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2019 Sintaxe da Língua de SinaiS Profª. Mariana Correia Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Profª. Mariana Correia Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: C824s Correia, Mariana Sintaxe da língua de sinais. / Mariana Correia. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 234 p.; il. ISBN 978-85-515-0259-4 1.Língua brasileira de sinais - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 419 III apreSentação Olá, prezado acadêmico. Bem-vindo ao Livro de Estudos da disciplina de Sintaxe da Língua de Sinais. Para a elaboração deste material foram utilizados diferentes recursos pedagógicos, como livros, artigos, vídeos, cursos, dissertações, revistas, materiais físicos e virtuais, para melhor apresentar a você os aspectos relevantes sobre o estudo da sintaxe como área de estudo da linguagem e dentro do estudo específico da Libras. O objetivo principal deste livro é que você possa ter, ao final dos estudos desta disciplina, um panorama sobre os estudos sintáticos e sua aplicação para a compreensão de como a Libras se estrutura, desta forma, servindo como base para seus conhecimentos acadêmicos e para a sua prática como profissional docente. A seguir estão os principais pontos abordados nas três unidades que compõem este livro de estudos. A Unidade 1 tem como objetivo compreender os estudos sintáticos. Para isso, começamos com o Tópico 1, em que são retomadas algumas discussões sobre a Linguística como ciência e quais são as áreas em que o estudo da língua é dividido. Depois, veremos em quais áreas o estudo da língua é dividido, qual é a forma de análise de cada uma delas e como a sintaxe se insere neste contexto. No final do tópico teremos, então, a definição de sintaxe e da maneira como ela estuda a língua. No Tópico 2, veremos as abordagens tradicional, formalista e funcional, e como cada uma delas interpreta os estudos na área de estudos sintáticos. No Tópico 3, vamos estudar os conceitos básicos da Gramática Gerativa a partir do estudo das características das línguas naturais, as noções de gramática universal, faculdade da linguagem, agramaticalidade, competência e desempenho. Para encerrar esta unidade, no Tópico 4 estudaremos a formação das sentenças na perspectiva gerativista a partir do estudo dos constituintes, a delimitação e a relação deles dentro das sentenças e a ambiguidade estrutural das sentenças. Dando continuidade ao que foi visto na primeira unidade, na Unidade 2 nos aprofundaremos no estudo dos constituintes das sentenças. No Tópico 1, estudaremos os sintagmas através das categorias lexicais e funcionais. No Tópico 2, os predicados e argumentos, os requisitos sintáticos e os papéis temáticos dos argumentos e os verbos monoargumentais são tratados. Após isso, o Tópico 3 aborda a ordem das sentenças e como se dá a movimentação dos constituintes dentro delas. No Tópico 4, entraremos especificamente no estudo das sentenças em Libras, tanto aquelas básicas da língua quanto as condições para que esta ordem básica seja alterada. A Unidade 3 continua tratando de elementos específicos da sintaxe da Libras. Inicialmente, no Tópico 1, discutiremos alguns aspectos sintáticos envolvidos na compreensão da Libras e como o Português Sinalizado está relacionado às traduções, bem como o uso de aplicativos de tradução IV automática e os aspectos relacionados à estrutura sintática envolvida. Após, veremos elementos da sintaxe espacial com as relações sintáticas e os instrumentos espaciais que as reforçam, o uso dos pronomes no espaço, as mudanças de referenciais, as marcações não manuais e os classificadores. No Tópico 2, estudaremos os efeitos estruturais dos verbos em Libras e as formas de concordância. No Tópico 3, observaremos os diferentes sintagmas dentro das estruturas frasais da Libras. Para encerrar esta unidade, o Tópico 4 trata sobre a construção de frases e a coesão narrativa em Libras. Ao longo de todas as unidades serão colocadas notas, lembretes, observações e sugestões de diferentes materiais para destaque, exemplificação ou aprofundamento das discussões e estudos realizados. E para finalizarmos, também gostaria de apresentar o meu sinal. Mostro ele de duas maneiras: primeiro uma foto minha alterada digitalmente com o movimento do meu sinal (um M que percorre a covinha do meu sorriso), o outro, em signwriting, escrito através do site <http://www.signbank.org/ signmaker/#?ui=ptBR&dictionary=bzs>: SINAL DA AUTORA COM INDICATIVO DE MOVIMENTO SINAL DA AUTORA EM ESCRITA DE SINAIS Bons estudos e boa leitura! Profª. Mariana Correia V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VI VII UNIDADE 1 – COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS ............................................ 1 TÓPICO 1 – O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM ............................ 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 O ESTUDO DA LINGUAGEM E A ABORDAGEM LINGUÍSTICA ........................................ 4 2.1 HISTÓRIA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM .......................................................................... 6 2.2 A LINGUÍSTICA COMO CIÊNCIA .............................................................................................. 7 2.3 O OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA ............................................................................... 9 2.4 LINGUÍSTICA X GRAMÁTICA NORMATIVA .......................................................................... 11 3 AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E OS DIFERENTES ASPECTOS DA LINGUAGEM ........... 13 3.1 FONÉTICA E FONOLOGIA .......................................................................................................... 14 3.2 MORFOLOGIA ................................................................................................................................ 14 3.3 SINTAXE ........................................................................................................................................... 16 3.4 SEMÂNTICA ....................................................................................................................................17 3.5 PRAGMÁTICA................................................................................................................................. 18 4 O QUE ESTUDA A SINTAXE? ........................................................................................................... 19 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 21 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 22 TÓPICO 2 – ESTUDOS SINTÁTICOS ................................................................................................ 23 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 23 2 HISTÓRIA DOS ESTUDOS SINTÁTICOS .................................................................................... 23 3 POSSIBILIDADES TEÓRICAS ......................................................................................................... 24 3.1 GRAMÁTICA TRADICIONAL (NORMATIVA)......................................................................... 25 3.2 FORMALISTA .................................................................................................................................. 27 3.3 FUNCIONALISTA ........................................................................................................................... 29 3.4 FORMALISTA X FUNCIONALISTA ............................................................................................ 30 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 31 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 32 TÓPICO 3 – TEORIA GERATIVA: CONCEITOS BÁSICOS .......................................................... 33 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 33 2 PRESSUPOSTOS DA TEORIA GERATIVA ................................................................................... 34 2.1 O ESTUDO DA LÍNGUA NA PERSPECTIVA GERATIVA ....................................................... 35 2.2 CARACTERÍSTICAS DAS LÍNGUAS NATURAIS .................................................................... 37 3 FACULDADE DA LINGUAGEM E GRAMÁTICA UNIVERSAL ............................................. 43 4 COMPETÊNCIA E DESEMPENHO (PERFORMANCE) .............................................................. 49 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 52 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 53 TÓPICO 4 – A FORMAÇÃO DAS SENTENÇAS .............................................................................. 55 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 55 2 CATEGORIAS GRAMATICAIS ........................................................................................................ 57 3 CONSTITUINTES ................................................................................................................................ 58 Sumário VIII 4 AMBIGUIDADE ESTRUTURAL....................................................................................................... 60 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 64 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 66 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 67 UNIDADE 2 – ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS SENTENÇAS ......................................... 69 TÓPICO 1 – OS SINTAGMAS .............................................................................................................. 71 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 71 2 HIERARQUIZAÇÃO DOS SINTAGMAS ...................................................................................... 72 3 DELIMITAÇÃO DOS SINTAGMAS NOMINAIS E VERBAIS ................................................. 74 4 CATEGORIAS DOS NÚCLEOS DOS SINTAGMAS ................................................................... 75 4.1 CATEGORIAS LEXICAIS ............................................................................................................... 76 4.2 CATEGORIAS FUNCIONAIS ........................................................................................................ 80 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 82 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 83 TÓPICO 2 – PREDICADOS E ARGUMENTOS ................................................................................ 85 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 85 2 CONCEITO DE PREDICADOS E ARGUMENTOS ...................................................................... 86 3 SELEÇÃO ARGUMENTAL................................................................................................................. 93 3.1 OS REQUISITOS SINTÁTICOS DOS ARGUMENTOS .............................................................. 94 3.2 PAPÉIS TEMÁTICOS DOS ARGUMENTOS .............................................................................106 4 DELIMITAÇÃO ARGUMENTAL DOS VERBOS........................................................................109 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................112 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................114 TÓPICO 3 – ESTRUTURA DAS SENTENÇAS ...............................................................................115 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................115 2 ORDEM DOS CONSTITUINTES NAS SENTENÇAS ...............................................................115 3 MOVIMENTAÇÃO DOS CONSTITUINTES ..............................................................................118 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................124 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................125 TÓPICO 4 – A ORDEM BÁSICA DAS SENTENÇAS EM LIBRAS ............................................127 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................127 2 ESTRUTURA BÁSICA DAS SENTENÇAS ...................................................................................128 3 RESTRIÇÕES PARA MODIFICAÇÃO DA ORDEM BÁSICA .................................................130 3.1 CONCORDÂNCIA E MARCAS NÃO MANUAIS ..................................................................130 3.2 POSIÇÃO DO OBJETO .................................................................................................................1313.3 POSIÇÃO DOS ADVÉRBIOS DE TEMPO E FREQUÊNCIA ..................................................133 3.4 TOPICALIZAÇÃO ........................................................................................................................134 3.5 FOCO E VERBOS SEM CONCORDÂNCIA ..............................................................................136 3.6 PRIORIZAÇÃO DO OBJETO .......................................................................................................136 3.7 OMISSÃO DE SUJEITO E OBJETO .............................................................................................137 3.8 FOCO CONTRASTIVO .................................................................................................................138 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................139 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................142 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................143 IX UNIDADE 3 – SINTAXE DA LIBRAS ...............................................................................................145 TÓPICO 1 – SINTAXE ESPACIAL .....................................................................................................147 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................147 2 AS TRADUÇÕES E A QUESTÃO DA ORDEM DAS SENTENÇAS .......................................147 2.1 PORTUGUÊS SINALIZADO X LIBRAS ....................................................................................148 2.2 APLICATIVOS DE TRADUÇÃO .................................................................................................150 3 RELAÇÕES SINTÁTICAS: INSTRUMENTOS ESPACIAIS .....................................................153 3.1 REFERENCIALIDADE ESPACIAL .............................................................................................154 3.2 USO DOS PRONOMES NO ESPAÇO .........................................................................................161 3.3 AMBIGUIDADE ESTRUTURAL NA LIBRAS ...........................................................................164 3.4 MUDANÇA REFERENCIAL .......................................................................................................166 4 MARCAÇÕES NÃO MANUAIS GRAMATICAIS E NÃO GRAMATICAIS ........................167 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................175 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................177 TÓPICO 2 – EFEITOS ESTRUTURAIS DOS VERBOS E CLASSIFICADORES ......................179 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................179 2 CONCORDÂNCIA VERBAL ...........................................................................................................179 2.1 VERBOS SEM CONCORDÂNCIA ..............................................................................................185 2.2 VERBOS COM CONCORDÂNCIA (DIRECIONAIS) ..............................................................187 2.3 VERBOS AUXILIARES ..................................................................................................................189 2.4 VERBOS “MANUAIS” ..................................................................................................................190 3 OS CLASSIFICADORES COMO ELEMENTOS MORFOSSINTÁTICOS.............................191 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................195 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................196 TÓPICO 3 – ESTRUTURAS SINTAGMÁTICAS EM LIBRAS ....................................................197 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................197 2 SINTAGMA NOMINAL ...................................................................................................................199 3 SINTAGMA PREPOSICIONAL ......................................................................................................207 4 SINTAGMA ADVERBIAL ................................................................................................................208 5 SINTAGMA ADJETIVAL .................................................................................................................210 6 SINTAGMA VERBAL ........................................................................................................................211 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................212 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................214 TÓPICO 4 – ESTRUTURAÇÃO DAS SENTENÇAS EM LIBRAS ..............................................215 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................215 2 ESTRUTURAS COM TÓPICO ........................................................................................................215 3 ESTRUTURAS COM FOCO .............................................................................................................217 4 ESTRUTURAS NEGATIVAS ...........................................................................................................219 5 ESTRUTURAS INTERROGATIVAS ..............................................................................................222 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................226 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................228 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................229 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................231 X 1 UNIDADE 1 COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • discutir os estudos da linguagem e a linguística como campo de estudos; • diferenciar a abordagem linguística da abordagem normativa de estudos da linguagem; • mostrar o papel da sintaxe dentre as diferentes áreas que compõem os estudos linguísticos; • exemplificar as diferentes maneiras como as áreas de estudos linguísticos percebem as palavras e sentenças; • discutir as principais abordagens teóricas para o estudo da sintaxe; • compreender as características das línguas naturais e a diferença entre as línguas naturais e artificiais; • compreender a Teoria Gerativista e seus pressupostos básicos para o estudo da sintaxe; • apresentar os constituintes que formam as sentenças de acordo com a Teoria Gerativa. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM TÓPICO 2 – O ESTUDO DA SINTAXE: POSSIBILIDADES TEÓRICAS TÓPICO 3 – PRESSUPOSTOS DA TEORIAGERATIVISTA TÓPICO 4 – A FORMAÇÃO DAS SENTENÇAS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, iniciamos nossos estudos sobre a sintaxe. Neste tópico, estabeleceremos as bases para a compreensão deste componente do sistema linguístico, tendo em vista que a sintaxe é imprescindível para a compreensão dos estudos sintáticos e tem grande importância em relação ao estudo da Libras. Para que possamos pensar sobre a conceituação da área dos estudos linguísticos a que a sintaxe se dedica é importante pensarmos sobre os estudos da linguagem e a maneira como a ciência linguística compreende a linguagem. Primeiro, apresentaremos uma breve história dos estudos da linguagem, em seguida pensaremos sobre a compreensão de ciência e como a Linguística adquiriu este estatuto. Para encerrar a primeira parte, faremos uma comparação entre a maneira como a Gramática Normativa compreende o estudo da língua e qual é a diferença entre esta abordagem, bem como a maneira descritiva e explicativa da qual a linguística se utiliza para a compreensão dos fenômenos da língua. Depois de estabelecermos essas bases, estudaremos brevemente as áreas que compõem o estudo da linguagem, das quais a sintaxe é uma delas. A fim de melhor compreender como cada uma dessas áreas entende o estudo das línguas, faremos dois movimentos, estudaremos como cada uma delas entende a linguagem e, após, faremos uma comparação de como cada uma dessas áreas compreende um mesmo contexto, dessa maneira, poderemos definir como a sintaxe de uma língua se insere nos estudos linguísticos. Este tópico inicia estabelecendo as bases para o estudo linguístico após a compreensão da Linguística como ciência; a diferença entre as percepções das áreas dos estudos da linguagem; a comparação entre a forma como ela explica os fenômenos linguísticos e o contraste entre as noções normativas/prescritivas e descritivas/explicativas. Neste momento, poderemos voltar nossos olhos diretamente para a definição de qual parte do fenômeno da língua a sintaxe pretende estudar. Encerraremos o Tópico 1 com a compreensão dos pressupostos da Teoria Gerativista proposta por Noam Chomsky. UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 4 2 O ESTUDO DA LINGUAGEM E A ABORDAGEM LINGUÍSTICA Ao estudarmos os mitos da criação de várias culturas diferentes, percebemos que muitos deles colocam o poder fundador da linguagem que estabelece as maneiras como o homem se relaciona com a realidade. Como Petter (2010) destaca na citação a seguir, é através desse fascínio e desse poder atribuído à linguagem que ela torna possível a experiência humana como forma de estabelecer a comunicação e, consequentemente, as relações sociais. O fascínio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder [poder mágico de criar] que permite não só nomear/criar/ transformar o universo real, mas também permite trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir, e até mesmo imagina o que não precisa nem pode existir. A linguagem verbal, então, a matéria do pensamento e o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material que se relaciona ao que lhe é exterior, com o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material – organização de sons, palavras, frases [sinais] – a linguagem é relativamente autônoma; como expressão de emoções, ideias, propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo, pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante (PETTER, 2010, p. 11, grifo do original). O poder da linguagem está em criar/transformar o universo e ser o instrumento capaz de permitir que imaginemos e, por consequência, criemos situações, histórias e mundos que passam a existir apenas através da linguagem. Isso fica bastante evidente nas diferentes manifestações da linguagem com as quais convivemos, por exemplo, livros de ficção como Harry Potter, de J. K. Rowling, e Guerra dos tronos, de J. R. R. Martin, as quais não são apenas histórias contadas, mas seus mundos imaginários passaram a ser coletivamente referenciados e ganharam representações não apenas no imaginário coletivo, mas também na realidade material, quando são temas de séries para a televisão, fantasias para aficionados e começam a fazer parte da cultura em que estão inseridos. Dessa maneira, demonstram que a linguagem é uma forma de transformar a realidade. É através da palavra que religiões são fundadas, tratados de guerra e de paz são feitos, relações se estabelecem, conhecimentos são difundidos ou escondidos. Inclusive, se pensarmos na história dos surdos, podemos perceber como a negação do uso de sinais acabou por se mostrar ineficiente e inviável porque, mesmo proibida, a linguagem permanece através dos sinais realizados clandestinamente, ela perpassa as vivências de modo que é, inclusive, maneira de reforçar, refundar e garantir a identidade de povos e culturas. Num exemplo bastante simples para compreensão de como a linguagem serve para criar e recriar a realidade, vamos imaginar uma situação em que dois colegas de faculdade estão conversando sobre a reunião de formatura na qual apenas um deles compareceu. Ao receber o relato de como foi a reunião, TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 5 o formando que não pôde comparecer fica sabendo quais foram os assuntos discutidos e as decisões tomadas, bem como recebe a narração das demais situações que ocorreram durante a reunião, com um grau de detalhamento e juízo de valor que será modificado a partir da maneira como o colega contará para ele os fatos que aconteceram a partir de seu ponto de vista. Assim, comprovando que “a linguagem é [...] orientada pela visão de mundo” da pessoa que está recontando a reunião para ele (PETTER, 2010, p. 11). Ou seja, a língua(gem) utilizada para relatar a reunião não apenas é o elemento a partir do qual o fato é contado, mas ela carrega marcas culturais, sociais, situacional, de uso da língua, dentre outras coisas, daquele momento de comunicação social (reunião), mas também da interação que está ocorrendo no momento da fala entre os dois colegas. Você percebeu o uso da expressão “língua(gem)”, no parágrafo anterior? Essa forma de escrita foi elaborada por Coelho, Monguilhott e Martins (2009) no material de estudos sobre sintaxe para se referirem, ao mesmo tempo, à definição de linguagem e à definição de língua, numa mesma expressão. Acreditamos que essa formulação tem como efeito referir-se ao mesmo tempo aos dois conceitos, ficando assim mais próxima da utilização de um único termo, da mesma maneira como acontece em língua inglesa com o termo “language”. NOTA Segundo Petter (2010), o fenômeno linguístico é extremamente complexo e tem desafiado a compreensão de todos aqueles que se dedicam ao seu estudo. Esta seção do Tópico 1 tem o objetivo de mostrar brevemente qual é o caminho traçado pelos estudos da linguagem até hoje, nos fazendo perceber como o entendimento linguístico se insere na atualidade das compreensões do estudo da linguagem. DICAS Um filme que traz diretamente este poder fundador da imaginação e de experiências é o filme História sem fim (1984). Nele, um menino chamado Bastian acha um livro que o fará viver experiências inimagináveis. Assim, a linguagem acaba perpassando e alterando a realidade do menino. Uma curiosidade é que o livro, em que este filme é baseado, tem duas cores de impressão para separar a ficção da realidade. Outro filme interessante é Onde está segunda? (2017), disponível no catálogo da Netflix. Neste filme de ficção científica, em um futuro distópico, cada pessoa podeter apenas um filho, contudo, um homem (interpretado por Willem Dafoe) perde sua filha durante o parto de suas sete netas gêmeas. A partir de então, a vida dele e das crianças é tentar fazer com que elas não sejam percebidas pelo governo. Para isso, elas precisam ser iguais, porém é possível ser igual em tudo? É interessante, como forma de percebermos as diferentes maneiras como cada pessoa utiliza a linguagem e constrói a sua narrativa pessoal, a sua característica personalizada de uso da língua(gem). UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 6 2.1 HISTÓRIA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM Segundo Petter (2010), embora o interesse pela linguagem seja muito antigo e apareça em inúmeras lendas, mitos, cantos e rituais, os primeiros estudos datam do século IV a.C. Organizando de maneira resumida o que a autora Petter (2010) escreve sobre o assunto, teremos a seguinte organização da história dos estudos da linguagem: • Estudos hindus para a manutenção da pronúncia dos textos sagrados Vedas. • Século IV a.C., gramática de Panini para descrição minuciosa da língua. • Gregos, definição entre conceito e aquilo que a palavra designa, Platão (427 a.C.) discute isso no diálogo Crátilo. • Aristóteles (384 a.C.) se preocupa em tentar realizar uma análise precisa da estrutura linguística. • Romanos, Varão (116 a.C.) dedicou-se à gramática, tentando defini-la como ciência e arte. • Idade Média, os modistas diziam que a estrutura gramatical das línguas era uma única universal, por isso, as regras serviriam para qualquer língua. • Século XVI, tradução dos livros sagrados em numerosas línguas. • Em 1502 surge o mais antigo dicionário poliglota, de Ambrosio Calepino. • Séculos XVII e XVIII dão continuidade às preocupações clássicas de norma e estrutura. • Em 1660, Lancelot e Arnaud lançam a Gramática de Port Royal (Grammaire Générale et raisonnée de Port Royal), um modelo para várias gramáticas do século XVII, ela demonstrava que “[...] a gramática se funda na razão e é a imagem do pensamento, e que, portanto, os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular, mas servem a toda e qualquer língua” (PETTER, 2010, p. 12). • Século XIX, estudo comparativo entre as línguas, surgimento das gramáticas comparadas e da Linguística Histórica em 1816, com a obra de Franz Boop sobre o sistema de conjugação do sânscrito, comparado ao grego, latim, persa e germânico. • Século XIX, compreensão da correspondência entre as mudanças do texto escrito e as mudanças observadas na língua falada. • O início do século XX, 1916, é o marco de fundação da linguística como ciência autônoma separada da filosofia, história, retórica. Com a publicação do Curso de Linguística Geral, a partir das anotações de aula de dois discípulos de Ferdinand de Saussure, “[...] a investigação sobre a linguagem – a Linguística – passa a ser reconhecida como estudo científico” (PETTER, 2010, p. 13). Sobre o objeto de estudos da Linguística, para Saussure, segundo Petter (2010, p. 14), esta seria a língua considerada em si mesma e por si mesma. • Na segunda metade do século XX, Noam Chomsky lança o livro Syntacti Strutuctures (1957), obra em que coloca as bases da Teoria Gerativa para análise das sentenças: [...] Noam Chomsky trouxe para os estudos linguísticos uma nova onda de transformação. [...] [ao afirmar que] “Doravante considerarei uma linguagem como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos” (PETTER, 2010, p. 14). TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 7 ESTUDOS FU TUROS Guarde os nomes “Noam Chomsky” e “Teoria Gerativa”, porque serão muito importantes para os estudos sintáticos que desenvolveremos ao longo deste livro. Conforme destacam Quadros e Karnopp (2004, p. 16 e 17), “a área da Linguística está crescendo como área de estudo, apresentando impacto nas áreas voltadas para a Educação, Antropologia, Sociologia, Psicologia Cognitiva, ensino de línguas, Filosofia, Informática, Neurologia e Inteligência Artificial”. Além disso, na atualidade, os estudos linguísticos englobam estudos que abarcam estas visões acumuladas ao longo de sua história, como os estudos comparatistas, mas também são desenvolvidas pesquisas em que as áreas de estudo da linguagem são misturadas a outras áreas de forma transdisciplinar, como a Linguística Aplicada, a Sociolinguística, a Psicolinguística, a Análise do Discurso e a Linguística Textual. Nesta seção, estudamos de forma resumida a história dos estudos da linguagem através dos principais momentos desde o século IV a.C. Na próxima parte deste tópico, veremos brevemente o que define uma ciência e porque a organização da Linguística como ciência foi de extrema importância para chegarmos ao atual estágio de estudos da linguagem. 2.2 A LINGUÍSTICA COMO CIÊNCIA Ao pensarmos na palavra ciência, provavelmente nos lembraremos dos estudos feitos na escola sobre as partes do corpo, os diferentes tipos de animais, ou talvez tenhamos a visão de um cientista de jaleco branco, em um laboratório, fazendo experimentos com diferentes instrumentos de pesquisa. Pode ser ainda que nos lembremos do estudo de diferentes reações químicas e físicas, ou seja, situações bem distantes daquelas experimentadas durante as aulas de língua portuguesa ou língua estrangeira, nas quais, normalmente, estudamos interpretação de textos, vocabulário e regras ligadas à Gramática Normativa, como o uso dos pronomes oblíquos ou do verbo to be. Desse jeito, quando estudantes, a maioria de nós não tem a referência do estudo da língua pela visão do método científico, por isso em nosso imaginário ficou marcada uma noção de ciência como aquelas disciplinas que se dedicam ao estudo de fenômenos do corpo e da natureza. Contudo, se observarmos as etapas do método científico, veremos que ele pode ser aplicado também aos fenômenos linguísticos, ou seja, coisas que acontecem no uso da língua e são passíveis de observação e análise deslocada da visão em que a língua é uma série de regras a serem seguidas. UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 8 FIGURA 1 – ETAPAS DO MÉTODO CIENTÍFICO FONTE: <https://blog.mettzer.com/o-que-e-metodo-cientifico/>. Acesso em: 15 set. 2018. Faça uma pergunta Faça uma revisão bibliográfica MÉTODO CIENTÍFICO Realize um experimento Rejeite a hipótese Aceite a hipótese Formule uma hipótese Um exemplo da aplicação do método científico num contexto linguístico seria o seguinte: imaginemos que, em uma dada comunidade, o uso corrente da palavra “vôlei” seja “voler”, então, nossa pergunta inicial seria: “Por que, nesta comunidade, as pessoas utilizam a palavra ‘voler’ no lugar da palavra ‘vôlei’?”; em seguida, deveríamos procurar autores e livros que falassem sobre variação linguística, dialetos e a troca de uma vogal por uma consoante. Depois disso, pensaríamos nas hipóteses que pudessem responder a esta pergunta, por exemplo: por que na comunidade é comum esta troca de vogais pela letra erre final? Para comprovarmos ou refutarmos a hipótese pensada, teríamos que elaborar uma forma de testarmos a nossa hipótese, seja através de questionários, entrevistas ou outras maneiras de observar esse fenômeno linguístico acontecendo. Assim, utilizaríamos uma visão descritiva/explicativa e não normativa para a explicação das situações observáveis no uso da língua. No Capítulo 1 do livro Manual de Sintaxe, Mioto, Silva e Vasconcellos (2007, p. 15-18) estabelecem uma comparação entre o estudo da Física e da Linguagem como ciência. Os autores iniciam a discussão colocando que ambas as ciências precisam delimitar seu objeto de estudos dentre todos os fenômenos observáveis; também ambas necessitam “[...] fazer observações atentas e acuradas demaneira tão objetiva e imparcial quanto possível” (MIOTO; SILVA; VASCONCELLOS, 2007, p. 13, grifo da autora). Além disso, as observações atentas e precisas por si só não bastam, porque o fenômeno que os cientistas observam não é apenas a realização física dos raios ou das sentenças, mas os princípios ou padrões que organizam estes fenômenos, TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 9 ou seja, procuram a base comum entre todos eles e elaboram um “modelo teórico” que procura estabelecer estes princípios básicos. Por fim, segundo Mioto, Silva e Vasconcellos (2007, p. 15), “[...] uma das razões para a formulação destes princípios gerais é a predição de novos fenômenos, e o poder da predição de uma física [e de uma linguística] formulada de modo impreciso estaria seriamente comprometido”. Desta maneira, ambas as ciências necessitam de “[...] uma metalinguagem suficientemente acurada – não necessariamente matemática, mas igualmente rigorosa – para poder garantir que os princípios formulados sejam interpretados de maneira inequívoca” (MIOTO; SILVA; VASCONCELLOS, 2007, p. 15, grifo negrito do original, sublinhado da autora). Logo, a ciência da linguagem é semelhante às ciências naturais, pois necessita dos mesmos elementos para realizar os estudos dos fenômenos a que se dedica: • Delimitação do objeto de estudos. • Observação atenta e acurada (exata). • Procurar uma base comum entre todos os princípios e padrões que organizam os fenômenos observados. • Elaboração de um modelo teórico. • Metalinguagem, ou seja, conceitos e nomenclaturas, específicos e exatos. 2.3 O OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 15), “a Linguística é o estudo científico das línguas naturais e humanas. As línguas naturais podem ser entendidas como arbitrárias e/ou como algo que nasce com o homem. Essas duas correntes estão relacionadas aos pensamentos filosóficos que se originaram com Platão e Aristóteles”. Estes pensamentos também caracterizam as duas principais vertentes dos estudos linguísticos, aqueles vinculados à linguística delimitada por Saussure e aquela pensada por Chomsky. Saussure (2012) apresenta no Capítulo 1 do Curso de Linguística Geral uma divisão dos estudos da “ciência que se constitui em torno dos fatos da língua” em três fases anteriores ao que ele chama de reconhecimento de que “a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua encarada em si mesma e por si mesma”: Gramática, Filologia e Gramática Comparativa (SAUSSURE 1994 apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 15). Esta última, embora tenha trazido grandes contribuições que desembocaram no desenvolvimento do pensamento linguístico, tem o problema de, na visão exposta por Saussure, não se preocupar em determinar a natureza de seu objeto de estudo e, sem isso, seria incapaz de estabelecer um método para si mesma. UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 10 Segundo Petter (2010), Saussure estabeleceu os princípios da distinção entre linguagem, língua e fala, colocando os estudos da linguística na língua que ele define como produto social inserido socialmente no cérebro de cada indivíduo. Brevemente, a autora coloca que, para Saussure, a linguagem é extremamente complexa e abrange vários domínios, assim é passível de interpretação e compreensão pelas mais variadas áreas, sendo a língua uma das partes da linguagem. Já “[...] a fala é um ato individual; [que] resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade” (PETTER, 2010, p. 14, grifo da autora). DICAS A Linguística tem vários conceitos que são abordados por diferentes teorias, autores e obras, por isso, uma dica de livro interessante para todos os profissionais da área das Letras é o Dicionário de Linguística, de Jean Dubois et al., Editora Cultrix. A primeira edição francesa é de 1973. Este é um livro bastante completo e que traz muita informação organizada de modo claro e de fácil acesso a verbetes alfabeticamente ordenados. Cada verbete apresenta o conceito do termo na visão de diferentes teorias que o utilizam. Quadros e Karnopp (2004, p. 16) colocam a mesma compreensão da Linguística como ciência apresentada na seção anterior, explicitando aquilo que Mioto, Silva e Vasconcellos (2007) enfatizam com a explicação dos fatos linguísticos e a percepção dos princípios e padrões da língua que extrapolam o uso feito pelos indivíduos: A linguística está voltada prioritariamente para a explicação dos fatos linguísticos. Nesse sentido, observa-se uma tensão entre a descrição das línguas e a explicação dos fatos comuns que subjazem à realização de tais línguas. A explicação constitui o desafio maior da teoria que se defronta com a complexidade e a criatividade da linguagem humana. A linguística busca desvendar os princípios independentes da lógica e da informação que determinam a linguagem humana. Tais princípios são o que há de comum nos seres humanos que possibilitam a realização das diferentes línguas. Portanto, nesse sentido, a teoria linguística extrapola as questões de uso (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 16, grifo da autora). Desta maneira, Quadros e Karnopp (2004) remetem ao estudo dos princípios, ou seja, bases que determinam a linguagem humana, ao perceberem estes princípios como sendo comuns aos seres humanos e, consequentemente, às línguas. Essas duas formas de compreender os estudos da linguagem são importantes, pois ambas contribuem para diferentes maneiras de se compreender TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 11 os fenômenos linguísticos. Mais adiante, neste livro de estudos, veremos como cada uma delas entende os estudos da área da sintaxe. 2.4 LINGUÍSTICA X GRAMÁTICA NORMATIVA A Gramática Normativa ou Tradicional (GT) é aquela pautada nos estudos que procuram definir e estabelecer as regras/normas que prescrevem a forma de uso da língua. Ela parte da premissa de que a língua falada deve seguir as mesmas normas observadas nos textos escritos pelos escritores consagrados ou pela parcela da população entendida como culta e mais valorizada socialmente. Assim, a GT entende os fenômenos da língua dentro de uma noção de prescrição, ou seja, as regras estabelecidas por ela determinam as regras da escrita correta, e tudo o que não estiver de acordo com estas normas é entendido como erro. Em síntese, tudo o que foge daquilo que é prescrito por ela está errado e deve ser arrumado. A visão proposta pela GT ainda se mantém no imaginário coletivo como única forma de estudo sobre a língua graças à manutenção deste pensamento nas vivências escolares da maioria das pessoas. Para a GT, a regra/norma é anterior ao uso da língua e é ela que pretende determinar com as regras/normas como a língua será usada pelo indivíduo. IMPORTANT E Em contrapartida, a visão da Linguística já explicitada anteriormente neste tópico prioriza a observação dos fenômenos linguísticos para a descrição/explicação dessas situações. Dessa forma, procura perceber como os fatos da língua se dão, em quais contextos e quais situações se dá o uso da língua. Quando Quadros e Karnopp (2004, p. 16) se remetem a regras estão utilizando a expressão no sentido de observar as produções realizadas para compreender como cada uma funciona, a fim de perceber a expressão das generalizações e regularidades da linguagem humana. A linguística parte de pressupostos básicos que determinam as investigações. Um dos mais importantes pressupostos assumidos neste livro é o de que a linguagem é restringida por determinados princípios (regras) que fazem parte do conhecimento humano e determinam a produção oral ou visuoespacial, dependendo da modalidade das línguas (falada ou sinalizada),da formação das palavras, da construção das sentenças e da construção dos textos. Os princípios expressam as generalizações e as regularidades da linguagem humana nesses diferentes níveis (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 16). UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 12 Os estudos linguísticos partem da observação/descrição dos fenômenos da língua (ou seja, diferentes usos) para observar as regras que surgem a partir destes fenômenos. Desta forma, a observação linguística é posterior à observação das sentenças. IMPORTANT E Por exemplo, ao observarmos as seguintes sentenças: O uso do termo sentença na teoria linguística tem como base eliminar as confusões que os termos frase, oração e período, utilizados pela Gramática Tradicional, trazem, pois o termo sentença é utilizado para um conjunto de constituintes combinados de acordo com as regras sintáticas da língua. Por ora, não vamos entrar em detalhes, pois estes conceitos serão explicados mais adiante neste livro. NOTA Embora as três sentenças retomem a mesma informação: de que a pessoa que a emitiu e mais alguém foram ao cinema no dia anterior à fala, cada uma se expressa de uma maneira diferente. Em (1) temos um uso mais reconhecido socialmente como correto, aquele que víamos na escola ditando regras e normas. Já em (2) aparece um uso que não é o padrão normativo, mas já é reconhecido como uma forma correta de uso do pronome. Em (3) temos uma forma que a GT entende como incorreta, embora seja corrente em diferentes comunidades. Numa visão linguística de estudo dos fenômenos da língua, a sentença (3) seria estudada de modo descritivo e explicativo, ou seja, descrevendo esta e outras sentenças com a mesma formação e fazendo uma tentativa de explicar o porquê deste uso. Nesta sentença, poderíamos entender que o verbo “ir” foi conjugado a partir do sentido que a expressão “a gente” apresenta ao estar no lugar do pronome “nós”. Assim, o verbo foi conjugado a partir do “nós” implícito e não do “a gente”. (1) Nós fomos ao cinema ontem. (2) A gente foi ao cinema ontem. (3) A gente fomos ao cinema ontem. TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 13 3 AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E OS DIFERENTES ASPECTOS DA LINGUAGEM Como já vimos anteriormente, os estudos linguísticos se dividem em diferentes áreas que estudam a partir de diversas perspectivas os fenômenos linguísticos observados. Cada uma dessas perspectivas aborda aspectos específicos do todo, porque a língua(gem) é extremamente complexa, podendo ser estudada em seus muitos aspectos. Voltando às discussões sobre a Linguística como ciência, podemos aproveitar a comparação que Mioto, Silva e Vasconcellos (2007) fazem entre a Física e a Linguística. É importante termos em mente, neste momento, que o primeiro elemento necessário para o estudo é a delimitação do objeto. As diferentes áreas da Linguística delimitam seus objetos a partir de diferentes lentes teóricas, cada uma se dedicando a observar partes do todo observável da linguagem. Quadros e Karnopp (2004, p. 17) ainda corroboram: As áreas da linguística que estudam os vários aspectos da linguagem humana são: a fonologia, a morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática. Além dessas, originam-se as áreas interdisciplinares, tais como a sociolinguística, a psicolinguística, a linguística textual, [a linguística aplicada] e a análise do discurso. Agora, passaremos a um breve estudo dos diferentes aspectos estudados pelas áreas da Linguística. Com o objetivo de favorecer a compreensão do estudo dos diferentes aspectos, utilizaremos a sentença destacada a seguir para exemplificar as diferentes abordagens pelas quais ela pode ser estudada: (4) João disse que Maria está adoentada. ATENCAO Para facilitar a compreensão e evitar problemas de referência aos exemplos, todas as sentenças utilizadas neste livro de estudos serão numeradas de maneira sequencial contínua dentro de cada unidade, ou seja, a numeração recomeçará do número (1) nas unidades 2 e 3. UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 14 3.1 FONÉTICA E FONOLOGIA No Dicionário de Linguística, “a fonética estuda os sons da língua em sua realização concreta, independentemente de sua função linguística” (DUBOIS et al., 1973, p. 282, grifo do original). Em relação à fonologia, os autores expõem que: Fonologia é a ciência que estuda os sons da língua do ponto de vista de sua função no sistema de comunicação linguística. Ela estuda os elementos fônicos que distinguem, numa mesma língua, duas mensagens de sentidos diferentes (a diferença fônica no início das palavras do português bala e mala, a diferença de posição do acento, no português, entre sábia, sabia e sabiá etc.), e aqueles que permitem reconhecer a mensagem igual através de realizações individuais diferentes (voz diferente, pronúncia diferente etc.). Nisto se diferencia da fonética, que estuda os elementos fônicos independentemente de sua função na comunicação (DUBOIS et al., 1973, p. 284-285, grifo do original). Desta maneira, um estudo fonético sobre a sentença, colocada para exemplo, descreveria os sons utilizados nela e analisaria quais são as características de articulação, de acústica e de percepção acústica. Já um estudo fonológico procuraria observar a diferença que o uso do acento em “está” traz na comparação com a palavra “esta”, também existente em língua portuguesa e que apresenta uma posição diferente da sílaba tônica, pois em “está” ela se encontra na última sílaba e, em “esta”, na penúltima. Nas línguas de sinais, a fonologia tem duas tarefas. Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 47) elas são: “[...] determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais” e “[...] estabelecer quais são os padrões possíveis no ambiente fonológico”. De acordo com Stokoe (apud QUADROS; KARNOP, 2004, p. 48), “as unidades mínimas (fonemas) em ASL são: a) Configuração de mão (CM), b) Locação de mão (L) / Ponto de Articulação (PA) e c) Movimento de mão (M)”. 3.2 MORFOLOGIA Os estudos morfológicos são definidos por Dubois et al. (1973, p. 421-422, grifos do original) através de duas abordagens: 1. Em gramática tradicional, a morfologia é o estudo das formas das palavras (flexão e derivação), em oposição ao estudo das funções ou sintaxe. 2. Em linguística moderna, o termo morfologia tem duas acepções principais: a) ou a morfologia é a descrição das regras que regem a estrutura interna das palavras, isto é, as regras de combinação entre os morfemas- raízes para constituir ‘palavras’ (regras de formação de palavras) e a descrição das formas diversas que tomam essas palavras conforme a categoria de número, gênero, tempo, pessoa e, conforme o caso (flexão de palavras), em oposição à sintaxe que descreve as regras TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 15 de combinação entre os morfemas léxicos (morfemas, raízes e palavras) para constituir frases; b) ou a morfologia é descrita, ao mesmo tempo, das regras da estrutura interna das palavras e das regras de combinação dos sintagmas em frases. A morfologia se confunde, então, com a formação das palavras, a flexão e a sintaxe, e opõe-se ao léxico e à fonologia. Neste caso, diz-se, de preferência, morfo-sintaxe [sic]. Desta maneira, a morfologia estuda como as palavras são formadas a partir da combinação dos morfemas (unidades mínimas de significado) e quais são as regras que regem as diferentes maneiras que estes morfemas podem ser combinados para a formação de palavras. Como em nosso exemplo, a palavra “adoentada” é formada por: a- + -doent- + -ada = prefixo + radical + sufixo Além disso, pode também ser entendida como o estudo das combinações para formação de palavras, destas, em sintagmas, e destes, em frases. Ao estudar também a formação de frases, a morfologiase mescla com a sintaxe ao ter uma compreensão morfossintática, ou seja, que estuda as palavras, os sintagmas e a formação das sentenças. Em Língua de Sinais, estudos linguísticos em morfologia estudam as regras para a formação de sinais, pois “assim como as palavras de todas as línguas humanas [...] os sinais pertencem a categorias lexicais ou a classes de palavras, tais como nome, verbo, adjetivo, advérbio etc. As Línguas de Sinais têm um léxico e um sistema de criação de novos sinais [...]” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 87). Retomando a sentença que estamos utilizando para análise: (4) João disse que Maria está adoentada. Um estudo morfológico que observasse as regras de formação de palavras e as categorias de gênero, número, tempo e pessoa poderia observar as partes que compõem o verbo conjugado “está”. Ao ser decomposto nas partes que compõem esta palavra, teríamos a seguinte análise: • est-: radical do verbo, parte que traz o sentido dele e se mantém durante o processo de conjugação verbal de verbos regulares; • -á: desinência verbal modo-temporal que demonstra as informações de número- pessoa (3ª pessoa do singular) e modo-tempo (Presente do Indicativo). UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 16 3.3 SINTAXE Os estudos sintáticos são definidos por Dubois et al. (1973, p. 559) da seguinte maneira: 1. Chama-se sintaxe a parte da gramática que descreve as regras pelas quais se combinam as unidades significativas em frases; a sintaxe, que trata das funções, distingue-se, tradicionalmente, das da morfologia [...]. A sintaxe, às vezes, tem sido confundida com a própria gramática. 2. Em gramática gerativa, a sintaxe comporta vários componentes: a base (componente categorial e lexical) e o componente transformacional. Desta maneira, a sintaxe comporta os estudos linguísticos que pretendem observar como as sentenças são compostas, ou seja, quais são as regras que os usuários da língua utilizam para formar sentenças. Segundo Ferrarezi Junior (2018, p. 15), “analisar sintaticamente uma frase não vai muito além de compreender como as coisas funcionam ali dentro e dar nomes às diferentes partes analisadas”. O autor ainda apresenta o seguinte esquema para explicar os níveis de combinação da língua de forma simplificada e com o correspondente mais técnico: FIGURA 2 – NÍVEIS DE INTERAÇÃO DA LÍNGUA FONTE: Ferrarezi Junior (2018, p. 70) Vamos observar sintaticamente a construção da frase que estamos utilizando para análise nesta seção: (4) João disse que Maria está adoentada. (5) *Adoentada disse Maria João. A frase (5) é agramatical porque a organização dos elementos que a compõem não corresponde a uma possibilidade em Língua Portuguesa. Do mesmo modo, se pensarmos no sinal e no uso do verbo “DIZER”, em Libras, teríamos uma formação agramatical se utilizássemos a estrutura de Língua Portuguesa. Isso porque o verbo “DIZER” é um verbo direcional e precisa ter seu sujeito e seu objeto marcados no espaço de articulação através do movimento de início e fim do movimento de sinalização. palavras isoladas palavras partes mínimas textoperíodofrasesintagma estruturas de sentido completo trechos da língua (com uma ou mais frases) textos (faladaos ou escritos) TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 17 ATENCAO Quando as sentenças forem agramaticais, ou seja, não forem reconhecidas como possibilidades dentro do sistema linguístico, é comum utilizar o asterisco (*) como forma de marcar esta agramaticalidade. Uma das regras de transcrição utilizadas neste livro de estudos é que, ao fazer referência aos sinais, utilizaremos a escrita em letras maiúsculas. Por exemplo, o verbo “DIZER”, em Libras, é um verbo direcional. NOTA ESTUDOS FU TUROS Mais adiante voltaremos ao estudo das construções gramaticais e agramaticais, aos verbos direcionais e às estruturas de Libras. 3.4 SEMÂNTICA Os estudos semânticos priorizam o estudo do significado das palavras e das sentenças. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 21-22): A semântica trata da natureza e da função e do uso dos significados determinados ou pressupostos. É a parte da linguística que estuda a natureza do significado individual das palavras e do agrupamento das palavras nas sentenças, que pode apresentar variações regionais e sociais nos diferentes dialetos de uma língua. Para além desse tipo de significado, há aquele do utente da língua que pode incluir o literal e o não literal das expressões (casos de ironia e metáforas, por exemplo). Apesar dessas variações, existem limites nos significados de cada expressão, ou seja, os utentes não podem usar expressões para significar o que bem entendem. UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 18 A palavra “utente”, segundo o Dicionário Online de Português: substantivo masculino e feminino, usuário; pessoa que faz uso de alguma coisa; quem se serve ou desfruta de algo. FONTE: <https://www.dicio.com.br/utente/>. Acesso em: 20 set. 2018. NOTA Assim, os estudos semânticos priorizam o sentido das palavras e expressões tanto de forma separada quanto dentro das sentenças, como destas entre si. Na frase que estamos usando para análise, o significado dela é que Maria tem uma doença e João é quem nos comunica sobre esta doença ao nos dar esta informação. 3.5 PRAGMÁTICA De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 22-23): A pragmática envolve as relações entre a linguagem e o contexto. É uma área que inclui os estudos da dêixis (utilização de elementos da linguagem através de demonstração -indicação-, que envolve basicamente os pronomes), das pressuposições (inferências e antecipações com base no que foi dito), dos atos de fala (como se organizam os atos de fala e quais as condições que observam, das implicaturas (as coisas que estão subentendidas nas entrelinhas, incluindo o significado que não foi dito explicitamente e dos aspectos da estrutura conversacional (a estrutura das conversas entre duas ou mais pessoas e a organização da tomada de turnos durante a conversação). Ao analisarmos a sentença que estamos usando como exemplo, podemos entender os seguintes pressupostos e implicaturas: (4) João disse que Maria está adoentada. • João conhece Maria. • João tem um grau de intimidade com Maria que nos permite saber que ela está adoentada. • João sabe que Maria está doente. • João está informando alguém que não sabe da doença de Maria. • A doença de Maria está acontecendo no momento em que João falou sobre sua doença. • A pessoa para quem João falou sobre a doença de Maria conhece tanto João quanto Maria. TÓPICO 1 | O LUGAR DA SINTAXE NOS ESTUDOS DA LINGUAGUEM 19 4 O QUE ESTUDA A SINTAXE? Neste momento estamos prontos para entender o que a sintaxe estuda. A sintaxe é uma das áreas da Ciência da Linguagem – a Linguística – que estuda as formas como as palavras se estruturam, em partes mínimas chamadas de sintagmas, como os sintagmas se organizam para montar as sentenças e como as sentenças simples se juntam para formar sentenças complexas. Em seguida, veremos como estas sentenças complexas são agrupadas para a formação de textos. ESTUDOS FU TUROS Nas próximas unidades, estudaremos com mais atenção a formação e os conceitos das sentenças, dos constituintes e dos sintagmas. De acordo com Mioto (2009, p. 9, grifo do original), “a sintaxe estuda como é que nós combinamos palavras para formar constituintes maiores, que chamamos de sintagmas” O autor também traz uma exemplificação bastante interessante sobre as combinações das palavras em sintagmas. A seguir, há um exemplo inspirado na maneira como o autor apresenta seu exemplo para a combinação de palavras e sintagmas. Ao combinar as palavras o e gato de forma correta, formamos o sintagma [o gato], porém se fizermos a combinaçãode maneira errada, não teremos a formação de um sintagma *[gato o]. Se as palavras rabo, peludo, gato, o, preto, de são combinadas de maneira certa, elas formam um sintagma [o gato preto de rabo peludo], mas se a combinação for feita de modo errado, não é formado um sintagma *[rabo de peludo rabo gato o]. Mioto (2009, p. 9) também coloca que “a Sintaxe estuda como é que nós combinamos sintagmas para formar sentenças”. Se combinarmos corretamente o verbo miou com [o gato] formaremos a sentença [o gato miou]. Porém se fizermos a combinação de forma errada *[gato miou o], o que é formado não é sentença. Ao juntarmos, de forma correta, miou com [o gato preto de rabo peludo], ficaremos com a sentença [o gato preto de rabo peludo miou], mas se fizermos a combinação de forma errada não teremos uma sentença *[o miou gato rabo o peludo preto]. Se combinamos Mingau com miou, de maneira correta, teremos a sentença [Mingau miou]. Assim, o autor chama a atenção para a extensão dos constituintes, UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 20 colocando que as combinações em sentenças corretas independem do tamanho do constituinte para a formação das sentenças corretas. Portanto, o autor conclui que “[...] o que conta para identificar o que é um sintagma não é a extensão do constituinte. O que conta para identificar um sintagma é um núcleo, que no caso dos constituintes que combinam com sorriu [miou] é o nome menina [gato] ou o nome próprio Maria [Mingau]” (MIOTO, 2009, p. 10). Assim, o autor afirma que o importante neste exemplo é o núcleo, é um nome, e não a quantidade de palavras envolvidas. Ainda no mesmo texto, Mioto (2009, p. 10) afirma que “a sintaxe estuda, também, como é que combinamos sentenças para formar sentenças maiores, as chamadas sentenças complexas”. Se combinarmos a sentença [o gato preto de rabo peludo miou] com [o dono chegou] usando a palavra quando, formamos a sentença complexa: [[o gato preto de rabo peludo miou] quando [o dono chegou]]. Você se lembra do uso dos colchetes lá na Matemática? Pois é, em Linguística também os utilizamos, neste caso, é uma das formas utilizadas para a separação dos constituintes e das sentenças. NOTA Mioto (2009, p. 10, grifo da autora) coloca que a sintaxe estuda como as palavras se juntam em sintagmas, os sintagmas se juntam em sentenças, e as sentenças se juntam para formar sentenças complexas, e: Ao estudar isso, a sintaxe procura saber como é que os sintagmas e as sentenças se estruturam. Apesar de sintagmas e sentenças serem pronunciados (ou escritos) [ou sinalizados] de forma que uma palavra venha depois da outra, a sintaxe busca estabelecer como é que as palavras se organizam, quais palavras se juntam com quais outras para formar os constituintes maiores. Assim, duas palavras que estão uma do lado da outra podem pertencer a constituintes diferentes. Esta definição de estudos sintáticos apresentada por Mioto (2009) é muito importante para nossos estudos sobre sintaxe ao longo desta disciplina! IMPORTANT E 21 Neste tópico, você aprendeu que: • A linguagem tem o poder de criar e recriar a realidade, por isso faz parte de vários mitos da criação. • A linguagem é um fenômeno bastante complexo, por isso ela tem sido estudada há muito tempo e por muitos teóricos. • Historicamente, o estudo da linguagem tem registros a partir do século IV a.C. e passou por três vertentes principais antes da definição da Linguística como ciência: gramática para manutenção das regras, estudos históricos sobre as línguas e estudos comparativos entre as línguas entre si. • A Linguística como ciência nasceu a partir do início de século XX com a publicação do livro Curso de Linguística Geral, em que a língua é definida como objeto de estudo da Linguística. • No final do século XX, Noam Chomsky traz uma nova compreensão para a Linguística ao apresentar a linguagem como um conjunto finito e infinito de sentenças. • A Linguística é uma Ciência como qualquer das ciências naturais, pois tem os mesmos elementos que elas. • O objeto de estudo da Linguística são os fatos da língua. • A Gramática Tradicional tem uma visão normativa e prescritiva da língua(gem) e a Linguística tem uma visão descritiva/explicativa. • Para a compreensão dos fenômenos linguísticos, a ciência da linguística apresenta diferentes áreas de estudo, tais como a Fonologia, a Fonética, a Morfologia, a Pragmática, a Semântica e a Sintaxe. • A sintaxe é a área de estudos da Linguística que se dedica a estudar a combinação das palavras em sintagmas, os sintagmas em sentenças e as sentenças simples em sentenças complexas. RESUMO DO TÓPICO 1 22 1 As áreas da linguagem estudam aspectos diferentes dos fenômenos linguísticos. Leia a sentença a seguir e marque V para as afirmações verdadeiras e F para as falsas em relação à sentença colocada e à possibilidade de estudo dentre as áreas da Linguística: AUTOATIVIDADE João disse que largou o cigarro. ( ) Num estudo fonológico deveriam ser estudadas as informações subentendidas na frase, por exemplo, João era fumante. ( ) Num estudo sintático dividiríamos esta sentença complexa da seguinte maneira: [[João disse] que [largou o cigarro]]. ( ) Num estudo semântico estudaríamos o significado das palavras e da sentença como um todo. ( ) Num estudo pragmático seriam estudadas as partes que constituem as palavras desta sentença. ( ) Num estudo morfológico, o verbo “largou” seria dividido em radical “larg-“ mais desinência de modo-tempo e número-pessoa “-ou”. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) F – V – V – F – V. b) ( ) V – F – F – V – F. c) ( ) F – V – V – F – F. d) ( ) V – F – V – F – V. e) ( ) V – V – V – F – V. 2 A ciência da linguagem se divide em áreas para o estudo dos fenômenos linguísticos. Assim, a partir do que estudamos neste tópico, qual é a contribuição que o estudo da sintaxe pode trazer para a formação de professores e tradutores-intérpretes de Libras? 23 TÓPICO 2 ESTUDOS SINTÁTICOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO No Tópico 1, tratamos da Linguística e das áreas de estudo que compõem a ciência que estuda a linguagem. Também estabelecemos qual é o objeto de estudos da sintaxe. No Tópico 2, estudaremos as possibilidades teóricas de estudos especificamente sintáticos. Desta maneira, o Tópico 1 tratou de maneira mais geral os estudos da Linguística, e o Tópico 2 trará nosso olhar para os estudos sintáticos. Inicialmente, veremos de uma forma breve a história dos estudos sintáticos. Em seguida, estudaremos as noções mais tradicionais (GT), aquelas que você com certeza já viu na escola em algum momento, e as duas principais tendências dos estudos linguísticos dentro da área de sintaxe: a formalista e a funcionalista. Ao final deste tópico, faremos uma comparação entre as perspectivas formalistas e funcionalistas para as análises sintáticas. 2 HISTÓRIA DOS ESTUDOS SINTÁTICOS De acordo com Berlick, Augusto e Scher (2011, p. 209), a sintaxe só começou a tentar se estabelecer como disciplina independente no final do XIX, ou seja, ainda antes da linguística de Saussure ter firmado a língua como objeto de estudos. As autoras apontam que o trabalho de John Rien O que é sintaxe?, publicado em 1894, é o primeiro sinal do interesse pelos estudos dos fenômenos sintáticos da língua. Ainda na visão das autoras, é com a divulgação das ideias de Saussure no início do século XX que todos os estudos sobre a linguagem humana se desenvolvem de forma mais específica, os campos de estudo se delimitam e a sintaxe começa a ser reconhecida como um campo de estudos autônomo. Como já vimos anteriormente, em síntese, a sintaxe estuda como se dá a formação das palavras em sintagmas, os sintagmas em sentenças e as sentenças em sentençascomplexas. Ou seja, tem seu foco na maneira como os elementos se organizam para formar elementos maiores. Dessa forma, o objeto de análise da sintaxe está bem delimitado, “[...] nem sempre encontramos consenso entre os estudiosos sobre a natureza dos processos que ali se desenrolam e a maneira mais UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 24 adequada de explicá-los” (BERLICK; AUGUSTO; SCHER, 2011, p. 210). Embora existam inúmeras teorias que tentam explicar os fenômenos sintáticos, as autoras dividem essas diferentes perspectivas em duas grandes vertentes teóricas: o Formalismo e o Funcionalismo. De acordo com Berlick, Augusto e Scher (2011, p. 210), as duas abordagens são derivadas da diferenciação feita por Saussure entre as duas partes que compõem a linguagem, língua e fala (langue e parole), pois: No momento em que Saussure propõe a clássica distinção entre langue e parole [língua e fala], ou seja, em que define a existência de um sistema de convenções, regras e princípios independente do uso linguístico [langue ou língua], instaura a possibilidade de se estudar a linguagem do ponto de vista estritamente formal ou do ponto de vista de suas funções. Assim, ao colocar a língua como um sistema de convenção, Saussure abre espaço para dois tipos de compreensões teóricas: 1) Aquelas que priorizam um entendimento apenas do sistema de regras deslocado de um contexto de uso, ou seja, teorias que pretendem estudar como são as relações da língua dentro dela mesma, de forma independente do contexto de uso, ou seja, uma visão de descrição formal destas regras adquiridas socialmente. 2) Ao mesmo tempo, outro conjunto de pesquisadores se dedica e prioriza a parte destas regras em seu contexto de uso social, ou seja, enfatiza o caráter social da língua e se dedica a observar como a língua funciona na relação comunicativa entre os usuários da língua. ATENCAO A publicação do Curso de Linguística Geral foi de extrema importância para os estudos linguísticos, não apenas pela delimitação da Linguística como ciência, mas por toda a organização dos estudos linguísticos a partir das ideias de Saussure. 3 POSSIBILIDADES TEÓRICAS Nas palavras de Ferrarezi Junior (2018, p. 16, grifo da autora): Ao nos metermos a descrever uma língua, vamos ter que escolher uma forma de fazê-la. Há muitas teorias no ‘mercado’, à disposição de quem resolver pagar por elas. Podemos tentar uma descrição gerativa [formalista], que se propõe a descobrir como as estruturas são geradas em nossa mente. Mas podemos optar por uma descrição TÓPICO 2 | ESTUDOS SINTÁTICOS 25 ‘seca’ da estrutura da língua, o que seria uma descrição estruturalista. Podemos, porém, tentar ver como as coisas funcionam no dia a dia, o que seria uma descrição funcional. [...] Também, posso não querer explicar nada, mas apenas dizer que tem que ser ‘assim e assado’. Aí, estou fazendo uma gramática tradicional com tendência normativa. Para que possa ficar clara a distinção entre a maneira como as possibilidades teóricas compreendem os estudos sintáticos, veremos brevemente como a GT, a visão formalista e a visão funcionalista explicam os fenômenos sintáticos. 3.1 GRAMÁTICA TRADICIONAL (NORMATIVA) Nós já estudamos um pouco sobre a Gramática Tradicional (GT) no Tópico 1. Aqui veremos a maneira como ela percebe os estudos sintáticos e relembraremos algumas nomenclaturas adotadas por ela. Com certeza, você se lembra de ter estudado a língua a partir desta compreensão. Muitos terminaram o Ensino Médio acreditando que a GT era a única maneira de estudar a língua. Também é devido a estes estudos que muitas pessoas acreditam que a Língua Portuguesa é muito difícil porque é cheia de regras que não fazem sentido, pois estão lotadas de exceções. Isso acontece porque todas as formas de se normatizar ou prescrever o uso das línguas naturais acaba se tornando inviável, pois o uso social da língua sempre terá muitas variações linguísticas que, na maioria das vezes, vão se distanciar dos usos consagrados que a GT prescreve. ESTUDOS FU TUROS Estudaremos as características das línguas naturais na Unidade 2 deste livro de estudos. A imagem seguinte representa graficamente a ideia de que as mudanças linguísticas das línguas naturais não podem ser contidas pela GT. A tentativa de conter o crescimento da árvore (língua) dentro da cerca (GT) não funcionou, porque a árvore cresceu a partir de seu desenvolvimento natural sem respeitar as barreiras (regras) que a cerca tentou impor: UNIDADE 1 | COMPREENDENDO OS ESTUDOS SINTÁTICOS 26 FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO DE MUDANÇA LINGUÍSTICA Gramática Tradicional Variação Linguística FONTE: <https://static.boredpanda.com/blog/wp-content/uploads/2014/03/first-world- anarchists-funny-rebels-16.jpg>. Acesso em: 22 set. 2018. O entendimento vinculado à GT vai nos remeter a regras predeterminadas para a elaboração de frases e períodos. Desta maneira, não se detém a explicar ou compreender os fenômenos da língua, sua abordagem, parte daquilo que é considerado correto pela tradição gramatical. Por isso, a análise sintática que parte da GT é pautada na classificação das partes da oração a partir das regras delimitadas. Observe o que uma análise sintática de GT nos diria sobre o seguinte exemplo: (6) O menino viu estrelas à noite. • Esta frase é uma oração porque possui verbo. • O sujeito desta oração é: O menino. • Este é um sujeito simples porque tem apenas um núcleo: menino. • O verbo desta oração é transitivo direto, por isso tem como complemento uma expressão sem preposição: estrelas. • Esta oração tem um adjunto adverbial de tempo, ou seja, uma expressão que modifica o sentido do verbo dando uma ideia de que em algum momento aconteceu a ação dele: à noite. Observe que nesta parte da explicação adotamos a nomenclatura de frase e oração, conforme a GT solicita. NOTA TÓPICO 2 | ESTUDOS SINTÁTICOS 27 Caso você ainda se lembre desses conteúdos, normalmente eles eram estudados na escola a partir de listas intermináveis de conceitos, classificações e frases soltas. Quando o estudo se encaminhava para as sentenças complexas, a situação ficava ainda mais complicada, com as orações coordenadas e subordinadas. O estudo das classificações nada mais é do que o reconhecimento das normas e prescrições colocado em uso para análise das frases da língua. Embora os demais modos de estudar a língua também tenham nomes específicos e, às vezes, usem uma nomenclatura que reconhecemos da GT, a principal diferença é que o foco não está na classificação, mas na descrição e compreensão de como as regras aparecem quando observamos as frases/sentenças. 3.2 FORMALISTA A perspectiva formalista dos estudos da linguagem, segundo Berlick, Augusto e Scher (2011, p. 210), estuda as “[...] características internas à língua, tais como a natureza de seus constituintes e da relação entre eles, ou seja, do aspecto formal da língua [...]”. Desta maneira: Esta corrente do pensamento linguístico se dedica a questões relacionadas à estrutura linguística, sem se voltar especialmente para as relações entre a língua e o contexto (situação comunicativa) em que se insere. Em outras palavras, para os pesquisadores que seguem esta via de análise, a linguagem, ou mais especificamente, a sintaxe deve ser examinada como um objeto autônomo (BERLICK; AUGUSTO; SCHER, 2011, p. 210, grifo da autora). Ao afirmar que a sintaxe deve ser examinada de maneira autônoma, esta teoria está dizendo que as análises formalistas levarão em conta apenas a sentença, sem levar em consideração a situação na qual ela foi utilizada. Assim sendo, os fenômenos de variação e mudança linguísticas, observáveis, por exemplo, na questão da ordem em que se apresentam os constituintes sintáticos de uma sentença, deverão ser tratados
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