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1 RESENHA Por: Nicodemos da Silva Almeida POR UMA GEOGRAFIA DO PODER / Claude Raffestin. Editora Ática. – Vol. 29. 1993. Capítulo: Língua e poder, pag. 97 – 107. Claude Raffestin LÍNGUA E PODER. No capítulo II, do livro POR UMA GEOGRAFIA DO PODER, Raffestin trará a discussão de uma das mais primordiais formas de identidade, sendo um dos principais elementos de identificação cultural dos seres humanos, a língua que será tratada não de forma linguística, mas como um recurso que bem disseminado concede poder. A língua está diretamente ligada a forma como vamos entender as dinâmicas que expressam determinado grupo populacional em relação a sua cultura, e os comportamentos e as formas com que esse grupo se relaciona politicamente e socialmente. As relações de poder podem ser entendidas, através da língua pelo modo como a transmissão de códigos, podem influir diretamente na dinâmica social das relações, para que ideias sejam propagadas elas precisam se encaixar numa dinâmica de compreensão que passa pela língua. Segundo Raffestin (1993), Henri Gobard desenvolveu uma análise tetraglóssica que iremos utilizar. Ele foi conduzido “a distinguir para uma dada área cultural quatro tipos de linguagem, qualquer que seja a língua utilizada”. Sendo que estás quatro funções operativas da língua compreendida por Gobard, foram: a) Linguagem local ou vernácula, que pode ser entendida como uma linguagem utilizada por indivíduos próximos que apresentem o mesmo nível cultural. b) Linguagem veicular, nacional ou regional, que é uma linguagem do cotidiano, utilizada nas relações comerciais e interpessoais; c) Linguagem referencial, que é utilizada para falar de valores culturais e ancestrais, que dá um caráter de pertencimento a determinados grupos; 2 d) Linguagem mítica que é utilizada para se falar do que é místico, das crenças, religiões e mitos. Ainda de acordo com a perspectiva do texto, uma determinada língua pode se utilizar destas quatro funções operativas. Segundo Raffestin (1993, p. 98). É evidente que uma única e mesma língua pode possuir as quatro funções: L (f1, f2, f3, f4), mas não é menos evidente que quatro línguas podem ser portadoras, cada uma, de uma dessas quatro funções. Sobre esse assunto, Gobard cita o exemplo do bretão do século XVIII que podia falar bretão (vernáculo), comunicar em francês (veicular), fazer estudos em latim (referencial) e utilizava o grego antigo como linguagem mítica. A língua possui valores universais, não podemos afirmar que existe uma língua superior a outra, podemos que de certa forma reconhecer que determinadas línguas como o inglês, tornam-se um idioma de uso universal principalmente nas relações geopolíticas. A língua ela representa um capital constante, com a troca de informações em que o dialogo representa um valor de troca, enquanto que outras representações como o cinema e o teatro representam a língua como valor de uso. A cidade controla, ao mesmo tempo, a circulação dos bens e das informações. Quer se tome a análise no plano político, quer no plano econômico, a estrutura permanecera a mesma. (Raffestin, 1993) Entendendo a cidade como um ponto de encontro de um determinado centro comercial, onde as pessoas se encontram para o comercio de mercadorias e que essas mercadorias veem de diversas partes, no qual se traz informações das mais variáveis, compreendemos que na cidade há uma propagação maior do diálogo, que faz com que a língua usada, neste diálogo se propague mais que as demais, fazendo com que a língua utilizada na comunidade, tenha se uso veicular diminuído causando até o seu desaparecimento. Podemos citar como exemplo de “língua da cidade” o inglês, que é a língua utilizada quando se tratamos das questões geopolíticas, sendo que o inglês se torna extremamente necessário para uso em relações dissimétricas, baseadas em questões econômicas e políticas. O inglês é evidentemente uma das línguas mais privilegiadas, pois tem se tornado cada vez mais usada em todas as relações, as empresas dão preferência a 3 contratação de falantes dessa determinada língua, o meio acadêmico reproduz e escreve grandes quantidades de trabalhos em inglês, isso faz com que o inglês se sobreponha as outras línguas, por ser cada vez mais escrita e falada. Para Raffestin (1993) é óbvio que, por intermédio dessas relações, se difundem os modelos político-econômicos e socioculturais ingleses e sobretudo os norte-americanos. Segundo Raffestin (1993, p. 104). Seria dramático se Einar Hangen tivesse razão quando escreveu: "Quando os tempos amadurecerem, vamos ultrapassar o contexto da nação e chegar a um governo mundial; com isso encontraremos também o caminho para uma língua mundial". Toda perda de diferenças é uma perda de futuro para as coletividades mais ou menos grandes. Toda perda de futuro nos aproxima da entropia. Se em um dado momento da história da humanidade uma única língua, conseguisse se sobrepor a todas as outras e torna-se uma língua mundial, a humanidade, entrariam em um grande processo de decadência e homogeneidade. A eficácia que o inglês atinge em sua difusão, pelo modo com que se comunicar em inglês, te diferencia das demais pessoas, cria-se uma espécie de alienação linguística, e uma espécie sentimento elitista, que caminha em direção a uniformidade de uma língua mundial. Constitui-se a língua como uma ferramenta importante nas relações de poder, as palavras representam uma espécie de mercadoria, e a junção destas palavras em mensagens surgem como um valor de uso e troca, para satisfazer as necessidades da comunicação. Quando dominamos o uso das palavras, conseguimos nos sobrepor em relação a aqueles que não as detém. Segundo Raffestin (1993), cada língua é um instrumento de ação social e, nesse sentido, ela ocupa um lugar especial no campo do poder. Uma opressão linguística, uma opressão por meio da língua é, portanto, possível. A língua é um meio de se demonstrar poder e controle, se discutirmos o processo de colonização do Brasil, vislumbramos como através da língua o colonizador demostrou o seu poder e sua força, os povos originários já existentes aqui antes de 1500, sofreram um processo brutal de perca da identidade através da catequização e imposição da língua do colonizador. Perdemos a conexão com os dialetos aqui existentes antes da colonização, mesmo que no dia-a-dia ainda 4 usemos palavras remotas desses dialetos, mais perdemos o total senso de ligação aos dialetos dos povos originários. Com isso podemos compreender, que a língua é parte integrante de uma população, e que apresenta resistência e que se coloca nas mesmas condições da religião, etnia e raças, que quando desaparecem sofreram um processo de aniquilação por parte de um poder opressor.