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PONTOS PARA OBSERVAÇÃO DE PRODUTOS ARTÍSTICOS O roteiro para a observação da arte, pontua questões que podem ser tanto plásticas quanto simbólicas. Dessa forma, tanto o comentário plástico quanto o simbólico podem fazer uso dos mesmos termos; cabe aos envolvidos, professores e alunos, considerar ou não as metáforas que circulam entre essas duas condições. Nos processos arte-educacionais acredito que a observação associada ou não a comentários sobre as produções artísticas, precisam de um olhar que considere a possibilidade de ampliar, focar, decompor, selecionar, relacionar as partes ou o todo de uma composição, mas nunca tentar entender a obra que está sendo contemplada. É preciso também eliminar esse caminho confortável que é limitado entre o “gostei” e “não gostei”. Diferentemente do que pode ocorrer numa visita a uma exposição numa galeria ou museu, em sala de aula ou num atelier apenas gostar ou não gostar de um produto artístico em nada acrescenta. É preciso aprofundar a observação para ampliar o olhar. Observações ou comentários sobre trabalhos que foram produzidos pelos alunos, precisam de muita atenção para que exerçam um papel verdadeiramente construtivo. Interessar-se pela produção do aluno, apontar descobertas, compartilhar sensações que aquele trabalho provoca, considerando a multiplicidade de interpretações que uma obra pode trazer, dependendo do olhar de cada um, é em si material promotor de diálogo entre professor e aluno e estímulo para que o aluno dialogue com o próprio trabalho. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 1 / 13 Se considerarmos como propósitos o desenvolvimento criativo, estético e emocional dos nossos alunos, o exercício da reflexão é uma ferramenta obrigatória tanto para eles quanto para nós professores. É a reflexão que desenvolve a sensibilidade e juntas enriquecem o olhar e ampliam o vocabulário para a comunicação com o aluno. A arte não se limita a um “botar pra fora”, como comumente as pessoas gostam de definir. A partir do modernismo, a arte passou a ser um instrumento de liberdade e uma grande oportunidade de revisão estética em seu sentido mais amplo. Precisamos fundir a liberdade estética que ela oferece a um pensar, olhar, falar e escutar mais sensibilizados. Seus reflexos vão bem além da arte, reverberam na vida. As questões simbólicas que podem surgir a partir das ações artísticas e que são eventualmente percebidas pelo professor, precisam ter a sua importância restrita ao desenvolvimento dos alunos. Ter consciência da existência de um mundo simbólico presente dentro do universo artístico já é por si só especialmente importante, porque reforça o respeito que um profissional precisa ter pelos significados contidos em qualquer manifestação artística. Em termos mais práticos o acesso ao simbólico, quando ocorre, serve para o reconhecimento e entendimento de determinadas atitudes, reações e relações que o aluno pode estar estabelecendo com êle mesmo, com o espaço, com o outro e com o material. Reforço que não cabe ao professor de artes “tratar” questões. Portanto, quando aspectos de ordem simbólica forem observados só terão relevância arte-educacional se puderem facilitar ou gerar ampliação no contato do aluno com seu universo artístico e intelectual. Nesse material que compartilho com vocês, separei as possibilidades de olhar o trabalho do aluno sob dois pontos de vista, apesar estarem na prática fundidos. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 2 / 13 Sob o ponto de vista plástico 1. Como se sentiu com a proposta? Onde sentiu presente o resultado (*)? No processo ou no produto? Quero dizer: O que você gostou mais: de fazer ou de como ficou o seu trabalho? O resultado pode ocorrer no processo, no produto, ou em ambos. No caso de um grupo adolescente já maduro, discutir suas diferenças e os vínculos que podem ser criados entre processo e produto, além da possibilidade de estar contido no produto algo aproximado à experiência vivida no processo, ou não. E ainda, a possibilidade de ser o produto um registro do processo. 2. Onde acredita que colheu motivação para esse seu trabalho? Interna ou externamente? Acredita que auto exigências influenciam o seu processo criativo? Quando se iniciam as práticas artísticas, é comum as motivações terem origem nas emoções pessoais do autor; são portanto motivações originárias do interno. Com o desenvolvimento das práticas (o exercício do fazer artístico), pode ocorrer uma migração das motivações para temas sociais, políticos, filosóficos... Nestes casos o artista estaria sendo instigado a pensar e agir artisticamente sobre o que ocorre externo a ele. Portanto suas motivações são externas. Ainda sobre a questão do interno e do externo se estão ou não presentes na mesma obra, é preciso observar se o autor não está sendo descritivo. Em geral os trabalhos descritivos apresentam excesso de controle do autor e são compostos por recursos selecionados para descrever uma “emoção específica”, tornando o que seria uma linguagem artística em texto explicativo, o que consequentemente leva a uma manifestação artística falsa. Sobre as ações artísticas pautadas no externo, é preciso atenção, já que podem ser construídas apenas por referências sem subjetivação (que são aquelas opiniões capazes v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 3 / 13 de gerar códigos pessoais). Esse caminho é também gerador de estereotipação na linguagem artística. A estereotipação é em geral uma iniciativa que tenta agregar valor aos resultados, através de recursos que produzam efeitos de beleza. Também se caracteriza por uma busca aceitação e unanimidade para o que foi produzido. 3. Observar o que pode ser descritivo (o que é atrelado a um significante) e o que pode se apresentar mais expressivo / subjetivo (atrelado a um significado). Se a arte contempla a subjetividade, ela também contempla uma infinidade de significados. A descrição de significados, portanto, ancora, restringe, impede a sua infinitude. 4. Observar possíveis uniformidades e embaçamentos na composição. A falta de contraste ou mesmo de oposições entre elementos pode sugerir falta de contraponto. Os contrapontos são recursos que costumam oferecer diálogo plástico entre os elementos que compõem a obra. Essa dinâmica (ou conversa) dentro da obra favorece o desenvolvimento de uma outra dinâmica que é aquela promovida pelo diálogo entre a obra e o contemplador. Ainda sobre o diálogo, um elemento pode 5. Observar se há algum elemento ou uma parte da composição que capture o seu olhar e ofereça um ponto de partida para a contemplação do todo. Pode ser visto como o coração da obra. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 4 / 13 Quando plenamente auto representativo, o elemento deflagrador (coração) pode se localizar no centro da composição e significar o “eu” e os outros elementos dessa composição como situações relacionáveis com esse “eu” No casodo elemento deflagrador não se constituir auto representativo, ele pode então significar “o” ou “os” elementos geradores de uma questão, opinião ou conflito que o autor quer abordar. 6. Observar se alguma parte da composição parece dispensável, supérflua. Toda parte que pode se imaginar retirada da composição sem oferecer “falta” ou perda de força para a obra, pode e deve ser retirada. A falta provocada, pode realizar vazios importantes para respiração ou para enfatizar algo. Toda forma ou recurso de adorno empregado num produto artístico em nada acrescenta à sua linguagem,, apenas retira a força, embaça ou provoca ruídos. 7. Dividindo o espaço de composição em 8 espaços, tendo como ponto de partida uma cruz imaginária que tem seu meio no centro do papel, tela... teremos: v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 5 / 13 ● No espaço 1 os elementos ali localizados costumam ter maior leveza do que os que se ocupam o espaço 2 , que por sua vez ganham maior peso. Se pensarmos uma figura humana como único elemento de uma composição e se essa estiver localizada no espaço 1, possivelmente a relação do autor com o mundo deve estar sendo onírica e ou distanciada de elementos reais, concretos. Já, se a mesma figura humana estiver localizada no espaço 2, possivelmente deve existir uma relação mais concreta do autor com o mundo. ● Quando há diálogo entre os espaços 3 e 4, é importante notar que os elementos localizados no espaço 3 costumam deter a ação (parte ativa) e os elementos localizados no espaço 4 costumam ser mais receptivos da ação (parte passiva). v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 6 / 13 ● A ideia de trânsito ou deslocamento de um elemento dentro de uma composição se faz mais facilmente da esquerda para a direita, ou seja do espaço 3 para o espaço 4. O movimento contrário costuma oferecer maior resistência visual. ● Os elementos que atravessam ou sugerem trânsito entre os espaços 5 e 8 assim como entre 6 e 7, produzem deslocamentos diagonais e ganham velocidade em seus movimentos. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 7 / 13 v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 8 / 13 Sob o ponto de vista simbólico 1. O tamanho da composição realizada ou até mesmo de um único elemento dentro do espaço pode falar da relação que esse indivíduo acredita existir entre a sua história e o outro, seja esse outro pessoa ou mundo. Ou ainda, como ele vê ou sente a escuta e o olhar desse outro sobre a sua história. 2. Em geral, o elemento central da composição, seja figura, abstração ou mesmo o vazio, é a representação simbólica do “eu”. 3. Ainda sobre a simbologia do elemento central ● Em muitas composições podemos perceber o conceito das mandalas mesmo naquelas que não foram conscientemente produzidas para esse fim. ● O centro de uma mandala costuma preservar o “eu” mais essencial de um indivíduo (eu individual) e as camadas mais externas têm gradativamente maior relação com o social (eu social). Portanto, as relações do centro da mandala com essas camadas podem ser observadas, considerando cor textura, tamanho, cuidado e tempo dispensado, por exemplo. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 9 / 13 4. O espaço 5 costuma ser o espaço de representação do feminino, da mãe, ou sua representação. 5. O espaço 7 costuma ser o espaço de representação do masculino, do pai, ou sua representação. 6. Sobre os materiais e suas possíveis relações com a simbologia ● Quando há livre escolha de materiais, o aluno costuma ir de encontro ao que melhor o representa naquele dia ou momento de vida. Por isso materiais muito específicos ou por qualquer razão limitados pelo professor podem ser também limitadores da expressão e reduzidores das ações que podem oferecer significados símbolos. ● Materiais concretos e não modeláveis, como madeiras, papelões e algumas sucatas, quando são utilizados para construções, simbolicamente se nutrem e se fazem representar muito mais através de “opiniões” do que de “emoções”. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 10 / 13 Nota-se que há uma visão mais crítica presente nos conteúdos apresentados pelos alunos que fazem a escolha desses materiais. ● Exemplo de representação simbólica na forma de opinião: Intencionalmente um aluno pensa (faz o projeto) para a construção de uma casa e para isso usa uma caixa de papelão, pinta a parte interna dela e insere um boneco de argila. A casa não tem móveis, apenas uma pequena pintura como representação de um quadro na parede. Terminado o trabalho, espontaneamente o aluno diz ou age como se dissesse: “Esse menino fica muito sozinho” (caso de um menino francês com 9 anos e diagnóstico de autismo) As construções costumam colocar o aluno numa postura de terceira pessoa. Há um certo distanciamento entre a criança que constrói e o sentimento ou emoção propriamente. Como se houvesse mais opinião a respeito de algo do que expressão emocional. ● Exemplo de representação simbólica na forma de emoção: Num desenho, pintura ou modelagem (não intencional, sem projeto), depois de terminado o trabalho, espontaneamente o aluno diz ou age como se dissesse: “Um menino sozinho”. Nesse caso, não há terceira pessoa, não há distanciamento, não há ponto de vista. O aluno se funde à sua arte (onde transitam as suas emoções) como fazem também as crianças até os 2 ou 3 anos que se fundem à mãe. ● Materiais mais sólidos, como bastões de cor (pastel oleoso, lápis cera...), lápis de cor e a argila por exemplo, aproximam o aluno de uma possível necessidade de construção de ideias mesmo que emocionais. Há na escolha desse tipo de material uma espécie de distanciamento (que pode ser inclusive saudável) entre a expressão em si e aquele que a expressa. ● Materiais pastosos ou neles transformados durante o processo (como a argila com muita água, por exemplo) costumam ter relação com emoções, mas principalmente aquelas relacionadas com desejos mais pulsionais que sofrem impedimento moral e/ou religioso, como é o caso dos impulsos de ordem sexual, amor ou afeto impossível, por isso nomeados como pecados, desejos “errados”. v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 11 / 13 Mas é muito importante também considerar que no caso das crianças menores esse processo que transformaargila em lama pode ser perfeitamente justificado pela natural necessidade sensorial dessa fase. Nesses casos não há projeto de construção apenas o prazer do processo, Já os alunos com mais de 7 anos que têm a intenção de algo em especial (um boneco, um animal, uma casa… mas que durante a execução colocam água em tanta quantidade que a forma termina por não se sustentar pode indicar fragilidade emocional, baixa autoestima. ● Materiais mais líquidos costumam ter relação com as emoções mais básicas e urgentes. São emoções sem controle, por vezes mais difusas ou confusas, que pode ter sofrido algum impedimento e não puderam ser expressas, como é o caso de algumas formas de amor, prazer, ódio, perda, distância, afeto... ● A maneira como certos materiais são empregados é um ponto importante de observação para professor. Os movimentos de lápis, pincéis e bastões de fora para dentro (como se fossem em direção ao umbigo) podem indicar necessidade de nutrição. Esse movimento é naturalmente esperado em crianças pequenas (até os 2 anos, ou 3 no máximo), mas, no caso das crianças maiores, esse movimento pode voltar a ocorrer, ou até nunca terem sido abandonados caso haja queima de etapa de desenvolvimento, imaturidade neurológica / emocional e também por desnutrição emocional por qualquer contingência...entre outros. 7. Entre os alunos com até 5 anos, cronológicos ou de maturidade, os movimentos horizontais com qualquer ferramenta sobre papel, tela...quando ganham presença, seja pela dedicação, intensidade, destaque ou cor, podem sinalizar para alguma maturidade social ou desejo de socialização, ou ainda expressarem o desejo de aproximação entre dois pontos. 8. Movimentos diagonais dentro de um suporte bidimensional (papel, tela...), assim como as espirais e as garatujas quando presentes nos v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 12 / 13 desenhos depois dos 3 anos, podem indicar movimento, transformação em processo ou o desejo de que eles aconteçam. Autor: Helio Rodrigues v.2019 ATENÇÃO: Os conteúdos dessa apostila podem ser utilizados parcial ou integralmente para fins acadêmicos ou de publicação, contanto que sejam sempre preservados os créditos ao autor. 13 / 13
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