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Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA Leonardo Sousa Carvalho e David Figueiredo Candiani Leo Sticky Note Carla Melo encontrou erros, em 28.XI.2015:nullMas percebi duas coisas que passaram desapercebidas, que as vezes até já foram corrigidas e eu estou aqui te contando... uma foi na página 11, na parte "Sistemática e a diversidade biológica", no final da nona linha tem um "a 25 anos", que faltou um h. Na hora de digitar passou batido.nullOutro foi na legenda da Figua 1, que estão trocadas as informações da A com a B, onde a figura 1A é dendograma e a figura 1B é cladograma. No texto está certinho, mas na figura trocaram as bolas. Ministério da Educação - MEC Universidade Aberta do Brasil - UAB Universidade Federal do Piauí - UFPI Universidade Aberta do Piauí - UAPI Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD Prof.Me. Leonardo Sousa Carvalho e Dr. David Figueiredo Candiani PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira Elis Rejane Silva Oliveira Samuel Falcão Silva Cleonildo F. de M. Neto Elisabeth Carvalho Medeiros Carmem Lúcia Portela Santos PRESIDENTE DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO GOVERNADOR DO ESTADO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC PRESIDENTE DA CAPES COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Luiz Inácio Lula da Silva Fernando Haddad Wilson Nunes Martins Luiz de Sousa Santos Júnior Carlos Eduardo Bielshowsky Jorge Almeida Guimarães Celso Costa Gildásio Guedes Fernandes CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente ) Des. Tomaz Gomes Campelo Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Francisca Maria Soares Mendes Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO TÉCNICA EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO REVISÃO REVISOR GRÁFICO A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é dos autores. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia deste obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sansões previstas no Código Penal. C331p Carvalho, Leonardo Sousa. Candiani, David Figueiredo Principio de sistemas filogenética/ Leonardo Sousa. Candiani Carvalho - Teresina: EDUFPI/UAPI 201Ϯ 1ϭ0 p. ISBN: 978-85-7463-567-5 1- Biologia. 2- Sistema Filogenético. 3 - Educação a Distân- cia I. Título C.D.D. - 410 A sistemática filogenética é uma ciência que vem se desenvolvendo desde a década de 1960, com a publicação dos trabalhos do alemão Willy Henning. Desde então, diversas teorias, ferramentas e métodos foram desenvolvidos para permitir o estudo das relações de parentesco entre os seres vivos. Estes estudos podem ser conciliados com a proposição de hipóteses biogeográficas, permitindo formalizar conclusões mais amplas. Neste sentido, torna-se necessário estudar princípios básicos de sistemática filogenética com o objetivo de: permitir o entendimento das representações gráficas de relacionamentos filogenéticos e possibilitar/ incentivar futuros trabalhos nesta promissora área do conhecimento. Esta disciplina tem ainda importância relevante no processo de implantação de pensamentos com enfoques evolutivos, durante a formulação de alunos de ensino fundamental e médio, como forma de fugir da sistemática tradicionalmente aceita. Assim, desenvolvemos este livro de forma sucinta, com vários exemplos dos conceitos e técnicas abordadas, além de figuras e exercícios propostos como forma de fixação de conteúdo. Não esperamos que este livro possa suprir eventuais carências de material didático disponível no mercado ou que substitua livros já utilizados normalmente. Por outro lado, esperamos que seja uma fonte de informações claras e facilmente acessível pelos leitores. Apresentamos ainda um pequeno glossário com termos técnicos, algumas questões desafiadoras e que abordam conteúdos de sistemática; e, ainda, um tutorial para a utilização básica de dois programas comumente utilizados em análises cladísticas atuais. Este livro foi desenvolvido a partir de grande esforço de pesquisa bibliográfica realizada por nós, autores. Tivemos ainda importante colaboração de Rafael Prezzi Indicatti e Nancy França Lo Man Hung, a quem somos muito gratos por suas valiosas críticas e sugestões a versões preliminares desta obra. Agradecemos ainda aos nossos amigos e familiares que contribuíram direta ou indiretamente para a realização desta obra. Bons estudos! Prof. Me. Leonardo S. Carvalho Dr. David F. Candiani UNIDADE 1 INTRODUÇÃO À SISTEMÁTICA CAPÍTULO 1: Sistemática e a diversidade biológica 11 Histórico da Sistemática 11 Alguns conceitos básicos 15 CAPÍTULO 2: Homologia e séries de transformação de caracteres 17 UNIDADE 2 AGRUPAMENTOS TAXONÔMICOS E CARACTERES COMPARTILHADOS CAPÍTULO 3: Forma e agrupamentos taxonômicos 35 CAPÍTULO 4: Homoplasias X Sinapomorfias 42 UNIDADE 3 METODOLOGIA PARA ANÁLISES FILOGENÉTICAS filogenética e construção de cladogramas 55 Grupos interno e externo 55 Matrizes de caracteres 57 Metodologias de inferência filogenética 60 Séries de caracteres multiestado e ordenação 60 Critérios de otimização de caracteres 61 Otimização de caracteres no cladrograma 62 Algoritmos empregados nas buscas de cladogramas 63 Métodos de consenso 64 Índices numéricos 67 CAPÍTULO 6: Programas de computador utilizados em análises cladísticas 68 Programas mais utilizados 68 Tutorial para utilização de alguns programas para análises filogenéticas 70 9 33 55 UNIDADE 01 Introdução à Sistemática Objetivos • Mostrar como surgiu a sistemática filogenética; • Apresentar os principais cientistas que contribuíram para o desenvolvimento da sistemática; • Conceituar alguns termos importantes que serão abordados ao longo desta obra; • Conhecer os critérios para proposição de homologias; • Organizar estruturas homólogas de acordo com a sua origem. 10 UNIDADE 01 11PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA INTRODUÇÃO À SISTEMÁTICA Sistemática e a diversidade biológica A Sistemática é a área da biologia que estuda a diversidade dos organismos, descrevendo-os, definindo suas áreas de distribuiçãogeográfica, estabelecendo suas relações biológicas e filogenéticas, propondo classificações e compreendendo os processos que são responsáveis pela sua geração. É evidente que nenhuma destas metas está perto de serem atingidas, pois atualmente não podemos dizer com quantas espécies nós compartilhamos este planeta, quantas faltam ser nomeadas ou ainda quantas se tornaram ou podem se tornar extintas em um futuro próximo. O cientista Edward O. Wilson (1985) enfatizou a 25 anos que não podemos dizer quantas espécies existem atualmente, mesmo dentro de uma ordem de magnitude; e esta soberba afirmação ainda é verdade, como foi naquela época. Desta forma, é necessário cada vez mais, o desenvolvimento de métodos e técnicas que permitam entender de maneira mais clara e objetiva os padrões evolutivos de grandes grupos taxonômicos; assim como é necessário entender o relacionamento entre as espécies atuais e extintas, para melhor compreender tal diversidade biológica. Histórico da Sistemática Uma das primeiras tentativas de classificação da diversidade biológica foi realizada pelo filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), que é considerado o verdadeiro fundador da zoologia – levando-se em conta o sentido etimológico da palavra. Em seu livro Historia animalium (350 a.C.), ele classificou os organismos em relação a uma hierárquica “escada da vida”, em que as criaturas eram organizadas em uma escada 12 UNIDADE 01 graduada de crescente perfeição, das plantas até os homens. O método lógico aristotélico tinha como base a divisão de classes mais inclusivas em subclasses remanescentes, um exemplo é a classificação dicotômica, em que um determinado grupo de coisas é dividido em dois subgrupos. Esse tipo de classificação descendente se repetiria até que o mais baixo grupo de “espécies” (compreendidas como subclasses subordinadas à classe mais inclusiva) não pudesse mais ser dividido. No entanto, o próprio Aristóteles questionou a validade de sua divisão lógica, ao não utilizá-la na sua classificação dos animais, que acabou por não constituir uma hierarquia elaborada (Santos, 2008). Após um longo período sem contribuições expressivas o naturalista suíço Conrad Gesner (1516 – 1565) publicou seu livro Historia animalium (1551), em que incluía toda a informação de que se dispunha sobre os animais. Ele utilizava denominações aparentemente binominais precursora da nomenclatura binominal proposta por Linnaeus. Alguns nomes dados por Gesner, como de um lagarto verde que ocorre na Europa, Lacerta viridis, continuam ainda a serem utilizados. Os animais eram, em sua maior parte, ordenados alfabeticamente pelo primeiro nome em latim. Aqueles relacionados eram colocados em posições adjacentes na lista, demonstrando um incipiente entendimento da noção de parentesco (de Pinna, 2001 ). Noção que foi muito mais elaborada na principal obra botânica de Gesner, onde propôs um sistema que organizava as plantas em ordens, famílias e espécies, verdadeiramente antecedendo em dois séculos o sistema similar e bem conhecido de Linnaeus (de Pinna, 2001). O zoólogo, botânico e médico sueco Carolus Linnaeus (1707- 1778) publicou suas duas principais obras o Systema Naturae (décima edição em 1758) e o Species Plantarum (primeira edição em 1753), que lhe concederam a fama de "pai da taxonomia moderna". Estas obras são consideradas o marco inicial da nomenclatura zoológica e botânica, respectivamente. Nelas, Linnaeus apresentou as primeiras regras de nomenclatura biológica, hoje consolidadas pelos códigos internacionais de nomenclatura zoológica e botânica, revolucionando assim a ciência em sua época. Outro importante cientista que contribuiu de maneira indireta para o desenvolvimento do estudo da diversidade biológica foi o geólogo escocês Charles Lyell (1797 – 1875), que publicou seu multi-volume Principles of Geology (Princípios de Geologia) entre 1830 e 1833. Lyell contribuiu para o desenvolvimento das idéias evolutivas de seu amigo próximo, Charles Darwin, através de seus estudos que o levaram a formar a teoria 13PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA do uniformitarismo, "a superfície da Terra teria sido sempre alterada de forma gradual, tendo por agentes forças naturais conhecidas, tais como a chuva, a neve, a erosão, a deposição, a sedimentação, o vento etc". Esta teoria contrastava com a teoria dominante da época, o catastrofismo, que explica que as alterações que ocorrem na Terra são consequências de fenômenos súbitos causados por acontecimentos catastróficos; que por vezes eram considerados manifestações da intervenção divina. Se Darwin seguisse as bases de tal teoria catastrofista, toda a sua explicação evolutiva não teria sentido. O naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809 – 1882), juntamente com o naturalista, geógrafo, antropólogo e biólogo galês Alfred Russel Wallace (1823 – 1913) desenvolveram as teorias de evolução orgânica, que resultaram em uma mudança profunda de perspectiva na sistemática, assim como em todas as outras ciências da vida e mesmo fora de suas fronteiras (de Pinna, 2001). Ambos enviaram à Linnean Society de Londres no dia 1º de julho de 1858, uma breve comunicação apresentando o conceito de seleção natural; porém tal conceito só foi consagrado após a publicação de A Origem das Espécies (título original On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life, que significa Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida), em 1859 (Fonseca, 2008). Tal obra é considerada um dos livros científicos mais influentes já escritos, pela solidez e amplitude dos argumentos em favor da evolução, incluindo dados anatômicos, morfológicos, embriológicos, ecológicos, comportamentais, biogeográficos e geológicos (Fonseca, 2008). Entendeu-se então que os grupos naturais de organismos eram simplesmente reflexos de relações evolutivas. As classificações passaram a ser vistas como representações da história evolutiva e avaliadas de acordo com seu sucesso em representar essa história. Aqui, causas e efeitos se misturam, pois para o próprio Darwin a existência de padrões taxonômicos era uma das principais evidências da evolução. Para ele, a hierarquia dos seres vivos só poderia ter sido tão bem definida se fosse resultado de um processo histórico de descendência com modificação - isto é, evolução (de Pinna, 2001). Posteriormente, o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834 – 1919) foi um dos pioneiros na construção de árvores filogenéticas baseadas na comparação de similaridades compartilhadas pelos organismos e 14 UNIDADE 01 criou termos como “antropogenia”, “filo”, “filogenia”, “ecologia” e ainda descreveu o Reino Protista (Santos, 2008). Haeckel ainda estabeleceu as bases do pensamento evolutivo na morfologia (de Pinna, 2001). As observações científicas de Haeckel levaram à proposição de uma ligação entre a ontogenia (desenvolvimento da forma) e a filogenia (descendência evolutiva), mais tarde chamada de teoria da recapitulação e consubstanciada na expressão "a ontogenia recapitula a filogenia". Faltava, no entanto, às suas hipóteses um arcabouço metodológico que permitisse a reconstrução, de forma não ambígua, da história filogenética dos grupos (Santos, 2008). Com o desenvolvimento da teoria de evolução de espécies por meio de seleção natural, proposta por Charles Darwin, e do surgimento da genética e das leis da hereditariedade (Leis de Mendel), propostas por Gregor Mendel (1822 – 1884) , a partir de 1936, geneticistas, paleontólogos e naturalistas uniram as ideias correntes do período em um amplo programa de pesquisa, que ficou conhecido como “síntese da teoria evolutiva” ou “teoria sintética da evolução” – erroneamentedenominada por alguns de “teoria neodarwinista”, como lembra Mayr (1982). Os neodarwinistas são anteriores à síntese e remontam aos trabalhos do biólogo alemão August Weismann , fundamentados exclusivamente na seleção natural. A teoria sintética da evolução postulava que a variação genética em populações surge aleatoriamente através de mutação (atualmente sabemos que isto pode acontecer devido a erros na replicação do DNA) e recombinação genética (cruzamento de cromossomos homólogos durante a meiose). A evolução consiste primariamente em modificações na frequência dos alelos entre uma e outra geração como um resultado de derivacão genética (genetic drift), fluxo gênico (gene flow) e seleção natural; e ocorre gradualmente quando populações são isoladas reprodutivamente, por exemplo, por barreiras geográficas. Após este período de desenvolvimento da teoria sintética da evolução, a sistemática não evoluiu e começou a entrar em declínio, até a década de 60, quando o entomólogo alemão Willi Hennig (1913 – 1976), criou uma nova escola de sistemática, a cladística ou sistemática filogenética, através da publicação de sua obra manga Phylogenetic Systematics (Sistemática Filogenética), em 1966. A sistemática filogenética, também chamada cladismo, postula que apenas relações de ancestralidade comum (do tipo "a" e "b" compartilham um ancestral comum exclusivo) podem ser objeto de hipóteses explícitas e testáveis 15PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA (de Pinna, 2001). Ideias sobre relações de parentesco evolutivo devem ser expressas como uma hierarquia de ancestrais comuns hipotéticos (chamada "relações de grupo-irmão"). Relações ancestral-descendente (do tipo "a" deu origem a "b") não são aceitas, já que dificilmente podem ser testadas cientificamente. Assim, organismos reais nunca são considerados como ancestrais de outros organismos reais, mas sim como elementos unidos por hipóteses de ancestralidade comum. É por isso que diagramas filogenéticos (ou "cladogramas") modernos possuem organismos reais somente nas suas extremidades (de Pinna, 2001). A criação da sistemática filogenética revolucionou o entendimento das relações de parentesco entre as espécies, mostrando que grupos anteriormente aceitos como naturais, não representavam corretamente a sua história evolutiva. Este, por exemplo, é o caso dos répteis, com os quais os crocodilianos compartilham um ancestral comum mais próximo com as aves, que com os demais répteis. Tais conclusões resultaram em inúmeras alterações das classificações tradicionais dos seres vivos. Atualmente, a sistemática filogenética é uma ciência que possui um arsenal metodológico extenso e sofisticado. As análises filogenéticas são realizadas utilizando programas de computador, que podem analisar desde sequências de DNA à morfologia e padrões de comportamento (de Pinna, 2001). Além disto, ela está fortemente integrada à biogeografia, para tentar explicar como a história evolutiva dos seres vivos se relaciona com a história geológica da Terra. Desta forma, a sistemática não é mais uma ciência apenas voltada à nomenclatura e a classificação biológica, mas permite a realização de generalizações e interpretações em todos os níveis da biologia, da origem da vida à evolução de biotas (de Pinna, 2001). Alguns conceitos básicos Ao longo do estudo da sistemática filogenética, iremos nos deparar com a presença de alguns termos que necessitam de esclarecimentos para o melhor entendimento dos enunciados e teorias. Ao explicarmos que através do método filogenético ou método cladístico as relações ancestral-descendente (do tipo "a" deu origem a "b") não são aceitas, estamos afirmando que nenhuma espécie atual ou extinta pode ser considerada a espécie ancestral de outra espécie. Por outro lado, duas espécies podem ser mais semelhantes entre si, mesmo comparando- as com todos os demais táxons conhecidos. Entende-se por táxon 16 UNIDADE 01 “qualquer classe cujos elementos são organismos reunidos com base em semelhanças”. Desta forma, qualquer espécie isolada, ou parte dela (uma população ou subespécie), ou qualquer agrupamento de espécies formado com base em alguma semelhança corresponde a um táxon. Por exemplo: os primatas (incluindo ou não o homem) formam um táxon. O conjunto de todas as espécies que voam por modo próprio também poderiam compor um táxon: aves, morcegos, insetos, pterosauros, peixe- voador, etc. Todo táxon é um agrupamento legítimo; porém, discutível é se um determinado táxon deve ou não fazer parte das classificações e receber um nome ou se são úteis (Amorim, 2002). A realização de uma análise filogenética ou análise cladística, entre outros passos, envolve a execução de cálculos matemáticos que resultam na produção de um gráfico, ou cladograma. Os cladogramas são dendrogramas (quaisquer diagramas ramificados em que elementos terminais são reunidos entre si, em vários níveis, por algum critério) hierárquicos, resultantes de uma análise cladística e que ilustram uma sequência de divisões hipotéticas das linhagens levando ao táxon em consideração. Eles exibem os caracteres derivados compartilhados entre os grupos em questão. É importante não confundir cladogramas com outros tipos de dendrogramas, como por exemplo, aqueles resultantes de análises ecológicas. Na Figura 1, podemos observar dois diagramas. O primeiro (Figura 1A) representa um dendrograma mostrando o percentual de similaridade entre três áreas hipotéticas “a”, “b” e “c”, através de sua fauna associada. Este tipo de gráfico é resultante de uma análise de agrupamento (clustering analysis), utilizada em trabalhos de escopo ecológico. Neste exemplo, podemos observar que a fauna presente nas áreas “b” e “c” são mais semelhantes entre si, que quando comparadas à fauna da área “a”. Na Figura 1B, podemos observar um cladograma, que mostra o relacionamento entre três espécies hipotéticas “a”, “b” e “c”, além de suas características compartilhadas. Através deste cladograma, podemos observar que o grupo formado pelas espécies “b” e “c” compartilha mais características entre si, que quando comparadas à espécie “a”. No cladograma cada um dos terminais representa uma espécie. Os terminais dos cladogramas, entretanto, nem sempre são espécies. Eles podem representar gêneros, famílias ou outros níveis hierárquicos. Os pontos de onde partem as ramificações são chamados nós e representam ancestrais comuns hipotéticos para todos os grupos de seres vivos que estão acima desse nó. Todos os grupos acima de cada 17PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA nó compõem grupos naturais ou monofiléticos (ver Capítulo 3). Os nós representam pontos onde ocorreram eventos cladogenéticos: separação da população em duas outras populações que não trocam mais genes (isolamento geográfico ou mutações que provocam grandes alterações e que impedem o cruzamento). As linhas do cladograma são chamadas ramos ou clados, que representam um grupo de organismos que inclui o ancestral mais recente comum de todos os seus membros e todos os descendentes daquele ancestral comum mais recente. São determinados pela sequência de ramificação através da análise de características compartilhadas. Por exemplo, as espécies “b” e “c” formam um clado, diagnosticados pela característica número “2”. Figura 1. Exemplos de diagramas ramificados. A. Cladograma mostrando o relacionamento entre três espécies hipotéticas “a”, “b” e “c”. B: Dendrograma mostrando a similaridade entre três áreas hipotéticas “a”, “b” e “c”, através de sua fauna associada. Síntese do capítulo: A sistemática já não é mais apenas uma ciência voltada a dar nomes e classificar os seres vivos. De Aristóteles à Willi Henning, diversas teorias e métodos foram sendo desenvolvidos até a criação de uma escola de sistemática, denominada sistemáticafilogenética. Esta postula que apenas relações explícitas e testáveis, do tipo ancestral-descendente, podem ser consideradas válidas e aquelas hipóteses do tipo “A” deu origem a “B” não são mais aceitas. Desta forma, hoje temos métodos e técnicas sofisticadas para aprimorar nosso conhecimento acerca das relações evolutivas entre os seres vivos. Além disto, foi possível compreender a diferença entre dendrogramas resultantes de análises ecológicas e aqueles resultantes de análises filogenéticas, além de conhecer algumas partes de um cladograma. CAPÍTULO 2: Homologia e séries de transformação de caracteres A sistemática filogenética, conforme comentado no capítulo 1, é 18 UNIDADE 01 fundamentada na formação de grupos através de relações de parentesco, estabelecidas de um ancestral comum. Logo, de quaisquer três espécies atuais, duas compartilham um ancestral que não é comum à terceira – exceto se as três foram originadas simultaneamente. Isto cria uma perspectiva de que todas as espécies existentes e extintas possuem um único ancestral comum, considerando-se que a vida na Terra surgiu uma única vez. Assim, a reconstrução da história evolutiva destas espécies, formando uma sequência de divisões que se fragmentaram desde a primeira espécie ancestral resultaria em um enorme conjunto de divisões, chamado de filogenia. O diagrama que representa essa história também recebe o mesmo nome. Porém, para realizar a comparação entre espécies, é necessário buscar estruturas que estejam presente nestas; e que, por conseguinte, também estiveram presentes em seus ancestrais comuns mais próximos. Tais estruturas são chamadas homólogas. A proposição de homologias é de fundamental importância na realização de análises filogenéticas, pois esta é a ferramenta básica que permite a comparação de partes entre indivíduos distintos. Ao afirmarmos que determinadas estruturas encontradas em diferentes espécies são homólogas, queremos dizer que estas espécies são descendentes de um ancestral comum, o qual também apresentava esta estrutura. Estruturas homólogas não são, necessariamente, iguais. Os braços direito de dois homens são homólogos e sua semelhança é relacionada à sua ancestralidade comum sem que surgissem modificações significantes. Da mesma forma, os bicos de um papagaio e de um beija-flor são estruturas distintas e homólogas entre si. A existência de estruturas homólogas e distintas em diferentes espécies deve ser entendida como o resultado da alteração de cópias da estrutura que existiu na espécie ancestral comum mais recente, ao longo dos processos de cladogênese e anagênese, aos quais estas espécies passaram em sua evolução. A proposição de homologias pode ser realizada seguindo três critérios: (1) formas parecidas, (2) posição relativa e (3) ontogenia. O critério de formas parecidas considera homólogas estruturas de indivíduos diferentes que em suas partes componentes e em seu conjunto são, notoriamente, semelhantes; como por exemplo, as asas de um pombo e as asas de um gavião. O critério de posição relativa considera homólogas estruturas de indivíduos diferentes que têm, aproximadamente, a mesma posição relativa a outras estruturas do corpo; como por exemplo, a nadadeira caudal de um tubarão e a nadadeira caudal de uma sardinha. 19PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA O critério ontogenético considera homólogas as estruturas em indivíduos diferentes que se formam a partir de células ou conjuntos celulares que ocupam posições similares em estágios embrionários iniciais de uma mesma sequência de modificações; como por exemplo, o cérebro de um gato e o cérebro de um cachorro. Tais estruturas podem ser consideradas quaisquer partes do corpo, no sentido de qualquer expressão fenotípica (morfológica, fisiológica, comportamental, etc.), ou qualquer porção do DNA, por exemplo, um cromossomo, um gene, um conjunto de bases ou uma única base. Desta forma, uma estrutura é uma entidade concreta. Podem ser consideradas ainda estruturas homólogas morfológicas (pelos), comportamentais (construção de teias), bioquímicas (veneno), moleculares (ACGC, GGGCA); e estas podem possuir diferenças entre organismos distintos. Por exemplo, os pelos do corpo podem ser longos ou curtos, as teias podem ser orbiculares ou irregulares, um veneno pode possuir ação neurotóxica ou hemolítica e um determinado fragmento do DNA pode ou não possuir adenosina. Estas diferenças entre estruturas são denominadas caracteres. Portanto, um caráter corresponde àquilo que foi modificado em uma determinada estrutura e é também conhecido como sinônimo de uma novidade evolutiva ou mutação. A diferenciação entre estruturas e caracteres depende do nível de generalidade da análise. Desta forma, o que é considerado uma estrutura poderá ser considerado um caráter em um nível de generalidade mais abrangente. Por exemplo, a “asa” de uma ave é considerada um caráter quando comparado com os demais “membros anteriores dos vertebrados”. Por sua vez, esta “asa” poderá ser considerada uma estrutura, que possui caracteres morfológicos como a “extensão do rádio” ou a “cor da tíbia”. É importante frisar que o correto seria condições homólogas de caracteres ou estruturas homólogas e nunca “caracteres homólogos”, pois um caráter corresponde a um conceito abstrato e estruturas são entidades materiais. Tradicionalmente, a comparação entre indivíduos distintos era feita através da comparação de estruturas que desempenhavam funções semelhantes, se necessariamente possuírem semelhanças de forma e posição; e serem, portanto, estruturas homólogas. Tal semelhança de função é denominada analogia. Consideram-se análogas as estruturas em indivíduos distintos que possuem a mesma função, sem necessariamente possuírem semelhanças de forma, posição ou origem. Como por exemplo, as asas de um morcego, de uma ave e de um inseto são 20 UNIDADE 01 estruturas análogas, porém não homólogas. Tais estruturas apresentam a mesma função, relacionada ao vôo; porém não apresentam posições relativas similares (relacionando-se as asas de morcego e ave às asas de insetos), nem formas parecidas. Desta forma, podemos concluir que estas estruturas evoluíram independentemente nestes animais e não as herdaram de um ancestral comum. O conceito moderno de homologia se enraíza em uma visão da natureza fundamentada na ideia de que mudanças na função de estruturas orgânicas são anteriores às alterações morfológicas dessa estrutura durante a evolução. A partir dessa perspectiva, a evolução pode ser entendida como um conjunto de modificações contínuas de funções ao longo do tempo, eventualmente seguidas de modificações da morfologia. Isso previne o uso de uma terminologia finalista (“esta estrutura serve para...”), uma vez que estruturas podem permanecer inalteradas por muitas gerações e ainda assim apresentar mudanças de natureza fisiológica e/ou comportamental ao longo do tempo. Este é o clássico caso, por exemplo, das pernas dos artrópodes. Em algumas linhagens, como nos extintos trilobitos, há séries de pernas pouco modificadas com funções alimentar, respiratória e locomotora. Em outros grupos, esses apêndices foram profundamente modificados ao longo da evolução, algumas vezes adquirindo funções ultraespecializadas. De fato, os apêndices dos artrópodes são todos homólogos nas diferentes linhagens – apesar da grande variedade morfológica, os apêndices são a mesma estrutura, mas diferenciada (Santos & Calor, 2007a,b). Após a constatação de homologias, é necessária a realização da polarização destes caracteres, de modo a inferir qual surgiu primeiro ao longo da evolução do grupo avaliado. A simples constatação de homologias apenas torna coerente a comparação entre partes que não são iguais em indivíduos distintos. O surgimento desta diferença podeocorrer através de dois processos evolutivos: a anagênese (modificação na forma de qualquer ramo filético) e a cladogênese (a fragmentação de um ramo filético). Através de um destes processos, as estruturas em uma espécie podem sofrer alterações a partir de sua condição inicial. Estas alterações são, portanto, as condições derivadas de um determinado caráter. Assim, o conjunto de espécies que compartilha a condição modificada (ou derivada) de um caráter descende da espécie ancestral na qual essa condição modificada surgiu (Amorim, 2002). A sequência de modificações que uma determinada estrutura sofreu tornando-se sucessivamente mais derivada foi denominada 21PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA por Henning (1966) como série de transformação. Esta representação nem sempre pode ser observada diretamente em espécies atuais, pois observamos hoje em dia apenas alguns dos inúmeros passos da evolução de uma determinada estrutura. Por exemplo, a vocalização tipo grunhido realizado por leões e onças-pintadas representam a condição derivada de um caráter, enquanto a ausência deste tipo de vocalização em tigres representa a condição mais antiga (Christiansen, 2008). No entanto, formas intermediárias entre estas duas condições são desconhecidas. Henning (1966) também nomeou cada condição homóloga de um determinado caráter, sendo a condição mais antiga ou original chamada de plesiomórfica (ex.: a ausência de grunhido em tigres); e a condição mais recente, derivada ou modificada, chamada de apomórfica (ex.: a presença de grunhido em leões e onças-pintadas). Estas duas condições homólogas de caracteres também dependem do nível de generalidade da análise e uma condição apomórfica em um nível inferior, pode ser considerada plesiomórfica em um nível posterior. Veja o exemplo da série de transformação presente na Figura 2A. Neste exemplo, a estrela “a” possui quatro pontas é a condição mais antiga; sendo, portanto, a condição plesiomórfica em relação às estrelas “b” e “c”, que por sua vez são ambas apomórficas em relação à estrela “a”. A estrela “b” é a condição intermediária entre as estrelas “a” e “c”; sendo, portanto, condição apomórfica em relação à estrela “a” e plesiomórfica em relação à estrela “c”. Esta última constitui o último estado desta série de transformação e, portanto, é a condição apomórfica em relação às condições plesiomórficas “a” e “b”. Logo, observa-se que no grupo de estrelas representado na Figura 2A, a condição com um maior número de pontas (estrela “c”) é a mais derivada e estas pontas foram sendo adquiridas gradativamente ao longo da evolução do grupo. Note que neste exemplo, a existência da condição de seis pontas (estrela “c”) é necessariamente devido a uma modificação da condição de cinco pontas (estrela “b”), por esta ser uma série de transformação linear. No exemplo da Figura 2B, existe uma série de transformação não-linear, em que um triângulo “d” é alterado simultaneamente em um quadrado “e”, um círculo “f” e um losango “g”. Neste caso, existe apenas uma condição plesiomórfica inicial (triângulo “d”) que foi modificado em três condições apomórficas distintas e independentes entre si. De cada par de condições homólogas verificadas de um caráter, uma delas deve corresponder à forma original, plesiomórfica, a partir da qual a outra apomórfica, se modificou. 22 UNIDADE 01 Figura 2. Exemplos hipotéticos de séries de transformação. A: Série de transformação linear, evidenciando alterações na forma de estrelas. B: Série de transformação não-linear, evidenciando alterações simultâneas na forma de um triângulo. A suposição inicial de homologias baseada na forma e na posição da estrutura em diferentes organismos é denominada homologia primária. Para comprovar esta hipótese de homologia, é necessário testá-la através de uma análise cladística ou análise filogenética, na qual os caracteres são utilizados para a obtenção de uma filogenia. Por intermédio desta análise, é possível verificar que alguns caracteres são realmente homólogos, enquanto outros inicialmente sugeridos como homólogos são frutos de uma evolução independente. Após a comprovação destas homologias primárias através de uma análise cladística, estas são então denominadas homologias secundárias. Utilizando-se o critério de posição relativa, observa-se que a perna esquerda de um filho é homóloga à perna esquerda do seu pai ou à perna dianteira esquerda de um cavalo. A mesma perna esquerda do filho também é homóloga à sua perna direita, pelo critério de formas parecidas. Além disso, as quatro pernas de um cavalo são homólogas entre si. Este tipo de homologia, em que as estruturas semelhantes aparecem em um mesmo organismo como repetições de partes do corpo, é usualmente denominada de homologia serial. Uma centopéia e um piolho-de-cobra ou gangugi apresentam dezenas de pernas e anéis 23PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA no corpo. Tais pernas e anéis são produzidos como uma repetição de partes, apresentando a mesma forma, função e origem embrionária. Em alguns casos, as estruturas homólogas de um mesmo animal podem se diferenciar quanto à função. O caranguejo apresenta grupos de pernas diferenciadas; algumas servem para a locomoção, outras para a alimentação e outras para segurar ovos. As pernas de um mesmo grupo são semelhantes entre si, porém são diferentes das dos outros grupos. Entretanto, todas as suas pernas têm a mesma origem embrionária e, portanto são estruturas homólogas seriais pelo critério de ontogenia. Caracteres apomórficos ou plesiomórficos, obviamente, não existem como entidades isoladas, independentes dos organismos. Tais estados são compartilhados por outros indivíduos de uma mesma espécie, ou mesmo por indivíduos de espécies distintas. O conjunto de espécies recentes e/ou fósseis que compartilha a condição modificada de um determinado caráter é descendente de uma mesma espécie ancestral a partir da qual esta condição modificada surgiu. Quando os estados apomórficos ou plesiomórficos são compartilhados por grupos de organismos, passam a ser denominados simplesiomorfias e sinapomorfias (com o prefixo “sin”, que significa “juntamente”). Assim, diz-se que um determinado caráter é simplesiomórfico para um determinado grupo, ou sinapomórfico para um determinado grupo. De outra maneira, diz-se que um caráter é uma sinapomorfia de um grupo ou uma simplesiomorfia de um grupo (Amorim, 2002). A aplicação destes termos é direta. Assim, um caráter é sinapomórfico para o conjunto de todas as espécies que compartilham a condição apomórfica de um caráter, assim como um caráter é simplesiomórfico para o conjunto de todas as espécies que compartilham a condição plesiomórfica de um caráter (Amorim, 2002). Como por exemplo, a presença de crânio (caixa craniana óssea ou cartilaginosa) é uma sinapomorfia para os vertebrados, a presença de glândulas mamárias é uma sinapomorfia para os mamíferos, a presença de quelíceras é uma sinapomorfia para os quelicerados, etc. Da mesma forma, a ausência de vértebras é um simplesiomorfia de todos os invertebrados, condição que também é compartilhada por peixes sem maxilas, plantas, bactérias, protozoários e vírus; a ausência de carioteca é simplesiomórfica para os procariotos; a presença de três câmaras cardíacas é simplesiomórfica para répteis (exceto crocodilianos) e anfíbios, etc. No exemplo hipotético presente na Figura 3, pode-se observar um cladograma do grupo de espécies recentes D, E, F e G, mostrando 24 UNIDADE 01 as espécies ancestrais A, B e C. Todas estas espécies compartilham um caráter derivado, a sinapomorfia 1’. A espécie ancestral B e suas descendentes D e E compartilham a sinapomorfia 2’. Da mesma forma, a espécie ancestral C e suas descendentes F e G compartilham a sinapomorfia 3’. Cada uma das espéciesrecentes D, E, F e G possuem caracteres derivados não-compartilhados com nenhuma outra espécie e que, portanto, caracterizam-nas. Tais condições apomórficas são ditas autapomórficas. As autapomorfias são caracteres apomórficos para um único ramo terminal em um cladograma. Este ramo pode ou não conter várias espécies (que não estão incluídas no cladograma). Figura 3. Cladograma hipotético evidenciando o grupo de espécies recentes D, E, F e G, mostrando as espécies ancestrais A, B e C. Os números representam caracteres, sendo as condições 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 plesiomórficas e as condições 1’, 2’, 3’, 4’, 5’, 6’ e 7’ apomórficas. Ainda no exemplo da Figura 3, pode-se observar diversas simplesiomorfias. As espécies B, D e E compartilham a simplesiomorfia 3, assim como as espécies C, F e G compartilham a simplesiomorfia 2. A simplesiomorfia 4 é compartilhada pelas espécies B, C, D, E, F e G; a simplesiomorfia 5 é compartilhada pelas espécies A, B, C, D, F e G; a simplesiomorfia 6 é compartilhada pelas espécies A, B, C, D, E e G; e a simplesiomorfia 7 é compartilhada pelas espécies A, B, C, D, E e F. Esses conceitos também são relativos e dependentes do nível de universalidade a que se referem as análises. Por exemplo, em um cladograma das relações entre os grandes grupos de Amniota (mamíferos, quelônios, lagartos, serpentes, crocodilianos e aves) a presença de glândulas mamárias é uma autapomorfia do ramo terminal ‘mamíferos’, 25PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA por ser uma característica derivada (apomorfia), exclusiva deste grupo (Figura 4A). Por outro lado, em um cladograma das relações entre os grandes grupos de mamíferos, a presença de glândulas mamárias aparece como uma sinapomorfia que reúne conjuntos de táxons terminais (Figura 4B). Figura 4. Cladogramas representando as relações entre os principais grupos de Amniota (A) e de Mammalia (B). Lepidossauros inclui os extintos ictiossauros marinhos e todos os répteis atuais, exceto crocodilianos e tartarugas. Afrotheria inclui peixes-boi e elefantes, entre outros. Euarchontoglires inclui os primatas, as lebres e os roedores, entre outros. Laurasiatheria inclui os carnívoros, os cavalos, os cetáceos, os morcegos, os pagolins, as vacas e os hipopótamos, entre outros. Fonte: Modificado de Hickman (2009) e Springer (2004). Na Figura 5, podemos observar um cladograma evidenciando as relações entre os principais grupos da superordem Laurasiatheria, que inclui as ordens Eulipotyphla (musaranhos e ouriços-peludos), Chiroptera (morcegos), Perissodactyla (cavalos, antas e rinocerontes), Cetartiodactyla (e.g. camelos, porcos, vacas, hipopótamos, baleias e golfinhos), Carnívora (e.g. cães, ursos e gatos) and Pholidota (pangolins). Todos estes animais compartilham a presença de pelos, glândulas mamárias e epidérmicas; caracteres derivados exclusivos de mamíferos. Poderíamos pensar que estas características seriam sinapomorfias para este grupo em questão, por ser uma característica derivada, compartilhada por diversos terminais. Porém, estas características não são exclusivas destes animais, e também, são compartilhadas com os demais mamíferos, como os cangurus, os macacos e os elefantes, entre outros. Neste caso, a presença de pelos, glândulas mamárias e epidérmicas é uma arqueomorfia para os laurasiotérios. São denominadas arqueomorfias de um grupo as condições apomórficas de caracteres presentes nesse grupo, mas que são sinapomórficas para um nível mais abrangente de generalidade, ou seja, 26 UNIDADE 01 que são sinapomorfias de um grupo mais amplo que aquele em foco. Por exemplo, a presença de penas em papagaios, araras e periquitos é uma arqueomorfia da família Psittacidae, pois as penas surgiram no ancestral de todas as aves e, portanto, não é exclusiva de papagaios, araras e periquitos. Portanto, a arqueomorfia é um caso particular de sinapomorfia, em que a condição apomórfica é compartilhada por um grupo, mas não apenas por este grupo (Amorim, 2002). Figura 5. Cladogramas representando as relações entre os principais grupos de Laurasiatheria, baseado em dados moleculares. Fonte: Adaptado de Springer et al. (2004). Para definir qual das duas condições homólogas de um caráter é a apomórfica e qual é a plesiomórfica, é necessário realizar a polarização deste caráter. Muitos autores supunham que a distinção poderia ser realizada baseada na frequência; considerando-se, então, que aquela mais frequente ou mais comum em um grupo, seria a plesiomórfica ou mais antiga, enquanto outros afirmavam o contrário. No entanto, uma característica será mais comum ou mais rara em um grupo se seu surgimento ocorreu mais recentemente ou há mais tempo na evolução do grupo, logo não é possível utilizar a frequência de uma condição de caráter dentro de um grupo como indicador de polaridade. Por exemplo, a presença de pernas com músculos extensores (especializações das articulações fêmur-patela e patela-tíbia) em escorpiões, opiliões, pseudoescorpiões e solífugos (quatro ordens de aracnídeos que somariam algumas poucas dezenas de milhares de espécies) está presente em um número menor de espécies e é a condição apomórfica em relação à 27PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA ausência destes músculos nos demais quelicerados (aranhas, ácaros, xifossuros, euripterídeos e outros animais, que somariam centenas de milhares de espécies). Analogamente à frequência, a problematização na polarização de caracteres também pode ser analisada de um ponto de vista “ecológico”, onde as condições apomórficas de caracteres seriam aquelas “adaptativas”. Por conseguinte, as condições plesiomórficas de caracteres seriam “inadaptativas”; então, quem as possuísse seria menos adaptado à sobrevivência. Tais afirmações são incorretas, pois a apomorfia e a plesiomorfia são, ambas, adaptativas. Por exemplo, se a vida terrestre tivesse alguma vantagem sobre a vida aquática, não seria razoável esperar que ainda existissem vertebrados aquáticos. Portanto, nem a frequência de uma característica em um grupo, nem a suposta “superioridade adaptativa” de uma condição servem como indicadores da condição apomórfica de caracteres (Amorim, 2002). Para entendermos como então polarizar um caráter, vejamos um exemplo relacionado ao surgimento da ecdise em animais bilatérios. Os animais bilatérios (clado Bilateria) incluem todos os animais deuterostômios, os artrópodes, os nematóides, os platelmintos, os anelídeos, os moluscos e outros filos menores (Halanynch, 2004). Dentre estes grupos, existem animais que realizam ecdise (processo de troca do exoesqueleto por um novo, que possibilita o crescimento de um artrópode; ver detalhes em Ruppert et al. 2005; Brusca & Brusca, 2007), enquanto outros não possuem esta característica. A presença de ecdise é um caractere compartilhado por indivíduos de sete filos: Nematoda, Nematomorpha, Priapulida, Kinorhincha, Loricifera, Onychophora, Tardigrada e Arthropoda, que compõem um clado denominado Ecdysozoa (Halanynch, 2004). Para afirmarmos que esta característica é apomórfica dentro deste clado, então esta característica deve ter surgido depois da origem deste grupo. Isso implica que, na base da evolução do grupo, o que existia era a condição plesiomórfica, mas herdada de níveis ainda anteriores. É de se supor que espécies que descendem desses mesmos níveis anteriores e que não pertencem ao grupo em questão apresentem a mesma plesiomorfia, ainda que possam ter apomorfias de outras séries de transformações (Amorim, 2002). Assim, de um par de condições homólogas diferentes, em princípio, a plesiomórfica é aquela que pode ser encontrada em grupos externos ao qual estamos analisando. Este procedimento é conhecido como método de comparação com grupos externos (Amorim, 2002). 28 UNIDADE 01 Desta forma,analisando os animais bilatérios, exceto os Ecdysozoa, percebemos que nenhum outro grupo possui a capacidade para realizar a ecdise. Logo, este caráter surgiu após o desenvolvimento do grupo Ecdysozoa; e, portanto, é um caráter apomórfico deste grupo. Esta série de transformação fica assim polarizada: “ausência de ecdise → presença de ecdise”. Conforme comenta Amorim (2002), para a polarização de caracteres utilizando o método de comparação com grupos externos, é necessário haver uma hipótese de monofilia (ver Capítulo 3 para detalhes) a priori para o grupo de estudo, dentro do qual ambas as condições são encontradas. Desta forma, podemos evitar equívocos na aplicação do método. Por exemplo, se fôssemos polarizar o caráter “presença de ecdise” em uma filogenia de artrópodes, ela seria erroneamente considerada uma simplesiomorfia para o grupo em questão; pois táxons externos (nematóides, onicóforos, tardígrados, etc) ao qual estamos analisando (artrópodes) também possuem esta característica. Neste exemplo hipotético, a “presença de ecdise” para o grupo “artrópodes” seria, na verdade, uma arqueomorfia. Síntese do capítulo: Neste capítulo, iniciamos a organização de dados para a realização de uma análise filogenética. Esta se inicia pela constatação de homologias, que pode ser feita através de três critérios: semelhanças de forma, posição relativa e semelhanças ontogenéticas. É importante lembrar que a semelhança de função constitui uma analogia. No entanto, é necessário organizar estruturas homólogas de acordo com a sua origem, pois estruturas homólogas podem ser alteradas resultando novas estruturas. Neste caso, as condições originais são chamadas plesiomórficas, enquanto as derivadas são chamadas apomórficas. Estas características originais ou derivadas podem ser compartilhadas por mais de um táxon, recebendo então o sufixo sin; sendo, portanto, denominadas simplesiomorfias e sinapomorfias, respectivamente. Existem ainda casos especiais de condições derivadas de caracteres: as autapomorfias e as arqueomorfias. Autapomorfias são condições derivadas de caracteres presentes somente em ramos terminais de uma filogenia, como por exemplo, a presença de glândulas mamárias para mamíferos em uma filogenia dos grandes grupos de Amniota. As arqueomorfias são condições derivadas de caracteres, compartilhadas por terminais de uma filogenia, mas que não são exclusivas destes, pois se originaram em um nível de generalidade mais abrangente; como, 29PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA por exemplo, a presença de glândulas mamárias para as famílias de carnívoros em uma filogenia das famílias da classe Mammalia. Após a constatação da existência de condições homólogas de caracteres (plesiomorfia e apomorfia), é necessário realizar a polarização destes caracteres através do método por comparação com grupos externos, em que se consideram plesiomórficos os caracteres existentes no grupo externo ao qual estamos avaliando. 1. Qual a importância de classificar e nomear os seres vivos, objetivo primário da sistemática? 2. Leia atentamente a frase seguinte: “A classificação dos seres vivos, com base na evolução, deve ser considerada uma escada, com peixes atuais originando anfíbios, estes originando répteis e assim por diante”. Comente a frase, explicando se esta pode ser considerada verdadeira ou falsa, seguindo os pressupostos da sistemática filogenética. 3. O que queremos dizer quando afirmamos que a galinha e as demais espécies de aves formam um táxon? 1. Relacione os conceitos presentes na coluna da esquerda com os termos na coluna da direita. ( ) Condição homóloga de caractere que pode ser encontrada em grupos externos ao qual estamos analisando. ( ) Fragmentação de um ramo filético. ( ) Sequência de modificações que uma determinada estrutura sofreu tornando-se sucessivamente mais derivada. ( ) Caracteres apomórficos para um único ramo terminal em um cladograma. 30 UNIDADE 01 ( ) Estruturas presentes em um grupo de espécies e que, pelo menos hipoteticamente, também estiveram presentes na espécie ancestral comum mais próxima. ( ) Semelhança de função e, às vezes, de forma e posição. ( ) Característica compartilhada, presente em outros grupos de maneira derivada. ( ) Modificação na forma de qualquer ramo filético. 1. Autapomorfia 2. Plesiomorfia 3. Analogia 4. Simplesiomorfia 5. Série de transformação 6. Cladogênese 7. Anagênese 8. Homologia 2. Veja a figura abaixo e responda as questões que se seguem. Cada número representa uma condição apomórfica de caracteres para um determinado ramo do cladograma. a) Quantas e quais são as autapomorfias no exemplo acima? b) Quantas e quais são as sinapomorfias no exemplo acima? c) Cite dois exemplos de arqueomorfias, explicando sua proposição. 3. Analise o cladograma abaixo, que trata das relações entre os grandes 31PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA grupos de Amniota, e responda a pergunta que se segue. Se necessário, consulte outras fontes de informação. Os crocodilianos e as aves (que formam um grupo denominado Archosauria) possuem abertura anteorbital, órbita em forma de triângulo invertido e dentes comprimidos lateralmente (todos representados simbolicamente na figura pelo número 1). Aplicando o método por comparação com grupos externos, estas características são sinapomórficas ou simplesiomórficas para o grupo Archosauria? Explique a sua resposta. 4. Diversos animais possuem adaptações para realizar atividades semelhantes. Os insetos, os morcegos e as aves, por exemplo, usam asas para voar. Sobre este fato, responda as questões abaixo: a) Considerando que ambas são utilizadas para voar, a asa de uma ave e a asa de um inseto são estruturas homólogas? Em caso negativo, o que seria necessário para que elas fossem estruturas homólogas? b) Em uma análise filogenética de aves e morcegos, um pesquisador resolveu utilizar como condições homólogas de caráter “asas com unhas desenvolvidas” (presentes em morcegos) e “asas sem unhas desenvolvidas” (presentes em aves). Isto está correto? 32 UNIDADE 01 UNIDADE 02 Agrupamentos taxonômicos e caracteres compartilhados Objetivos • Classificar os grupos taxonômicos por critérios filogenéticos; • Reconhecer grupos monofiléticos; • Diferenciar sinapomorfias e homoplasias; • Classificar os tipos de homoplasias. 34 UNIDADE 02 35PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA AGRUPAMENTOS TAXONÔMICOS E CARACTERES COMPARTILHADOS Forma e agrupamentos taxonômicos A escola cladista, comentada no capítulo 1, ordena a diversidade biológica a partir do relacionamento genealógico entre grupos naturais, isto é, com base nas relações de parentesco (filogenéticas) entre grupos formados por organismos que possuem um mesmo ancestral comum exclusivo. Assim, após a proposição e a polarização de homologias, precisamos utilizá-las para formar grupos taxonômicos. Estes grupos devem ser definidos baseados em caracteres derivados compartilhados, portanto, sinapomorfias. Como visto anteriormente, para afirmar que uma determinada característica é apomórfica dentro de um determinado clado, então esta característica deve ter surgido depois da origem deste grupo. Assim, todos os descendentes desde ancestral em que a condição apomórfica surgiu, também devem possuir esta condição. Portanto, os grupos naturais, que representam de fato a evolução de um determinado táxon, devem possuir sinapomorfias. Como afirma Amorim (2002), apomorfias compartilhadas são indícios de ancestralidade comum exclusiva, ou seja, de monofilia. É necessário considerar que sejam apenas indícios, pois, ao longo da análise, pode-se concluir que a mesma apomorfia surgiu mais de uma vez independentemente (como veremos no capítulo 4). Assim, o método filogenético pode ser resumidoem um sistema para listar sinapomorfias e, desta forma, delimitar grupos monofiléticos (ou táxon monofilético). Estes grupos também são conhecidos como grupos holofiléticos e são conjuntos de espécies incluindo uma ancestral e todas as suas espécies descendentes. Amorim (2002) cita ainda outras definições para grupo monofilético: “grupo em que todas as espécies são mais aparentadas entre si do que com quaisquer outras”, “grupo que inclui 36 UNIDADE 02 todas as espécies descendentes de uma espécie ancestral” e “grupo de espécies descendentes de uma espécie ancestral comum só a elas”. Como vimos no capítulo anterior, por exemplo, a capacidade de fazer ecdise é uma característica derivada, de modo que os Ecdysozoa devem ser um grupo monofilético. Analogamente, a presença de vértebras deve ser uma sinapomorfia para o grupo monofilético Vertebrata, a presença de carioteca deve ser uma sinapomorfia do grupo monofilético Eucarya, a presença de quelíceras deve ser uma sinapomorfia do grupo monofilético Chelicerata, a presença de mandíbulas deve ser uma sinapomorfia do grupo monofilético Mandibulata, e assim por diante. Inúmeros são os grupos monofiléticos tradicionalmente reconhecidos, como por exemplo, Vertebrata, Arthropoda, Hexapoda, Echinodermata, Metazoa, Angiospermas, etc. Existem também, por outro lado, inúmeros grupos monofiléticos que não fazem parte das classificações tradicionais. Na Figura 6, por exemplo, podem ser observadas as relações de parentesco entre diversos táxons presentes no clado Pancrustacea, que na verdade correspondem a um clado formado pela junção das tradicionalmente conhecidas classes Insecta (insetos – baratas, grilos, borboletas, moscas, etc.) e Crustacea (caranguejos, siris, lagostas, camarões, copépodes, etc). Tradicionalmente, os insetos e os crustáceos são tratados como grupos monofiléticos, individualmente, porém, diversas análises filogenéticas morfológicas e moleculares têm mostrado que, na verdade, estes dois táxons juntos formam um grupo monofilético. 37PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA Figura 6. Cladogramas representando as relações entre alguns grupos de Pancrustacea, baseado em dados moleculares. Fonte: Modificado a partir de Regier et al (2010). Neste mesmo cladograma (Figura 6), pode-se observar ainda a existência de outros seis grupos monofiléticos, além de Pancrustacea: Hexapoda (representado por Ephemeroptera e Thysanura), Xenocarida (representado por Cephalocarida e Remipedia), Vericrustacea (representado por Copepoda e Decapoda), Oligostraca (representado por Pentastomida e Branchiura), Miracrustacea (composto por Hexapoda e Xenocarida) e Altocrustacea (composto por Miracrustacea e Vericrustacea). Cada um destes grupos monofiléticos representa todo o conjunto de espécies que descendem de um mesmo ancestral. A regra geral é que um grupo com n espécies recentes e que tenha sofrido apenas divisões dicotômicas tem n-1 espécies ancestrais; cada uma desta, correspondendo a um grupo monofilético (Amorim, 2002). O mesmo raciocínio também é válido para um cladograma em que os táxons terminais não são espécies recentes, mas grupos supra- 38 UNIDADE 02 específicos, como representado na Figura 6, onde existem oito terminais e sete grupos monofiléticos. É importante lembrar que isto só é válido em um cladograma onde todos os eventos de cladogênese estão representados por divisões dicotômicas (formação de dois novos ramos filéticos). Como foi exemplificado anteriormente, há agrupamentos que não correspondem a grupos monofiléticos. Estes agrupamentos são então denominados grupos merofiléticos, termo criado por Bernardi (1981). Um grupo merofilético corresponde a um grupo monofilético maior do qual se retirou um grupo monofilético menor ou um grupo merofilético menor. Ou seja, um grupo merofilético é o que sobra de um grupo monofilético quando se retiram uma ou mais de suas espécies descendentes (Amorim, 2002). Desta forma, grupos monofiléticos representam agrupamentos naturais, enquanto grupos merofiléticos representam agrupamentos artificiais (Wiley, 1991). Amorim (2002) ressalta ainda que, para uma dada filogenia, há uma única maneira possível de construir agrupamentos monofiléticos para os vários níveis incluídos. Contudo, há maneiras distintas de construir agrupamentos que incluam grupos merofiléticos. Na Figura 7, podemos observar um exemplo hipotético de uma filogenia com cinco espécies terminais. Como há somente divisões dicotômicas, temos então apenas quatro grupos monofiléticos possíveis, representados nesta filogenia (Tabela 1). Estes grupos formam um conjunto consistente, no sentido de que, alternativamente: (1) um grupo é inteiramente incluído em outro (por exemplo “f” e “g”); ou (2) nenhum elemento de um grupo faz parte de outro grupo (a não ser que haja uma relação de inclusão) (por exemplo, “f” e “h”). Da mesma forma, poderíamos construir 22 táxons merofiléticos diferentes (por exemplo: {ac}, {ad}, {ae}, {bc}, {bd}, {be}, {cd}, {ce}, {abd}, {abe}, {acd}, etc.). Nenhum deles tem uma espécie ancestral exclusiva. Figura 7. Filogenia de um grupo hipotético com cinco espécies. Há apenas quatro 39PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA táxons supraespecíficos que correspondem a grupos monofiléticos nesta filogenia. Há 22 outros táxons supraespecíficos que poderiam ser construídos a partir dessa mesma filogenia, que correspondem a grupos merofiléticos. Tabela 1. Único conjunto de táxons monofiléticos existentes para uma filogenia qualquer com seis táxons terminais. Tradicionalmente, existem diversos táxons merofiléticos conhecidos, como por exemplo: Pisces, Reptilia, Invertebrata, Crustacea, Algae, Bryophyta, Pteridophyta, Gymnospermae, Polychaeta, Orthoptera, etc. Os répteis, por exemplo, são considerados um grupo merofilético, pois os crocodilianos foram um grupo monofilético com as aves, denominado Archosauria (Figura 8), e não com os demais integrantes dos répteis (lagartos, serpentes e quelônios). Desta forma, o táxon “Reptilia” corresponde a “Amniota exceto aves e Mammalia” (Amorim, 2002). Figura 8. Cladograma evidenciando o relacionamento dos principais grupos de tetrápodes. Fonte: Modificado a partir de Santos (2008). 40 UNIDADE 02 Henning (1966) classificou os grupos não monofiléticos em dois tipos: parafiléticos e polifiléticos. Ele propunha que os grupos parafiléticos seriam grupos cujos caracteres diagnósticos são simplesiomorfias; e grupos polifiléticos seriam táxons cujos caracteres diagnósticos são homoplasias (ver Capítulo 4). Posteriormente, considerou-se que a definição de grupos parafilético e polifilético deveriam estar baseados nas relações filogenéticas exibidas entre as espécies e não nos caracteres compartilhados (Amorim, 2002). Desta forma, Bernardi definiu que grupos parafiléticos são grupos merofiléticos que resultam da exclusão de um ou mais grupos monofiléticos do menor grupo monofilético de que fazem parte; por outro lado, grupos polifiléticos são grupos merofiléticos que resultam da exclusão de pelo menos um grupo parafilético do menor grupo monofilético que fazem parte (1981 apud Amorim, 2002). Wiley (1991) afirma ainda que os grupos parafiléticos são artificiais porque um ou mais descendentes de um ancestral são excluídos do grupo. Este, por exemplo, é o caso de Reptilia (Figura 8), grupo erigido com base na similaridade geral do corpo de seus integrantes. Os ‘répteis’ fazem parte do clado monofilético Sauropsida, que inclui quelônios, lagartos, serpentes, crocodilianos e aves. Ao excluirmos Aves para formar o táxon Reptilia, então estamos criando um agrupamento que não inclui todos os descendentes de seu ancestral comum. Este é o mesmo caso de grupos como vermes (descrito por Linnaeus, 1758) e Dicotyledonae, Crustacea, etc. Grupospolifiléticos, por sua vez, são aqueles que não incluem o ancestral imediato, pois incluem espécies ou grupos de diferentes ancestrais. Veja por exemplo o táxon Homeothermia, que inclui aves e mamíferos (Figura 8). Aves e mamíferos compõem um grupo monofilético maior (Amniota), do qual foi retirado um grupo parafilético subordinado (“Reptilia”). Isso demonstra que aves e mamíferos, possuem origens em ancestrais distintos e, por isso, não compõem um grupo monofiléticos sozinhos. Em resumo, podemos dizer que um grupo polifilético é um grupo monofilético do qual se retirou um grupo parafilético, reunindo-se, assim, partes de dois grupos monofiléticos (ver Figura 9). 41PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA Figura 9. Cladograma hipotético exemplificando os três tipos de agrupamentos taxonômicos: grupo monofilético (FG; linha cheia), grupo parafilético (BCDE; linha pontilhada) e grupo polifilético (AG; linha tracejada). Síntese do capítulo: Neste capítulo vimos que apomorfias compartilhadas são indícios de ancestralidade comum exclusiva, ou seja, de monofilia. São as sinapomorfias que definem os agrupamentos monofiléticos. Estes grupos também são conhecidos como grupos holofiléticos e são conjuntos de espécies incluindo uma ancestral e todas as suas espécies descendentes. Nas classificações tradicionais, muitos grupos são, de fato, monofiléticos (por exemplo: Vertebrata, Eucarya, Chelicerata, Mandibulata, etc). Por outro lado, existem grupos (como os répteis e os peixes) que não representam grupos monofiléticos. Este outro tipo de agrupamento é conhecido como merofilético, que correspondem a um grupo monofilético maior do qual se retirou um grupo monofilético menor ou um grupo merofilético menor. Os grupos merofiléticos podem ser ainda classificados em parafiléticos (são grupos merofiléticos que resultam da exclusão de um ou mais grupos monofiléticos do menor grupo monofilético de que fazem parte) ou polifiléticos (grupos merofiléticos que resultam da exclusão de pelo menos um grupo parafilético do menor grupo monofilético que fazem parte). Os peixes e os répteis podem ser considerados exemplos de grupos ou táxons parafiléticos, enquanto um grupo hipotético formado por aves e mamíferos poderia ser considerado um exemplo de grupo polifilético. 42 UNIDADE 02 CAPÍTULO 4: Homoplasias X Sinapomorfias Vimos no Capítulo 2, que para afirmarmos uma determinada característica é apomórfica dentro de um determinado clado, então esta característica deve ter surgido depois da origem deste grupo. Isso implica que, na base da evolução do grupo, o que existia era a condição plesiomórfica, mas herdada de níveis ainda anteriores. No entanto, a evolução independente de diferentes grupos pode levar ao surgimento de uma mesma condição apomórfica mais de uma vez, independentemente. Esta evolução independente de caracteres causa dificuldades na realização de uma análise filogenética, pois mesmo os casos de compartilhamento de apomorfias não podem ser vistos como indícios definitivos de ancestralidade comum exclusiva (Amorim, 2002). As semelhanças adquiridas independentemente em dois ou mais grupos são denominadas homoplasias. Em princípio, não se sabe se as apomorfias compartilhadas surgiram uma única vez (e são sinapomorfias) ou mais de uma vez (e são homoplasias). A condição final semelhante pode surgir de três maneiras distintas: (1) em duas espécies, uma mesma condição plesiomórfica é alterada de modo idêntico, produzindo nas duas uma condição apomórfica semelhante; (2) em duas espécies, condições plesiomórficas diferentes são alteradas, mas resultam em condições apomórficas finais semelhantes; (3) em uma determinada espécie, uma característica arqueomórfica sofre uma modificação que gera uma condição apomórfica final semelhante à condição plesiomórfica original (Amorim, 2002). O primeiro tipo de homoplasia é denominado paralelismo e costuma ocorrer em grupos muito próximos e que compartilham estruturas ainda muito semelhantes (Amorim, 2002). Na Figura 10, podemos observar o surgimento independente do “quadrado”, através de dois ancestrais “bola”, exemplificando assim uma homoplasia por paralelismo. Este por exemplo é o caso da conquista do ambiente terrestre por linhagens de animais aquáticos, que aconteceu diversas vezes ao longo da história evolutiva dos animais (e.g., insetos pterigotos e vertebrados basais) (Shultz, 2007). Nos mamíferos, a (re-)conquista do ambiente aquático também ocorreu, independentemente, duas vezes por espécies ancestrais de peixes-bois (Trichechidae) e de golfinhos (Delphininae), por exemplo (Springer, 2004). O segundo caso é denominado convergência e raramente resulta em estruturas realmente idênticas. Na Figura 10B, podemos observar 43PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA o surgimento independente de “estrelas”, através de ancestrais “bola” e “quadrado”, exemplificando assim uma homoplasia por convergência evolutiva. Inúmeros são os casos de convergência, presentes na literatura, porém alguns casos, na verdade, são apenas exemplos de homonímia (como a “cauda” de um peixe e a de uma baleia), pois são semelhanças muito genéricas entre as condições finais (Amorim, 2002). As adaptações para viver em ambientes cavernícolas (e.g., despigmentação) presente em alguns colêmbolos (insetos de um clado basal), por exemplo, são o resultado de uma convergência adaptativa; pois foram originadas, independentemente, em espécies diferentes e com condições plesiomórficas distintas (Zeppelini, 2006). Em mamíferos existem diversos exemplos de convergências adaptativas, como a existência de formas planadoras de esquilos (roedores da tribo Pteromyini), marsupiais modernos (família Petauridae) e uma espécie de mamífero planador extinto, originado no período Mesozóico (Volaticotherium antiquum Meng, Hu, Wang, Wang & Li, 2006) (Luo, 2007 ). A heterodontia (dentes com diferentes formatos) também representa uma convergência de mamíferos atuais e espécies de crocodiliformes (animais semelhantes a crocodilos) do período Cretáceo (O’Connor, 2010). Figura 10. Exemplos de cladogramas hipotéticos, mostrando os três possíveis tipos de homoplasias. As barras horizontais de cor cinza representam o surgimento independente de condições apomórficas. A: Paralelismo. B: Convergência. C: Reversão. O terceiro tipo de homoplasia, também conhecido como “pseudo- simplesiomorfia”, é normalmente chamado reversão (Amorim, 2002). Na Figura 10C, é possível observar o surgimento do “quadrado” através de um ancestral “bola”; e, posteriormente, em um determinado ramo filético há o surgimento de uma nova condição apormórfica “bola” para outro grupo, retornando assim a uma condição semelhante à condição plesiomórfica inicial, caracterizando uma reversão. Os tetrápodes (grupo formado por anfíbios, répteis, aves e mamíferos; ver Figura 8) são caracterizados pela presença de membros pares utilizados na locomoção terrestre (Hickman, 2009). Tais estruturas foram perdidas diversas vezes ao longo da evolução dos tetrápodes, gerando condições ápodes em 44 UNIDADE 02 serpentes, lagartos e anfíbios (cecílias, por exemplo), grosseiramente semelhantes à condição ápode plesiomórfica. Desta forma, a ausência de membros em peixes ósseos e cobras constitui um caso de reversão para os peixes. Por outro lado, a ausência de membros em diversas linhagens de lagartos constitui um caso de paralelismo ou convergência, pois origina-se a partir de estados plesiomórficos tetrápodes semelhantes ou distintos, respectivamente. Conforme exemplifica Amorim (2002), muitas vezes a distinção entre paralelismo e convergência é difícil; e, por este motivo, o termo homoplasia ou surgimento homoplástico será utilizado para se referir tanto para paralelismo como para convergência. Então, após a constataçãoda existência de uma semelhança apomórfica compartilhada, necessitamos então decidir se esta será sinapomórfica ou homoplástica. Como já vimos, o compartilhamento de uma condição apomórfica sempre é um indício (que pode ser falso ou verdadeiro) de ancestralidade comum exclusiva; e o grupo que compartilha essa apomorfia é supostamente monofilético. Esta dúvida pode ser solucionada a partir do estudo da congruência dos caracteres. A congruência entre caracteres pode ser definida como uma propriedade que ocorre quando a origem de dois ou mais caracteres pode ser explicada apenas por sinapomorfias (Amorim, 2002). Em oposição, a incongruência entre caracteres ocorre quando, entre dois ou mais caracteres, a origem de ao menos um deles precisa, necessariamente, ser explicada por ocorrência de homoplasia (Amorim, 2002). Na Figura 11, podemos observar três exemplos de cladogramas que apresentam caracteres congruentes (Figura 11A) e incongruentes (Figura 11B-C). Na Figura 11, existe congruência entre todos os caracteres, havendo relação de inclusividade completa ou exclusão mútua entre eles. Nesta figura, a inclusividade completa pode ser observada entre os caracteres 1 e 3, pois todas as espécies que compartilham a condição apomórfica do caráter 3, também compartilham a condição apomórfica do caráter 1. A exclusão mútua pode ser observada entre os caracteres 2 e 3 (ou 2 e 1), uma vez que nenhuma espécie que compartilha a condição apomórfica do caráter 2 compartilha a condição apomórfica do caráter 3 (ou 1) e vice-versa. Figura 11. Cladogramas hipotéticos apresentando hipóteses de relacionamento 45PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA entre espécies. A. Cladograma apenas com caracteres congruentes. B-C. Duas soluções alternativas e incompatíveis entre si sobre a origem única de caracteres apomórficos incongruentes. Nas Figuras 11B e 11C, podemos observar dois cladogramas representando duas hipóteses de relacionamento entre um mesmo grupo de oito táxons que compartilham caracteres apomórficos. Nestas figuras, os caracteres 1 e 2 são incongruentes. Existem cinco espécies que compartilham o caráter 2, e cinco espécies (não necessariamente as mesmas) que compartilham o caráter 1. No entanto, duas (“D” e “E”) das oito espécies compartilham ambos os caracteres. Dessa forma, para que um desses caracteres possa ser considerado sinapomórfico para um grupo, então necessariamente o outro será homoplástico para outro grupo, caracterizando-os assim como caracteres incongruentes. No entanto, como salienta Amorim (2002), na evolução, não há incongruência ou congruência, apenas homoplasias e sinapomorfias. Ao afirmarmos que condições apomórficas em duas espécies distintas são homoplásticas, encontra-se implícita a ideia de que tais estruturas não são homólogas, pois a espécie ancestral comum mais recente entre elas não portava essa condição ou, se portava, ela foi modificada em uma de suas espécies descendentes e, depois, retornou à sua condição inicial. Na Figura 11B, por exemplo, os caracteres 1 e 2 são incongruentes. O caráter 2 é uma sinapomorfia para o grupo monofilético [A,B,C,D,E], enquanto a condição apomórfica do caráter 1 entre [D,E] e [F,G,H] é uma homoplasia. A Figura 11C apresenta outra hipótese de relacionamento entre as oito espécies presentes também na Figura 11B. Analogamente, os caracteres 1 e 2 são incongruentes; porém nesta figura o caráter 1 é uma sinapomorfia para o grupo monofilético [D,E,F,G,H], enquanto a condição apomórfica do caráter 2 entre [A,B,C] e [D,E] é uma homoplasia. Por outro lado, a existência de uma homoplasia não implica que este caráter não seja útil como indicador de ancestralidade em um nível de generalidade mais restrito. Na Figura 11B, por exemplo, uma vez aceito que o caráter 2 é uma sinapomorfia de [A,B,C,D,E], o caráter 1 passa automaticamente a ser visto como uma sinapomorfia de [D,E] e, ao mesmo tempo, como uma sinapomorfia independente de [F,G,H]. Atualmente, a solução mais utilizada para o conflito de caracteres se baseia na economia das hipóteses propostas. Em epistemologia, hipóteses mais econômicas são as que exigem menor número de premissas, chamadas parcimoniosas (Amorim, 2002). O termo parcimônia 46 UNIDADE 02 foi utilizado inicialmente em análises filogenéticas para designar, de maneira genérica, um critério de escolha de uma hipótese de parentes apoiada no menor número de homoplasias, dentre um conjunto de apomorfias compartilhadas que apresentam conflito (ou incongruência) (Amorim, 2002). Ou seja, para indicar a árvore que demandava o menor número de modificações, entre as árvores possíveis, pois corresponde, de certo ponto de vista, à hipótese mais econômica (Amorim, 2002). Desta forma, o princípio da parcimônia diz que para uma mesma base de dados, o cladograma ou os cladogramas que admitem o menor número de eventos de surgimentos de apomorfias seriam mais aceitáveis que os cladogramas que admitem um número maior de eventos (Amorim, 2002). Na Figura 12, podemos observar a distribuição de três caracteres para o grupo monofilético [A,B,C,D], em que existem caracteres incongruentes. Na Figura 12A, podemos observar um diagrama mostrando a distribuição dos caracteres compartilhados entre os terminais A-D. Na hipótese da Figura 12B, os caracteres 1 e 2 são sinapomórficos para [C,D], enquanto o caráter 3 é homoplástico para [B,C]. Na hipótese da Figura 12C, os caracteres 1 e 2 são homoplásticos para [C,D], enquanto o caráter 3 é sinapomórfico para [B,C]. No primeiro caso (Figura 12B), admitiríamos uma única mutação gerando a condição apomórfica do caráter 1 – chamado de um passo evolutivo – um único surgimento da condição apomórfica do caráter 2 e dois surgimentos da condição apomórfica do caráter 3, totalizando quatro passos. Analogamente, no segundo caso (Figura 12C), admitiríamos um único surgimento da condição apomórfica do caráter 3, dois surgimentos da condição apomórfica do caráter 1 e dois surgimentos da condição apomórfica do caráter 2, totalizando cinco passos. Desta forma, o uso do princípio da parcimônia, como método para tomada de decisão, indicaria, nesse caso, a filogenia da Figura 12B como a mais provável (ou mais parcimoniosa), uma vez que ela exige um número menor de passos que na filogenia da Figura 12C. Figura 12. Exemplo de caracteres incongruentes em um grupo hipotético [A,B,C,D]. A: Condições apomórficas compartilhadas (barras horizontais em cor cinza) dos caracteres 1-3 pelos táxons terminais. B: Hipótese com quatro passos. C: Hipótese com cinco passos. 47PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA O exemplo acima (Figura 12) representa apenas um caso simples em que apenas um terminal (C) que participa de grupos incongruentes em relação às condições apomórficas de caracteres. Entretanto, em muitos grupos os caracteres incongruentes são abundantes, sinal inequívoco de que a evolução é prolífica em homoplasias (Amorim, 2002). Nestes casos, a posição de alguns táxons muitas vezes só é resolvida após um exame muito minucioso dos caracteres envolvidos (Amorim, 2002). Assim, quando há um grupo monofilético menor apoiado por um número grande de caracteres dentro do grupo de estudo (grupo interno), é mais fácil verificar a hipótese de homoplasia dos vários caracteres incongruentes (Amorim, 2002). Por exemplo, se avaliarmos os caracteres incongruentes em mamíferos, podemos facilmente definir quais são homoplásticos. Os mamíferos formam um grupo monofilético sustentado por mais de 60 sinapomorfias, como a presença de pelos e de glândulas mamárias. Desta forma, características diferentes de alguns táxons, como a vida aquática de baleias e golfinhos, as asas de morcegos e os ‘bicos’ de ornitorrincos são quase que automaticamente consideradas homoplasias de subgrupos que pertencem aos mamíferos
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