendo terapia de grupo. Numa palestra proferida para a American Psychology Association * , em Setembro de 1966, explicitou as formas em que ele diferia dos terapeutas de grupo e dos líderes de grupo de encontro: Em contraste com o tipo usual de encontro de grupo, conduzo a sessão, seja fazendo terapia individual ou conduzindo experimentos de massa. Frequentemente interfiro se o grupo joga jogos de opinião e interpretação ou tem encontros puramente verbais similares... No workshop Gestáltico, qualquer um que sinta o impulso pode trabalhar comigo. Eu estou disponível, mas nunca pressionante. Uma díade é temporariamente desenvolvida entre mim mesmo e o paciente; mas o resto do grupo está plenamente envolvido, ainda que raramente como como participantes ativos. Mais frequentemente eles agem como uma audiência que é estimulada a fazer um bom bocado de silenciosa auto-terapia (Perls, 1967, p.309). Não obstante, ainda que Perls tenha expressado a sua preferência por terapia individual num contexto grupal, naquele mesmo artigo ele disse que considerava ser a terapia individual ultrapassada, e que ela deveria ser substituída por workshops de grupo. Através de seus muitos anos de experiência, ele descobriu o poder de um grupo no processo de mudança individual, mas ele não explorou, ou pôde explorar, esta descoberta. Para Perls, os participantes em um workshop eram um conjunto de indivíduos. Ele os utilizava como uma audiência, considerando-os então como uma importante presença ou ambiente social que podia ser usados a serviço das necessidades do indivíduo; os participantes eram desencorajados a transformarem-se em um grupo. Este modelo particular de terapia um-para-um tinha uma outra raison d’être, além da de prefrência pessoal. O objetivo original e explicitamente compreendido dos workshops Guestálticos, nos anos ‘50 e início dos ’60, era o de treinar profissionais de saúde mental na teoria e métodos da Gestalt aplicada à terapia individual.. Fritz e Laura Perls inventaram esta estratégia de aprendizagem experiencial, acreditando que um método que enfatizasse a fenomenologia do “aqui e agora” necessitava ser experienciado no “aqui e agora”. Isto transformou-se numa estratégia muito criativa de comunicar e ensinar Gestalt como uma nova teoria e método de prática, especialmente tendo em vista a cena profissional que Laura e Fritz Perls adentraram, quando chegaram na Cidade de New York para estabelecer a sua prática. Naquele tempo, a abordagem psicanalítica estava firmemente entrincheirada nas instituições de treinamento em saúde mental, apoiada por uma vasta literatura e a host de jornais e sociedades profissionais devotados exclusivamente à abordagem analítica. Em contraste, apenas dois livros em Gestalt terapia haviam sido publicados por volta de 1952, quando estabeleceu-se o New York Gestalt Institute ** : Ego, Hunger and Aggression de Fritz Perls (1947) e Gestalt Therapy de Perls, Hefferline e Goodmann (1951). O método de workshop desenvolvido pelos Perls e posteriormente usado, dentre outros, por Isadore Fromm, Paul Goodmann e Paul Weisz, provou ser um dramático e efetivo modelo de ensino e uma poderosa forma de recrutamento para treinamento de profissionais de saúde mental. Foi um modelo apropriado para as necessidades e * Associação Americana de Psicologia. ** Instituto Guestáltico de New York. 5 objetivos de aprendizagem dos treinandos. Naquele tempo, os participantes nesses workshops eram ou terapeutas praticantes ou estudantes de graduação avançados em uma das disciplinas de saúde mental. Muitos deles tinham alguma experiência anterior como clientes em terapia. A maior parte deles tinham um bom cabedal sobre teorias psicoterapêuticas e prática clínica, mas pouco sobre o que fazer com um cliente vivo. Gestalt terapia, com a sua ênfase no que fazer e no como fazê-lo forneceu algumas ferramentas extremamente necessárias, e o ambiente de workshop tornou possível ver e experienciar os efeitos dos métodos. Dada esta história, podemos ver a dinâmica de grupo e a Gestalt Terapia como duas espécies de uma mesma linhagem. A partir dos fenótipos, ou das características superficiais, elas não parecem pertencer à mesma categoria. Elas não parecem similares, elas se vestem diferentemente, falam diferentemente, e frequentemente não pensam de um modo similar. Não obstante, elas têm o potencial para associarem-se, e criar uma nova, uma nova síntese. A Gestalt Emergente Esta nova forma, processo de grupo guestáltico, foi desenvolvida pela equipe do Gestalt Institute of Cleveland. Representa um integração de experiências daquela comunidade assim como as conceituações de um grupo de indivíduos naquela comunidade * Desde 1958 quando equipe Gestalt Institute of Cleveland começou a oferecer grupos guestálticos para o público em geral, três distintas formas de processo de grupo têm sido utilizadas: o modelo psicoterapêutico individualmente orientado; o modelo de crescimento pessoal, descrito algumas vezes “terapia para normais”; e o modelo orientado para o processo grupal, que eu devo descrever com maiores detalhes neste capítulo. Estes modelos têm algumas coisas em comum: nomeadamente, as perspectivas teóricas da Gestalt terapia, assim como certos métodos e técnicas que têm emergido da prática da Gestalt terapia. Não obstante, os objetivos ou tarefas de cada um desses grupos são substancialmente diferentes, e as intervenções do líder são dirigidas a diferentes níveis do processo fenomenológico em cada caso. Tem sido desenvolvido um esquema que pode ser útil na compreensão das diferenças entre estes tipos de grupo. David Singer et al (1975) caracterizou os pequenos grupos em termos de dois parâmetros: a) o principal objetivo ou tarefa do grupo; e b) os níveis psicológicos envolvidos natarefa. As tarefas grupais são colocadas em um contínuo que tem a aprendizagem (no sentido de mudança cognitiva/perceptual) em um extremo e mudança psicológica (no sentido de uma alteração da capacidade de enfrentamento das dificuldades, estrutura de personalidade, ou * Temos tido um processo comunitário no Gestalt Institute of Cleveland que torna difícil atribuir uma formulação a qualquer um individualmente. Desde que começamos a oferecer workshops e programas de treinamento para o público em 1958, a maioria dos programas têem sido planejados, esboçados e dirigidos por equipes em combinações variadas. Em função disto tem havido um processo contínuo e recíproco de aprendizagem em equipe, de modo que as formulações e práticas de qualquer pessoa tende a ser a síntese única daquela pessoa, antes que a contribuição única daquela pessoa. Não obstante, existem algumas pessoas cujas contribuições e perspectivas sobre dinâmica de grupo e processos sistêmicos têm sido altamente importantes e influentes. São eles Edwin Nevis, Carolyn Hirsch, Lukensmeier, Leonard Hirsch e Richard Wallen (falecido). 6 repertório de respostas) no outro extremo. Entre estes dois extremos está a região dos sistemas de tarefas duplas, com equivalentes tarefas de aprendizagem e de mudanças localizadas no ponto intermediário. Com o termo “níveis” estes autores estão se referindo aos três tipos de processos que estão ocorrendo simultaneamente em cada grupo: o processo intrapessoal, os processos interpessoais e os processos grupais. Os membros docentes originais do Gestalt Institute of Cleveland foram treinados pela equipe do New York Institute for Gestalt Therapy -- Fritz Perls, Isador From, Paul Goodmann e Paul Weisz. Em termos do esquema de Singer et al, todos os nossos professores operavam da perspectiva do modelo do grupo psicoterapêutico individualmente orientado. A mudança psicológica era a maior tarefa ou proposta dessa experiência de grupo, e as intervenções do líder eram primariamente no nível intrapessoal de funcionamento. Em sua maior parte, as transações interpessoais eram limitadas àquelas que ocorriam entre o líder e o membro do grupo. Este foi o modelo que nós naturalmente seguimos à medida em que começamos a conduzir nossos próprios grupos em Cleveland. Ao longo do tempo, entretanto, começamos a darmo-nos conta de que este tipo de processo grupal não era apropriado para as necessidades e características das pessoas que estavam vindo para nossos workshops. Por algum motivo, um certo número de membros do grupo considerou esta experiência intrapessoal intensiva uma experiência estressante, que requeria mais que um fim de semana para ser assimilada e integrada. Além do mais, a maior parte de nossos participantes queriam algo diferente do que serem curados de suas neuroses; eles queriam aprender algo sobre eles próprios e sobre a perspectiva Gestáltica, sobre filosofia e valores. Muitos deles não queriam tornar-se terapeutas; queriam encontrar melhores formas de relacionarem-se consigo próprios e uns com os outros, e ver talvez se a Gestalt poderia ser significativamente aplicada a sua vidas “do lado de fora”, como professores, homens de negócio, membros de família, etc. Gradualmente, a equipe começou a mudar para um modelo de crescimento pessoal, e a esboçar estas experiências com tarefas duplas, equivalentes, de aprendizagem e mudança. Em outras palavras, acrescentamos a tarefa de compreensão da Gestalt em um nível perceptual/cognitivo à tarefa de mudança pessoal. O principal foco de aprendizagem permaneceu sobre o nível intrapessoal de consciência, mas os líderes estimulavam e usavam as reações interpessoais entre os membros do grupo para facilitar a dupla tarefa de aprendizagem e mudança. Nossos papéis como líderes tornou-se mais variado e complexo. Tornamo-nos professores e outros significativos para os membros do grupo, assim como terapeutas. Dávamos pequenas palestras sobre teoria da Gestalt e sobre processo de mudança. Modelávamos o que estávamos ensinando compartilhando nossos sentimentos e percepções no aqui-e-agora.; usamos uma variedade de exercícios de modo que todos os membros do grupo pudessem ter alguma experiência comum da qual aprender sobre o seu funcionamento intrapessoal e interpessoal. O impulso para o desenvolvimento de um modelo expandido, que incluiria a aprendizagem dos membros sobre processos grupais, veio do fato de que alguns de nós experienciavam dissonância entre os nossos valores e aquilo em que as pessoas de fato eram reforçadas durante um grupo de desenvolvimento pessoal. Como equipe, tínhamos nos afastado de um modelo psicoterapêutico individualmente orientado parcialmente para evitar alguns 7 paradoxos e desequilíbrios desse tipo de processo de grupo, que, entre outras coisas, reforça o “culto do indivíduo” e cria uma relação líder dependente entre membros e líderes.* Não obstante, ainda que o modelo de grupo de crescimento pessoal facilita a aprendizagem sobre si próprio em relação com outros, e sobre a necessidade de transcender as próprias fronteiras no sentido de entrar em e manter relações interpessoais, o líder ainda mantém o papel central ao longo do processo do grupo, e os membros tendem a sair dessas experiências com a crença de que é suficiente expressar-se a si próprio e ser responsável por si no sentido de criar uma melhor vida pessoal, ou um melhor grupo familiar, de trabalho ou comunidade. Esta crença é não só ingênua mas disfuncional, na medida em que negligencia a realidade do ambiente social em que estamos todos envolvidos. Dados os persistentes dilemas e dificuldades que todos enfrentamos em tornarmo-nos seres humanos conscientes nesta vida, e vivermos como vivemos no contexto de uma nova ordem mundial que luta para nascer, não parece mais suficiente libertar o indivíduo no sentido de tornar-se mais diferenciado e individualizado sem trazer à baila as polaridades de relacionar-se e comprometer-se com o que transcende o si mesmo. Walter Kempler (1974, pp. 64-65), um terapeuta familiar guestáltico, escreveu eloquentemente sobre este ponto: Relacionar-se é sempre considerado opcional. Não é. Somos relacionados. A questão não é se, mas como. Os extremos de relação são separação e unidade. Separação é uma dimensão de relação, não uma ruptura dela... Das confusões de vizinhança das crianças às desafiantes tarefas de diplomatas nas Nações Unidas, todo esforço é caracterizado pelo infindavelmente ondulante desejo de separação e de unidade... Ainda que a melhor preparação para a união seja a separação bem sucedida, não é bastante para o terapeuta interromper-se neste ponto. Nem separação nem união é o objetivo do processo terapêutico, mas antes a exortação à interminável e frequentemente dolorosa ondulação entre eles. O processo de grupo guestáltico é, assim, um esforço para criar condições para aprendizagem sobre o que significa ser membro de um grupo (seja este grupo um grupo de crescimento pessoal, uma equipe de trabalho, uma família, ou uma comunidade), de modo que as polaridades e dilemas de separação e unidade podem ser experienciadas no contexto de crescimento pessoal. Parte II. Processo do Grupo Guestáltico Numa experiência de grupo guestáltico orientado para o processo, o líder está comprometido em trabalhar tanto com o indivíduo como com o grupo no sentido do * Como Yalom (1970 p.450) indicou com referência ao estilo de liderança de Fritz Perls: “... Perls estava assim agudamente consciente da necessidade de que cada indivíduo assumisse a responsabilidade por si próprioe por sua terapia . Muito do modus operandi de Perls era, de fato, explicitamente direcionado para este fim. Ainda assim, por sob a técnica, por sob o imperativo de assumir responsabilidade, o terapeuta guestáltico cria um paradoxo desconcertante: por um lado, ele exorta o paciente a ser e agir por si próprio, por outro, ele diz, através de seu estilo de liderança: ‘Eu assumirei a responsabilidade, eu o conduzirei. Dependa de mim para fornecer energia e técnicas engenhosas. 8 desenvolvimento de ambos. Edsta posição não é exclusiva. Tem sido desenvolvida e descrita por um certo número de praticantes de diferentes tendências teóricas, incluindo Bion (1961), o originador do modelo de Tavistock na Inglaterra, Berne (1966), em seu trabalho inicial com análise transacional de grupo, Whitaker e Liberman (1964), Yalom (1970) e Astrachan (1970). O que estou apresentando é uma integração desta perspectiva de grupo-como-um-sistema com a prática do Grupo Guestáltico. De alguma forma, um terapeuta guestáltico sempre trabalha a partir da perspectiva dos sistemas (seja o cliente um indivíduo, uma família ou um grupo) e considera a terapia como um processo que tem lugar dentro das fronteiras de um sistema social. Como todos os sistemas sociais, o sistema terapêutico consiste de pessoas, uma tarefa comum e um método para atingir esta tarefa. Em termos de Gestalt terapia, o crescimento pessoal pode ser descrito como um fenômeno de fronteira, o resultado de um contato entre o self e o ambiente. O terapeuta funciona como um professor de processo fenomenológico, e assiste o cliente no sentido de identificar como e de que formas a consciência e a energia estão sendo bloqueadas e a excitação e o contato com o ambiente estão sendo evitados. O terapeuta provê o cliente com algumas ferramentas de aprendizagem, nomeadamente métodos e técnicas guestálticas, e estabelece um tipo particular de ambiente de aprendizagem, não apenas pela forma como usa essas ferramentas, mas também pela relação emocional que é estabelecida com o cliente. No interior das fronteiras deste sistema social, processos fenomenológicos estão ocorrendo simultaneamente em todos os três níveis do sistema: o nível intrapessoal, o nível interpessoal e o nível dos sistemas. O que eu entendo como processo a nível dos sistemas são os padrões dinâmicos de interação que se desenvolvem entre pessoas ao longo do tempo e criam um modo de estar junto. Esses processos sistêmicos criam um meio social que afeta o modo como as pessoas sentem-se sobre elas próprias e umas sobre as outras, assim como o modo como comportam-se neste ambiente. Esses processos sistêmicos respondem por ser o todo maior do que a soma das partes. Alguns exemplos de processos sistêmicos são as crenças e pressuposições que as pessoas sustentam, o modo como desempenham as suas tarefas e tomam decisões, os papéis que desempenham, e as regaras e normas informais e formais que operam na relação. Dada a natureza do contrato na terapia individual, que é auxiliar o cliente a mudar pessoalmente, a maior parte das intervenções do terapeuta dirige a atenção do cliente para processos que estão ocorrendo que estão ocorrendo nos níveis intrapessoal ou interpessoal de consciência. O resultado * -- ou seja, o que é aprendido pelo cliente -- é, em grande medida, o que ocorre dentro da fronteira de sua pele; frequentemente, em considerável medida, o que ocorre no processo de fazer contato interpessoal, mas não muito o que desdobra-se ao nível diádico ou sistêmico. Isto é compreensível, na medida em que o terapeuta é parte do sistema, e isto torna difícil para o terapeuta ser um observador objetivo dos processos do sistema. Além do mais, o papel do terapeuta como professor e guia através dos labirintos dos processos fenomenológicos do indivíduo carece de certas prioridades. Trabalhando com indivíduos, as principais questões para o terapeuta são: “Como posso mobilizar os recursos a mim disponíveis de modo que expanda os potenciais de aprendizagem do cliente?” e “Como posso criar uma relação que promova condições ótimas de aprendizagem para este cliente?” * Output no original (N.T.). 9 Permita-nos mudar agora para a situação grupal. Em grupo existem muitos clientes presentes, e as possibilidades interacionais aumentam exponencialmente, particularmente se as condições são tais que os membros podem interagir uns com os outros assim como com o terapeuta. O terapeuta tem agora a oportunidade de ser o administrador de um processo de aprendizagem, um processo em que as questões críticas transformam-se em: “Como eu posso criar as condições que irão habilitar a essas pessoas mobilizarem-se umas às outras como recursos aqui?” “Como eu posso ajudá-los a criar tipos de relação que provejam o mais rico ambiente de aprendizagem para todos?” e “Como posso ajudá-los a desenvolver consciência das polaridades e escolhas entre cuidar dos indivíduos e cuidar do grupo?” Nos termos do esquema de Singer et al. previamente discutido, o líder do processo de grupo gestáltico acrescenta a tarefa de aprendizagem de consciência dos processos grupais à tarefa de consciência intrapessoal e interpessoal. Esta nova tarefa requer uma mudança no papel e habilidades do líder. O líder que relaciona-se com o grupo-como-um-sistema assim como com os processos intrapessoais e interpessoais em andamento é como um equilibrista que tem uma variedade de bolas, cada uma delas de um tamanho e formas diferentes, e que devem ser mantidas em movimento e equilíbrio. O líder tem três tipos de escolha de papel disponíveis, que determina o nível em que a intervenção terá lugar. Ela/Ele pode funcionar como terapeuta para um indivíduo, como facilitador de processos interpessoais ou como um consultor para o grupo-como- sistema. Obviamente, o líder pode intervir em apenas um nível de cada vez, e as suas prioridades implícitas ou explícitas determinam qual nível de aprendizagem será perseguido às expensas dos outros. Para ilustrar, permita-nos considerar os seguintes exemplos: É o segundo encontro de um grupo de crescimento pessoal em que todos os membros estão também envolvidos num programa de treinamento gestáltico residencial intensivo de um mês de duração. Este grupo consiste de seis membros mulheres e quatro homens. Uma das mulheres começa a sessão dizendo, Uau! Isto vai ser interessante -- existem tantos homens e mulheres fortes aqui!” Sam replica, “Sua colocação me dá raiva. Sinto-me excluído aqui apenas pelo fato de ser homem.” Uma outra mulher, Alice, sentada do outro lado da sala, diz numa voz trêmula, “Eu quero excluir você. Eu quero excluir todos os homens de minha vida agora. Quando Sam lhe pergunta “Mas porquê eu?” Alice mergulha numa longa lista de queixas sobre o seu comportamento com ela (ou mais acuradamente sobre o sentido que ela está apreendendo do que ele disse para ela e como ele comportou-se com ela nos seus encontros tanto no grupo quanto fora dele). Ela conclui colocação dizendo, “Estou com raiva de você porque você não está sendo forte o suficiente comigo, e eu termino fazendo todo o trabalho de construção da relação, e eu estou estupidamente enjoada e cansada de fazer isto!” Esta pequena sequência pode ser vista e respondida em qualquer um dos três níves do sistema. Se o terapeuta decide intervir no nível intrapessoal, Alice trabalharia sobre sua raiva com relação a homens em geral e, talvez, com relação a Sam em particular. Se a intervenção é dirigida ao nível interpessoal, ambas as partes seriam encorajadas a explorar as suas pecepções uma da outra, os seus padrões de comunicação, as suas diferenças. Ao nível do grupo,o líder chamaria a atenção para esta sequência interacional como uma sequência em que os membros do grupo estão 10 falando acerca de um critério de aceitação para a participação neste grupo. Cada uma dessas intervenções dá uma mensagem diferente sobre a principal tarefa de aprendizagem do grupo e sobre que tipos de interações serão atendidas e constituirão uma prioridade nesta experiência. Dadas as múltiplas tarefas de aprendizagem do grupo e os múltiplos papéis do líder que são operacionalizados através da escolha do nível de intervenção, que linhas mestras podem ajudar o líder na elaboração dessas escolhas? O que eu tenho achado útil é um referencial que conceitua o grupo em termos de estágios de desenvolvimento. Este referencial é baseado no referencial desenvolvido por Schutz (1966) para compreender o comportamento de indivíduos em grupos e a dinâmica do processo do grupo. Ele sugere que existem três categorias de necessidades que as pessoas trazem para o grupo, e que essas necessidades, interrelacionadas, tendem a emergir numa ordem hierárquica: a necessidade de afiliação ou de pertencer; a necessidade de autonomia; e a necessidade de afeição. Num nível emocional, essas necessidades são experienciadas como questões em torno de identidade, poder e influência, e intimidade. Certos tipos de comportamento são associados a cada uma dessas necessidades e questões emocionais: a necessidade de afiliar-se e pertencer e de estabelecer a própria identidade produz comportamento dependente; a necessidade de autonomia mobiliza o indivíduo para testar os limites da autoridade e controle, e produz comportamento contradependente; a necessidade de afeto e intimidade motiva as pessoas a relacionarem-se efetivamente umas com as outras e comportarem-se interdependentemente. Essas necessidades básicas, questões emocionais e comportamentos aparecem sempre e sempre na vida de qualquer grupo, mas vendo o desenvolvimento do grupo ao longo do tempo, eles tendem a ocorrer em sequência e podem ser utilizadas para caracterizar os estágios de desenvolvimento do grupo. Discutirei agora cada um desses estágios mais plenamente e as implicações desses estágios para o papel do líder. Estágio Um: Identidade e Dependência. A identidade de cada membro do grupo é em certa medida dependente do modo como ela/ele é percebido e respondido por cada membro do grupo, incluindo o líder. Em algum nível de consciência, cada indivíduo participante do grupo tem três conjuntos de questões. O primeiro conjunto de questões é sobre mim e minha identidade aqui: “Como devo apresentar-me aqui?” “O que eu quero e o que devo fazer para conseguí-lo?” “Posso ser quem eu sou aqui e pertencer a este grupo?” “O que é seguro expressar ou revelar de mim mesmo aqui?” “Serei eu visto como a pessoa única e especial que eu sou?” “Serei tão diferente que sentir-me-ei sozinho?” Um outro conjunto de questões relacionam-se à identidade dos outros presentes: 11 “Existe mais alguém como eu aqui?” “Conseguirei compreensão ou apoio de alguém aqui?” “Como é que eles se vão se sentir com relação a mim e o que vão pensar sobre mim?” O terceiro conjunto de questões relaciona-se ao líder e ao processo: “O que iremos fazer aqui?” “Quais são regras e expectativas aqui?” “O que eles vão achar de mim, e o que eu vou descobrir sobre mim que eu não sei ou não quero que os outros saibam sobre mim.?” “Como serei tratado -- julgado? rejeitado? Ameaçado? -- ou serei aceito e cuidado?” Durante esta fase, a tarefa primária do líder é a de estabelecer relações com os membros do grupo e entre os membros do grupo tão rápido quanto possível, e conseguir a geração de respostas acerca dos três conjuntos de questões que os membros estão silenciosamente fazendo. Algumas das atividades que facilitam esta tarefa são: 1) Contratar e estabelecer fronteiras. Isto inclui permitir que os membros tenham conhecimento de quais são as tarefas do grupo tal como elas são entendidas pelo líder, e definir o papel do líder em relação a estas tarefas. Eu, e/ou eu e meu co-líder, começamos usualmente um grupo fazendo algumas colocações sobre nossas idéias e valores sobre crescimento pessoal, descrevendo nosso papel no grupo, que é como facilitadores de consciência nos níveis intrapessoal, interpessoal e do processo do grupo. Dadas estas questões de identidade que estão no primeiro plano, estruturamos algum processo através do qual os membros possam compartilhar informações relevantes sobre si próprios no nível intrapessoal. Existem algumas formas de fazer isto: uma forma é dividi-los em pequenos grupos e dar-lhes alguma tarefa de compartilhamento de informação; uma outra forma é a de utilizar algum exercício de grupo. Uma terceira escolha é ir através do processo, algo tedioso, de alguma forma de apresentação de cada pessoa para o grupo como um todo. Nesta fase, o líder é investido com tanto poder que tudo que ela/ele diz é muito mais importante e impactatante do que o que qualquer outra pessoa diz ou faz. O dilema para o líder neste ponto é: “Quão muito ou pouco devo eu fazer, e quando?” Minha experiência tem me mostrado que quando eu estruturo alguma atividade vívida para o grupo, esta fase introdutória desenrola-se mais rapidamente e é mais interessante; o preço que nós pagamos é que os membros tornam-se mais dependentes do líder para puxar algo de um saco de truques para manter o processo em andamento, ao invés de chegarem-se a si próprios e uns aos outros para conseguirem a energia necessária. Minha preferência atual é a de atravessar o tédio, ao invés da opção do excitamento nesta fase inicial, de modo que os membros comecem a confiar neles próprios e uns nos outros, ao invés de confiarem no(s) lídere(s). 2) Encorajando o contato interpessoal. Isto é um meio de exploração do ambiente interpessoal e de descoberta de recursos presentes no grupo. Posso fazer isto de um modo muito simples percebendo quando contatos visuais ou colocações verbais são dirigidas a mim, e pela sugestão de que as pessoas encontrem alguém mais no grupo a quem possam fazer esses comentários. Isto não quer dizer, em absoluto, que eu não responda ou interaja com indivíduos, mas apenas que eu 12 escolho quando e por quanto tempo eu respondo, desde que o que eu faço como líder começa a estabelecer algumas regras e normas no grupo. 3) Dando algumas mensagens sobre a abordagem que estaremos usando. Como líder, faço isto através modelagem verbal e não verbal. Por exemplo, compartilho meu próprio processo interno - - os sentimentos que estou tendo, as observações que faço e as inferências que estou extraindo desses dados. Se estou atento e ouvindo, ao invés estar saltando com intervenções “terapêuticas”, estou dando a mensagem de que estamos criando espaço aqui para ser o que nós somos. 4) Trabalho legitimador em todos os níveis dos sistemas. Nesse estágio, os membros do grupo estão mais interessados em determinar quão seguro será para eles este grupo, e que é aceitável ser trazido. Quero legitimar o trabalho individual a nível intrapessoal, mas não até que um número de pessoas tenha compartilhado os seus sentimentos. Neste estágio, ao invés de intervir em um nível intrapessoal, trabalho com a pressuposição de que cada pessoa é um porta-voz de outros e verbaliza o que pode ser uma importante questão ou tema para alguns, se não para todos, os membros do grupo. Indago se alguém mais pode relacionar-se com a questão que esta pessoa particular está compartilhando. Desta forma, a questão individual é vista e tratada como um tema mais universal e como uma questão do sistema como um todo. Para sumariar, as atividadesdo líder nesta primeira fase são dirigidas para o provimento de um clima de confiança que dará apoio a alguma tomada de risco, e no sentido fazer algumas conexões com a experiência interior dos indivíduos, entre os indivíduos e com o grupo-como-um- todo. Usualmente, a forma como as pessoas fazem contato umas com as outras durante esta primeira fase é através da descoberta de elementos comuns e de similaridades. Isto conduz a uma norma de polidez e supersolicitude, a energia do grupo declina, e isto sinaliza que o trabalho de diferenciação deve começar. Estágio Dois: Influência e Contradependência. As principais questões com as quais os indivíduos e o grupo têm que envolver-se neste estágio são as questões de influência, autoridade e controle. Neste estágio, cada membro do grupo está consciente de que está sendo influenciado pelo que está acontecendo no grupo e que certas normas, explícitas ou implícitas estão operando o que torna difícil comportar-se diferentemente do que parece ser aceitável. Normas, naturalmente são formas de descrever o que é permissível ou valorizado em um grupo, ou o que não é aceitável e desvalorizado. As normas são inferidas a partir do comportamento e refletem as pressuposições que as pessoas fazem sobre si próprias, umas sobre as outras, e sobre como as coisas “devem ser”. Os membros podem começar a desafiar quaisquer que sejam as normas que estão operando, através da interrupção, pela expressão reações negativas uns para os outros ou com relação ao que está acontecendo, ou dirigindo-se diretamente ao líder e questionando a sua autoridade e competência. A tarefa prioritária para o líder nesta fase é trabalhar no sentido de diferenciação crescente, divergência e flexibilidade de papéis entre os membros. As atividades do líder esta tarefa são do tipo das que se seguem: 13 1) Aumentar a consciência das normas que estão operando no grupo. Desde que as normas baseiam-se em pressuposições não testadas que os membros fazem sobre o que é ou não aceitável, o lúider pode aumentar a consciência das normas pela transformação em questões das pressuposições que as pessoas estão fazendo. Por exemplo, o líder pode observar que parece ser uma norma operando a de que não é OK diferir ou discordar neste grupo, e indaga, “Tudo bem em diferir ou discordar aqui?” Desta forma, os membros do grupo aprendem a identificar as normas que estão operando, assim como as suas consequências, e tomam decisões no sentido de modificá-las através de uma monitoração de seu próprio comportamento. 2) Encorajar o desafio e expressão aberta de diferenças e insatisfações. O que quer que esteja acontecendo ou não em um grupo, deve-se permitir que tornem-se explícitos os conflitos que ocorrem nos níveis pessoal, interpessoal e grupal. Lidar com divergências em qualquer nível gera fortes reações emocionais e é experienciado como muito arriscado para o indivíduo e para a integridade do grupo. Quanto de conflito um indivíduo pode tolerar é uma função daquela pessoa e da situação em que ela está envolvida. Quanto de divergência um grupo pode tolerar e ainda operar como um sistema é uma função da coesividade do grupo. Neste estágio, o líder é confrontado com algumas escolhas críticas acerca do nível de intervenção: “Presto atenção à pessoa que está obviamente sofrendo por que os conflitos no grupo detonaram uma velha situação inacabada?” ou “Consulto o grupo acerca do modo como ele está funcionando e lidando com conflitos e diferenças?” Aqui, como em qualquer lugar, não estou propondo nenhuma resposta -- estou apenas colocando o dilema que se desenvolve acerca do nível de intervenção. 3) Diferenciando pessoas de papéis. Num grupo, os membros frequentemente desempenham papéis que são funções das necessidades do grupo ao invés de serem simplesmente uma função da personalidade ou caráter da pessoa. Um grupo, como um indivíduo, requer que certas funções sejam desempenhadas para habilitá-lo a passar pelo ciclo de experiências de consciência, energia, contato e retração ou fechamento. Dependendo de como as pessoas se comportam nos estágios iniciais de um grupo, uma pessoa mais provavelmente carregará, ou será identificada com uma dessas funções. Por exemplo, a pessoa que inicialmente provê a energia para fazer com que as coisas se movimentem em um grupo tem este papel atribuído a si, e os outros membros, e talvez o líder, confiem, ou provoquem esta pessoa a energizá-los. Algumas pessoas carregam a função de consciência porque são observadores particularmente bons e igualmente relatam a sua própria experiência, ou o que vêem, ouvem ou sentem estar ocorrendo nos outros. Algumas pessoas que são mais salientes e ateenciosas tendem a carregar a função de contato, da pessoa que toma conta; aqueles que são assertivos ou mais espontâneos provêem a impulsividade e a criatividade do grupo. Todas essas funções são funções positivas e auxiliam o grupo a realizar o seu trabalho. Não obstante, quando essas funções são identificadas com uma pessoa, ao invés de serem vistas como funções que cada um tem a capacidade de expressar, o comportamento de todos transforma-se em um comportamento estereotipado. Uma vez que os papéis tornam-se algo fixos, os membros do grupo são propensos a resistir às tentativas de qualquer pessoa para desviar-se das posições que lhe foram designadas, uma vez que uma mudança em qualquer pessoa em um sistema afeta o funcionamento de todos neste sistema. O líder pode trazer à consciência este comportamento de tomada de papéis através do comentário sobre os estereótipos quando ela/ele os vê operando, ajudando desta forma ao grupo a reconhecer as consequências disto para o grupo como um sistema e para os membros individuais. 14 Frequentemente os papéis que são representados em um grupo são projeções da parte alienada da personalidade dos outros membros. A bode expiação é um exemplo disto. Quando qualquer pessoa em um grupo carrega o papel de “vítima”, o líder pode fazer uma intervenção ao nível grupal para fazer com que os membros considerem o que está sendo evitado, fazendo com que alguém no grupo expresse aquela parte deles próprios. Estágio Três: Intimidade e Interdependência. Este é o estágio no qual ocorre contato real nos e entre os membros de um grupo, em contraste com a pseudo-intimidade que se desenvolve nos primeiros estágios, quando os membros do grupo estão descobrindo que todos eles pertencem à raça humana e que estão sentindo calorosos e aconchegados uns com os outros. Contato real requer a experiência de estar face-a- face com aquilo que é diferente e outro com relação ao si mesmo. Intimidade real, que eu defino como aquelas relações que nos nutrem e nos sustentam ao longo do tempo e através da separação, necessita usualmente ser forjada no cadinho da divergência e do conflito. A luta precede sempre o amor verdadeiro, e assimo é em grupos. Trabalhando ao longo dessas questões de influência, poder e autoridade que caracterizam a segunda fase e viver através desta experiência possibilita o apoio para a tomada de altos riscos num nível intrapessoal e interpessoal. Neste estágio, os membros comportam-se interdependentemente no sentido de que podem depender uns dos outros em termos de compreensão, apoio e desafio; também as relações são recíprocas. Os membros são significantes uns para os outros, e o grupo como um sistema torna-se um outro significante, provendo a nutrição e os recursos para o crescimento. O líder não é mais considerado a última autoridade, mas como um recurso experiente. Se o líder focou-se anteriormente sobre o nível grupal de intervenções, os membros aprendem a monitorar e manter o seu próprio funcionamento como sistema. Servemcomo recursos uns para os outros, pedindo e aceitando ajuda do líder quando suas habilidades ou perspectiva são requeridas. Quando o grupo está funcionando neste nível o processamento desenvolve-se num ritmo rápido, o nível de energia é sinérgico e suave, ao invés de frenético, e é muito alto o nível de auto-abertura. Mesmo quando as questões que estão sendo tratadas são questões de perda, separação, dor e remorso, ogrupo pode aceitar, dar apoio e absorver algo do terror e do sofrimento. É necessário estar junto por um longo tempo para que um grupo seja capaz de sustentar um funcionamento nesse terceiro estágio, e minha experiência tem sido a de que a capacidade de um grupo para manter-se neste estágio requer pelo menos um ou dois anos. Grupos que encontram-se por um período mais curto alcançam algumas vezes este estágio, mas apenas temporariamente. Portanto, as observações que eu estou fazendo sobre o funcionamento do líder neste estágio aplica-se primariamente a grupos que têm uma longa história, de modo que os membros possam depender uns dos outros e no modo como o seu sistema funciona ao longo do tempo. Neste estágio, as funções do líder são como as que se seguem: 1) Manter um papel de consultor para o grupo, e sair da frente. As intervençõe do líder que são requeridas neste momento são poucas e espaçadas. 15 2) Ajudar ao grupo a chegar a algum fechamento. Os grupos, qualquer que seja a sua duração, são sistemas temporários, e devem atravessar um processo de fechamento que inclui uma reentrada no mundo “real”. Os membros devem dizer “adeus” para aqueles com quem compartilharam este experiência de grupo e planejar a transferência e apoio dessas aprendizagens para suas vidas fora do grupo. Isto requer usualmente algumas estruturas simples que foquem os membros nessas questões. Num grupo de final de semana eu solicito simplesmente que os participantes que compartilhem a aprendizagem para eles desta experiência e pensem sobre formas através das quais eles possam dar suporte a este processo quando voltarem para casa. Em grupos de mais longa duração, grupos de treinamento, por exemplo, este planejamento transforma-se no fechamento da experiência. 3) Reconhecendo as situações inacabadas que não puderam ser abordadas neste grupo. Dada a natureza cíclica desses estágios de desenvolvimento, todos os grupos nem todos os grupos se concluem quando o grupo está em um estágio de intimidade e interdependência. Neste caso, o processo de fechamento necessita reconhecer tanto os aspectos negativos quanto os aspectos positivos da experiência -- as necessidades que não foram satisfeitas e as expectativas que não se preencheram. Deve ser feita uma estimativa acerca da discrepância entre o que se almejava e o que de fato aconteceu. É desse processo de avaliação que são apreendidas as polaridades e os dilemas de mudança. Gostaria de pensar que todos os grupos que eu conduzo chegam a uma fase de fechamento a partir do estágio de intimidade-interdependência, mas eu estaria mentindo se reinvidicasse isto. O fato é que tenho aprendido as minhas lições mais significativas quando o fechamento não provê plena satisfação para todos. Quando menos, eu redescubro a virtude da humildade e o atemorizante, a complexidade e mistério dos indivíduos e sistemas. Epílogo O todo é maior do que a soma de suas partes Esta afirmação é não apenas o fundamento da Psicologia da Gestalt e da Terapia Guestáltica, mas é também a essência de todos os sistemas de pensamento que buscam criar significado a partir das aparentes distinções, contradições e descontinuidades no universo natural e humano. Descrever um processo que é baseado nesta perspectiva holística, como tenho feito neste artigo, é uma contradição. Um grupo é mais do que a soma de suas partes, e o processo de grupo guestáltico é mais do que a soma de seus princípios e elementos que aqui revisei. Entretanto, como disse E. F. Schumacher (1977, p.87): Uma forma de olhar para o mundo como um todo é através de um mapa, quer dizer, algum tipo de plano ou esboço que mostra onde são encontradas as várias coisas -- não todas as coisas, evidentemente, uma vez que isto faria o mapa tão grande quanto o mundo, mas as coisas que são mais importantes para a orientação: marcos marcantes, que não podem ser esquecidos ou que, se forem perdidos, fica-se na maior perplexidade(?). O que tenho feito neste artigo é esboçar o mapa de um território. Qualquer um que tenha viajado sabe que um mapa não é o território: é uma abstração bidimensional de uma realidade que tem três dimensões. 16 Obviamente, a utilidade que você, o leitor, encontrará neste mapa dependerá dos seus objetivos como terapeuta ou líder de grupo, ou do que você considere como a missão primária da psicoterapia e do crescimento pessoal. A missão, como eu a vejo, é a de desenvolver a consciência, e isto é diferente dos anseios usualmente associados à psicoterapia. O anseio dominante da psicoterapia, tal como eu o percebo, não é simplesmente curar as pessoas (seja lá o que “cura” possa significar), nem é o de ensinar os clientes como tornarem-se mais espertos e manipular o ambiente ao invés de a si próprios. Nem é este objetivo o de habilitar cada indivíduo a desenvolver um si mesmo (self) mais diferenciado e integrado. Pode ser tudo isto acima, mas o objetivo principal é o de assistir na evolução de um si mesmo que possa transcender ao si mesmo. Isto significa que no núcleo do desenvolvimento pessoal existe esta polaridade central: liberdade e liberação, por um lado, e disciplina e responsabilidade social pelo outro. É a tensão entre esses opostos que permeia tudo o que fazemos. Este paradoxo foi suscintamente capturado a quase mil anos atrás pelo sábio Judeu, Rabino Hillel, quando disse: Se eu não for por mim, quem o será? Se eu for apenas por mim, o quê sou eu? Se não agora, quando? (Tradução de Afonso H Lisboa da Fonseca. Texto sem revisão.)
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