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PRÁXIS E PRÁTICA EDUCATIVA EM PAULO FREIRE: REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO E A DOCÊNCIA Prof. Paulo Martins Pio, (SME-Fortaleza) paulupio@gmail.com.br Profª. Dra. Sandra Maria Gadelha de Carvalho, (MAIE-UECE) sandragade@yahoo.com.br Prof. Dr. José Ernandi Mendes, (MAIE-UECE) ernandi.mendes@uece.br RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar a práxis e a prática educativa em Paulo Freire, sendo produto de pesquisa realizada com estudantes do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE), da Universidade Estadual do Ceará (UECE). A questão central do trabalho volta-se para a indagação de como o conceito de práxis pode ser articulado à prática pedagógica a partir dos significados atribuídos por Paulo Freire. Na metodologia, a questão foi trabalhada pelos mestrandos da turma Trabalho, Práxis e Educação em dois momentos: inicialmente, as leituras e debates coletivos apontaram para compreensões diversificadas; posteriormente, sintetizamos os principais indicativos para a prática docente. Neste artigo, resgatamos o conceito de práxis a partir dos escritos de Kosik (1976), Vázquez (1977), Marx (1984), Sousa Júnior (2010), e Netto & Braz (2010). Em seguida dialogamos com Freire a respeito de suas formulações acerca da práxis educativa a partir de seus ensaios teórico-metodológicos contidos em “Educação como prática da liberdade” e “Pedagogia do Oprimido”. Inferimos que a teoria pedagógica de Paulo Freire, fundada no diálogo, na reflexão e na ação transformadora da realidade, objetiva a construção coletiva da consciência crítica da humanidade a partir de uma práxis libertadora, revolucionária. Portanto, a pedagogia freiriana se concretiza na relação teoria-prática, inovando, ao alocar o conceito de práxis, de tradição marxista, voltado para a análise do modo de produção capitalista, relacionando-o à educação e orientando-o à emancipação humana. Os resultados da pesquisa mostram que o conceito de práxis em Freire é bastante fecundo à prática pedagógica, sendo também necessário maior aprofundamento na formação docente, processo o qual segundo o percurso dos mestrandos indica, ainda é pouco trabalhado. PALAVRAS-CHAVES: Práxis. Práxis educativa. Emancipação humana. Introdução A concepção tradicional de educação é comum à associação a realidade exclusivamente escolar. No mesmo sentido, a pedagogia e a prática pedagógica aparecem no discurso educacional apartadas das práticas educativas dos sujeitos sociais em geral, e, em particular, dos que lutam por transformação social. Contudo, sabemos que a educação dos sujeitos se dá tanto em processos não formais quanto formais, sendo que os primeiros se aproximam da formação no sentido amplo do termo e os segundos têm a instituição escolar como principal referência. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05770 O resgate do conceito de práxis, de tradição marxista, associado ao conceito de prática pedagógica em Paulo Freire, e, por conseguinte, à educação na acepção de sentido mais amplo e à ação transformadora é oportuno e atual. Esse movimento de realização destas relações conceituais e reflexões sobre as implicações na prática educativa de sujeitos sociais, educadores-estudantes do MAIE se constitui em importante oportunidade de evidenciar as contribuições teóricas de Paulo Freire para pensar à educação dos seres humanos com vistas à emancipação social. Para melhor entendimento do leitor, dividimos o texto em três partes: Práxis: atividade material do homem social, na qual refletimos sobre a complexidade da categoria práxis; Sobre a prática pedagógica em Paulo Freire, em que evidencio a pedagogia do oprimido na prática por transformação social; Implicações das ideias freirianas na formação e prática docente, onde dialogamos com a realidade objetiva e subjetiva da docência. Práxis: atividade material do homem social Neste trabalho, elegemos, a princípio, o termo práxis para designar a atividade que produz historicamente a unidade entre o homem e o mundo, entre a matéria e o espírito, entre a teoria e a prática, entre o sujeito e o objeto. Trata-se de atividade humana e social que se manifesta e se realiza na e a partir da realidade. Segundo Vázquez (1977) é a “atividade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano” (op. cit., p. 3). A práxis ontológica é o elemento essencial na constituição do ser humano. É o elemento que o fez ser o que é hoje, ao longo de milhares de anos. Marx mostra que através da prática sobre a natureza o ser humano se transforma e se forma a partir de práticas sociais diversas. A práxis, sendo histórica e social, apresenta-se em formas específicas, a saber: o trabalho, a arte, a política, a educação e etc., além de suas manifestações individuais e coletivas concretizadas nas relações sociais e em produtos diversos. Historicamente, os sujeitos sociais elevam sua consciência sobre seu mundo imediato, transitando de uma consciência ingênua (Freire, 1987), a possibilidade da crítica e da transcendência. No estudo da sociedade capitalista Marx cria um sistema de entendimento da vida e prática humanas e das relações dos seres humanos entre si e com a natureza, ao qual denomina de materialismo histórico e dialético; Gramsci em seus escritos na prisão do fascismo italiano, entre 1926 e 1937, tentava driblar a censura designando-o de Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05771 filosofia da práxis (Mochcovitch, 1992). O materialismo histórico e dialético, ou filosofia da práxis, surge como resposta e oposição às perspectivas idealistas e materialistas da primeira metade do século XIX: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX, 2013). A partir da identificação das contradições de classes essa nova “visão de mundo” procura se constituir em instrumento de compreensão coletiva da realidade e da luta pela transformação social. Na perspectiva marxiana, a práxis é concebida como “a categoria central da filosofia que se concebe ela mesma não só como interpretação do mundo, mas também como guia de sua transformação” (VÁZQUEZ, 1977, p. 5). A práxis concebida por Marx, Engels, Gramsci e Vázquez não é entendida como mera atividade prática elaborada pela consciência humana, mas sim como atividade material do homem social. Todas as outras categorias chaves para o entendimento das atividades humanas (inclusive a atividade de compreensão e intervenção da realidade sócio-histórica) estão contidas e podem ser desenvolvidas a partir da categoria da práxis. É na práxis e pela práxis que o homem enquanto ser social transforma seu meio e se autotransforma, se recria, ou seja, na luta pela sobrevivência o homem transforma suas condições sociais da vida que é, ao mesmo tempo, autocriação e criação coletiva de si mesmo. Dessa forma a “práxis é, por excelência, o elemento fundante, elator e sustentador de toda a humanidade” (SOARES, 2012, op. cit., p. 18). Sobre o princípio educativo da práxis em relação ao trabalho é mister observar que O trabalho, ainda que alienado, não perde o princípio educativo, o qual se revela, acima de tudo, pelo seu caráter contraditório. Porém, o trabalho, nessas condições históricas não pode ser o momento exclusivo da formação dos trabalhadores, poder-se-ia dizer mesmo que sequer seria central nesse processo (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 67). O trabalho é elemento que possibilita ao ser humano o salto ontológico que o desprende da natureza. A partir daí a práxis, emformas diversas, entra em cena formando (educando) o ser humano em meio às relações conflituosas. Quando Marx afirma que a formação (educação) dos cinco sentidos é obra de toda a história humana anterior, está justamente ressaltando o caráter processual do desenvolvimento do homem, dos órgãos e da subjetividade humana, num processo de transformação, cuja energia básica é a práxis humana, social e histórica (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 22). Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05772 Conforme Sousa Junior (2010) a práxis é o princípio pedagógico fundamental que orienta a perspectiva marxiana de mundo, tanto como práxis revolucionária na sociedade capitalista, sob a égide da burguesia, quanto na práxis da liberdade numa sociedade sem classes, já emancipada. A educação humana se dá nas atividades de trabalho e de não trabalho e atravessa todos os estágios vivenciados pela humanidade. Vásquez (1977) alerta que a “atividade própria do homem não pode reduzir-se a sua mera expressão exterior, e que ela faz parte essencialmente da atividade da consciência” (op. cit., p. 191). Essa atividade se desenvolve de acordo com finalidades que conscientemente idealizam o produto final e manifestam-se também em forma de conceitos, hipóteses, teorias ou leis mediante os quais o homem conhece a realidade. A “atividade prática que se manifesta no trabalho humano, na criação artística ou na práxis revolucionária, é uma atividade adequada a objetivos, cujo cumprimento exige – como já dissemos – certa atividade cognoscitiva” (VÁZQUEZ, 1977, loc. cit.). Vázquez defende uma atividade da consciência que seja inseparável de qualquer atividade humana, portanto, que se apresente como teoria que se materializa, que seja elaborada com finalidades e produza conhecimentos em íntima unidade com a atividade prática, que transforme o ideal e penetre no próprio fato real, ou seja, que pressuponha uma ação efetiva sobre o mundo, com a perspectiva de sua transformação. Nas Onze Teses sobre Fueurbach, Marx formulou o enlace entre atividade da consciência e atividade sobre o real, ou seja, entre teoria e prática, e promoveu a afirmação da práxis. Constata-se uma elevação do ideal ao real em pensamento estreitamente vinculado à prática, não entendida esta como ação subjetiva, individual e sim como atividade material, objetiva, social, histórica e transformadora, portanto, constata-se um enriquecimento da teoria pela práxis, uma ação orientada pela teoria. Nesse sentido, Marx evidencia à prática seu caráter de fundamento da teoria na medida em que esta se encontra vinculada às necessidades práticas do homem social. Cabe destacar dois pontos, a saber: a condição da prática enquanto fundamento da teoria não se verifica de modo direto e imediato. A prática não fala por si mesma e exige uma relação teórica com ela mesma, possibilitando, dessa forma, a uma verdadeira compreensão da práxis; segundo, por manterem, teoria e prática, relações de unidade e dependência, e não de identidade, aquela pode gozar de uma autonomia relativa. Essa autonomia é condição indispensável para que ela sirva à prática, pois ela se antecipa idealmente da prática e propicia uma prática ainda não objetivada, existente. (VÁZQUEZ, 1977). É justamente essa capacidade de formular mentalmente uma ação Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05773 futura que permite a teoria ser um instrumento da práxis humana, da transformação prática do mundo. Konder (1992) apresenta práxis, como sendo [...] a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática (KONDER, 1992, p. 115). Teoria e prática são elementos interligados, interdependentes. Ambas são necessárias e se complementam através da práxis. O sentido de uma está na relação com a outra. A prática sem a teoria, desprovida da reflexão filosófica, se constitui em atividade cega e repetitiva. A teoria sem o substrato da prática transformadora se constitui num vazio lógico abstrato. Não se concebe uma práxis teórica e tão pouco se admite colocar um sinal de igualdade entre práxis e pragmatismo. Para Netto e Braz (2010) a práxis envolve todas as objetivações humanas (trabalho, arte, política, educação e etc.) distribuídas em dois grupos: as práxis voltadas para o controle e a exploração da natureza (o trabalho, por exemplo); e as práxis voltadas para influir no comportamento e na ação dos homens (a práxis educativa e práxis política são os exemplos). “Os produtos e obras resultantes da práxis podem objetivar-se materialmente e/ou idealmente” (op. cit., p. 44, itálico do original). Na sua amplitude, a categoria da práxis revela o homem como “ser criativo e autoprodutivo: ser da práxis, o homem é produto e criação da sua auto-atividade, ele é o que (se) fez e (se) faz” (NETTO & BRAZ, 2010, p. 44). O ser social que se projeta e se realiza nas objetivações materiais e ideias da ciência, da filosofia, da arte, da política, da educação e constrói um mundo social e humano. Daí que o conceito de práxis necessariamente implica no conceito de sujeito (Noronha, 2005). Supõe-se um sujeito consciente de si mesmo, da matéria, do meio de sua atividade e do fim que se deseja alcançar. Um sujeito, por definição, sociável. A realidade concreta, material e social se desvenda como formadora e ao mesmo tempo como forma específica do ser humano e a práxis torna-se a esfera do ser humano (KOSÍK, 1976). Nesse sentido, a práxis é “a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade [...] e que, portanto, compreende a realidade em sua totalidade” (Id., Ibid., p. 202) e se “articula com todo o homem e o determina na sua totalidade” (op. cit., loc. cit.). Assim a práxis é atividade que historicamente cria a Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05774 realidade e o homem, implica dizer que se trata de uma atividade em um contínuo processo de renovação. A práxis enquanto criação da realidade humana se constitui como pressuposto da abertura do homem para a realidade em geral e compreensão da mesma. O ser humano sobre o fundamento da práxis e na práxis como processo ontocriativo, “cria também a capacidade de penetrar historicamente por trás de si e em torno de si, e, por conseguinte, de estar aberto para o ser em geral” (KOSÍK, 1976, p. 206), da mesma forma, “ultrapassa da animalidade e da natureza inorgânica e estabelece a sua relação com o mundo como totalidade” (op. cit., loc. cit.). A promoção do enlace entre essência e aparência e a compreensão do mundo nos fenômenos particulares e na totalidade, é somente viável para o homem quando baseada na abertura despontada pela práxis. Nesse sentido, o termo práxis designa a atividade que produz historicamente a unidade entre o homem e o mundo, entre a matéria e o espírito, entre a teoria e a prática, entre o sujeito e o objeto, entre a essência e aparência. Trata-se de atividade humana e social que se manifesta e se realiza na e pela realidade. E enquanto forma específica do ser humano, a práxis torna-se uma atividade transformadora, criadora, autocriadora, uma atividade que produz, forma e transforma o homem social, seu meio, sua consciência e suas ações no mundo real. Não ações isoladasde pessoas ou grupos, mas intervenções entre indivíduos singulares e o gênero humano, pois a práxis articulada em sua dialética fornece os meios necessários para se estabelecer e compreender as relações entre o indivíduo e a totalidade. Assim, a categoria filosófica em questão torna-se a porta de entrada e de saída do processo humano-criativo enraizada, cristalizada, alicerçada nas relações de interação e interdependência entre os indivíduos. A categoria práxis materializa-se no pensamento pedagógico emancipatório. E o educador brasileiro, o pernambucano Paulo Freire através de suas descobertas do mundo será um dos teóricos da educação que entenderá o lugar da práxis na construção de uma pedagogia dos oprimidos e de uma pedagogia libertadora. Sobre a prática pedagógica em Paulo Freire Os princípios da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, inicialmente voltada para alfabetização de adultos e posteriormente ampliada para a educação popular em geral têm como principais categorias: humanização, dialogicidade, problematização, conscientização e emancipação. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05775 Para Freire, o ponto de partida de toda prática educativa é a situação concreta, a realidade, o meio existencial. A experiência vivida torna-se a referência do momento reflexivo da práxis, na transformação das relações econômicas, políticas e sociais. Já em sua primeira obra Educação como prática da liberdade Paulo Freire faz defesa de uma permanente postura crítica do homem nas relações com a realidade. Educação como prática da liberdade é produto do contexto histórico, sendo uma obra impregnada das condições históricas que lhes deram origem. A ameaça iminente de um golpe militar nos primeiros anos da década de 1960 faz o governo – de cunho populista – encaminhar urgência da alfabetização e da “conscientização” das massas populares do Brasil. Nestas circunstâncias e ainda sem o aporte dos estudos de Marx, Freire apresenta sua visão de homem enquanto “ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, o que o faz ser o ente de relações que é” (FREIRE, 2009, p. 47). Educação no sentido mais amplo é a própria formação dos seres humanos ao longo da história e em práticas sociais diversas. Ela é a própria formação do ser social. Na sociedade de classes, as práticas formadoras e deformadoras, humanizadoras e desumanizadoras, se dão na materialidade das contradições que ao longo da história disputam projetos educativos (formativos) opostos, expostos nos conflitos entre exploradores e explorados, opressores e oprimidos. “No contexto de luta de classes, a educação é, portanto, inerente aos processos formativos das classes, que constroem seus distintos projetos históricos nas lutas sociais” (CARVALHO e MENDES, 2014). Freire (1987) designa os dois principais projetos educativos em luta como pedagogia do opressor e pedagogia do oprimido. O opressor, membro ou representante dos interesses dominantes tem consciência que para manutenção da estrutura desigual capitalista, a qual se beneficia, se dá a partir do funcionamento dos mecanismos de reprodução da sociedade, dentre eles o estado e suas instituições, nas dimensões política, cultural, educacional, religiosa, ideológica etc. A pedagogia do opressor tem êxito quando consegue fazer com que os oprimidos pensem e ajam em conformidade com os interesses dominantes, quando permitem que o opressor se “hospede” na sua consciência. Na Pedagogia do Oprimido, o autor direciona a sua opção político-pedagógica aos esfarrapados do mundo, e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam. Reconhece como compromisso político a Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05776 busca pela emersão das consciências das classes populares e sua inserção crítica na realidade. Freire centra sua atenção sobre aqueles que ele chamava de oprimidos do capitalismo periférico, isto é, sobre aqueles a quem a palavra havia sido negada. Frente à opressão, a pedagogia dos oprimidos se instala e se expressa em dois momentos distintos: “O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis com a sua trnsformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia dos homens em processo de permanente libertação” (FREIRE, 1987, p. 41). A concepção freiriana de educação se propõe a uma historicidade humana concreta e tem como essência a libertação dos seres humanos das amarras que os oprimem. Liberdade é concebida como fonte que alimenta e atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar validade, eficiência, utilidade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos. Justifica-se, portanto, o empenho de Paulo Freire em fazer de suas intenções de libertação do homem e da mulher o sentido essencial de sua práxis pedagógica, pois segundo ele, a libertação dos oprimidos é obra deles próprios, jamais dos opressores. A práxis educativa freiriana é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. O embate dialético entre ação-reflexão presente neste método favorece a uma mudança da consciência humana da estrutura social e a uma aproximação crítica, reflexiva da realidade estudada. A práxis é a pedagogia dos homens empenhados na luta por liberdade, uma pedagogia humanista e libertadora. “A práxis se constitui a razão nova da consciência oprimida e que a revolução, que inaugura o momento histórico desta razão, não pode encontrar viabilidade fora dos níveis de consciência oprimida” (FREIRE, 187, p.53). A formação de cidadãos progressistas num primeiro momento, e revolucionários posteriormente, transformadores da ordem social, econômica e politicamente injusta é possibilitada, pela conscientização das massas populares por meio de um método pedagógico baseado no diálogo. Na concepção tradicional de educação escolar, protagonizada pelas classes opressoras/exploradoras, a qual Paulo Freire denomina de bancária, os educandos oriundos das classes oprimidas são desrespeitados na sua condição humana, Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05777 desumanizados em seus saberes e experiências: “a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante” (FREIRE, 1987, 58). Frente a essa situação de violência contra os educandos, Freire propõe a educação problematizadora, que considerando a essência humana dos educandos os impulsonam a problematizarem e compreenderem a realidade, na perspectiva de uma sociabilidade fundada na práxis libertadora, pois segundo o autor a “educação se re-faz constantemente na práxis. Para ser tem que estar sendo” (p.73). O método de educação freireano é dialógico: “Dialógico porque vai da realidade à consciência, da consciência à realidade, em um movimento esclarecedor e transformador” (GUTIÉRREZ, 1988, p. 108). O diálogo é uma exigência existencial nutrida de amor, humildade, esperança, fé e confiança. Nesta relação dialógico- libertadora parte-se sempre dos educandos, dos conhecimentos e das experiências deles, para construir a partir daí um conhecimento novo, uma cultura vinculada aos seus interesses e não à cultura das elites. A metodologia dos temas geradores apresentada por Freire trata-se de uma forma de investigar “o pensamento dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é a sua práxis” (FREIRE, 1987,98). Implicações das ideias freirianas na formação e prática docente. O compromisso com a educação dos oprimidos vincula-se à sua essência política numa sociedade de classes antagônicas, pois ela é prática política a favor da constituição da humanidade, portanto, crítica e radical, dado o caráter injusto e desigual das relações sociais no sistema capitalista (FREIRE, 1987). Por conseguinte, a formação e trabalho docentes no interior de uma perspectiva dialética devem ser entendidos como uma confluência de práticas político-educativas, impondo-se aos sujeitos da práxis pedagógica uma ação comprometida ética e politicamente em todas elas. A qualidade da formação das licenciaturas e da educação ocorrida na escola não está condicionada somente a gestão do currículo, depende de fatores exógenos aos cursos de formação e ao trabalho escolar, ou seja, de políticas educacionais que compreendam a necessidade de promover uma maior aproximação dos centros de formação e às escolas (Mendes, 2005). A política de formação não é algo privativo dos cursos de formação. Ela diz respeito a toda sociedade e requer o apoio financeiro do Estado para uma associação efetiva entre a universidade e o sistema educacional, como lembra Nóvoa (1995), Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05778 É preciso ultrapassar esta dicotomia, que não tem hoje qualquer pertinência, adotando modelos profissionais, baseados em soluções de partenariado (grifo nosso) entre as instituições de ensino superior e as escolas, com um reforço dos espaços de tutoria e de alternância (NÓVOA, 1995, p.26). As experiências históricas têm revelado que isoladas, escola e universidade, são incapazes de solucionar problemas referentes à formação inicial. O distanciamento da escola em relação aos problemas da comunidade, na qual se insere, colabora também para maior segregação escolar. Somente a articulação escola-universidade associada às famílias propiciará o aprofundamento da relação teoria-prática no processo de formação de professores, oxigenando-as teórica e praticamente, através da troca de saberes entre os professorandos, professores das duas instituições e sujeitos da comunidade, a qual a escola está inserida. No exercício da docência, o trabalho do professor não pode se restringir à sala de aula. Por mais que o professor seja agente ativo de informações aos alunos com prática de decisões constantes na formação humana fundamentadas na investigação e reflexão, se não tiver o horizonte político das diversas práticas que compõem e envolvem a docência, sua capacidade criadora é efetivamente limitada, portanto também sua práxis. As mudanças do trabalho docente concernentes a um projeto emancipatório dependem da redefinição dos poderes dos atores coletivos que compõem o universo escolar: Estado, pais, comunidade e, sobretudo, os professores. Esta redefinição se dá a partir do protagonismo dos que não estão satisfeitos com a estrutura de poder, práticas e organização escolar, que reproduzem as desigualdades e injustiças sociais. A práxis dos oprimidos se justifica, pois “se o momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela resultante se faz objeto da reflexão crítica” (FREIRE, 1987, p. 67). A práxis que se impõe é superadora de fragmentação e corporativismo. A docência de qualidade social exige cumplicidade compartilhada dos diversos elementos da comunidade que defende a educação pública e de condições materiais favoráveis de trabalho, capaz de elevar a motivação de docentes, pais e discentes. Os professores e toda a comunidade escolar deparam-se com inúmeros problemas e, a construção da autonomia põe-se como um constante desafio. É a partir da docência que a “margem de autonomia que o sistema educativo e curricular deixa nas mãos dos professores é o campo no qual eles desenvolverão sua profissionalização” (SACRISTÁN, 1998, p.168). Apesar do sedutor discurso da ideologia da participação e Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05779 gestão democrática, a política educacional aprimora o controle do trabalho docente na escola e subtrai espaços de autonomia. A ampliação da autonomia político-pedagógica pressupõe uma consciência coletiva de todos quantos fazem a escola sobre o lugar ocupado por esta, no sistema educacional e na sociedade. A realização de um trabalho docente autônomo passa por alterações na relação de poder entre escola e sistema educacional, modificação no modelo profissional do professor e definição de currículo, como espaço de deliberação do magistério. Considerações finais Ao denunciar a opressão, desumanização de uma sociedade de classes e convocar os oprimidos e explorados a desvendar o mundo para transformá-lo, Paulo Freire estreita a conexão com o pensamento marxista, notadamente com Marx e com o teórico mexicano Adolfo Sánchez Vázquez, estudioso da práxis. A pedagogia do oprimido, a educação libertadora, a educação problematizadora – todas concebidas por Freire são propostas pedagógicas que imbricadas à práxis se constituem em instrumentos de luta de libertação do ser humano, no campo educacional. O caráter dialógico do processo educativo libertador, portanto, revolucionário, apresentado por Freire resgata a humanização do oprimido restituindo-lhe a condição de sujeito de direitos, na ação-reflexão do direito de ser mais. A ação dialógica é ação- reflexão, portanto, práxis libertadora. Sem diálogo com os oprimidos e explorados não há prática revolucionária. Os educadores-mestrandos que contribuíram com estas reflexões compartilham a importância dos estudos de práxis na formação inicial e continuada dos professores. Contudo, constatam que as instituições de formação e de trabalho docentes e sujeitos envolvidos, professores e pesquisadores, não atentaram ainda, em sua maioria, para o peso que esta categoria tem na compreensão da realidade educacional e na organização de práticas docentes orientadas para a emancipação humana. Referencias bibliográficas CARVALHO, Sandra Maria Gadelha de & MENDES, José Ernandi. Práxis educativa do Movimento 21 na resistência ao agronegócio. Revista Interface Journal. Site: http://www.interfacejournal.net/. ISSN 2009-2431, 2014. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 05780 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeio: Paz e Terra. 2009. ______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GUTIÉRREZ, Francisco. 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