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Mediação Comunitária: Conceitos e Práticas

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5MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA
5
MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA
Este módulo se divide em duas seções: 
1) Conceitos de Mediação Comunitária;
2) Práticas de Mediação Comunitária.
 
5
“ Nossa sociedade precisa de homens e mulheres que escu-tem e se consagrem a estabelecer ligações e dissolver as incomunicabilidades. Isso será um apelo a todos, na vida quotidiana (...) um apelo a todos para aprenderem a reali-zar a mediação onde cada um se encontre, no seu escritó-rio ou na rua, na sua casa ou com sua família”1 (Jean-Fra-çois Six)
A mediação comunitária tem por objetivo promover a democratização do acesso à justiça, restituindo ao cidadão e à comunidade a capacidade de gerir seus pró-prios conflitos de maneira participativa, autônoma e emancipatória. Nesse sen-tido, para que seja efetivamente comunitária e não se limite a operar como meio de resolução de conflitos, a prática da mediação deve estar articulada à educa-ção para os direitos e à animação de redes sociais.
A educação para os direitos tem por objetivo democratizar o acesso à informa-ção sobre os direitos dos cidadãos e decodificar a complexa linguagem legal, por meio da reflexão crítica sobre a criação do direito a partir das necessida-des da comunidade. 
A animação de redes sociais, por sua vez, democratiza a própria gestão da co-munidade ao transformar o conflito – por vezes restrito, aparentemente, à esfera individual – em oportunidade de mobilização popular e criação de redes solidá-rias para o mapeamento e o reconhecimento não somente das dificuldades, mas dos recursos que a comunidade dispõe. 
Toda a atuação da mediação comunitária está fundamentada no protagonismo so-cial, pelo qual os mediadores comunitários são preparados a atuar, sob um modelo participativo, horizontal e democrático, como sujeitos de sua própria transforma-ção social. Trata-se de uma justiça operada na, para e, sobretudo pela comunidade.
1. SIX, Jean-François. Dinâmica da mediação. p. 242.
SEÇÃO 1
por Gláucia Falsarella Foley
1. Mediação Comunitária para a 
Emancipação Social
1.1. Mediação Comunitária: uma mediação 
na, para e pela comunidade
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA6 7
A mediação comunitária resulta, pois, da articulação de três atividades que a fundamentam – a educação para os direitos, a mediação como procedimento e a animação de redes –, todas essenciais para o processo de construção de uma comunidade participativa e uma justiça emancipadora2.
FIQUE DE OLHO
É importante ressaltar que alguns autores adotam o termo “Justiça Comunitária”3 para configurar a articu-lação dessas três atividades. Outros abordam a me-diação comunitária, a partir do conceito de “Mediação para uma Comunidade Participativa4“. Neste trabalho, utilizaremos a expressão “mediação comunitária” por ser a nomenclatura escolhida pelos integrantes da re-de nacional que colaborou na elaboração do presente curso. Apesar da diversidade com que a mediação co-munitária será abordada neste módulo, todas as ver-tentes convergem no sentido de rejeitá-la como mera técnica de resolução de conflitos5 e de evidenciá-la co-mo um importante instrumento de emancipação social. 
2. Para Boaventura, o direito regulatório se utiliza da coerção e/ou burocracia, enquanto o direito 
emancipatório pratica a retórica dialógica. O grau de contaminação ou colonização entre esses ele-
mentos – retórica, coerção e burocracia – é que define se o direito é do tipo emancipatório ou regula-
tório. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 
3. Conforme Foley, Gláucia Falsarella. “Justiça Comunitária. Por uma justiça da emancipação”.
4. Conforme VEZZULLA, Juan Carlos. La mediación para una comunidad participativa. Instituto de 
Mediação e Arbitragem de Portugal – IMAP. Acesso à internet em 01 de outubro de 2013. imap.pt/tag/
juan-carlos-vezzulla 
5. Como salienta Six, “O tecido social, distendido ao extremo, deve se refazer. A mediação consiste pri-
meiro não em achar solução para conflitos, mas em estabelecer ligações onde elas não existem, onde 
não existem mais (...)suscitar o agir comunicacional onde não existe”.SIX, Jean-François. Dinâmica da 
mediação. p. 237. 
2. A mediação como procedimento
O padrão competitivo presente no modelo judicial de resolução de conflitos exal-ta o contraditório, divide dialeticamente o certo do errado, atribui culpa e identi-fica, ao final, ganhadores e perdedores. Mesmo quando o processo judicial ce-lebra a conciliação, o acordo nem sempre resulta do senso de justiça que cada parte leva ao processo. Isso porque, dado o risco da sucumbência, a adesão ao consenso muitas vezes é movida por uma razão meramente instrumental.
Nesse sentido, há que se construir, por meio da razão dialógica, um consenso sobre a justeza da solução que ajude a edificar a ética da alteridade. Os prota-gonistas do conflito, quando interagem em um ambiente favorável, podem tecer uma solução mais sensata, justa e fundamentada em bases satisfatórias, tanto em termos valorativos quanto materiais.
Uma ferramenta eficiente para esta nova abordagem é a mediação. Trata-se de um processo voluntário no qual um terceiro imparcial e sem qualquer poder de aconselhamento ou decisão – o mediador – facilita a comunicação entre as pes-soas em conflito para que elas decidam, em comunhão, o seu melhor desfecho. Com simplicidade, Littlejohn conceitua mediação como um “método em que uma terceira parte imparcial facilita um processo pelo qual os disputantes podem ge-rar suas próprias soluções para o conflito”6. Os elementos essenciais que caracterizam a mediação, portanto, são: a) o pro-cesso é voluntário; b) o mediador é terceira parte desinteressada no conflito; c) o mediador não tem poder de decisão; d) a solução é construída pelas pessoas em conflito. A lógica da mediação obedece a um padrão dialógico, horizontal e participativo, na medida em que o seu foco está direcionado na compreensão das circunstân-cias do conflito, na restauração da comunicação entre os conflitantes e na cons-trução do consenso em comunhão. 
Nesse sentido, ainda que não haja acordo, a mediação não será considerada ne-cessariamente falha, porque o objetivo é o aperfeiçoamento da comunicação e a transformação dos envolvidos. A ideia subjacente é a de que a participação nas mediações comunitárias empodera os protagonistas do conflito e proporciona meios para administrá-lo pacificamente.
6. LITTLEJOHN, Stephen W. Book reviews: The promise of Mediation: Responding to Conflict Through 
Empowerment and Recognition by Roberto A. B. Bush and Joseph P. Folger, International Journal of 
Conflict, p. 103, jan. 1995. 
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA8 9
3. A educação para os direitos
Apesar de a mediação ser um valioso recurso para a promoção do diálogo nas situações de conflito, em alguns contextos, a correlação de forças é marcada pela desigualdade de poder. Nessas situações, é preciso conhecer os caminhos para a efetivação dos direitos fundamentais7. O processo de reconhecimento de direitos em condições de igualdade é que possibilita um diálogo livre de qual-quer coerção no qual todos os participantes possam fazer soar as suas vozes8.
É exatamente para assegurar que mediação comunitária seja um caminho de transformação social que não se afaste da efetivação dos direitos fundamentais é que o instituto da mediação deve estar articulado com a educação para os di-reitos, a fim de revelar as potencialidades da justiça oficial9. 
A educação para os direitos é, pois, um recurso para que o acesso ao sistema de justiça seja radicalmente democratizado. O desconhecimento dos cidadãos em relação aos seus direitos e aos instrumentos disponíveis para a sua efetivação constitui um dos obstáculos para a democratização da justiça. O excesso de for-malismo na linguagem forense e a complexidade do sistema processual dificul-tam o acesso ao sistema judicial.
7. Assim definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e no Título II da Constitui-
ção da RepúblicaFederativa do Brasil.
8. LUTA NECESSÁRIA - “O que geralmente caracteriza uma situação de injustiça é exatamente a im-
possibilidade de diálogo entre os adversários. E, dada a inviabilidade de diálogo, a luta se revela ne-
cessária. Quando não houver possibilidade de resolver o conflito pelo diálogo, a luta é o único meio 
para tornar o diálogo possível. A função da luta é criar as condições de diálogo, estabelecendo uma 
nova relação de força que obrigue o outro a me reconhecer como um inter-locutor necessário. Então, 
torna-se possível abrir uma negociação para estabelecer os termos de um acordo que coloque um 
ponto final ao conflito”. MULLER, Jean-Marie. O princípio da não-violência: uma trajetória filosófica. 
p. 24. 
9. Conforme afirma Camila Nicácio, os meios consensuais devem “contribuir para revelar as poten-
cialidades do próprio direito e justiça oficiais (...). Longe de ser paradoxal, o fato de demonstrar a 
importância dos meios compositivos permite igualmente reafirmar a importância da própria justiça 
instituída, e isso a fim de que as abordagens consensuais, ao privilegiar a emergência de novas nor-
matividades, adaptadas aos casos concretos, não cedam à deriva dos direitos fundamentais: en-
quanto a justiça e direito oficiais, ao reconhecer a pluralidade dos registros normativos, lembrem, se 
necessário, o direito de todos (...). Se a maleabilidade dos meios consensuais faz temer a alguns de-
fensores dos direitos fundamentais um tratamento desigual, a rigidez da justiça oficial se arriscaria, 
por outro lado, a abrir fendas sociais dolorosas, difíceis de serem transpostas. Assim, poderíamos 
vislumbrar um contexto em que diferentes abordagens para o tratamento de conflitos, sem se desna-
turar, inspirem-se umas das outras, em nome de um direito que encontre na escolha esclarecida dos 
cidadãos e no senso de adequação sua justificação”. NICACIO, Camila Silva. Desafios e impasses 
aos meios consensuais de tratamento de conflitos. In Conciliação, um caminho para a paz social.
FIQUE DE OLHO
Para romper com essa exclusão, não basta que os ci-dadãos conheçam o direito formalmente instituído. Isso porque, se os direitos devem atender às necessidades humanas, a reflexão sobre “o que é o direito?”; “qual di-reito que se pretende?” é parte de sua construção. Esse processo proporciona que a comunidade e seus mem-bros – como partícipes e corresponsáveis – reconhe-çam-se como sujeitos ativos na criação do direito10.
A educação para os direitos, sob uma abordagem crítica, revela uma dimensão tridimensional: 
a) preventiva, porque evita violações de direitos decorrentes da ausência de informação; b) emancipatória, porque proporciona reflexão em que medida o direito posto é desdobramento das reais necessidades individuais ou comunitá-rias e; c) pedagógica, pois permite que o cidadão compreenda como buscar, na via judiciária ou na rede social, a satisfação de suas necessidades/direi-tos, quando e se necessário. Isso porque nem todo conflito será submetido à mediação – seja porque as pessoas não querem ou porque as circuns-tâncias do conflito não recomendam. 
A prática da mediação, articulada com a educação para os direitos, pressupõe a adoção de espaços comunitários para a reflexão e a participação nos debates sobre os temas de interesse da comunidade e na elaboração de políticas públi-cas. O reconhecimento e a criação desses espaços públicos constituem a base da animação de redes sociais, conforme se verá a seguir.
10. Segundo SOUSA JUNIOR, a mobilização popular dos movimentos sociais instaura “práticas polí-
ticas novas, em condições de abrir espaços inéditos e de revelar novos atores na cena política capa-
zes de criar direitos”. SOUSA JUNIOR, José Geraldo. Sociologia jurídica: condições sociais e possibi-
lidades teóricas, p. 45. 
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA10 11
do Robert C. Chaskin12, a aferição da coesão social de uma comunidade se dá a partir da análise de quatro elementos: 
a) senso de pertencimento e reconhecimento recíproco; b) compromisso e responsabilidade pelos interesses comunitários; c) mecanismos próprios de resolução de conflitos e; d) acesso aos recursos materiais, sociais e culturais.
 Onde há coesão social, há identidade compartilhada, cuja criação depende da mobilização social e do envolvimento com os problemas e soluções locais. Há, portanto, segundo Putnam13, um ciclo virtuoso entre capital social e desenvolvi-mento local sustentável. 
A confecção de um mapa social para identificar as organizações sociais e esta-tais na comunidade é fundamental para servir de referência para: 
a) o encaminhamento de algumas demandas para a rede social, quando for o caso; b) o conhecimento das circunstâncias que envolvem os problemas comu-nitários e; c) a constituição de novas redes associativas ou o fortalecimento e a arti-culação das já existentes quando a demanda ostentar potencial para tanto. 
12. CHASKIN, Robert J. Defining community capacity: a framework and implications from a com-
prehensive community initiative, Apud NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério 
Arns. Repensando o investimento social: a importância do protagonismo comunitário, cit., p. 24. 
13. PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia. A experiência da Itália moderna. 4. ed. Rio de Ja-
neiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2005, p. 186. 
4. A animação de redes sociais
4.1. Comunidade e coesão social
4.2. O mapeamento social
Neste trabalho, a denominação comunidade será conferida aos grupos sociais que vivem na mesma localização geográfica e que, nessa condição, tendem a partilhar os mesmos serviços (ou a ausência deles), problemas, recursos, códi-gos de conduta, linguagem e valores. A partilha territorial não implica, porém, a construção de uma comunidade coesa socialmente. Tal configuração depende de sua capacidade de produzir capital social11 , ou seja, do grau de conexão entre seus membros e de sua capacidade de promover desenvolvimento local. Segun-
11. Conforme se verá adiante, o capital social se expressa no “grau de coesão social que existe nas co-
munidades e que é demonstrado nas relações entre as pessoas ao estabelecerem redes, normas e con-
fiança social, facilitando a coordenação e a cooperação para o benefício mútuo”. AUSTRALIAN BUREAU 
OF STATISTICS, Social capital and social wellbeing, Apud NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; 
NEUMANN, Rogério Arns. Repensando o investimento social: a importância do protagonismo comuni-
tário, p. 47.
FIQUE DE OLHO
Conforme veremos neste tópico, a animação de redes é um dos recursos que impulsionam a criação de capital social e a sua prática pressupõe a identificação dos espaços comunitários com vocação para o desenvolvimento local. 
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA12 13
A coleta de dados deve levar em conta as deficiências e necessidades da comu-nidade, mas também os talentos, habilidades e recursos disponíveis. Essa estra-tégia possibilita que o mapeamento sirva de espelho para a comunidade que, ao se olhar, tenha consciência de seus problemas, mas também conheça as suas po-tencialidades, o que é essencial para a construção de uma identidade comunitária. 
Esse método também torna possível investigar em que medida as soluções para os problemas comunitários já existem ali mesmo, exatamente naquela comuni-dade que, por razões histórico-estruturais de exclusão social, em geral, não en-xerga nenhuma solução para os seus problemas senão por meio do patrocínio de uma instituição que lhe seja exógena. Essa conexão entre problemas e solu-ções promove “um senso de responsabilidade pela comunidade como um todo, o que cria uma espiral positiva de transformação social”.14 
4.3. As redes sociais
O padrão de organização em rede caracteriza-se pela multiplicidade dos ele-mentos interligados de maneira horizontal. As redes permitem maximizar as oportunidades para a participação de todos, para o respeito à diferença e para a mútua assistência. Participaçãotraz mais oportunidade para o exercício dos direitos políticos e das responsabilidades. Para se ter acesso aos recursos comu-nitários, o nível de atividade e de compromissos dos grupos sociais aumenta e a autoestima cresce após a conquista de mais direitos e recursos. Há uma reci-procidade entre os vários componentes desta cadeia “ecológica”, na medida em que implica retroalimentação15.
A leitura de que as redes revelam novas formas de relações sociais também é compartilhada por Aguiar, para quem: “as redes vão possibilitando a combina-ção de projetos, o enfraquecimento dos controles burocráticos, a descentrali-zação dos poderes, o compartilhamento de saberes e uma oportunidade para o cultivo de relações horizontais entre elementos autônomos16”. E é essa nova es-trutura que vai se consolidando como alternativa ao sistema oficial está associa-
14. NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos e NEUMANN, Rogério Arns. Desenvolvimento Comunitá-
rio baseado em talentos e recursos locais – ABCD, cit., p. 26.
15. FOLEY, Gláucia. Justiça Comunitária: Por uma justiça da emancipação, p. 123–127.
16. E acrescenta: “Isso enseja uma profunda revisão tanto no momento da gênese normativa, nas 
formas de sua construção, como também aponta para novas formas de aplicação, manutenção e 
controle dos que vivem no interior dessas relações, onde não há lugar para a lentidão, nem espaço 
para assimetrias acentuadas, nem oportunidades de acumulação de poder pelos velhos detentores 
da máquina burocrática. É uma outra dimensão da democracia emergindo” (AGUIAR, Roberto Ar-
mando Ramos. Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã. Notícia do Direito Brasi-
leiro, Nova série, Brasília, Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, n. 9, p. 71, 2002).
da à prática da mediação17. Essas experiências permitem que a lógica da rígida estrutura da linguagem judicial ceda lugar à retórica, à arte do convencimento, ao envolvimento. É o que ele denomina “direito dialogal, que respeita as diferen-ças e radicaliza a democracia18”.
4.4. A animação das redes sociais
Conforme já assinalado, o mapeamento social permite a descoberta das vo-cações, talentos, potencialidades, carências e problemas da comunidade e de seus integrantes. No decorrer da permanente sistematização e análise dos da-dos coletados, é importante que haja um movimento que conecte as iniciativas e as organizações comunitárias, colocando-as em permanente contato e diálogo. 
A mobilização comunitária, a partir do mapeamento e da articulação de seus próprios recursos, é essencial para a criação de capital social. 
É a partir do contexto das relações sociais e das redes sociais que um ou 
vários atores se mobilizam em proveito próprio e ao mesmo tempo mútuo e 
que, assim, são propiciados o acúmulo e estoque de capital social, gerado-
res de uma sociedade mais democrática e igualitária na qual os atores so-
ciais se reconhecem enquanto sujeitos de direitos e protagonizam as ações 
dos espaços público-comunitários19.
Ao proporcionar esses encontros e promover esses diálogos, os atores comunitá-rios agem como tecelões contribuindo para que essa teia social se revele coesa o suficiente para a tarefa de construção coletiva de seu futuro: uma comunidade participativa e uma justiça emancipadora.
17. Idem, p. 76.
18. idem, p. 76.
19. LEANDRO, Ariane Gontijo Lopes e CRUZ, Giselle Fernandes Corrêa. Programa Mediação de Con-
flitos da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais: delineando uma metodologia em 
mediação individual e comunitária. p. 217. In: CASELLA, Paulo Borba e SOUZA, Luciane Moessa (Co-
ord.) Mediação de Conflitos. Novo Paradigma de acesso à justiça.
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA14 15
para ‘dar respostas comunitárias a problemas comunitários’22. 
Sob a perspectiva emancipatória, o mediador comunitário não pode solucionar os conflitos no lugar das pessoas, assim como não pode desenhar a comunida-de como ela deveria ser, a partir de uma ideologia que lhe seja exógena. Se as-sim o fizer, negará à comunidade a sua condição de sujeito, transformando-a em objeto e perpetuando suas relações de dependência em relação a algum “ilumi-nado” que, por seu saber científico ou por sua liderança, acredita saber o que é melhor para a comunidade23.
A colaboração do mediador comunitário é para que a comunidade possa diag-nosticar-se e construir sua identidade, segundo os seus próprios critérios da rea-lidade. Para Vezzulla, é esse o maior de todos os respeitos: aceitar a elaboração da informação realizada pela comunidade, segundo seus próprios parâmetros. A partir desse reconhecimento, a comunidade consegue participar, incluir-se nas discussões e expressar seus sentimentos e suas necessidades. A inclusão favo-rece a participação e desenvolve a responsabilidade. Somente se sente respon-sável aquele que pôde exercer a decisão. Quando se executa o que foi decidido pelo outro, a responsabilidade fica a cargo de quem decidiu. Reconhecimento e respeito, pois, são as bases da cooperação que se realiza quando há igualdade nas diferenças e respeito às necessidades e aos direitos de todos24. A prática da Mediação Comunitária vai provocando transformações rumo a uma comunidade autônoma e participativa. Não há promessas, propostas, planos ou expectativas. Por meio da escuta ativa, com intervenções pontuais e resumos, o mediador co-labora na organização do que foi dito sobre os problemas e as formas possíveis de enfrentá-los25. 
FIQUE DE OLHO
Para Gustin, a Mediação Comunitária é democrática por incorporar todas as vozes; é emancipadora porque seus integrantes exercem sua capacidade de autonomia crítica e de interação dialógica, ou seja, todos deverão ser capa-zes de, a partir de formas discursivas, justificar suas escolhas e decisões pe-rante o outro26.
22. FOLEY, Gláucia. Justiça Comunitária: uma justiça para a construção da paz. In: FOLEY, Conor 
(Org.) – Outro Sistema é Possível. A Reforma do Judiciário no Brasil. Brasília: IBA - International Bar 
Association, 2012. Em parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, 
Brasília, p. 101-120.
23. VEZZULLA, Juan Carlos. “La mediación para una comunidad participativa”. Instituto de Media-
ção e Arbitragem de Portugal – IMAP. Acesso à internet em 01 de outubro de 2013. imap.pt/tag/juan-
carlos-vezzulla
24. VEZZULLA, Juan Carlos. Idem.
25. VEZZULLA, Juan Carlos. Idem.
26. GUSTIN, Miracy B. S. A metodologia da mediação. Belo Horizonte: Faculdade de Direito, Programa 
5. Mediação Comunitária: por uma 
comunidade participativa e uma 
justiça emancipadora
Conforme se viu anteriormente, a mediação não se limita a uma técnica de reso-lução de conflitos20. Quando operada na comunidade e articulada com as outras atividades comunitárias – a educação para os direitos e a animação de redes so-ciais –, a mediação ganha especial relevo, na medida em que os mediadores são membros de suas comunidades. Ao integrarem a ecologia local, esses atores se legitimam a articular horizontalmente uma rede de oportunidades para que a própria comunidade identifique e compreenda os seus conflitos e as possibilida-des de resolução.
A dinâmica da mediação comunitária fortalece os laços sociais na medida em que opera para, na e, sobretudo pela própria comunidade, convertendo o conflito em oportunidade de se tecer uma nova teia social. A própria comunida-de produz e utiliza a cultura e o conhecimento local para a construção da solu-ção do problema que a afeta21. Em outras palavras, a comunidade abre um canal 
20. Para Spengler, “A mediação difere das práticas tradicionais de tratamento de conflitos justamente 
porque o seu local de atuação é a sociedade – e sua base de operações o pluralismo de valores – com-
posta de sistemas de vida diversos e alternativos. Sua finalidade consiste em reabrir os canais de comu-
nicação interrompidos e reconstruir laços sociais destruídos. O seu desafio mais importante é aceitar a 
diferença e a diversidade, o dissensoe a desordem por eles gerados. Sua principal ambição não se re-
sume a propor novos valores, mas restabelecer a comunicação entre aqueles que cada um traz consigo”. 
SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e alteridade: a necessidade de inovações comunicativas para 
lidar com a atual (des)ordem conflitiva. p. 202. In: SPENGLER, Fabian Marion; LUCAS, Douglas Cesar 
(org.). Justiça Restaurativa e Mediação – políticas públicas no tratamento dos conflitos sociais.
21. “O âmbito comunitário é, em si, um espaço de grande riqueza por sua aptidão em difundir e aplicar 
os métodos pacíficos de gestão de conflitos ou tramitação das diferenças. A mediação, como instru-
mento apto a esse propósito, brinda os protagonistas – aqueles que compartilham o espaço comunitá-
rio – a oportunidade de exercer uma ação coletiva na qual eles mesmos são os que facilitam a solução 
dos problemas que se apresentam em suas pequenas comunidades. Neste sentido, o desenvolvimento 
destes processos – assim como a transferência de ferramentas e técnicas específicas de mediação aos 
integrantes das comunidades – constitui um valioso aporte e um avanço concreto relativo à nossa ma-
turidade como sociedade e colabora efetivamente em pró de um ideal de uma vida comunitária mais 
satisfatória (...). A mediação é valorada como um terreno privilegiado para o exercício da liberdade, um 
lugar de crescimento e desenvolvimento, a partir de – na expressão de Habermas – uma atuação co-
municativa”. NATÓ, Alejandro Marcelo; QUEREJAZU, Maria Gabriela Rodríguez; CARBAJAL, Liliana 
Maria. Mediación Comunitária. Conflictos en el escenario social urbano, p. 109.
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA16 17
A Mediação Comunitária está inserida em um ciclo virtuoso27 que ostenta os seguintes componentes: a) conhecimento da comunidade e da rede social (por meio do mapeamento e da educação para os direitos); b) criação de novas co-nexões na comunidade entre si e com as instituições (por meio da animação de redes sociais); c) transformação das relações individuais, sociais e institucionais (por meio do desenvolvimento de novas habilidades e técnicas de comunicação: a mediação comunitária); d) desenvolvimento comunitário com coesão, autono-mia e emancipação social (resultado de todo o processo de construção da me-diação comunitária). 
Conforme se vê na ilustração acima, o conhecimento da realidade e o acesso à rede de recursos que integram o sistema social e judicial são objetivos da edu-cação para os direitos, um dos eixos de sustentação da mediação comunitária. 
A articulação de novas relações sociais e institucionais nos espaços públicos voltados para o exercício da reflexão crítica amplia a participação coletiva na elaboração de políticas públicas. É na comunicação praticada nesses espaços – horizontal e livre de coerção – que os diversos saberes e suas incompletudes poderão se expressar. E é exatamente por sua capacidade de construir con-sensos que a animação de redes é um dos pilares de sustentação da media-
Pólos de Cidadania, 2003 (não publicado) apud NICÁCIO, Camila S; OLIVEIRA, Renata C. A media-
ção como exercício de autonomia: entre promessa e efetividade.
27. Uma adaptação do ciclo virtuoso de geração de capital social de Putnam. PUTNAM, Robert D. 
Comunidade e democracia. A experiência da Itália moderna. 4.
ção comunitária. 
A emergência de novas práticas sociais na comunidade promove profundas transformações nas relações individuais, sociais e institucionais. A prática da mediação, como um dos eixos da mediação comunitária, é capaz de converter o conflito em oportunidade para o desenvolvimento de confiança e reconhecimen-to das identidades; senso de pertencimento e cooperação; celebração de novos pactos e restauração do tecido social. E é exatamente esse processo de trans-formação que promove coesão social, autonomia e emancipação, tal qual ansiado pela mediação comunitária. 
A mediação comunitária é, pois, a justiça que emerge de uma prática social transformadora, reconhecendo o protagonismo da comunidade e a sua vocação para a construção de seu futuro com autonomia, cooperação, responsabilidade e solidariedade.
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA18 19
Referências Bibliográficas
AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã. 
Notícia do Direito Brasileiro, Nova série, Brasília, Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, n. 9, 
2002.
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça Comunitária. Por uma justiça da emancipação. Belo Horizonte: Fo-
rum, 2010.
______. Justiça Comunitária: uma justiça para a construção da paz. In: FOLEY, Conor (Org.). Outro 
Sistema é Possível. A Reforma do Judiciário no Brasil. Brasília: IBA - International Bar Association, 
2012. Em parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Brasília.
LEANDRO, Ariane Gontijo Lopes e CRUZ, Giselle Fernandes Corrêa. Programa Mediação de Conflitos 
da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais: delineando uma metodologia em media-
ção individual e comunitária. In: CASELLA, Paulo Borba e SOUZA, Luciane Moessa (Coord.) Mediação 
de Conflitos. Novo Paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
LITTLEJOHN, Stephen W. Book reviews: The promise of Mediation: Responding to Conflict Through 
Empowerment and Recognition by Roberto A. B. Bush and Joseph P. Folger. International Journal of 
Conflict, p. 101-104, janeiro, 1995. 
MULLER, Jean-Marie. O princípio da não-violência: uma trajetória filosófica. São Paulo: Palas Athena, 
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FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA20 21
2. A Mediação Comunitária. 
Questionamentos por uma Mediação 
para a Comunidade Participativa
por Juan Carlos Vezzulla
No passado, tive a possibilidade de compartilhar experiências com diversos pro-gramas de mediação comunitária, o que nos permitiu analisar várias questões sobre o serviço de mediação que oferecem. Esta experiência também gerou algumas reflexões que pretendo apresentar nes-te breve escrito não como conclusões, mas como questionamentos feitos a partir de conceitos da sociologia crítica e da mediação. 
A minha intenção é promover certos questionamentos sobrea mediação em ge-ral e fundamentalmente sobre o porquê da existência da mediação comunitária diferenciada das outras especializações. 
Por que individualizar essa mediação como mediação comunitária? Por que dife-renciá-la da mediação familiar, laboral, com adolescentes, entre vítima e agres-sor ou qualquer outra? 
O que é que se pretende diferenciar quando se fala de mediação comunitária? Trata-se apenas duma mediação de conflitos entre vizinhos?
Será que a sua diferenciação se radica no fato de serem os mediadores pessoas que moram no mesmo bairro ou região que os participantes da mediação? Uma mediação entre pares28? 
Uma questão que tem gerado grandes polêmicas e aparentes divisões ideoló-gicas está na definição de quem deve ser o mediador que atenda os conflitos nas comunidades:
a) mediadores profissionais; ou b) moradores da mesma comunidade treinados em mediação.
Esta questão envolve fundamentalmente a questão do “saber”. Se esse “saber” deve ser acadêmico e profissional, a maneira das profissões tradicionais que “sabem” de direito, psicologia, serviço social etc. ou se devem ser os mesmos vi-
28. A maneira dos serviços de mediação entre alunos duma escola, ou entre internos duma prisão.
zinhos que “sabem” das problemáticas da comunidade. 
Ainda que ideologicamente o que se pretenda é acabar com a exclusão e a de-pendência, dando autonomia à comunidade na abordagem e resolução de seus problemas, considero que conseguir a autonomia não depende dessa decisão, mas sim de como trabalham os “agentes comunitários” ou os “profissionais” na condução das mediações. 
Ou seja, considero esta dicotomia uma falsa opção, pois respeitando a natureza e filosofia da mediação no que se refere aos conceitos de “saber”, os que sabem são os participantes ainda que o mediador seja um vizinho. Um deles, portanto, não deve usar o seu “saber” e sim escutar e acolher os participantes como seres únicos e exclusivos dos quais nada sabemos. 
A mediação entre pares, aplicada exitosamente em escolas, prisões e comunida-des em geral, tem a vantagem da proximidade, ou seja, por idades e situações comuns seja na exclusão (prisões ou certas comunidades) seja na condição co-mum (estudantes, vizinhos). 
Se uma instituição, seja ela parte do estado ou não governamental, escolhe os agentes comunitários por meio de concursos pode envolver um desejo de poder e de liderança que o fato de formar parte (ser escolhido) lhe permitiria exibir. Es-sa distinção pode acabar com o conceito de paridade. 
Um procedimento que permitiria um verdadeiro trabalho cooperativo seria o de deixar por último a escolha dos que serão mediadores da comunidade e promo-ver as ações para que seja a mesma comunidade a fazê-lo. 
Dever-se-ia começar por realizar ações de sensibilização em mediação e seus conceitos de autogestão na comunidade toda. No meu artigo sobre “A media-ção para uma comunidade participativa”29, descrevi a importância de conseguir a participação da comunidade encorajando a cada um de seus membros a ex-pressar a sua visão dos problemas e as possíveis soluções. 
Este trabalho – que consiste em visitar as famílias, convocar as pessoas desde as escolas e outras instituições civis ou religiosas que funcionam dentro da co-munidade – tem por objetivo que as pessoas sejam escutadas, respeitadas e re-conhecidas na sua capacidade de falar sobre os seus problemas e procurar-lhes solução. Elas dão assim o primeiro passo30. O mediador para uma comunidade participativa intervém para que as pessoas percebam a importância da sua par-
29. Publicado em espanhol na revista Mediadores en Red (Julho 2007).
30. Corresponde a função inicial do mediador no procedimento da mediação o de acolhimento pelo 
respeito para produzir o reconhecimento de que cada uma das pessoas são as únicas que sabem de 
seus problemas e das soluções e que a sua participação é fundamental para atender e resolver as 
questões que os afetam. Em definitiva, o objetivo do trabalho de sensibilização.
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA22 23
ticipação e ao mesmo tempo se reconheçam capazes de participar e de produzir as mudanças que desejam. 
O fato de ser-lhes “reconhecida” a capacidade para participar permite a eles sentir-se em “condições para” e fundamentalmente acabar com o determinismo de que “isso não tem solução”31. 
Ao recuperar a confiança em si mesmos e enfrentar a própria situação pela au-togestão, não somente assumem o controle, mas fundamentalmente desenvol-vem a responsabilidade, a cooperação e a solidariedade que os fortalece e lhes permite reduzir a sua dependência do poder político.
Instaurados na comunidade os princípios da mediação na comunicação e na abordagem dos problemas, é a comunidade que pode escolher aqueles vizinhos que consideram adequados para se formar como mediadores e passam assim a ter o reconhecimento como aqueles que exercem a mediação de conflitos quan-do solicitado o procedimento. 
Em definitiva, considero que o que deve ser questionado inicialmente é a ideolo-gia que leva a ser criado e implementado um programa de Mediação Comunitária. Se o primeiro a ser considerado é o protagonismo da comunidade, deve-se, então, segundo a minha visão, começar trabalhando com a comunidade para que ela mesma seja a que escolha os seus mediadores e fundamentalmente que decida quais os problemas a ser abordados e como, ou seja, revalorizando a comunidade e centrando o seu acionar na capacidade de as pessoas de enfrentarem os seus próprios problemas pelo diálogo de maneira responsável e cooperativa na busca de soluções que satisfaçam as necessidades de todos os envolvidos.
O exercício desta responsabilidade seria a partir da escuta atenta, da sensibili-zação de cada mediando com o outro, apontando à ruptura dos paradigmas da sociedade binária (ganhar ou perder), substituindo-os pela cooperação e a soli-dariedade para um satisfazer-satisfazer.
A mediação, resgatando os conceitos de participação responsável da comuni-dade na abordagem e na resolução dos conflitos entre os seus membros, foi re-cuperando a sua identidade e com isso reforçou a sua capacidade de protago-nismo. Podemos pensar que este protagonismo pode ser analisado a partir dos conceitos de pressupostos metacontratuais (SANTOS, 2006, p. 296)32, que per-mitem a gestão das tensões e antinomias da exclusão – inclusão estabelecida pelo contrato social.
31. Refiro-me aos determinismos lançados sobre bairros e até cidades inteiras que dão por inamo-
vível a condição de pobreza ou de violência como identidade já estrutural e quase congênita. Essas 
maldições são precisamente usadas, por parte do poder, para evitar a emancipação, perpetuar a 
exclusão, justificar a repressão e manter a dependência. 
32. Pressupostos metacontratuais: Um regime geral de valores, um sistema comum de medidas e um 
espaço-tempo privilegiado.
A identidade individual numa identidade comum gerando uma interação entre comportamento individual e função social é precisamente o que a mediação vem trazer no século XXI como paradigma transformador não previsto no pen-samento hegemônico neocapitalista ultraliberal, que a incorpora e divulga, pen-sando nos seus benefícios aparentes, desconsiderando estes paradigmas intro-duzidos junto com ela.
Nesta Mediação para a participação e a satisfação, a comunidade está sempre presente nos conflitos entre os seus membros, pois ela é a afetada quando es-ses conflitos não se resolvem ou se resolvem de forma insatisfatória. É precisamente a falta de satisfação dessas necessidades, desses direitos, um dos fatores fundamentais da geração da violência como expressão da insatisfa-ção de uma comunidade. 
Espero que com estes questionamentos possamos pensar melhor qual o modelo de Justiça Comunitária a ser implementado definitivamente no Brasil.
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA24 25
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3. Mediação Como uma Prática 
Cotidiana de Justiça
por Antonio Eduardo Silva Nicácio
Tradicionalmente, a mediação é definida como um meio não adversarial, priorita-riamente extrajudicial e pacífico de resolução de conflitos. Sua preocupação pri-meira é em auxiliar os envolvidos a resgatarem o diálogo e a encontrarem seus verdadeiros interesses e preservá-los num acordo criativo. Neste contexto, a me-diação se apresenta como a possibilidade de construção conjunta de soluções mutuamente aceitáveis, sem imposições de sentença ou laudos. Isto é, as deci-sões firmadas numa mediação são sempre de autoria dos participantes. O norte é sempre o respeito ao princípio da autonomia da vontade, simbolizado no poder dispositivo das partes, desde que não contrarie os princípios de ordem pública.
Dentre seus principais objetivos, está o estabelecimento de um processo de cria-ção e reconstrução do laço social. Deste modo, a mediação pretende estabele-cer uma comunicação inexistente ou perturbada entre os envolvidos, atuando sempre para a promoção de intersubjetividade, intercompreensão e autonomia. Trata-se de um processo sempre voluntário, marcado pela confidencialidade e pela diligência de seus procedimentos. A flexibilidade, a clareza, a concisão e a simplicidade, tanto na linguagem quanto nos procedimentos, são características fundamentais, de modo que atenda à compreensão e às necessidades do con-texto para o qual se volta.
O mediador, figura marcante nesse processo, é sempre visto como um terceiro: aceitável por todos os interessados, imparcial e independente. Um dos pontos que gostaria de trabalhar neste pequeno texto é a possibilidade de a mediação ser compreendida independente da presença deste terceiro. Ou seja, a media-ção como um modo de agir. Uma conduta. Uma postura mediadora.
Depois de muitos anos trabalhando com mediação no Programa Polos de Cida-dania da UFMG em vilas e favelas de Belo Horizonte, com a população em situa-ção de rua da capital mineira, com adolescentes no vale do Jequitinhonha, pas-sei a perceber que, em muitos processos de mediação em que eu me envolvia, não necessariamente eu desenvolvia a função de mediador, apesar de o meu papel inicialmente ser esse. Falo isso especialmente no tocante aos casos de mediações comunitárias coletivas.
Em inúmeros casos, a minha função foi a de apontar à possibilidade do diálo-go. A partir daí, nem sempre as regras do processo, muito menos o conteúdo em discussão, estiveram em minhas mãos. E muito menos era do meu interesse 
controlar isso, pois tenho a compreensão de que, para a mediação efetivamente ocorrer e tocar a vida das pessoas, o mediando – a pessoa diretamente interes-sada – precisa se envolver. É necessário que essa pessoa passe também agir, no cotidiano de sua vida, de forma mediadora. 
É isso o que evidencia o processo pedagógico e edificante da mediação. Esse é o maior sinal da emancipação dos participantes.
Uma das principais obras da professora Miracy Barbosa de Sousa Gustin, fun-dadora dos Polos de Cidadania da UFMG – um dos programas precursores no desenvolvimento da mediação no Brasil –, chama-se Pedagogia da Emancipação. Este livro, lançado em 2010, traz a tese que a professora Miracy elaborou para o concurso de professor titular da UFMG. Por motivos inexplicáveis da vida, ela optou por não defendê-la. No entanto, faço questão de defender aqui alguns de seus argumentos. Tenho certeza também que a história sempre a defenderá por essa e outras obras.
Para a Miracy Gustin, dentre as diretrizes maiores de uma Pedagogia da Eman-cipação, está a premissa de que “a sociedade contemporânea deverá proporcio-nar aos cidadãos mecanismos efetivos de satisfação das necessidades que ago-ra se expandem de forma incomensurável a partir da expansão dos mercados e das formas de comunicação” (GUSTIN, 2010, p. 55). A meu ver, a cultura da mediação certamente pode ser um desses mecanismos.
Ao elaborar sua teoria da Pedagogia da Emancipação, Gustin nos fala a todo o momento de questões caras à mediação. Aliás, o seu entendimento da peda-gogia é extremamente semelhante ao do que chamamos mediação. Pedagogia como mediação, mediação como pedagogia.
A professora nos ensina que a “pedagogia, como sabedoria prática e prudência, é, pois, um conjunto de saberes que se destinam a compreender a intenciona-lidade da ação humana por meio do entendimento das várias vozes, opiniões que se complementam ou se contradizem com relação ao determinado tema que se põe como questão principal” (GUSTIN, 2010, p. 61). Assim, a mediação, 
FIQUE DE OLHO
A mediação não deve ser compreendida apenas como um meio de resolução de conflitos – como quase sempre ela é nomeada –, mas também como uma estratégia para a realização da Pedagogia da Emancipação. 
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA28 29
vista como uma postura, uma conduta, é capaz de gerar o autoconhecimento e a emancipação.
Moacir Gadoti (2002), na esteira de Paulo Freire afirma que “se aprende quan-do se tem um projeto de vida”. A meu ver, a mediação é um projeto de vida. Ela é a possibilidade de realizarmos de maneira emancipada o que eu gosto de chamar de “justiça do cotidiano”. Uma porta aberta para livrarmos dos autorita-rismos, fascismos e violências diárias que permeiam as mais variadas relações de nossa sociedade.
A justiça que a mediação pode alcançar, acredito, é a do “feijão com arroz”, a do “minha benção meu pai e minha benção minha mãe”, a do “bom dia, boa tarde, boa noite”. A do “perdão, desculpe-me, licença, por favor e obrigado”. A justiça vivida – ou negligenciada – incansavelmente no nosso dia a dia. Neste sentido, a mediação é uma ferramenta também para dessacralizar toda a estrutura to-talizante – e por que nãopresunçosa – do Direito, do Judiciário, do Estado e, de tabela, infelizmente, da compreensão de justiça. A mediação nos remete a uma noção de justiça “carne, unha e dente”, “pele, os-so e cheiro”. Uma justiça multidimensional, vertical, com profundidade, que po-deríamos chamar de “Justiça 4D”. Ao nos envolver e nos implicar na resolução de nossos conflitos, a prática da mediação nos evidencia que as normas que se-guimos são plurais e emanadas de diversos contextos.
Pergunto às senhoras e aos senhores:
O direito cria normas? Mas quem cria o direito? A política? E quem cria a política? Os diversos grupos sociais e éticos de nossa sociedade? E o que de comum existe entre estes grupos? A vida!
A vida múltipla, bela, profunda e orientada por normas criadas por comunidades diversas: éticas, políticas, jurídicas e moral. E acatadas por motivos diversos: éti-cos, políticos, jurídicos e moral.
Como diria o compositor brasileiro Tom Zé em sua clássica canção “Tô”, “eu tô te explicando, pra te confundir, eu tô te confundindo pra te esclarecer”. Brincadei-ras à parte, o que eu gostaria mesmo é de chamar a atenção para o fato de que são várias as esferas normativas da vida humana.
O filósofo alemão, Rainer Forst, no livro Contextos da Justiça, formula “uma te-oria que ele denomina de multidimensional no reconhecimento das pessoas” (FORST, 2010, p. 286). Ele nos coloca que para a pergunta “o que devo fazer?” existem inúmeras respostas:
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA30 31
respostas éticas (“faça isso porque poderá se identificar melhor com isso 
e se justificar para si mesmo como pessoa que você é ou quer ser”), bem 
como jurídicas (“faça isso porque é lícito”), políticas (“faça isso porque leva 
ao interesse geral”) e morais (“faça isso porque é moralmente imperativo”). 
(FORST, 2010, p. 323).
Quando se permite que um crime contra a humanidade ocorra, num primeiro momento, autoriza-se que um crime moral aconteça, “um crime (moral) contra o gênero humano” (FORST, 2010, p. 322). Por mais que tal crime também seja po-lítico e jurídico, vez que vários tratados internacionais que vedam tal tipo de cri-me são resultados de construções políticas e jurídicas entre nações, permite-se, em primeira instância, a ocorrência de um crime moral. O reconhecimento moral, neste contexto, nada mais é do que uma forma de respeitar as outras pessoas morais, que são todos os seres humanos, bem como ser respeitado por todos eles. Deste modo, eu não deixo de matar alguém porque a lei me proíbe, mas porque sei que estaria matando parte de mim, do DNA da humanidade. Essa é uma regra moral. Moralmente eu sou proibido de cometer este ato. 
Como demonstra Robert Bellah, “as comunidades de reconhecimento são ‘comu-nidades de memória’” (BELLAH, apud FORST, 2010, p. 337), capazes de orien-tar histórica e temporalmente a vida de uma pessoa, bem como de manter ace-sas as lembranças dessa própria vida particular. Nos dizeres de Hannah Arendt (ARENDT, apud FORST, 2010, p. 337), “uma comunidade é (...) uma memória organizada”. No caso específico das comunidades éticas, essa “memória orga-nizada” diz respeito a todos os signos e símbolos comuns norteadores das prá-ticas sociais de uma comunidade. Como são várias as comunidades éticas que constituem a identidade de uma pessoa como, por exemplo, a família, os amigos e a religião, são necessárias uma habilidade e uma atenção especial para que essas comunidades sejam integradas na vida das pessoas eticamente autôno-mas, o que ocorre, normalmente, a partir da consciência do pertencimento cul-tural. As questões que devem ser respondidas no interior de cada comunidade ética dizem respeito à identidade, à orientação na vida coletiva e à forma de vida que se pretende viver. Tais questões devem ser respondidas pela própria pessoa para si mesmo e para os outros. Os valores éticos só são justificados quando fazem parte da identidade de uma pessoa. Quando esta, por meio de sua auto-compreensão, reconhece que tal valor atribui significado à sua vida. As escolhas e respostas têm que ser feitas individualmente pessoa por pessoa, por mais que a identidade coletiva de uma comunidade ética e a identidade pessoal de cada um de seus integrantes sejam bastante entrelaçadas. No final das contas, é a própria pessoa que se constrói, que define o que convém à sua identidade, de forma autônoma e emancipadora. “Nós vemos o mundo a partir de nós mesmos” (MAGALHÃES, 2008, p. 253). A pessoa passa a ser a medida do conhecimento do mundo que a cerca. 
Desse modo, para tornar possível o reconhecimento ético, antes de tudo, é ne-cessário compreender e respeitar a tensão existente no momento de constitui-
ção de uma identidade própria, sempre feita de forma intersubjetiva com os ou-tros integrantes das comunidades éticas de que uma pessoa possa participar. Para que o reconhecimento ético ocorra, é necessário que a autonomia indivi-dual seja conjugada com um espaço onde os valores são compartilhados. Assim sendo, as pessoas podem desenvolver uma estima social, sentimento que será imprescindível para o reconhecimento do valor próprio de cada um. Faz parte do reconhecimento ético a inclusão política e social, que permite que os grupos sociais, formados por pessoas que integram variadas comunidades éticas, pos-sam se desenvolver sem a mácula da discriminação, mas sim podendo os seus integrantes ser considerados pessoas singulares e especiais.
O reconhecimento político, por sua vez, apresenta variadas matrizes. Para que ele realmente se torne efetivo, é preciso que a diferença ética seja reconhecida, a igualdade jurídica material seja garantida, a liberdade fática seja possível, a autonomia política seja viável e a inclusão social seja generalizada. Enquanto todos esses requisitos não forem assegurados, uma comunidade não pode se nomear politicamente responsável. Sem que essas exigências sejam respondi-das, vive-se na prática também uma cidadania precária. 
Deste modo, a autonomia política só se torna possível se as condições para o exercício da igualdade material e da liberdade fática forem garantidas. É esse conceito de responsabilidade solidária que permite a pessoa a levar uma vida que não lhe cause vergonha (FORST, 2010, p. 342). Para tanto, a participação política e a distribuição social se mostram essenciais enquanto componentes de uma ação política responsável, que possibilita aos cidadãos se tornarem autô-nomos politicamente e pessoalmente, sem serem marcados pela vergonha de terem construído uma vida sem igualdade de direitos. É exatamente o conceito de vergonha que permite que os cidadãos entendam o seu compromisso políti-co. Por um lado, ele aponta para a importância de uma sociedade eticamente não discriminatória e socialmente inclusiva, por outro ele indica a necessidade de se por um fim à cultura da pobreza, o que certamente demanda um esforço constante e determinado. Somente assim o reconhecimento político poderá ser efetivo e realizar a inclusão política e a solidariedade social. 
O reconhecimento jurídico passa pelo reconhecimento das pessoas éticas e do indivíduo em particular, enquanto pessoas do direito. Trata-se do reconhecimen-to de todas as dimensões normativas, bem como de toda a normatividade pro-duzida por essas diferentes esferas. Somente por meio do reconhecimento do direito é que uma pessoa pode realmente ter seu autorrespeito desenvolvido, en-quanto um indivíduo com a possibilidade de concretizar os direitos que lhe são próprios. O reconhecimento jurídico se refere ao respeito da autonomia da pes-soa de guiar a sua vida em consonância com as diretrizes jurídicas. 
Para que o direito seja capaz de reconhecer juridicamente todas as pessoas do direito, ele deve manter-se receptivo às demandas específicas dos integrantes da comunidade jurídica, que, apesar de serem considerados igualitariamente como 
FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA32 33
cidadãos e pessoas do direito, guardam suas particularidades éticas. O reconhe-cimento jurídico se mostra fundamental por“garantir que a pessoa seja reconhe-cida não apenas pelo imponderável da amizade, da simpatia e do amor” (ARNS, 2010, p. 22), mas por uma comunidade jurídica e política que é construída e guia-da por seus membros. A luta pelo reconhecimento do direito não deve nunca ser encarada como um objetivo corporativista, ligado tão somente a interesses parti-culares de determinadas pessoas ou grupos. É necessário que, na demanda por reconhecimento, a singularidade de cada um seja respeitada, sem que essa rei-vindicação fique presa a interesses mesquinhos e tão somente individualistas. 
Ou seja, a teoria dos contextos da justiça sustenta a existência de esferas nor-mativas diferentes na vida de uma pessoa. Não é apenas o direito que cria nor-mas e obrigações para um indivíduo. Uma norma moral é tão obrigatória e uni-versal quanto uma norma jurídica. As comunidades éticas também produzem seus valores e normas de maneira própria e diferente das outras dimensões nor-mativas, sendo que as questões práticas do cotidiano são enfrentadas no inte-rior desses diferentes contextos de justiça. Aliás, os diferentes valores e normas práticas são fundamentados nos próprios contextos, uma vez que correspondem às pretensões de validade oriundas de cada uma dessas dimensões normativas. Essas pretensões de validade de valores e normas de cada contexto se vinculam de forma complexa às aspirações de reconhecimento das pessoas e grupos so-ciais, tornando-se necessária a identificação de quais dessas reivindicações por reconhecimento devem e podem ser justificadas reciprocamente. 
Diante dessa multiplicidade de respostas para uma mesma pergunta, abre-se um espaço para que a própria pessoa se situe no mundo normativo que lhe atri-bui dimensões variadas de responsabilidades e critérios formais das boas razões que devem ser consideradas para as escolhas. Não há como definir previamente como as pessoas devem fazer suas definições, é tarefa de cada um estabelecer o vínculo autônomo da responsabilidade ética, jurídica, política e moral em rela-ção a si mesmo e aos outros (FORST, 2010, p. 325). Em razão dessa árdua tarefa, Forst considera que a sua teoria dos contextos da justiça pressupõe um conceito exigente de pessoa responsável, que corresponderá a um conceito também exi-gente de sociedade responsável. 
Por mais que os diferentes contextos se relacionem e se entrelacem, fazendo com que suas normas e valores se apresentem com uma aparência de unidade nas questões práticas do cotidiano, é importante saber definir, em determinados momentos de conflitos entre as esferas normativas, qual é a resposta adequa-da. Trata-se de um “(...) momento irredutível da autonomia das pessoas” (FORST, 2010, p. 323), em que, por mais que demande uma faculdade subjetiva, o pró-prio juízo é uma forma de justificação intersubjetiva, que desempenha um papel central no equilíbrio entre a identidade e a diferença, entre a reciprocidade e a universalidade.
Acredita-se que essa teoria seja capaz de vincular, de uma maneira viável, o reconhecimento das identidades específicas de cada comunidade ética com os modos coletivos de vida. Deste modo, percebe-se que a mediação, abordada a partir da perspectiva teórica dos contextos de justiça, demanda dos indivíduos uma postura radicalmente autônoma ao conferir uma forte responsabilidade às pessoas. 
Neste contexto, certamente a mediação pode ser um instrumento que articule, de forma harmônica, a ética e a moral e, por outro, o direito e a política, ou seja, a justiça e o bem. 
A prática cotidiana da mediação deve assegurar o pertencimento de todos nós nessas diferentes esferas normativas. Bem como organizar e reconhecer o plura-lismo ético existente em uma sociedade, do qual derivam inúmeras diferenças e desigualdades. A mediação se mostra uma importante ferramenta para o reco-nhecimento, indispensável para a realização plena e satisfatória das pessoas e grupos sociais inteiros na sociedade. A justiça, entendida de forma multidimen-sional e plurinormativa, só se torna concreta e realizável na vida social e subjeti-va a partir da perspectiva do reconhecimento e da emancipação. 
Acredita-se que a prática mediadora, fundamentada no reconhecimento, res-peito e valorização das diferentes dimensões normativas da vida humana, quais sejam, ética, moral, política e jurídica, pode ter a capacidade de promover a in-clusão social e autorrealização dos sujeitos e grupos sociais, compreendidos de maneira multidimensional e emancipada. 
Pode ainda a mediação atuar para o desenvolvimento do sentimento de perten-cimento ampliado a uma comunidade moral e de envolvimento e solidariedade às comunidades éticas e políticas; reconhecer as diferenças específicas dos grupos sociais minoritários e criar condições para a construção e a fruição de estima social e ética; desenvolver o sentimento de responsabilidade política e ju-rídica e criar condições para a participação genuína, efetiva, crítica e generaliza-da; por fim, realizar os princípios da democracia radical, da liberdade fática e da igualdade jurídica, por meio de medidas de participação genuína, representação efetiva e equalização social.
Uma prática que consiga articular as identidades e as diferenças que estão na base da nossa sociedade civil e, por conseguinte, superar as desvantagens, as opressões e os desamparos – bem como os privilégios – decorrentes das desi-gualdades sociais. Ou seja, uma prática que compreenda e respeite o compro-misso e a importância dos Direitos Humanos para a inclusão e a participação de todos os membros da nossa sociedade em uma cidadania plena e com múltiplas identidades. E que possibilite a proteção e o reconhecimento das mais diversas identidades concretas. 
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Uma prática mediadora embasada em preceitos teóricos que estabeleçam es-treita relação entre as pretensões de validade de valores e normas e as aspira-ções de reconhecimento das pessoas. Em última instância, uma mediação que seja sensível e atenta às diversas dimensões normativas presentes na vida hu-mana: da ética à moral, da política ao direito. 
Nessa perspectiva de mediação, há o reconhecimento da incapacidade e do não desejo do direito para regular de modo absoluto a vida humana. O direito é uma esfera fundamental para a produção normativa de uma sociedade, mas de ma-neira alguma é, como amplamente difundido, a única. Isto é, deve-se pensar em uma mediação que considere todos os integrantes de uma sociedade como in-divíduos multidimensionais. Sendo que, como afirma Milton Santos, certamen-te um dos maiores pensadores brasileiros, cada uma das dimensões se articula com as demais na procura de um sentido para a vida. Isso é o que constitui um indivíduo em busca do futuro, a partir de uma concepção de mundo diferenciada (SANTOS, 1987, p. 41-42).
Uma abordagem teórica e prática sobre a mediação que reconheça a diversida-de cultural e normativa de uma sociedade contemporânea como a maior ferra-menta para se criar unidade entre as pessoas e as mais diversas comunidades éticas, sem que, para tanto, seja preciso o recurso a verdades autoevidentes, transcendentais ou absolutistas. Diferentemente de outros momentos da histó-ria da humanidade, deve-se ter como pacífico que as sociedades plurais não são vistas como problemas, mas sim como solução. Enfim, uma mediação que pos-sibilite ao direito, à política, à ética e à moral a construção e a fruição de funda-ções duradouras e efetivamente democráticas e socialmente justas.
A vida cotidiana está no centro da realização histórica. É a sua essência. A vi-da de toda mulher e de todo homem. No próprio cotidiano, as pessoas podem ser completas, podem se tornar mulher-inteira e homem-inteiro. A filósofa Agnes Heller, uma das mais significativas representantes da Escola de Budapeste, em sua obra O cotidiano e a história, faz uma complexa reflexão sobre o que ela cha-ma de “(...) sistema dinâmico das categorias da atividade e do pensamento coti-diano” (HELLER, 1970, p. 10).
Para a autora, é no coletivo,em sua esfera social, que a pessoa aprende os ele-mentos da cotidianidade. Isto é, as habilidades necessárias para se viver o co-tidiano de uma determinada camada social. Porém, são nas esferas sociais es-pecíficas que surgem os preconceitos que vão, de alguma maneira, orientar a compreensão e a atuação das pessoas.
Cada vez é mais nítida a necessidade da mulher e do homem emprestar sentido à nossa história, diante da sempre constante alternativa de extinção da huma-nidade, sua história e seus valores, pelas bombas atômicas e de nitrogênio, e, principalmente, pela crescente e excessiva intolerância e agressividade cotidia-nas. No entanto, as escolhas históricas são sempre reais, o que torna possível 
que o desenvolvimento social tome outra forma do que a atual, mediante a “(...) possibilidade de um subsequente desenvolvimento dos valores” (HELLER, 1970, p. 29). Épocas dinâmicas como as da atualidade são favoráveis à problematiza-ção e, consequentemente, à revisão dos estereótipos de pensamento e compor-tamento, tornando a prática da mediação ainda mais justificada.
Por saber que os pensamentos e comportamentos do cotidiano, mesmo que va-garosamente, são permanentemente passíveis de mudanças e que a substân-cia social da história está em constante desenvolvimento, a prática cotidiana da mediação pode ser essencial também para a superação de preconceitos que, prioritariamente advindos das camadas sociais dominantes, estão na base de boa parte das noções e práticas cotidianas de justiça na nossa sociedade. 
Acredita-se que a prática cotidiana da mediação possa ensejar a fruição de uma “vida boa”, pautada pela honestidade, pelo desenvolvimento dos nossos melho-res dons e talentos e pela força de nossas ligações sociais, que viabilizem o re-conhecimento, o respeito e a valorização das diferentes dimensões normativas da vida humana cotidiana, quais sejam, ética, moral, política e jurídica.
Essa é a justiça que a mediação pode acessar. A justiça do cotidiano. 
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Referências Bibliográficas
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4. Mediação Comunitária Brasileira: Um 
Mecanismo de Prevenção à Violencia e 
Fortalecimento da Cidadania
“A democracia serve a todos ou não serve a nada.” Betinho
A origem da Mediação Comunitária, no contexto brasileiro recente, está forte-mente vinculada à ideia de prevenção da violência e ao exercício da democracia. Sugerida como resposta à insuficiência do Estado em lidar com os conflitos em áreas populares, a Mediação despontava como uma ferramenta possível para in-tervir em ambientes de alta informalidade, práticas ilegais e sistema social com-plexo e ativo. No pano de fundo, o estímulo a processos participativos e a am-pliação do acesso a direitos individuais e coletivos, afirmados pela Constituição Federal de 1988. 
Ainda insipiente nos anos 90, a prática da Mediação de caráter público se de-senvolve em ambientes populares adotando nomes diferentes33, porém, seguin-do matriz embrionária semelhante, cujo propósito à época buscava estabelecer um sincretismo normativo, nem sempre simples, entre práticas historicamente desconexas, alternadas pelo discurso formal do Direito e as regras e dinâmicas locais praticadas no interior de regiões populares. 
Estruturadas em projetos isolados, aos poucos estas iniciativas adquiriram maior envergadura nacional e despontaram no rol das políticas públicas no decorrer da segunda metade dos anos 90. Progressivamente, assumem, de maneira mais orgânica, o tema da participação local e da educação para direitos, agregando à proposta de um serviço, com atividades de formação. 
Neste contexto, através da Secretaria de Direitos Humanos34(SDH), estas inicia-tivas foram reunidas em redes de colaboração, terminando por inserir estrategi-camente a mediação popular na agenda institucional dos Direitos Humanos.
33. Alguns projetos pioneiros foram: Juspopuli (salvador/BA), Justiça Comunitária (DF), Tribunos da 
Cidadania (Pelotas/RS), Balcão de Direitos (Rio/RJ), entre outros poucos.
34. Vale lembrar, de maneira afetiva, da Rachel Cunha, técnica da Secretaria de Direitos Humanos e 
estimuladora dedicada e competente que tratou de retumbar o tema da mediação comunitária den-
tro da SDH.
por Pedro Strozenberg
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Alguns registros deste período foram disponibilizados35, em um tempo em que se priorizava a parceria com as organizações da sociedade civil para execução das ações, merecendo destaque à época a Rede Nacional dos Balcões de Direitos36, conforme ficou conhecido o Programa Nacional promovido pelo Governo Federal, em vigor de 1999 a 2009. Como consequência desta trajetória, se desdobraram o que são hoje os Centros de Referência em Direitos Humanos.
A partir dos anos 2000, a agenda da Mediação foi progressivamente adotada pela Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ)37, tendo o Projeto Justiça Comu-nitária como referência programática. 
Reconhecida como uma das ações estratégicas do Programa Nacional de Segu-rança Pública com Cidadania (PRONASCI), a prática da Mediação Comunitária resgata a origem de uma vertente mais identificada com o universo da Justiça, e explicita sua característica vinculada aos temas da prevenção da violência. Nos anos subsequentes, a Mediação, através do Programa Justiça Comunitária, atin-ge o seu auge de expansão, provisão orçamentária e visibilidade da ação gover-namental nacional. Este modelo, distinto do anterior, que priorizava a sociedade civil, estabelece como principais executores as unidades federativas estaduais e municipais, ou, secundariamente, órgãos do sistema de Justiça. 
Ao longo destas quase duas décadas, os princípios e as identidades da media-ção comunitária têm sido estabelecidos pela literatura, mas, sobretudo, pela prática. Definições conceituais tendem a gerar posicionamentos controversos de sua percepção, efetividade e viabilidade, mas sua implementação e, especial-mente, o desejo de sua concretização estimulam gestores de políticas públicas de distintas áreas a recorrerem à Mediação aos mais variados temas, em parti-cular a projetos na área de Segurança, Educação e Direitos Humanos. 
Assim, mesmo reconhecendo que as iniciativas seguem, como desejado, cami-nhos adequados a cada realidade, as ideias de prevenção da violência e a amplia-ção da participação se tornam identidades destacadas de uma mediação plural e com marcante base territorial38. Para este texto, se pretende referir, não exausti-vamente, a duas variáveis que estabelecem condições potencializadoras ou limi-tadoras para sua implementação: estrutura institucional e contexto social. 
35. PNUD.Avaliação do Projeto “Cidadania e Direitos Humanos”. Rio de Janeiro, 2001.
36. VIVA RIO. Balcão de direitos. Rio de Janeiro, outubro a dezembro de 2002.
37. SINHORETTO, Jacqueline. Sistemas alternativos de solução e administração de conflitos: mapeamen-
to nacional de programas públicos e não governamentais. Brasília, PNUD: Ministério da Justiça, 2005.
38. Mesmo reconhecendo outras formas de identidades coletivas, na Mediação Comunitária Brasi-
leira, o território assume massivamente o elo determinante para abrangência da mediação, reconhe-
cendo nele o fervor na produção e dissolução de conflitos da vida cotidiana. 
Estrutura institucional
Conforme mencionado anteriormente, o Governo Federal exerce papel funda-mental de fomentar e direcionar as práticas de caráter nacional, estimulando a montagem de redes e metodologias com certa unidade conceitual e estratégi-ca. Porém, não detém a responsabilidade e acompanhamento sobre as múltiplas iniciativas de âmbito local, municipal ou estadual. Um conjunto de práticas lo-cais é hoje um importante motor da implementação da Mediação Comunitária no Brasil e, tradicionalmente, se divide em três principais segmentos que acolhe-ram, e ainda acolhem, a prática da Mediação Comunitária, conforme demonstra-ção a seguir:
•	 Poder Executivo (governos municipais e governos estaduais)
•	 Órgãos do sistema de Justiça (Tribunais de Justiça, defensorias pu-blicas e MP estaduais) 
•	 Universidades e organizações da sociedade civil
As iniciativas coordenadas pelos “poderes executivos” possivelmente são aque-las que mais se ampliam atualmente no país, o que inclui a formação de equipes, estabelecimento de redes de solidariedade e implementação de práticas diretas de mediação. Merece destaque o Programa de Mediação Comunitária39 conduzi-do pela Secretaria de Defesa Social do Governo do Estado de Minas Gerais, que, com forte inspiração no Projeto Polos da Universidade de Minas Gerais, estrutu-rou uma ação reconhecida por sua adaptabilidade, longevidade, capilaridade e escala. Vale mencionar, entre outras, as iniciativas no Espírito Santo encabeça-das pela Prefeitura de Vitória e a do Governo Estadual de Pernambuco, da Se-cretaria Estadual dos Direitos Humanos, que incorporam a Mediação como polí-tica pública própria. 
As iniciativas implantadas no âmbito dos “órgãos do sistema de Justiça” seguem parâmetros diversificados e costumeiramente são justificadas pela redução do número de ações que chegam ao Judiciário. Guardam o desafio de superar a linguagem confrontativa presente nos tribunais por uma cultura participativa, do entendimento e da escuta, mas direcionada a solucionar os conflitos existen-tes. Vale ressaltar a relevância da iniciativa conduzida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, através da densidade reflexiva, sistemática de funcio-namento e formação dos agentes locais, tem sido uma referência destacada da mediação comunitária com o 40. Outra iniciativa valiosa é realizada pelo Ministé-rio Público do Ceará, que tem difundido a positiva experiência do Nordeste brasi-leiro a outras cidades do país. 
39. Conf.: https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=285&Ite-
mid=119
40. Conf.: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/glossarios-e-cartilhas/Cartilha_JusCom.pdf
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No campo da “Sociedade Civil e academia”, que nos primórdios da Mediação Comunitária fomentou o tema, os esforços têm sido direcionados nos campos da publicação, formação e assessoria, mais do que propriamente na intervenção direta da Mediação Comunitária. A ausência de uma linha de apoio financeiro por parte dos poderes públicos e a dificuldade em mensurar de maneira realista a prática da mediação são alguns dos elementos que contribuem para distanciar as organizações civis da implementação41. Não obstante algumas organizações valorosas seguirem com esta prática, e neste campo, vale destacar as ações conduzidas pelo Juspopuli42, da Bahia, que desenvolve uma atuação consistente em favelas e bairros pobres de Salvador, servindo de inspiração para outras ini-ciativas em distintas cidades brasileiras. É ainda crescente a produção acadêmi-ca de pesquisadores neste tema, podendo-se mencionar as Universidades Fede-rais do Ceará e a Fluminense, entre tantos outros, por suas relevantes reflexões.Em todos estes casos, trata-se de uma Mediação Pública, que, mesmo execu-tada por uma iniciativa privada, reafirma seu caráter publico. A instituição exe-cutora desta ação produz limites e possibilidades, seu perfil influencia questões como sustentabilidade econômica e política, escala e extensão do atendimento ou, ainda, os temas passíveis de acolhimento. 
Neste último ponto, sugere-se uma atenta reflexão a respeito dos limites da Me-diação Comunitária. Quais os assuntos possíveis e admitidos? Que protocolos há quando surgem temas como violência contra crianças ou idosos? Quem são os mediadores? Devem ser contratados, servidores públicos, membros das pró-prias comunidades beneficiadas? O que determina os pontos a serem restrin-gidos na Mediação? Uma boa definição deste limite pode evitar desconfortos eventuais, pois, se por um lado, a Mediação é, em tese, determinada pela von-tade das partes, portanto, ilimitada, o mesmo não se pode dizer dos mediado-res/mediadoras ou da instituição promotora, que, por sua natureza ou recursos disponíveis, apresentam limitações objetivas e particulares a cada situação. O respeito a essas características também faz parte da natureza orgânica e per-meável da Mediação Comunitária e da vital importância da identificação e apro-priação de cada contexto em sua execução.
Assim, considerando a possibilidade de os limites da Mediação serem determi-nados pelas instituições e pelos próprios mediadores, a ação articulada envol-vendo os distintos segmentos (executivo, judiciário, universitário e sociedade ci-vil) poderia ampliar significativamente a sua aplicação. Lamentavelmente, esta combinação tem se mostrado cada vez mais rara. 
41. É notório o desafio em mensurar a efetividade da Mediação de Conflitos, e, apesar de se verificar 
avanços significativos em processos de monitoramento e avaliação de políticas sociais, segue ainda 
incompreendido pela burocracia governamental, que padroniza as ações, estabelecendo metas re-
ducionistas do potencial e complexidade da Mediação. Este descompasso de perspectiva invariavel-
mente produz distorções administrativas entre executantes e financiadores.
42. Conf.: http://www.juspopuli.org.br/
Contexto
Apesar de sua estrutura distinta, diversas iniciativas de Mediação Comunitária seguem certas referências comuns, entre elas: a afirmação de que os territórios onde surgem e se desenvolvem os conflitos, quando bem gestionados, são tam-bém os ambientes eficazes para se encontrar soluções ajustadas aos conflitos e às pessoas; a importância de realizar um processo pedagógico; a percepção da importância de modelos ajustados à cultura local, que alcance legitimidade e adesão nas comunidades onde estão inseridas; o fortalecimento de redes de solidariedade, o reconhecimento de saberes populares e não acadêmicos no tra-tamento dos conflitos, buscando equilibrar a institucionalidade da garantia legal e a leveza do acordo informal com bases comunitárias. Estas não são caracte-rísticas suficientes para delimitar a Mediação Comunitária, mas são alguns ele-mentos relevantes e a compreensão deles é de vital importância. 
A Mediação Comunitária, por seu caráter poroso, permite que práticas locais convivam de maneira harmônica com parâmetros gerais, sem que estas se anu-lem, mas, ao contrário, que potencializem seu caráter plural e particular. 
Não se deve correr o risco de imaginar que o espaço da mediação atende à ple-nitude das demandas das pessoas, por isso a presença e disponibilidade do acesso aos serviços estatais e públicos são elementos essenciais para a plena prevenção da violência e fortalecimento da cidadania, e também para a susten-tabilidade

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