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Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 1 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO PRISÕES PSÍQUICAS A razão para este título e para podermos afirmar que as organizações são fenómenos psíquicos, baseia-se no sentido de que são processos conscientes e inconscientes que criam e mantêm as organizações como tais com a noção de que as pessoas podem, na verdade, tornar-se confinadas ou prisioneiras de imagens, ideias, pensamentos e acções que esses processos acabam por gerar. Compreende-se assim que embora as organizações possam ser realidades socialmente construídas, estas construções frequentemente acabam por apresentar uma existência e poder próprios e que permitem a elas exercer certo grau de controlo sobre os seus criadores. Pode-se afirmar que uma organização representa um mundo de aparências, enquanto que o exterior o conhecimento. Todos aqueles que tiverem coragem para sair dessa “caverna” encontrarão um mundo que não compreendiam pois o seu modo de ver a realidade é bastante limitado e imperfeito, mas com o reconhecimento e aprendizagem as pessoas irão adquirir a habilidade de se libertarem do modo imperfeito de encarar as coisas; adquirirão novo conhecimento. Todos aqueles que continuarem a não o querer fazer vão permanecer na escuridão pois não quiseram enfrentar os riscos de exposição a um novo mundo que ameaça as antigas crenças. Com o decorrer conseguiremos perceber como é que as organizações e os seus membros caem nas armadilhas oriundas de construções da realidade que, na melhor das hipóteses, representa uma simplificação imperfeita do mundo. A ARMADILHA DAS FORMAS ASSUMIDAS DE RACIOCÍNIO De seguida analisaremos como as pessoas nas organizações são aprisionadas por formas de raciocínio já assumidas. Foi muito frequente, no início dos anos 70, diversas empresas tornarem-se prisioneiras do seu próprio sucesso. O que provocou o seu declínio foi o facto de o uso de certas políticas que as fizeram líderes mundiais em estágios de desenvolvimento fossem utilizadas como formas únicas de criar algo, o que fez com que estas empresas ficassem totalmente desprevenidas e desprecavidas para enfrentar desafios de outras empresas mais pequenas, com recursos mais limitadas mas com vontade de “crescer”. A ineficiência institucionalizada foi o principal resultado por diversas organizações e industrias estarem aprisionadas pela acomodação organizacional que lhes fazia crer que “Criar certeza.” e “Incorporar margens de erro.” eram ideias absolutamente normais. Permite-se assim que o erro e a ineficiência a partir da aceitação de certo percentual de produtos defeituosos sejam normas gerais e institucionalizadas. Muitas empresas tentam definir novas políticas de “inventário-zero” e de “defeito-zero” para tentar dar a volta a esta situação. Para isso, caso não haja possibilidade de absorver os erros através de algum mecanismo, teremos que colocar as pessoas a trabalhar como se não fossem independentes umas das outras, assegurando uma contribuição total e contínua dentro do processo de trabalho e sincronizando completamente todas as actividades. Em certas ocasiões, as pessoas que trabalham numa organização desenvolvem ilusões compartilhadas e normas operacionais que acabam por interferir na habilidade Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 2 de pensar criticamente e de elaborar o requerido teste de realidade. Ficam assim aprisionadas pelos processos de grupos. Normalmente existe um presidente que pensa e que toma decisões, mas o seu carisma e certo senso de invulnerabilidade pode provocar que os decisores e acessores mobilizem as suas opiniões. Um grande sentido de “consenso assumido” impede as pessoas de expressarem as suas dúvidas. Estes são alguns exemplos de como as organizações e respectivos membros poderão ficar emaranhados em armadilhas cognitivas. Várias premissas e práticas podem combinar-se para fazer que se formem pontos de vista do mundo que não correspondem à realidade limitando assim as acções organizadas. Há quem considere a imagem das organizações como cultura organizacional, construída via crenças e significados compartilhados, mas também há quem veja a imagem das organizações como prisões psíquicas. Numerosas empresas desenvolvem culturas organizacionais que as impedem de lidarem com o seu meio ambiente de forma eficaz, fazendo com que fiquem aprisionadas a crenças e significados compartilhados e por isso o uso do termo prisões psíquicas. É importante que se reconheça a importância de se investigarem os pontos fortes e fracos das suposições que moldam a forma pela qual a organização vê e lida com o seu próprio mundo. A ORGANIZAÇÃO E O INCONSCIENTE Embora a metáfora de uma prisão psíquica possa ser uma forma excessiva para caracterizar a possibilidade de cair em armadilhas geradas por formas assumidas de raciocínio, não superstima o modo pelo qual as organizações e os seus membros se tornam alvos de armadilhas geradas pelo inconsciente. Sendo assim, deve-se considerar a estrutura oculta e dinâmica do psiquismo humano para compreender o significado daquilo que é dito e feito diariamente nos negócios. Freud acreditava que os homens devem moderar e controlar as suas pulsações e que o inconsciente e a cultura são dois lados de uma mesma moeda, sendo a essência da sociedade a repressão ao indivíduo e a essência do indivíduo a repressão de si próprio. Esta forma de ver a civilização sugere ser necessário analisar o significado e sentido ocultos da cultura organizacional nas inquietações e interesses inconscientes daqueles que a criam e a mantêm. De seguida será falado como se pode relacionar o inconsciente com diferentes formas de sexualidade (destacado por Freud), com a estrutura da família patriarcal, com o medo da morte, com angústias associadas com o período de aleitamento materno na primeira infância, com o inconsciente colectivo, e assim por diante. Todas estas interpretações se baseiam na ideia de que os seres humanos vivem as suas vidas como prisioneiros das suas próprias histórias pessoais, podendo ser libertados se houver uma conscientização sobre como o passado influência o presente através do inconsciente. O caminho, defendido por Platão, para o esclarecimento baseava-se na busca de conhecimento objectivo, enquanto outros defendiam a busca de meios para que as pessoas se libertassem, através de diferentes métodos de auto compreensão que indicam como nas suas trocas com o mundo exterior estes estão, na verdade, encarando dimensões ocultas deles mesmos. Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 3 ORGANIZAÇÃO E SEXUALIDADE REPRIMIDA As preocupações e inquietações das pessoas podem ter efeitos numa organização. Os esforços que uma pessoa cria para controlar e organizar o mundo seja desde criança tentando que todas as regras dos seus jogos sejam cumpridas à risca, seja dentro dos sistemas da administração de uma empresa é, na realidade, uma tentativa de controlar e organizar-se a si própria. Freud afirmava que os traços da vida adulta emergem das experiências infantis e, em particular, da maneira pela qual a criança consegue conciliar as exigências da sua sexualidade e as forças externas de controlo e restrição. Acreditava que as crianças tipicamente se desenvolvem através das diferentes fases da sexualidade e que experiências difíceis poderiam levar a variadas formas de repressão que ressurgiriam disfarçadas mais tarde na vida adulta. O inconsciente funciona como um depósito de impulsos reprimidos, de memórias dolorosas e de traumas que podem ameaçar eclodir a qualquer momento. Para lutar contra a repressão são criados mecanismos dedefesa que deslocam e redireccionam as lutas inconscientes para que estas possam ser assumir novas formas menos ameaçadoras e mais controladas. De seguida falam-se de alguns mecanismos de defesa. Para “empurrar” impulsos não desejados e ideias para dentro do inconsciente usa-se a Repressão; para recusar em admitir um facto, sentimento ou lembrança que evoque impulso, Negação; apontar os impulsos ligados a uma pessoa ou situação para outro alvo mais seguro, Deslocamento; aderir rigidamente a uma atitude em particular ou comportamento, Fixação; atribuir os próprios impulsos ou sentimentos a outras pessoas, Projecção; internalizar aspectos do mundo exterior no psiquismo de uma pessoa, Introjecção; criar elaborados esquemas de justificação para disfarçar motivos e intenções subjacentes, Racionalização; converter uma atitude ou sentimento em sua forma oposta, Formação de reacção; adoptar padrões de comportamento considerados satisfatórios na infância, a fim de reduzir o actual nível de solicitação do ego, Regressão; canalizar impulsos primários para formas sociais mais aceitáveis, Sublimação; valorizar aspectos positivos de uma situação para proteger-se dos negativos, Idealização; fragmentar diferentes elementos da experiência, frequentemente a fim de proteger o bom do mau, Desintegração. O esforço de muitas pessoas para controlar o seu mundo e a sua preocupação com arranjos meticulosamente planejados, claros e eficientes têm raízes na disciplina da sua família. Por Freud, excessiva preocupação com parcimónia, ordem, regularidade, correcção, obediência, dever e pontualidade apresenta uma fórmula directa para aquilo que é aprendido e reprimido, à medida que a criança lida com as suas primeiras experiências. Existem boas razões para se acreditar que as relações entre chefes e funcionários, baseadas na teoria da Administração Científica de Taylor, possuem raízes na estrutura disciplinar na qual ele cresceu, visto que embora este sempre se tenha identificado com os seus operários, a sua situação familiar tornava-o agressivo e autoritário para os empregados (embora sabia que eles eram também seus amigos). Taylor apegava-se à ideia de que contava com a amizade daqueles que supostamente queria controlar. Sendo assim, enquanto que a Administração Científica era vista como uma das principais fontes de promoção do desconforto nas organizações a forma como Taylor encarava a teoria permitiu-lhe considerar-se um pacificador das relações industriais. Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 4 Todas as ideias de Taylor estavam, a certa altura, embutidas no mercado visto que atendiam perfeitamente aos interesses das organizações da época e embora fossem ideias que não fossem totalmente aceites transformaram Taylor numa espécie de anti- herói. Posto isto percebe-se que existe claramente mais do que uma simples coincidência entre a concepção de vida de Taylor e o modelo de organização adoptado pela Administração Científica. Para responder a várias questões que parecem pouco prováveis, tais como até que ponto é possível entender a organização como manifestação aparente de lutas inconscientes; até que ponto os nossos modelos de organização institucionalizam mecanismos de defesa relacionados com uma sexualidade reprimida; até que ponto é possível considerar o modelo burocrático de organização como manifestação de preocupações anal-compulsivas; até que ponto organizações burocráticas atraem e geram personalidades anal-compulsivas; até que ponto outros modelos organizacionais mais flexíveis, orgânicos e dinâmicos institucionalizam preocupações relativas ás outras formas de sexualidade reprimida; poderemos partir da ideia de que na verdade a organização é uma forma de sexualidade reprimida. É bastante interessante o facto de em muitas organizações antigas existirem diferentes tipos de punições para actos sexuais praticados de cada pessoa; conforme o seu estatuto assim era a punição o que representava um problema para a ordem e rotina destas organizações. Para Michel Foucault, era perfeitamente normal este conflito entre organização e sexualidade, uma vez que domínio e controle do corpo são fundamentais para controlo da vida política e social. Em termos freudianos, este processo de conseguir controle sobre o corpo depende de um processo social no qual o tipo de organização e de disciplina característico da personalidade se torna dominante. Este controle institucionaliza a reorientação das energias sexuais, reprimindo a sexualidade genital explícita, enquanto permite e encoraja a expressão do erotismo anal de modo sublimado. Á medida da progressão deste documento deve-se ficar alerta para o significado oculto da excessiva regulamentação e supervisão da actividade humana, para o planeamento e programação implacáveis do trabalho e para a ênfase exagerada na produtividade, cumprimento de regras, obediência, dever e disciplina. Descobre-se que certas pessoas são capazes de trabalhar em tipos de organização que usam a burocracia, de forma mais eficaz do que em outros. Se considerarmos as burocracias anais que encorajam um estilo de vida anal, então este tipo de organizações irão provavelmente operar melhor quando os empregados se enquadrarem dentro do tipo de carácter anal e daí retirarem inúmeras satisfações ocultas exactamente por trabalharem neste contexto. Sendo assim, percebe-se que embora a sexualidade tenha sido reprimida por várias organizações, existem outras onde é igualmente fácil de perceber que existem diferentes formas de pensamento. Por vezes encontram-se situações onde são os impulsos sexuais reprimidos que moldam as políticas de dar e tomar que regem inúmeros aspectos do funcionamento organizacional, especialmente entre a organização e o seu ambiente, em muitos relacionamentos com competidores ou em empresas em situações de fusão ou compra. Muitas discussões de directoria e planeamento de políticas podem estar relacionadas com vários tipos de fantasias sexuais. Por outro lado existem organizações que causam actualmente grande impacto no mundo empresarial e onde se requer uma liberdade de estilo que é controversa à personalidade atrás descrita (burocrática). Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 5 Muitas organizações apresentam um traço narcisista cujas raízes estão em formas sublimadas de erotismo oral ligado à satisfação de necessidades individuais. Esta forma de actuar, pode trazer desvantagens na medida em que cria um individualismo agressivo segundo o qual os principais valores organizados e individuais dependem da habilidade de se obter sucesso pessoal e de ser admirado pelos demais. Como se tem vindo a perceber no mundo das organizações, torna-se cada vez mais possível reconhecer as variadas maneiras pelas quais a sexualidade reprimida pode determinar as actividades do dia-a-dia. Impulsos sexuais e fantasias influenciam as políticas da organização; comportamentos neuróticos determinam actos compulsivos e outras formas de representação paranóicas, masoquistas e compulsivas do ambiente e relações de trabalho. E a sexualidade reprimida acha-se ligada à maioria dos problemas organizacionais mais difíceis e persistentes. Estas influências inconscientes estão com frequência estreitamente ligadas às personalidades dos indivíduos que fazem parte da organização. Assim sendo, muito pode ser feito para resolver os problemas em termos pessoais e interpessoais, não se devendo no entanto esquecer que o significado e as consequências da sexualidade reprimida vão além da personalidade do indivíduo. Isto porque as empresas institucionalizam inquietações inconscientes nas suas estruturas e culturas organizacionais. Uma compreensão completa do significadoe importância da sexualidade reprimida implicará um novo tipo de teoria contingêncial das organizações. As organizações não são condicionadas somente pelos seus respectivos ambientes; são também moldadas pelos interesses inconscientes dos seus membros e pelas forças inconscientes que determinam as sociedades nas quais elas existem. ORGANIZAÇÃO E FAMÍLIA PATRIARCAL Como pudemos verificar a perspectiva freudiana, maioritariamente tratada nos parágrafos anteriores, é considerada, por muitos movimentos, excessivamente centrada na sexualidade. Estes defendem que em lugar de enfatizar a sexualidade reprimida como força propulsora por trás da organização moderna, sugerem ser necessário tentar entender as organizações como uma expressão do patriarcado que opera como um tipo de prisão conceptual, produzindo e reproduzindo estruturas organizacionais em que predominam o sexo e os valores masculinos. Nas organizações formais, os homens têm apresentado a tendência de dominar os papéis e funções organizacionais quando existe uma necessidade de comportamento directo e agressivo, enquanto as mulheres, até há bem pouco tempo, foram confinadas a papéis que tendem a colocá-las numa posição de subordinação, como nas áreas de enfermagem, trabalho de escritório e secretariado, ou então em papéis destinados a satisfazer a diferentes tipos de narcisismo masculino. A abordagem burocrática da organização tende a fomentar as características racionais, analíticas e instrumentais associadas com o estereótipo ocidental de masculinidade e a diminuir as habilidades tradicionalmente encaradas como sendo “femininas”, tais como intuição, educação e apoio por empatia. Neste processo, foram criadas organizações em que, em mais de uma forma, se acha definido um “mundo masculino” no qual os homens e mulheres que tenham comprado a briga disputam e combatem entre si por posições de direcção como se fossem garanhões que competem pela liderança da manada. Poderemos estabelecer uma comparação de tal como numa organização uma pessoa acata a autoridade de outra exactamente do mesmo modo como uma criança Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 6 acata a autoridade paterna. A dependência prolongada da criança em relação aos pais facilita o tipo de dependência institucionalizada no relacionamento entre líderes e seguidores e a prática da qual as pessoas aguardam as outras para iniciarem acções em resposta a questões problemáticas. Por isso nas organizações como na família patriarcal, firmeza, coragem e heroísmo, temperados pela auto-admiração narcisistas, são qualidades frequentemente valorizadas, do mesmo modo como o são o determinismo e o senso de dever que o pai espera do seu filho. Críticos da abordagem patriarcal sugerem que, em contraste com valores matriarcas, que enfatizam amor incondicional, optimismo, confiança, compaixão, capacidade de intuição, criatividade, felicidade, e que tornariam a vida organizacional muito menos dividida em níveis hierárquicos, mais compassiva e holística, os meios seriam mais valorizados que os fins e haveria maior tolerância pela diversidade e abertura à criatividade, a estrutura psíquica da família dominada por homens tende a criar um sentimento de impotência, acompanhado por um medo e dependência da autoridade. Muitas organizações não burocráticas apresentam muitos destes valores tradicionalmente femininos onde educação e trabalho em grupo substituem autoridade e hierarquia como modelos dominantes de integração. Sendo assim, para as organizações modernas o verdadeiro desafio para as mulheres que desejam fazer sucesso no mundo empresarial é tentar mudar os valores organizacionais no seu sentido mais fundamental. ORGANIZAÇÃO, BONECAS E URSINHOS DE PELUCHE As teorias de fenómenos intermediários e áreas associadas de ilusão explicam ainda outro aspecto pelo qual nos engajamos e construímos a realidade organizacional, bem como o papel desempenhado pelo inconsciente na determinação e resistência à mudança. Existe a teoria das relações objectais de modo a enfatizar o papel-chave de “objectos intermediários” no desenvolvimento humano que sugere que estes são críticos para o estabelecimento de distinções entre o “eu” e o “não-eu”, criando aquilo que denomina uma “área de ilusão” que ajuda a criança a desenvolver relações com o mundo exterior. Estes objectos fornecem uma ponte entre os mundos interior e exterior da criança. Se o objecto ou fenómeno preferido for modificado (por exemplo, lavagem do ursinho), então a criança pode sentir que a sua existência está, de algum modo, sendo ameaçada. Dentro desta perspectiva o relacionamento com objectos tais como a boneca, o ursinho ou o cobertor, continua, durante toda a vida, a ser gradualmente substituído pelo relacionamento com outros objectos ou experiências que intermedeiam a relação de alguém com o seu mundo e ajudam a pessoa a manter um sentido de identidade. Na idade adulta, um objecto de valor, uma colecção de cartas, um sonho querido ou até talvez um valor atribuído a uma habilidade ou capacidade pode actuar como substituto da boneca ou ursinho perdido, simbolizando e garantido para nós aquilo que realmente somos e onde nos situamos frente ao mundo exterior. Adultos, como crianças, podem tornar-se exageradamente comprometidos com o conforto e segurança providos pelos seus novos e disfarçados ursinhos de peluche. Paralelamente a esta ideia poderemos explorar o significado inconsciente dos fenómenos intermediários na vida organizacional. Muitos arranjos organizacionais Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 7 podem servir como fenómenos intermediários que desempenham papel crítico na definição da natureza e da identidade das organizações e dos seus membros, bem como na definição de atitudes que podem bloquear a criatividade, a inovação e a mudança. Isto faz com que gerentes e funcionários de uma determinada organização se possam apoiar em fenómenos passados que os tornaram mais seguros para definir o seu senso de identidade. Quando tais fenómeno são desafiados, as identidades básicas também são desafiadas. Assim o medo de perda que isto acarreta frequentemente gera uma reacção que pode ficar desproporcional à própria importância da questão, caso esta seja considerada de um ponto de vista mais isento. A dinâmica inconsciente pode ajudar a explicar por que algumas organizações têm sido capazes de lidar com as exigências mutáveis dos seus ambientes e porque têm sido incapazes de lidar com as exigências mutáveis dos seus ambientes e porque há frequentemente tanta resistência inconsciente às mudanças nas organizações. A teoria dos objectos intermediários contribui com importantes aspectos ligados à prática do desenvolvimento e mudança organizacional, uma vez que sugere que a mudança irá ocorrer espontaneamente somente quando as pessoas estiverem preparadas para renunciar ao que valorizam em nome da aquisição de algo novo. De modo interessante, consultores e outros agentes de mudança frequentemente se tornam objectos de transição para os seus clientes: o cliente recusa-se a deixar o consultar “partir”, tornando-se crucialmente dependente do concelho deste agente de mudança em relação a cada movimento a ser executado. No sentido de facilitar qualquer tipo de mudança social, pode ser então necessário para o agente de mudança criar fenómenos intermediários quando estes não existirem naturalmente. Um agente de mudança – seja um revolucionário social, seja um consultor bem pago deverá comummente ajudar o seu grupo-alvo a abandonar aquilo que é valorizado antes da mudança. Torna-se importante notar que raramente isto pode ser conseguido eficazmente “vendendo” ou impondo um “pacotede mudança”, uma ideologia ou um conjunto de técnicas. A teoria dos objectos intermediários sugere que, em situações de mudança voluntária, aquela pessoa que estiver executando a mudança deverá estar no controle do processo. Isto porque, em última instância, a mudança depende de questões de identidade e da relação problemática entre o “eu e o não-eu”. A fim de criar situações de transição, um agente de mudanças deve ajudar a criar aquele espaço de ilusão que, usando os seus próprios termos, é “bom o bastante” para que as pessoas possam explorar as suas situações e as opções que enfrentam. Quase sempre as pessoas necessitam de tempo para reflectir, pensar novamente, sentir e meditar, caso se pretenda que a mudança seja eficaz e duradoura. Se o agente de mudança tentar contornar ou suprimir aquilo que é valorizado, é muito provável que isto ressurja mais tarde. A teoria dos objectos intermediários fornece, assim, um meio para a compreensão da dinâmica de mudança e prescreve uma metodologia para o planeamento da mudança. Embora esta perspectiva não tenha ainda sido amplamente aplicada ao entendimento da organização, é uma abordagem que oferece consideráveis promessas para o futuro. Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 8 FORÇAS E LIMITAÇÕES DA METÁFORA DA PRISÃO PSÍQUICA Esta metáfora, embora severa, é bastante boa para mostrar como as organizações e os seus membros funcionam actualmente. Esta metáfora ajuda não só as pessoas que estão envolvidas em problemas criados por eles mesmos a resolve-los, mas também ajudar as pessoas que criam mundos limitados e problemáticos a identificar saídas para saírem destas armadilhas. O que esta metáfora demonstra e as contribuições específicas da “prisão psíquica” são: • encoraja-nos a procurar fundo, abaixo da superfície, para descobrir os processos inconscientes e respectivos modelos de controlo que aprisionam as pessoas em esquemas insatisfatórios de existência; • demonstra como existe ligação próxima e interactiva entre factores tão distintos como, de um lado, inconsciente, estruturas organizacionais e ambiente e, de outro, sexualidade reprimida, planeamento do trabalho, ursinhos de peluche e consultores organizacionais; • lança o desafio do questionamento sobre aquilo que está realmente acontecendo no mundo ao nosso redor; • fornece o impulso para um análise crítica da organização e da sociedade que pode permitir compreender e lidar com o significado, bem como com as consequências das nossas acções de um modo mais esclarecido; • o conhecimento das organizações tem sido racionalizado em excesso; • quando explicamos o que é e os comportamentos das pessoas nas organizações, factores tais como agressão, inveja, medo, ódio e desejo sexual nunca são abordados, embora quando se toca neles são quase sempre banidos através de desculpas, racionalizações e punições concebidas para restaurar um estado de coisas mais neutro; • racionalidade é, em termos de pensamento organizacional, frequentemente irracionalidade disfarçada. Irracionalidade pode ser considerado um termo para forças humanas que não podemos ordenar ou controlar e juntamente com a racionalidade termos centrais à condição humana; • damos prioridade não só os aspectos racionais da organização mas também o irracional para nos sentirmos mais seguros, embora não estejamos necessariamente a compreender o significado oculto da importância das acções que condicionam a organização; • reforça a visão de que a organização é humana no seu sentido mais completo e encoraja crescente consciência a respeito da importância do ser humano em quase todos os aspectos da vida organizacional; • reconhece e lida com as relações de poder que marcam o desempenho da vida organizacional; • identifica muitas barreiras situadas no caminho da inovação e da mudança; • mostra que é difícil mudar situações em organizações, mesmo quando a mudança parece lógica e benéfica para todos os envolvidos; Explorando a Caverna de Platão – As Organizações vistas como Prisões Psíquicas Processos de Gestão 2002/2003 9 • mostra que as pessoas desenvolvem dependências em relação a algum aspecto da cultura ou da vida social que os leve a resistir a inovações que iriam minar esta dependência. A metáfora apresenta um certo número de limitações que serão tratadas a seguir: • para o seu tratamento completo (da metáfora prisão psíquica) existe a necessidade que sejam levadas também em consideração as ideologias mais explícitas que controlam e moldam a vida organizacional, ou seja, as pessoas são frequentemente aprisionadas em armadilhas cognitivas porque é do interesse de certos indivíduos ou grupos manter um modelo de crença e não outro; • a sua compreensão poderia ser ampliada de modo a englobar todos os processos ideológicos através dos quais criamos e sustentamos o significado, além do factor representado pelo inconsciente; • enfatiza excessivamente o papel dos processos cognitivos em criar, manter e mudar as organizações e a sociedade. Daí aparecem as questões: Parece ser mais apropriado falar sobre organizações como prisões ou como prisões psíquicas? A exploração e a dominação das pessoas ficam frequentemente retidas mais em função de controlo sobre bases materiais da existência ou sobre ideias, pensamentos e sentimentos? • encoraja especulações e críticas utópicas; • ignora as realidades do poder e a força de interesses institucionalizados na manutenção do status quo; • desperta a tentação de gerir a mente de outras pessoas; • ao se destacar o papel do inconsciente nas organizações, existe um perigo iminente de que muitos poderão querer descobrir um modo de também gerênciar o inconsciente, o que é possível, uma vez que o inconsciente é incontrolável.
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