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ABORTO LEGAL: OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELAS MULHERES VÍTIMAS DE ESTUPRO

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FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS
 
 
 
 
 
	 	
THAINÁ DO PRADO BRAZ
 
 
 
 
 
 ABORTO LEGAL: OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELAS MULHERES VÍTIMAS DE ESTUPRO
 
 
 
 
 
 
 
POUSO ALEGRE - MG
2018
8
THAINÁ DO PRADO BRAZ
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 ABORTO LEGAL: OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELAS MULHERES VÍTIMAS DE ESTUPRO
 
 
 
Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.
 
Orientador: Prof. Ms. Carlos Alberto Conti Pereira.
 
 
 FDSM - MG
2018
FICHA CATALOGRÁFICA
 
 
 
	
BRAZ, Thainá do Prado. 
Aborto Legal: Obstáculos enfrentados pela mulheres vítimas de estupro / Thainá do Prado Braz. Pouso Alegre – MG: FDSM, 2018.
 
THAINÁ DO PRADO BRAZ
 
 
 
ABORTO LEGAL: OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELAS MULHERES VÍTIMAS DE ESTUPRO
 
 
Data da Aprovação ___/___/_____
 
Banca Examinadora
__________________________________________________
 Prof. Me. Carlos Alberto Conti Pereira
Orientador
Faculdade de Direito do Sul de MInas
 
__________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Alem Mello Ferreira
Faculdade de Direito do Sul de Minas
 
__________________________________________________
Prof.ª Ma. Renata Nascimento Gomes Schuwart
Faculdade de Direito do Sul de Minas
 
 
Pouso Alegre – MG
2018
Dedico este trabalho de conclusão a todos que confiaram no meu potencial e que me apoiaram durante esta longa trajetória. À minha avó Gilda, sei que de onde estiver está feliz por mim, independente de qualquer coisa, pois era o que sempre sentia, seu amor e carinho!
A prática do aborto é tão antiga quanto o homem. 
As mulheres nunca deixaram de realizá-lo, apesar das sanções, controles e legislações surgidas através da história da humanidade. (SEMIÃO, 2000). 
AGRADECIMENTOS
À Profª. Drª. Lívia Silva Macedo, não teria nem palavras para expressar o quanto sou grata por tudo ao longo de nossas vidas, ter seu apoio em todos os momentos da minha vida foi essencial. Esta é uma singela forma de agradecer por todo apoio e por acreditarem meu potencial e me fazer acreditar nele.
À Irís Daniela, por toda ajuda e apoio. Conhecemos em um momento delicado de nossas vidas e espero que possamos manter a amizade ao longo de nossas vidas e de nossos queridos filhos.
À minha amiga de longa data Olivia Matni, pela amizade e por saber que posso contar com você quando mais preciso. Saudades!
As minhas filhas, Bianca e Isadora, que não fazem ideia da força que me deram para chegar até aqui. Vocês sem saberem deram novo sentido à minha vida e isso é por vocês!
Por último e não menos importante, à minha família, por de alguma forma me darem suporte e apoio nesses anos. Esta é uma singela forma de agradecer por tudo e por acreditarem em meu potencial e me fazer acreditar nele.
RESUMO
BRAZ, Thainá do Prado. Aborto Legal: Obstáculos enfrentados pelas vítimas de estupro. 2018, 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Direito Sul de Minas . Pouso Alegre, 2018.
Este trabalho tem por objetivo compreender a temática do aborto resultante de estupro. A prática do aborto provocado gera um debate que divide opiniões, envolvendo crenças, religiões, ideologias e por isso, muitas vezes, não faz parte da agenda governamental e nem mesmo do debate legislativo. Contudo, refletir criticamente o tema, analisando os dados e percebendo as falhas sociais, é essencial para a construção de uma sociedade mais justa. Captar aspectos históricos é importante para entender a sociedade e a legislação e suas mudanças ao longo do tempo e busca promover um questionamento acerca dos obstáculos enfrentados pelas mulheres, quais são esses impedimentos e por qual personagem é imposto. Embora o Código Penal Brasileiro estabeleça com clareza quais os casos em que o aborto pode ser praticado de forma legal pelo Sistema Único de Saúde, ainda existem obstáculos que impedem que as mulheres amparadas pela lei, tenham seu direito garantido. Avaliando-se os dados relativos aos casos de estupro decorrentes em gravidez em relação ao número de procedimentos realizados nos centros médicos pelo país, verifica-se que as mulheres nesta situação, não têm acesso ao serviço. 
Palavras-Chave: Aborto. Estupro. Obstáculos.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT
BRAZ, Thainá do Prado. Legal Abortion: Obstacles Faced by Rape Victims. 2018, 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Direito Sul de Minas . Pouso Alegre, 2018.
 
This work aims to understand the subject matter of abortion that results from rape. The practice of induced abortion generates a debate that divides opinions and involves beliefs, religions, ideologies and therefore, is not often a part of the governmental agenda nor a part of legislative debate. However, it is essential to critically reflect the thematic, analyzing data and perceiving social failures in order to built a more equitable society, it is important to grasp historical aspects to understand society and legislation and its changes over time and also pursue to promote critical questioning regarding the obstacles faced by women, what are these obstructions and by whose characters are they being imposed by. Although the Brazilian Penal Code clearly establishes in which cases abortion can be legally offered by the Unified Health System, there are still obstacles that prevent women who are protected by law from having their rights guaranteed. Evaluating the data on rape cases followed by pregnancy in relation to the number of procedures performed in the medical centers in this country it is verified that women in this situation do not have access to the service.
Keywords: Abortion. Rape. Obstacles.
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Proporção de vítimas que ficaram grávidas entre aquelas que sofreram estupro com penetração vaginal por faixa etária...........................................................................................21
Tabela 2- Abortos legais nas grávidas vítimas de estupro........................................................21
Tabela 3- Proporção das vítimas de estupro que fizeram aborto legal entre as que engravidaram em decorrência da agressão segundo a faixa etária............................................22
	SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	11
1. ABORTO	13
1.1. Contextualizando o debate sobre o aborto	13
1.2. Dados sobre práticas de aborto no Brasil	16
1.3. Legislação sobre o aborto	17
2. ABORTO LEGAL: GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO	20
2.1. Contextualizando o Estupro no Brasil	20
2.2. Estupro e questões de gênero	22
2.3. Legislação e normas para acesso ao aborto legal	24
3. DIREITOS DOS ATORES ENVOLVIDOS NO ABORTO LEGAL	28
3.1. Direitos reprodutivos	28
3.2. Direito do Nascituro e Personalidade Jurídica	30
3.3. Sigilo Médico	31
3.4. Objeção de Consciência	34
4. OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PARA O ACESSO AO DIREITO AO ABORTO LEGAL EM CASOS DE ESTUPRO	37
CONCLUSÃO	42
REFERÊNCIAS	46
 INTRODUÇÃO
Ainda que o Código Penal Brasileiro estabeleça com clareza quais os casos em que o aborto pode ser praticado de forma legal pelo Sist
ema Único de Saúde, existem obstáculos que impedem que as mulheres amparadas pela lei, tenham seu direito garantido. Neste trabalho, debruça-se no procedimento legal abortivo, especialmente em casos de vítimas de estupro.
Pretende-se no primeiro capítulo, intitulado “Aborto” cumprir com três objetivos: situar o leitor a respeito do problema de pesquisa considerando dados importantes da prática do aborto no Brasil; trazer os elementos estabelecidos na legislação que tratam da temática; e ainda no âmbito legal, discute-se sobre o direito do nascituro e personalidade jurídica. 
Compreender a legislação e perceber que a mudança da legislação trouxe novos entendimentos à
realidades que sempre existiram e entender o enredo atual para facilitar a compreensão de toda a trama e formas. Saber quais são os direitos e quais figuras os detêm, interpretar sob uma visão através daquela que o legislador propôs. Ainda no primeiro capítulo, a pesquisa busca assimilar os direitos do nascituro e, também, o da mulher que busca o acesso ao abortamento legal.
Propõe-se no segundo capítulo o entendimento do que realmente se trata o aborto proveniente de estupro, ou seja, compreender a legislação acerca do crime em específico e analisar os dados referentes aos números de ocorrências no Brasil. Através da análise dos dados poderá identificar quem são as vítimas, suas idades e quantas dessas buscam o acesso ao abortamento legal e seguro. É de suma importância entender a dificuldade que a vítima encontra para se considerar uma vítima, a complexidade em reconhecer o agressor e o porquê dessa complexidade. 
Pretende-se, também, compreender o sigilo médico, como ele deve assegurar a paciente e os fatores que fazem o médico não cumprir essa garantia, bem como entender como os profissionais se abstém de realizar o procedimento por meio da objeção de consciência e o por que de sua recusa a efetivação do procedimento. Portanto, este trabalho é de extrema relevância ao passo que busca compreender quais são os fatores que dificultam que uma norma jurídica não seja acessível, provocando a ineficiência da lei e impedindo a garantia de um direito. 
Para atingir os objetivos propostos, a pesquisa será realizada por meio de pesquisa bibliográfica, em doutrinas, livros, artigos e revistas eletrônicas. A partir da pesquisa bibliográfica, será feita análise dos dados e teorias, buscando um entendimento mais amplo sobre o tema. Realizar-se-á um levantamento aprofundado dos dados mais recentes relativos à gravidez proveniente de estupro, bem como, das teorias e conceitos da área jurídica e social que permitam o entendimento mais amplo da temática.
Argumenta-se neste estudo que os principais obstáculos das mulheres grávidas vítimas de estupro para o acesso ao abortamento legal estão relacionadas a dificuldade de reconhecimento de “vítima” e das dificuldades impostas pelos profissionais da saúde, como, por exemplo, pelo uso de objeção de consciência seletiva, por interferirem no papel da justiça buscado estabelecer “nexos causais” para saber se a gravidez de fato é fruto de um crime de estupro.
1. ABORTO
Neste capítulo pretende-se expor a visão acerca do aborto por diferentes povos, em diferentes culturas e em diferentes períodos da história. Evidenciar o aborto no Brasil através de dados e compreender quais são as mulheres que recorrem ao abortamento. Elucidar a legislação, suas mudanças e como está atualmente, a partir da legislação esclarecer o conceito e bem como quais são os meios para que se dê um abortamento.
1.1. Contextualizando o debate sobre o aborto
Sabe-se que desde os povos da antiguidade o aborto era difundido entre a maioria das culturas pesquisadas. O imperador chinês Shen Nung cita em texto médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio. Na antiga Grécia, o aborto era preconizado por Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas. (SCHOR; ALVARENGA, 1994).
Os autores SCHOR; ALVARENGA (1994) ainda descrevem que Platão opinava que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos e para preservar a pureza da raça dos guerreiros. Sócrates aconselhava às porteiras que facilitassem o aborto às mulheres que assim o desejassem.
Ainda segundo os mesmos autores, entre os Gauleses, o aborto era considerado um direito natural do pai, que era o chefe incontestável da família, com livre arbítrio sobre a vida ou a morte de seus filhos, nascidos ou não nascidos. O mesmo ocorria em Roma, onde o aborto era uma prática comum, embora interpretada sob diferentes ópticas, dependendo da época. Quando a natalidade era alta, como nos primeiros tempos da República, ela era bem tolerada. Com o declínio da taxa de natalidade a partir do Império, a legislação tornou-se extremamente severa, caracterizando o aborto provocado como delito contra a segurança do Estado.
A rigidez com que a mulher era punida, aplicando-lhe castigos corporais severos e até mesmo seu exílio, era a regra geral, contudo, o que imperava sempre era a impunidade. Com o instituição Cristã, o aborto passou a ser repudiado e extremamente condenado, posição esta mantida até os dias de hoje. Conquanto, não foi uniforme ao longo desses anos, já que interesses políticos e econômicos sempre interferiram em questões sociais. (SCHOR; ALVARENGA, 1994)
Com a saída do campo para a cidade, o aborto cresceu consideravelmente entre a classe popular, já que a busca por uma vida melhor, foi infrutífera e a qualidade de vida dessas pessoas caiu consideravelmente. Contudo, para a classe dominante era uma ameaça, já que era necessária a mão de obra barata para a expansão das indústrias. Na classe alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte repressão sexual sobre seus próprios membros e a prática do aborto, embora comum, era severamente condenada. (SCHOR; ALVARENGA, 1994)
Os autores SCHOR; ALVARENGA (1994) afirmam que hoje em dia torna-se mais e mais comum que o número de defensores da prática livre do aborto venha crescendo respaldados em razões de ordem econômica, política, social e demográfica muito embora, em função de contextos históricos, a questão possa apresentar-se controvérsia e ambígua. Alguns acontecimentos históricos, no início deste século, ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que regiam a questão do aborto e são explicitadoras dessas diferentes ordens de motivos que fundamentam concepções e políticas a respeito. 
Na União Soviética, com a Resolução de 1917, deixou de ser considerado crime o aborto naquele país, resultando em uma conquista para o direito da mulher com seu decreto em 1920. Em contrapartida, em países onde o nazi-fascismo fora instalado, a punição para o aborto passou a severíssima, com a vida daquelas que o praticavam, já que o lema era de se ‘criar filhos para a pátria’, assim o crime seria contra o Estado. (SCHOR; ALVARENGA, 1994).
A partir dos anos 60, houve uma mudança significativa nos costumes sexuais e na posição da mulher na sociedade o que fez com que ocorresse uma abertura para a liberalização. Entretanto, há também casos de países que voltaram a leis anteriores como Romênia e Bulgária por razões demográfica e Israel por motivos políticos-religiosos. (SCHOR; ALVARENGA, 1994).
 Com a chegada da família portuguesa ao Brasil, foi visto um vasto território e baixa população, assim o período da colonização brasileira foi marcado por políticas públicas que povoassem o Estado. Haja vista a preocupação da família Luso em povoar o território, em 1606, houve a proibição da instalação de conventos, já que essas não poderiam procriar, e o forte incentivo ao matrimônio para que a população existente ornasse a superfície e fossem estes pessoas honradas. (DEL PRIORI, 2009)
Importante compreender que neste período a mulher era vista apenas como mera reprodutora, assim era de suma importância que as mulheres que estivessem disponíveis na colônia, estivessem todas aptas a procriar para popular o território. (DEL PRIORI, 2009)
O casamento era importante para que a expectativa de povoamento condisse-se com a expectativa católica de família. Assim, para a igreja católica a justificativa da procriação possuía respaldo do matrimônio para o que para estes na época não passava de algo hediondo que era o incentivo a sexualidade. (DEL PRIORI, 2009)
Neste momento, o aborto era válvula de escape para casais ilegítimos, ou seja, para aqueles que não constituíam matrimônio e não se encaixavam no padrão tanto da Igreja como do Estado. Assim, pode-se entender o porquê do aborto, neste período histórico, ser mais
condenado que um homicídio, pois estaria privando um ser humano do batismo e do nascimento. (DEL PRIORI, 2009)
Para a autora, as mulheres que recorriam ao aborto neste período eram aquelas que estavam desesperadas diante da gestação indesejada e que suas relações eram ilegítimas. Ou seja, eram extraconjugais. Diante deste fato, é facilitada a compreensão da perseguição ao aborto no Brasil Colônia, para a Igreja se dava pelo fato de condenar o aborto e com o homicídio a alma não teria a salvação eterna e para o Estado eram condenáveis os filhos bastardos, iria contra a ordem que estavam tentando instaurar nas terras brasileiras. (DEL PRIORI, 2009)
No Brasil Colônia não existem dados quanto à frequência que se abortara, contudo é sabido que o ato já era comentado nas cartas jesuítas como um hábito comum pelas indígenas. Além da denúncia pelas correspondências trocadas com a metrópole, o aborto era incriminado nos sermões e cânones, onde pregavam que além de um crime seria pecado contra o corpo e, sobretudo, contra Deus. (DEL PRIORI, 2009).
Deste modo, nota-se que o debate sobre o aborto está presente através da história da humanidade sob diferentes visões, isto é, o aborto era tratado de acordo com a necessidade do Estado, e a partir de dado momento histórico, principalmente, da Igreja Católica. Ainda que a repulsa e aversão fosse tremenda, estas não foram uniformes, dado que o Estado possuía interesses políticos e em dados momentos históricos, o abortamento era necessário. Ainda, que atualmente diversos países já tenham aderido ao aborto livre e seguro, o Brasil desde seu período colonial retratava como pecado e incriminado por duras penas.
1.2. Dados sobre práticas de aborto no Brasil
Mesmo sendo considerado crime, entrevistas realizadas com mulheres em cidades brasileira, no ano de 2010, ficou evidenciado que 15% destas haviam praticado aborto alguma vez na vida. Estes dados não condizem com o número de abortos ou a proporção que ele toma, mas com essas mulheres que se submeteram ao procedimento, não especificando por quantas vezes elas haviam se sujeitado ao método. O número de mulheres é indubitavelmente menor em relação ao número de abortos praticados. Estes dados não levam em consideração às mulheres em áreas rurais e nem a população analfabeta, visto que se forem computadas o número seria muito superior. (DINIZ, 2010).
O abortamento é comum durante todo o período reprodutivo feminino, já que a porção de mulheres que já realizaram o procedimento cresce com a idade, a proporção varia de 6% para mulheres com idades entre 18 e 19 anos a 22% entre mulheres de 35 a 39 anos. Fica evidenciado que até o final da vida reprodutiva mais de um quinto das mulheres em território brasileiro terão recorrido ao aborto. (DINIZ, 2010).
Ficou evidenciado que o abortamento não é feito apenas para deter a abertura da vida reprodutiva ou poupar-se de filhos em idades avançadas. Cerca de 60% dos abortos foram realizados no meio do período reprodutivo, ou seja, a idade das mulheres varia entre 18 e 29 anos, com sua máxime aplicação entre 20 e 24 anos. (DINIZ, 2010).
A escolaridade dessas mulheres foi posta em questionamento, sendo assim, ficou comprovado que é mais comum entre mulheres de escolaridade muito baixa. Das mulheres entrevistadas 23% haviam estudado até o quarto ano do ensino fundamental ou grau equivalente e 12% haviam concluído o ensino médio. Contudo, segundo Diniz (2010), é um fator que não pode ser determinante ao fato que não é recomendado atribuir a escolaridade como determinante direto da prática de aborto por duas razões: a primeira se refere a intensidade dos efeitos etários, considerando mulheres mais velhas acumulam mais abortos; e, segundo, pois as decorrências de alta escolarização, como a participação no mercado de trabalho se mostram tão importantes quanto ao nível de informação sobre questões de sexualidade. (DINIZ, 2010).
A incidência de aborto entre as mulheres de diferentes religiões é praticamente igual. Não foi observada nenhuma diferença significativa entre grupos religiosos, estando boa parte das variações observadas dentro das margens de erro da pesquisa. Como a PNA reflete a composição religiosa das mulheres urbanas brasileiras, pouco menos de dois terços das mulheres que fizeram aborto são católicas, um quarto, protestantes ou evangélicas, e menos de um vigésimo, de outras religiões. Cerca de um décimo não respondeu ou não possui religião. (DINIZ, 2010).
Assim, essa discussão contribui para compreensão da dimensão do aborto no Brasil, considerando que, de acordo com a idade das mulheres, este não é um problema de saúde pública apenas entre jovens, mas em toda a vida reprodutiva feminina. Restou claro, a percepção que além da idade, a prática do abortamento esta difundida entre mulheres de todo tipo de escolaridade, religião, e, dessa maneira, pode-se concluir que em todas as classes também.
1.3. Legislação sobre o aborto
No Brasil Império, em 1830, o Código Penal não tratava o aborto praticado pela própria mulher como crime, ou seja, o auto aborto e o aborto provocado eram liberados. Apenas o aborto praticado pelo terceiro, seja com ou sem consentimento da gestante era criminalizado. Também era criminalizado o fornecimento de meios e instrumentos para a prática do abortamento. (BITENCOURT, 2008)
Já o Código Penal de 1890, criminalizava o abortamento praticado pela gestante. Caso esse abortamento fosse para ocultar desonra a pena era atenuada. O aborto para salvar a vida da mulher era autorizado. Contudo neste período, a imperícia do médico ou da parteira que viesse a ocasionar a morte da gestante era punido. (BITENCOURT, 2008)
No atual Código Penal Brasileiro do ano de 1940, em seu capítulo intitulado “Dos crimes contra a vida” no art. 124 e 125, é crime o aborto provocado pela gestante com seu consentimento ou o aborto provocado com ou sem o consentimento da gestante. Nos art. 127 e 128 estão previstos ainda, o aumento da pena para casos de abortamento induzido por terceiros, em que resultaram lesões ou morte da gestante.
Conforme estabelecido pelo art. 128, há situações em que não há punição para a prática do aborto quando provocada por médicos. Esses casos são denominados de aborto necessários, onde há situação de risco à vida da gestante, onde os fetos são anencéfalos e de gravidez resultante de estupro. (ROCHA, 2006).
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)
 Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: 
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: 
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
 Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
 
Por aborto, definição legal, pode-se entender que é a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto, seja por remoção ou expulsão prematura do embrião ou feto (JESUS, 2013). O doutrinador Prado (2015) aponta que o aborto consiste em dar morte ao embrião ou feto humanos, seja no claustro materno, seja provocando sua expulsão prematura.
Mais especificamente, Semião (2000), jurista brasileiro,
entende que o abortamento é a morte do produto da concepção antes das 22 semanas de vida dentro do útero materno, porque dificilmente seria viável fora do útero com menos de 180 dias de gestação. Já a definição de aborto para a ciência médica é o próprio produto da concepção, enquanto abortamento é o processo da perda do produto conceptual, dessa forma fica claro que o termo aborto e abortamento são distintos.
Entre os meios dirigidos para provocar o aborto, Prado (2015) os divide em três grupos, que são:
1. 	químicos ou bioquímicos: são meios internos, ou seja, introduzidos no organismo da gestante estimulam as contrações dirigidas à expulsão do produto da concepção. As substâncias químicas empregadas podem ser inorgânicas (v.g., ácidos minerais, compostos de sódio, potássio, ferro ou mercúrio, sais de cobre, chumbo ou prata etc.) ou orgânicas, de origem animal (v.g. cantárida, extrato de hipófise ou pituitária etc.) ou vegetal (v.g., alcalóides, ácidos orgânicos, venenos hemáticos, amargos ou purgativos, plantas aromáticas etc).
2. 	físicos: podem ser mecânicos, térmicos ou elétricos. Os meios mecânicos se dividem em direitos (atuam diretamente sobre o aparelho genital - como a curetagem e a sucção uterina, punção, a microcesárea etc). Os meios térmicos compreendem, por exemplo, a aplicação de gelo ou compressas quentes. Já os meios elétricos consistem, sobretudo, na atuação da corrente galvânica ou farádica (choque elétrico por máquina estática etc).
3. 	psíquicos: consistem em sustos, sugestões, choques morais, provocação de terror etc. (PRADO, 2015, p. 669)
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Portanto, a legislação sofreu mudanças de acordo com a necessidade do Estado e de sua população, já não cabia uma visão sob o olhar da Igreja e de um Estado extremamente conservador. Conforme apresentado, o aborto é considerado crime, contudo com exceção nos casos risco de vida da gestante e se a gravidez resulta de estupro. Com isso, é fácil assimilar que se trata de um direito da mulher que sofre a violência sexual recorrer ao aborto seguro, caso esse delito venha a gerar um feto. 
2. ABORTO LEGAL: GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO
Propõe-se neste capítulo percepção do quadro de estupro no Brasil, a exposição dos dados e análise destes, bem como das tabelas apresentadas, para o entendimento da proporção de acometimentos do crime no território brasileiro. Assim como do número de mulheres que recorrem ao aborto e qual a faixa etária dessas vítimas e a parcela de mulheres que efetivamente realizam o procedimento.
2.1. Contextualizando o Estupro no Brasil
Durante muito tempo, só era considerado estupro em caso de conjunção carnal fosse comprovadamente forçada e com penetração vaginal. Para Renata de Souza (2017), é uma valorização do sexo masculino, sendo violação apenas quando existe o pênis, não considerando as diversas formas da prática sexual. Em 2009, houve uma mudança progressista na legislação, quanto ao que era considerado estupro. As principais mudanças são: passou de “mulher” para alguém e deixou de ser considerado apenas à conjunção carnal, adicionando o ato libidinoso, ligado a qualquer ato de satisfação do desejo sexual.
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 
 § 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 	Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 
§ 2o Se da conduta resulta morte: 	
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos 
 Anualmente, no Brasil, é previsto que 0,26% da população sofra violência sexual, ou seja, 527 mil acometimentos ou ocorrências de estupros consumados no país, destes apenas 10% são reportados à polícia, segundo a pesquisa realizado pelo IPEA no anos de 2010. O Sinan foi comunicado de 12.087 estupros ocorridos no ano de 2011, o correspondente a 23% do integral anotado pela polícia no ano de 2012. (CERQUEIRA E COELHO, 2014).
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Apontam, ainda, Cerqueira e Coelho (2014), como relevantes impactos na vida da vítima de violência sexual o estresse pós-traumático (23,3%), transtorno de comportamento (11 ,4%) e gravidez (7,1 %). A fração de vítimas de estupro que o delito resultou em gravidez cresce para 15,0% quando consideradas as ocorrências em que existiu penetração vaginal e a idade das vítimas variava entre 14 e 17 anos.
Ainda Cerqueira e Coelho (2014), através de uma pressuposto apresentado pelo Ministério da Saúde, demonstra com a Tabela 1 a fração de mulheres que vieram a gerar fruto do estupro, com penetração vaginal, a que foram acometidas, por idade das vítimas, para que fosse possível a compreensão que os casos são altos entre as adolescentes. A possibilidade de gravidez decorrente do delito está entre 0,5 e 5% e sujeita-se a faixa etária da vítima, acaso com o período fértil, se a agressão é recorrente ou um fato isolado e se a mulher fazia uso de métodos contraceptivos.
Tabela 1- Proporção de vítimas que ficaram grávidas entre aquelas que sofreram estupro com penetração vaginal por faixa etária
	
	Crianças
	Adolescentes
	Adultos
	Sim
	10,6%
	15,0%
	7,3%
	Não
	43,5%
	66,6%
	75,1%
	Não se aplica
	37,2%
	2,2%
	3,0%
	Ignorado
	8,8%
	16,1%
	14,6%
Fonte: Nota técnica: IPEA, 2014.
Para acesso ao aborto legal e seguro, o Código Penal não requer qualquer comprovação do delito, a palavra da mulher e seu consentimento e/ou de seu responsável bastam para a prática do abortamento. Claro, que a mulher deve ser orientada à tomar providências policiais e judiciais quanto seu agressor, porém não é correlato com o acesso ao direito ao abortamento, ou seja, este não pode lhe ser negado.
Tabela 2- Abortos legais realizados nas grávidas vítimas de estupro
	
	CRIANÇAS
	ADOLESCENTES
	ADULTOS
	Sim
	0,6%
	1,7%
	2,4%
	Não
	38,4%
	79,8%
	80,9%
	Não se aplica
	55,9%
	7,2%
	2,8%
	Ignorado
	5,1%
	11,4%
	13,9%
Fonte: Nota técnica: IPEA, 2014.	
	Tabela 3- Proporção das vítimas de estupro que fizeram aborto legal entre as que engravidaram em decorrência da agressão segundo a faixa etária
	
	CRIANÇAS
	ADOLESCENTES
	ADULTOS
	
	
	
	
	SIM
	5,6 %
	5,0 %
	19,3%
	NÃO
	80,0%
	81,4%
	67,4%
	IGNORADO
	14,4%
	13,6%
	13,4%
Fonte: Nota técnica: IPEA, 2014
 
Conforme, reporta a tabela 3, entre as vítimas adultas que ficaram grávidas em decorrência da agressão, 19,3% realizaram aborto previsto em lei. E o valor reduz consideravelmente quando a vítima é criança ou adolescente. O aborto para menores só pode ser realizado quando menor e o seu responsável concordam, isso faz a taxa entre essas vítimas que tiveram acesso ao aborto diminua, assim como grande número desses delitos acontecerem dentro do âmbito familiar, esses fatores fazem com que esses menores não tenham acesso ao aborto legal. 
2.2. Estupro e questões de gênero
Conforme o autor Sousa (2017), ainda que exista um progresso em relação à legislação, existe muita dificuldade social e cultural para percebermos quando o estupro acontece, tanto as mulheres de se enxergarem vítimas de estupro, quanto dos homens de se perceberem como estupradores. Essa dificuldade se relaciona a cultura. Primeiro porque está atribuída a regras de conduta que a mulher deve seguir para ser considerada vítima, bem como outros fatores que independem do seu comportamento social, como classe social e raça. E se relaciona também com os significados atribuídos ao poder sexual do homem em relação à mulher, sua virilidade, entre outros. Sousa afirma que (2017, p.22):
Regras de conduta, que, por sua vez, são inseridas na socialização da mulher desde o momento do nascimento, ensinando-a que tipo e tamanho de roupas vestir, que tipo de maquiagem usar, como se comportar na rua, quando e como beber, quais os horários
pode sair de casa, e, assim, sucessivamente, depositando na mulher a responsabilidade sobre os atos dos terceiros contra a sua integridade sexual. Essa mesma cultura do estupro ensina que os homens devem aproveitar toda e qualquer oportunidade de consumação sexual, e, que, muitas vezes, as mulheres que dizem não apenas o dizem por que é ensinadas a não dizer sim na primeira vez, e que cabe a eles ‘transformar’ aquele não em um sim. 
 
No caso de roubo, como mostra Souza (2017), as pessoas tendem a não questionar, considerando ela vítima e depois apurando o caso. Quando se trata do estupro, não basta a constatação da consumação do ato, pois entra o fator da reputação da pessoa que sofreu a violência sexual. Assim, ser vítima dependerá de um status social, do comportamento da vítima, da classe social, de raça, para após, a sociedade entender quem é inocente ou vítima em relação à violência sexual. Espera-se também que a mulher ao sofrer violência sexual, lute com seu agressor até o fim, que segundo Souza (2017) é um comportamento contrário ao esperado de uma vítima de assalto, por exemplo, que deve entregar tudo ao ladrão sem relutância. Sousa afirma que (2017, p. X):
Citamos, aqui, como exemplo, a história da beata brasileira Albertina Berkenbrock (11 de abril de 1919 - 15 de junho de 1931), que morreu aos 12 anos defendendo a virgindade contra seu agressor, e é cultuada como santa no Sul de Santa Catarina. Segundo relatos, Albertina morreu após lutar arduamente contra seu agressor, impedindo-o de estuprá-la de maneira que ao fim morreu, contudo, manteve a virgindade intacta.
De acordo com Souza (2017), a criança poderia se encaixar no modelo de vítima perfeita, já que não possui uma vida sexualmente ativa que possa ir comprometer sua reputação. Contudo, quando o estupro é praticado por membros da família ou da convivência, a criança é questionada sobre a realidade dos fatos, se é invenção ou má interpretação de um gesto de carinho, por exemplo.
A pesquisa do IPEA mostra os maiores índices de estupradores de menores de 13 anos, apontando que: 32,2% amigos ou conhecidos da família; 12,3% padrasto; e 11,8% o pai. Assim, para meninas menores de 13 anos, “(...) a probabilidade de que o caso ocorra dentro do ambiente familiar da vítima é de 56,3% do total, contra 12,6% praticado por desconhecido.” Segundo Sousa (2017, p. X) :
Constata-se, dessa maneira, que o lugar onde a menina deveria ser idealmente protegida é, também, o local onde, possivelmente, ela será vitimada. E, muitas vezes, sem ter a quem recorrer, visto que o depoimento da vítima contra um agressor conhecido tem a tendência de ser abafado, para não ‘destruir a vida do estuprador’ que é, até mesmo, tido como mais uma ‘vítima’ da situação. As famílias não querem, num primeiro momento, admitir que aquela bestialidade possa ter acontecido debaixo do seu teto sagrado, optando, muitas vezes, por negar o acontecido. 
Souza aponta que a pesquisa do Ipea apresenta dados importantes: “(...) 60,5% dos estupros sofridos por adultos (dentre os quais 97,5% mulheres) são praticados por desconhecidos; 15,4% por amigos e conhecidos da vítima, seguidos por 9,3% praticados pelo cônjuge.”. Segundo Souza (2017), o estupro praticado por conhecido ou amigo tem característica diferente, pois em muitos casos, pela forma que pode ter dado a situação, a vítima pode não saber se tratou de estupro. E mesmo quando identifica, opta por não denunciar, pois nesse caso, a sociedade entende que não houve estupro, e sim, uma relação sexual.
Configurando desta forma, é mais um meio pelo qual a vítima deve ser questionada tanto quanto a veracidade dos fatos. Afinal de contas, que tipo de mulher que denuncia um amigo, conhecido, um namorado ou um esposo por estupro? E como essa mulher há de provar que se tratou, de fato, de um estupro, já que existem várias testemunhas do contato e do afeto entre vítima e agressor antes da violência relatada? (SOUSA, 2017, p.X)
 No casamento, fica mais difícil o reconhecimento da vítima submetida a sexo forçado e o ato considerado estupro, visto que a mulher deve estar sujeita ao marido sexualmente. Inclusive, Souza (2017) aponta que Damásio de Jesus, renomado jurista, em comentário do art. 213 do Código Penal, interpretou que a mulher não tem obrigação de manter relações sexuais com o marido, desde que apresente uma causa justa para a negativa:
Não fica a mulher, com o casamento, sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações com seu corpo, ou seja, o direito de se negar ao ato, desde que tal negativa não se revista de caráter mesquinho. Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal, e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa (Damásio de Jesus, p. 168). 
 2.3. Legislação e normas para acesso ao aborto legal
Neste tópico apresenta-se as normas para o acesso ao aborto legal, focando nos elementos mais cruciais para pensar os obstáculos impostos às mulheres.
No Código Penal em seu artigo 128 determinou-se que não se pune aborto praticado por médico no caso de gravidez resultante de estupro. No entanto, é necessário compreender como se dá este procedimento para o abortamento, visto que se trata de um caso envolvendo um crime de estupro.
A norma penal não estabelece qual o prazo para que a vítima decida referente ao abortamento. (BITENCOURT, 2008, pp. 144). Contudo, a Organização Mundial da Saúde classifica abortamento como sendo a interrupção da gestação antes de 20-22 semanas (SILVA, 2008). Para ter acesso ao direito ao aborto legal, não é exigido nenhuma documentação comprobatória da violência, no entanto, como será apresentado, esse entendimento ainda não está consolidado nas doutrinas e para os profissionais de saúde. Contudo, ainda que a legislação vigente e tampouco a norma técnica regulamentadora não exijam que a mulher comprove por documentos a violência para que tenha acesso à prática do abortamento, são diversas as doutrinas jurídicas que relatam que o médico deve assegurar-se com os meios disponíveis para a comprovação do estupro, como Damásio de Jesus (pp. 161):
O médico deve valer-se dos meios à sua disposição para a comprovação do estupro (inquérito policial, processo criminal, peças de informação, etc). Inexistindo esses meios, ele mesmo deve procurar certificar-se da ocorrência do delito sexual. Não é exigida autorização judicial pela norma não incriminadora. Tratando-se do dispositivo que favorece o médico, deve ser interpretado restritivamente. Como o tipo não faz nenhuma exigência, as condições da prática abortiva não podem ser alargadas. (DAMÁSIO DE JESUS, 2013, p. 161)
 Por outro lado, Prado (2015, p. 678) afirma que: “(...) para realização do aborto pelo médico não é preciso sentença condenatória e tampouco autorização judicial, bastando que a intervenção se encontre calcada em elementos sérios de convicção (v.g. boletim de ocorrência, declarações ,etc)”.
Entende-se, assim como Prado (2015) que a realização do abortamento não se condiciona à decisão judicial que sentencie e decida se ocorreu estupro ou violência sexual. Assim, considerando que a lei não se refere a exigências de alvará ou autorização judicial, nem mesmo de Boletim de Ocorrência Policial e laudo do Exame de Corpo Delito e Conjunção Carnal, a realização do abortamento não está condicionada a apresentação dos mesmos. (PRADO, 2015).
Isso se deve ao fato de que a mulher vítima de violência sexual não é obrigada perante a lei a noticiar o ocorrido para a polícia ou para a justiça, sendo assim, mesmo que ela não o faça, seu direito ao abortamento está garantido, ou seja, não pode ser negado seu acesso ao aborto seguro e eficaz. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012)
As lacunas deixadas pela norma penal quanto o acesso ao abortamento por gravidez advinda de estupro é regulamentada em 1999 pelo Ministério da Saúde. A regulamentação dos serviços de aborto legal no país se
deu através de publicação de norma técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes. (DINIZ, et. al., 2014)
Portanto, como aponta Diniz et. al. (2014) e conforme expresso na norma técnica do Ministério da Saúde, a prática do inquérito investiga a verdade do acontecimento da violência e produz os sentidos para a definição da subjetividade da mulher como vítima. Em geral, não há flagrante da cena do estupro – é preciso acreditar no que diz a mulher que se apresenta como vítima e testemunha de sua própria violência.
A Portaria MS/GM nº 1.508 publicada em setembro de 2005 pelo Ministério da Saúde estabelece os procedimentos de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos no âmbito do Sistema Único de Saúde. Esses procedimentos incluem cinco diferentes termos que são necessários para a realização do abortamento em casos de estupro: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; Termo de Responsabilidade; Termo de Relato Circunstanciado; Parecer Técnico, e o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção de Gravidez.
Art. 1º O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei é condição necessária para adoção de qualquer medida de interrupção da gravidez no âmbito do Sistema Único de Saúde, excetuados os casos que envolvem riscos de morte à mulher.
Art. 2º O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser registradas no formato de Termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a confidencialidade desses termos.
Art. 3º A primeira fase é constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço.
Parágrafo único. O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser assinado pela gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por dois profissionais de saúde do serviço, e conterá:
I - local, dia e hora aproximada do fato;
II - tipo e forma de violência;
III - descrição dos agentes da conduta, se possível; e
IV - identificação de testemunhas, se houver.
Art. 4º A segunda fase dá-se com a intervenção do médico que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver.
§ 1º Paralelamente, a mulher receberá atenção e avaliação especializada por parte da equipe de saúde multiprofissional, que anotará suas avaliações em documentos específicos.
§ 2º Três integrantes, no mínimo, da equipe de saúde multiprofissional subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, não podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico.
§ 3º A equipe de saúde multiprofissional deve ser composta,
no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.
Art. 5º A terceira fase verifica-se com a assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse Termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima de violência sexual.
Art. 6º A quarta fase se encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que obedecerá aos seguintes requisitos:
I - o esclarecimento à mulher deve ser realizado em linguagem acessível, especialmente sobre:
a) os desconfortos e riscos possíveis à sua saúde;
b) os procedimentos que serão adotados quando da realização da intervenção médica;
c) a forma de acompanhamento e assistência, assim como os profissionais responsáveis; e
d) a garantia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos, exceto quanto aos documentos subscritos por ela em caso de requisição judicial;
II - deverá ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica, pela gestante ou, se for incapaz, também por seu representante legal; e
III - deverá conter declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de interromper a gravidez.
Art. 7º Todos os documentos que integram o Procedimento de
Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, conforme Modelos dos Anexos I, II, III, IV e V desta Portaria, deverão ser assinados pela gestante, ou, se for incapaz, também por seu representante legal, elaborados em duas vias, sendo uma fornecida para a gestante. (MINISTERIO DA SAÚDE, 2005)
 	
Caso revele-se, após o abortamento, que a gravidez não foi resultado de violência sexual, o Código Penal brasileiro, artigo 20, § 1º, afirma que “é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Assim, se todas as cautelas procedimentais foram cumpridas pelo serviço de saúde, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da alegação de violência sexual somente a gestante, em tal caso, responderá criminalmente pelo crime de aborto. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Para o autor Bitencourt (2008, p. 144): “
Acautelando-se sobre a veracidade da alegação, somente a gestante responderá criminalmente (art. 124, 2ª figura) se for comprovada a falsidade de afirmação. A boa-fé do médico caracteriza erro de tipo, excluindo o dolo, e, por consequência, afasta a tipicidade. 
Assim, como exposto neste item a legislação não exige nenhum tipo de documentação que comprove o delito sofrido pela vítima, apenas a palavra da mulher contém veracidade. A Norma Técnica do SUS regula como deve ser o encaminhamento para acesso ao abortamento. Ainda que os médicos fiquem receosos de realizar do procedimento e por isso.
3. DIREITOS DOS ATORES ENVOLVIDOS NO ABORTO LEGAL
Neste capítulo pretende-se apresentar os direitos dos diversos atores envolvidos no processo de aborto legal, considerando a mulher e os direitos reprodutivos; os profissionais de saúde e a objeção de consciência e sigilo médico, e o feto e os direitos do nascituro.
3.1. Direitos reprodutivos 
A Constituição Federal trata dos Direitos Humanos e dentro deste ramo estão inseridos os Direitos Reprodutivos, estes devem ser garantidos a todos e é dever do Estado. A Constituição sendo a Lei Maior neste Estado garante a todos o direito à saúde e seu acesso igualitário e universal. (CAETANO, 2017)
Art. 196. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 
Sendo assim, o direito à saúde é um direito fundamental e compete ao Sistema Único de Saúde regulamentar, desenvolver e realizar as ações e serviços públicos de saúde, sendo universal, igualitário, gratuito e integral às ações e serviços de saúde. Este também está apto a instalar meio de impedir violência, convertendo violação aos direitos femininos em passíveis de judiciabilidade. (CAETANO, 2017)
Em 1994, foi realizada em Cairo a Conferência Internacional sobre a Mulher, onde foi declarado que os casais têm direitos sexuais e reprodutivos e reconheceu que o abortamento é um problema de saúde pública. (CAETANO, 2017). Em 1999, na Assembléia Geral das Nações Unidas, os Estados membros firmaram compromisso de instalar políticas públicas de saúde, em que seriam treinados e equipados os colaboradores do serviço público de saúde, assim como autorizar seus servidores a tomar as medidas cabíveis para assegurar que os abortos, que não contrariem a lei, sejam seguros e acessível. Ainda garantir que fossem 
prestados serviços pós-aborto legal, ou seja, que fosse assegurada a orientação da mulher 
quanto a métodos contraceptivos para evitar uma gravidez não desejada e que esses serviços fossem prestados de uma forma que as mulheres
não se sintam acometidas por medo de sofrerem penalidades criminais ou repressões. (CAETANO, 2017).Por fim, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra a Mulher entende que a inserção do aborto como delito no Código Penal não é o suficiente para desestimular as mulheres a procederem com o aborto. (CAETANO, 2017). O compromisso firmado pelo Brasil foi de proteção aos Direitos das Mulheres. E a Constituição já dispunha acerca do direito à plena assistência de saúde e que o Estado deve coibir a violência contras a mulheres, bem como o dever de prevenir e punir a violência obstétrica. (CAETANO, 2017)
Além das garantias que a Constituição assegura acerca do direito à saúde, o atendimento de qualidade e a não discriminação à mulher continua sendo titular de outros direitos, sendo eles o direito à dignidade, ou seja, de não ser sujeitada à tortura ou tratamento desumano, cruel e degradante, resguardado o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, e por fim, direito à não auto-incriminação. (CAETANO, 2017). 
Todos os direitos citados estão em conformidade, conforme aponta Caetano (2017) com a Constituição Federal, com o no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos:
Constituição Federal
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo - lhe assegurada a assistência da família e de advogado
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
Artigo 14
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias:
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
Convenção Americana de Direitos Humanos
Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem confessar-se culpada; (CAETANO, 2017, p. 14)
Portanto, os direitos reprodutivos são fundamentais e amparados pela Constituição. 
3.2. Direito do Nascituro e Personalidade Jurídica
Toda a discussão acerca de aborto e estupro se esbarram em direitos de diversos personagens desse contexto. Primeiramente, o feto, que encontra seu direito à vida amparada na norma penal nos artigos em que se trata do aborto. Daí veio à necessidade do legislador criar as normas onde tipifica o aborto, caso contrário estaria amparado pelas normas que correspondem aos crimes de homicídio. Isso porque o feto ou embrião não são considerados pessoas, não encontram respaldo no Direito Civil, até que se nasça com vida. Assim, é cristalino que a personalidade civil do homem começa com o nascimento (SEMIÃO, 2000).
Essa discussão não se dá acerca de qual direito ganha, de qual direito é mais importante, não se trata de uma discussão de vida contra vida, assim afirma Semião (apud SOUSA, 1979, p.133):
Nem a embriotomia, nem o aborto para salvar a mãe ou para não pôr em perigo a sua saúde, são conflitos de bens iguais É indubitável que o feto viva, mas é igualmente certo que não é pessoa. O conceito de vida, para a teologia e para o médico legista, não é o mesmo. O feto vive e por isso o feticídio e o aborto consistem em matar o feto ou embrião; mas ele só é tido como pessoa, em virtude de ficções, para quanto o favorece. No caso de que um médico, mediante a embriotomia ou por meio do aborto, salve a vida da mãe ou remedeie o risco à sua saúde, sacrificando o feto ou destruindo o fruto da sua concepção, não se põe um conflito de bens iguais (a vida do embrião ou feto e a da mãe) (...). O aborto não tem como objeto jurídico a vida do embrião, senão o direito da sociedade propagar-se. Pois bem, esse interesse demográfico é muito inferior à vida humana, e, pois, a colisão a resolve o médico, salvando a vida da mãe, que é um bem jurídico superior e sacrificando esse bem demográfico, a que acabamos de aludir. 
Já a mulher, tem seu direito ao aborto seguro quando sua gravidez é resultado de violência sexual, com respaldo na Constituição Federal e na Norma Internacional de Direitos Humanos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
Dessa forma, tratando-se da vítima de violência sexual, o desprazer de gerar em seu ventre o fruto do delito é posto em grau superior ao direito à vida do nascituro. Não foi posta em avaliação o desejo e a manutenção da vida do produto da concepção, como é levantada a questão em outras situações, justamente por não ser considerado pessoa e pelos direitos das partes não serem considerados bens de igual valor. (SEMIÃO, 2000).
Outro ponto a ser observado, é que fica evidente que para o legislador a vida do ente já nascido e daquele que poderá vir a nascer não tem o mesmo valor, basta fazer uma análise das penas a serem aplicadas em casos consumados de abortos provocados por terceiros e do homicídio simples, a diferença das penas é evidente, enquanto a pena para aborto provocado por terceiro é de 1 (um) a 4 (anos), a pena mínima em crimes de homicídio simples é de 6 (seis) anos. Portanto, o autor conclui que o abortamento é um delito cometido contra spes personae, e não contra uma personalidade jurídica.
3.3. Sigilo Médico
O sigilo médico-profissional é necessário para a relação médico - paciente. A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso X, prevê a proteção dos direitos fundamentais à honra e à vida privada, diante disso, engloba os crimes contra a inviolabilidade dos segredos profissionais. O sigilo médico nada mais é do que em razão da profissão, quem toma conhecimento do segredo de outra pessoa, deve guardá-lo com integridade. É sabido que o médico é o profissional considerado confidente necessário, já que em seu dia-a-dia toma conhecimento de diversas informações de seus pacientes, e com isso tem o dever de mantê-lo em sigilo até mesmo como uma instituição de ordem pública, ou seja, para preservar os interesses sejam particulares ou públicos. (CAETANO, 2017)
Apenas em 1890 no Brasil, houve a determinação dos crimes referente ao sigilo médico, com a previsão de multa e alguns casos prisão em casos em que houve a revelação do segredo do paciente em razão de seu ofício. Na época atual, a legislação está disposta no Art. 154, do Código Penal: 
Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Houve a mudança com a inserção da “justa causa” como forma de exceção ao dever do sigilo profissional. Explana Caetano (2017, p. 17):
Em regra, a justa causa funda- se na existência de estado de necessidade: é a colisão de dois interesses, devendo um ser sacrificado em benefício do outro; no caso, a inviolabilidade dos segredos deve ceder a outro bem - interesse. Há, pois, objetividade jurídicas que ela prefere, donde não ser a dever do silêncio ou sigilo profissional.
A violação do dever profissional só se torna anormal onde há dever legal, ou seja, deve encontrar fundamento direto ou indireto na norma jurídica. Podemos tomar como exemplo de justa causa, o cumprimento de ordem judicial ou casos onde há a autorização do paciente. Nos termos do Código de Ética Médica que estabelece o segredo médico, em seu Capítulo IX, nos arts. 73,78 e 85:
Capítulo IX 
SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. 
Parágrafo
único. Permanece essa proibição: 
a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; 
b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; 
c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal. 
Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido. 
Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade. (CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, 2009)
 
No entanto, existem hipóteses em que a lei exige que o médico revele segredos, retirando a ocorrência de tipo legal. Casos esses retratados no Art. 269 do Código Penal, denúncia à autoridade pública de doença cuja notificação é compulsória e, também, Art. 245 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) , em que configura crime deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré - escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus - trato s contra criança ou adolescente. Dessa forma, esses casos preveem o dever do médico de comunicar caso haja alguma conduta anormal seja por oferecer risco a outrem ou a si ou em casos em que haja maus tratos contra incapazes ou indivíduos vulneráveis. (CAETANO, 2017).
 LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS (ESTE TEXTO FICOU MEIO SOLTO,PODEMOS CHAMA LO ACIMA E IDENTIFICAR A PÁGINA)
 (...) 
Art. 66 - Deixar de comunicar à autoridade competente: 
(...) 
II - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal.
 Pena - multa de 300 a 3 mil cruzeiros. (...) (DECRETO LEI 3.688)
 Mulheres são repetidamente denunciadas pela prática do crime de aborto por, ainda, se tratar de um fato de caráter ilegal, visto o Art. 66, II, da Lei de Contravenções Penais. Contudo, diante do exposto, segundo Caetano, é dever legal do médico manter o sigilo, dado que a informação colocaria a paciente em procedimento criminal e poderia ser resguardada do sigilo médico e de seu direito à intimidade. Nessa vertente, o parecer de nº 24.292/00 proferido pelo Conselho Regional de São Paulo quanto a atividade médica diante do abortamento é assertivo que independente do aborto ser natural ou provocado, o médico não deve comunicar o fato à autoridade policial ou mesmo judicial, prezando pelo sigilo médico-paciente. (CAETANO, 2017)
Ainda, o Conselho Federal de Medicina destacou outro ponto importante na resolução nº 1.605/2000, em que diz respeito à hipótese de investigação de cometimento de crime, os artigos 3º e 4º, nem mesmo nesses casos o médico poderá revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal: (CAETANO, 2017)
Art. 3º - Na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal. 
Art. 4º - Se na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009).
Assim, ainda que a obrigatoriedade do sigilo médico não seja absoluta, visto que caso não tenha outra maneira de se comprovar a materialidade do crime o médico possa violar seu sigilo com a paciente, seria a exceção e não a regra. Ou seja, não engloba a denúncia feita pelo médico, este deve se absolver-se de denunciar a vítima ou de expor seu prontuário médico. (CAETANO, 2017).
Portanto, a quebra de sigilo fora das hipóteses de exceção é considerada grave violação dos direitos fundamentais de privacidade e liberdade, já que o sigilo médico é essencial para ordem pública. (CAETANO, 2017)
Para Souza (2009, p. 89): “O médico detém informações ligadas ao paciente, principalmente, acerca da lesão que deu origem ao atendimento, e isso lhe atribui um certo poder daquele em relação à este. Assim expõe:
A natureza confidencial do relacionamento médico - paciente é aceita como da maior relevância e exigida pela sociedade como forma de proteção. É interesse social que os fatos da vida privada revelados pelos pacientes sejam resguardados, ocultados, isto é, sejam mantidos em segredo pelo médico, pois, do contrário, sem sigilo, poucas pessoas se arriscariam a procurar ajuda desses profissionais. (SOUZA, 2009, p.90) 
Deste modo, conforme argumenta Caetano (2017), a importância de resguardar o sigilo profissional é tamanha que o próprio ordenamento jurídico protege sua inviolabilidade, inclusive, para manter a ordem pública. O descumprimento do sigilo médico, especialmente em casos de abortamento, traz danos imensuráveis à mulher vítima do ato da denúncia e o médico pode ser responsabilizado criminalmente e civilmente pela desgraça causada à mulher. 
3.4. Objeção de Consciência
Ainda, há o caso da objeção de consciência, garantido na Lei Federal nº 7/92, que constitui no direito do médico em negar a realização de ações incoerentes com sua crença religiosa e/ou comportamento moral. Entretanto, esse direito só é garantido desde que exista outro médico para realizar o procedimento, para que assim não seja ferido o direito da vítima.
Artigo 2. Conceito de objeto de consciência:
Consideram-se objetos de consciência os cidadãos convictos de que, por motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica, lhes não é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, ainda que para fins de defesa nacional coletiva ou pessoal. (Lei Federal nº 7/92). 
 A objeção de consciência, segundo Diniz (2011) é um instrumento normativo que tem como objetivo proteger a integridade de profissionais em situação de conflito moral, como nos casos de abortamento legal em que médicos declaram objeção de consciência para não realizar o atendimento. Não apenas o conflito entre o médico e a mulher e sim um conflito de responsabilidades profissionais e direitos individuais. Conforme aponta Diniz (2011, p. 982): “(...) o estatuto ontológico desse direito tem sido objeto de reflexão - se individual e absoluto, ou se direito individual passível de acomodação, porém subordinado às necessidades das pessoas em busca dos serviços de saúde”.
A autora Diniz (2011) ainda ressalta que para o debate de objeção de consciência nos casos de serviços de aborto legal, eram utilizadas duas interpretações na literatura: a tese da incompatibilidade e a tese da integridade. E a partir dessas teses, a autora Diniz (2011, p. 982) propõe a tese da justificação: “(...) como forma de regular o uso do dispositivo da objeção de consciência pelos médicos desses serviços.” 
Para a tese da incompatibilidade, como defendido pelo autor Savulescu citado por Diniz (2011), a objeção de consciência no caso do aborto legal deve ser proibida, pois viola a responsabilidade médica em assistir pacientes em suas necessidades de saúde. Assim, caso não haja outro profissional para substituir o médico, a recusa pode significar a negação de um direito da mulher. O pressuposto de Savulescu é o de que os valores morais devem ser diferenciados na vida privada e na esfera pública, sendo que mesmo que o médica tenha militância política contrária ao aborto, ao representar o Estado em serviço público, deve se manter neutro. Portanto, a tese defende que a “(...) liberdade de proselitismo religioso ou filosófico estaria subordinada ao dever de assistência, podendo a recusa de a assistência ser classificada como discriminatória, imoral ou ilegal, a depender das motivações e conseqüências de seu ato para a vida da mulher.”
(DINIZ, 2011, p. 983)
Por outro lado, a tese da integridade segundo Diniz (2011) entende que a objeção de consciência é um direito absoluto e individual. Nesse caso, todos os profissionais de saúde envolvidos direta e indiretamente na assistência de saúde poderiam utilizar o dispositivo. Nessa tese, é pressuposto uma sobreposição dos papéis do agente moral e dos profissionais, mas que antes de médico agente do Estado, o indivíduo pertence a comunidade moral. No entanto, existem questionamentos, conforme apresenta Diniz (2011, p. 984):
Para os defensores da tese da integridade, a solicitação de recusa de tratamento por valores racistas não deve ser atendida, pois essa não é uma crença relevante, além de ser ilegal. Mas os fundamentos liberais da tese da integridade não discutem a relevância de uma crença para além da normatividade, e assumem como suficiente a sinceridade do indivíduo quanto ao seu sofrimento em participar de um ato que considera moralmente errado. É nesse marco interpretativo que as crenças religiosas prevalecem como fundamentos legítimos e razoáveis para a recusa de assistência. Não se discute a razoabilidade de uma crença religiosa para a solicitação da objeção de consciência, pois seu estatuto de validez concorreria com o direito à saúde da mulher. 
A discussão sobre o lugar da religião e das crenças privadas na organização do Estado laico é central para a regulação do instrumento de objeção de consciência. Diniz argumenta que a interpretação da integridade moral pode desestabilizar o sistema de saúde, devido ao risco corriqueiro de recusa a assistência do profissional. É correto, na interpretação da autora que o médico assuma objeção integral de consciência ao aborto e assim não atue no serviço em questão. “Assim, é o estatuto de validez das crenças motivadoras da objeção de consciência seletiva que deve ser discutido para o justo funcionamento desses serviços”. (DINIZ, 2011, p. 984)
Assim, não se trata de questionar a moral dos profissionais de saúde sobretudo pois deve-se respeitar o direito à liberdade de consciência do indivíduo, no entanto, mas seu exercício de objeção pode ser regulado pelo Estado. Assim, o direito à objeção de consciência não se constitui como passe livre para a recusa de assistência médica, pois as razões morais pelas quais um médico se recusa a atender uma mulher devem ser avaliadas pelo Estado. Conforme argumenta Diniz, é necessária a justificação da recusa de atendimento:
Sua motivação deve ser relevante, estar relacionada à integridade moral do indivíduo e ser razoável para o marco dos direitos humanos. O médico objetor deve justificar a solicitação de recusa de assistência em um caso concreto, por isso a proposta da "tese da justificação". O ônus da justificação cabe ao médico com objeção seletiva de consciência, e é dever da unidade de saúde avaliar sua relevância. (DINIZ, 2011, p. 984)
Ao contrário da objeção de consciência integral em que o profissional, pois motivos morais deixa de executar algum serviço público, a objeção de consciência seletiva cria um conflito moral entre a mulher e o médico, que segundo os teóricos da teoria da justificação, não se instaura em uma relação igualitária. Como foi apresentado, o médico pode alegar objeção de consciência, desde que não o faça por desconfiança quanto ao estupro, por exemplo, mas estritamente por razões de sua moral privada, como é o caso das crenças religiosas. Não cabe, portanto, ao médico ou à equipe de saúde o julgamento sobre a narrativa do estupro, e o boletim de ocorrência policial nem sequer é necessário, pois há "presunção de veracidade na palavra da mulher". (DINIZ, 2011). 
Portanto, conforme discutido, a tese da justificação mantém a centralidade da crença para o atendimento ao aborto legal, mas entende que ao passo que o médico passa a justificar em que medida o atendimento viola suas crenças morais privadas, o profissional objetor torna públicos seus valores e os submete à avaliação de relevância pela unidade de saúde. (DINIZ, 2011). “O conflito surge, então, em situações de "objeção de consciência seletiva", i.e., quando o médico responsável pelo atendimento solicita o direito de recusa de assistência diante de um caso concreto.” (DINIZ, 2011, p. 984)
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4. OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PARA O ACESSO AO DIREITO AO ABORTO LEGAL EM CASOS DE ESTUPRO
Segundo Madeiro e Diniz (2016) estima-se que 20% a 30% das mulheres que se encaixam neste quadro de gravidez resultante de estupro, buscaram o atendimento médico, e entre estas, apenas 10% a 30% realizam o procedimento. Neste capítulo serão explorados dois fatores que se relacionam com o abandono do procedimento, que são: obstáculos colocados pelos profissionais de saúde relacionados ao sigilo médico, a objeção de consciência, as perícias para nexo causal, a violência obstétrica; e reconhecimento da mulher como vítima de estupro.
Os profissionais da saúde enfrentam uma dificuldade na compreensão quando se trata do atendimento à mulher vítima de violência sexual, especialmente quando esta busca o abortamento. A falta de capacitação destes profissionais e de domínio prático e teórico para tratar dessas questões, junto à crença de que o tema não se relaciona com o setor de saúde, representa um desafio importante para a materialização do direito ao aborto legal. (SOARES, 2003, apud, D'OLIVEIRA & SCHRAIBER, 1999).
Soares (2003) aponta que a formação acadêmica dos profissionais da área médica e de enfermagem inclui estudos sobre o abortamento, no entanto, a abordagem é influenciada por questões morais e religiosas que trazem dificuldades para a compreensão do tema. Geralmente, segundo a autora, a assistência é norteada pela concepção de que o abortamento é um crime, sem referência aos direitos reprodutivos ou às questões sociais que derivam da problemática da clandestinidade.
Considerando esse quadro, o Estado é um ator importante para garantir o direito das mulheres. Conforme foi discutido e registrado na conferência de Cairo+5, o sistema de saúde tem papel essencial para treinar e equipar os provedores de serviços e tomar outras medidas para assegurar que tais abortos sejam seguros e acessíveis. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012)
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Essa falta de preparo e treinamento do sistema de saúde para os profissionais de saúde tornam comuns os relatos de curetagem sem anestesia, negligências, maus-tratos, falta de orientação e atendimentos marcados por preconceitos. (SOARES, 2003). Expressando também, segundo a autora, o descrédito à palavra da mulher e a desconfiança quanto à sua responsabilidade no estupro:
Esta concepção interfere na credibilidade conferida à história relatada pela usuária e, conseqüentemente, na decisão da equipe de que a interrupção seja pertinente ao protocolo do Programa. Houve um sentimento de indignação com a violência e com o agressor, assim como a expectativa de que a mulher fosse capaz de superar o sofrimento, tivesse o filho e o encaminhasse para a adoção. (SOARES, 2003, p. 2003, p. 404).
 O testemunho da mulher, como foi já apresentado, passou a ser reconhecidamente legítimo para o acesso aos serviços de saúde. No entanto, estudos de opinião mostraram que médicos ginecologistas e obstetras ainda acreditam ser preciso o BO ou autorização judicial para que uma mulher tenha acesso ao aborto legal. Madeiro e Diniz (2016, p. 564) apontam que segundo levantamento realizado em 2012, 81,6% dos médicos solicitava algum documento como BO, laudo do IML, autorização do comitê de ética do hospital ou alvará judicial. 
Este fator pode ser explicado com alguns dos resultados da pesquisa de Benute et al (2012), que aplicou questionários com os profissionais da saúde. Estes foram questionados sobre a legislação brasileira em relação ao aborto legal, e constatou-se que 32,7% dos médicos, 97,5% dos profissionais da área de enfermagem e 90% dos demais profissionais não conhecem a legislação vigente.
O segundo fator citado é o reconhecimento da mulher como vítima, em que considera-se
um fator importante para o acesso da mulher ao serviço, visto que os profissionais de saúde atuam de acordo com o seu entendimento sobre as mulheres “vítimas” Coloca-se entre aspas, pois como veremos, diferente de outros crimes, o estupro envolve fatores como a reputação da mulher.
Conforme aponta Sousa (2017), ser vítima dependerá de um status social, do comportamento da vítima, da classe social, de raça, para após, a sociedade entender quem é inocente ou vítima em relação à violência sexual. Para o autor:
A falta de noção da real caracterização do crime de estupro impede muitas coisas, dentre elas: que o crime seja registrado; que a condição da vítima seja reconhecida e devidamente remediada; que o sistema crie meios mais eficazes de prevenção focados na educação sexual dos homens, e não apenas na prevenção das mulheres, como acontece atualmente; que seja feito um estudo mais aprofundado das causas desse fenômeno etc. (SOUSA, 2017, p. 24)
 
Diniz et al. (2014) realizou uma pesquisa que busca compreender os procedimentos para que a mulher tenha acesso ao direito ao aborto legal em casos de estupro, que ilustram bem a discussão sobre o reconhecimento da vítima com o acesso ao direito. Foi feitas entrevistas com 82 profissionais que atuam na área, entre eles, 25 médicos ginecologistas-obstetras, um médico anestesista, 19 assistentes sociais, 18 psicólogos, 13 enfermeiros e 6 técnicos de enfermagem, correspondendo à quase totalidade das equipes de cinco serviços de aborto legal.
 Segundo Diniz et al (2014), mesmo os profissionais que conhecem a legislação sobre o aborto legal, há uma lógica pericial imposta pelo medo da exceção: o nexo causal. Os profissionais de saúde buscam unir a causa - o estupro - com o efeito - gravidez, por meio de testes que avaliam a narrativa da mulher. Como explica a autora, quando uma mulher alcança um serviço de aborto legal, há um regime de suspeição em curso que a antecede e a acompanha. Os autores ainda ressaltam:
Nas palavras de um profissional, “têm muitos casos também que a gente descarta... ela teve a violência, mas já era uma mulher sexualmente ativa e pela idade gestacional e a data da violência não serem compatíveis, elas são encaminhadas pro acompanhamento pré-natal...”. Nesse momento de produção da verdade do estupro, não é mais à mulher que se interpela sobre seu estatuto de vítima, mas àquela gestação e à figura masculina como autor da violência. (DINIZ et. al, 2014, p. 295)
 
Considerando o ethos de exceção à lei penal que rege o aborto em caso de estupro, isto é, o aborto é crime contra a vida e sua prática, em caso de gravidez resultante de estupro, é autorizada como exceção à punição, mas mantém-se o estatuto de crime, porém sem pena. Essa ambiguidade legal anima rumores entre as equipes de saúde sobre o estatuto moral dos serviços de aborto legal. Assim, “(...) seriam serviços essenciais de proteção às necessidades de saúde das mulheres ou serviços liminares à moral criminalizadora do aborto?” (DINIZ, 2014, p. 294). 
Para a autora Diniz (2014, p. 294):
 O regime de exceção possibilita que práticas periciais de inquérito se expressem como rotina da organização dos serviços para a qualificação da mulher como vítima e, portanto, para a produção da verdade do estupro – ou, nas palavras de um dos profissionais, “... se o médico não for muito sensível, ele tem uma tendência a fazer perguntas como que pra encurralar, porque tem uma necessidade de saber e confrontar se a pessoa tá dizendo uma mentira.. .”
Outra justificativa utilizada pelos profissionais de saúde para o teste do “nexo causal” é de que ele faz parte do regime de provas devido a linha de exceção do regime punitivo do aborto e portanto, mostra a partir da checagem de datas e fatos que respeita e diferencia o serviço de aborto legal das clínicas clandestinas. Assim, um entrevistado na pesquisa aponta sua preocupação com as investidas judiciais, que mostram que há uma sobreposição de regimes periciais em curso das equipes às mulheres, do Poder Judiciário às equipes, em que ambos são continuamente interpelados pela moral da exceção punitiva ao aborto legal. Assim expõe entrevistado do serviço de saúde:
“porque, como a gente sabe que não tem a exigência do BO, mas só que o Ministério Público depois não quer saber. Se você indicou um aborto que não houve nexo causal, o Ministério Público vai pra cima do médico, ele não vai pra cima da paciente que veio procurando o aborto legal... ”. (DINIZ, et al, 2014, p. 295)
Além das avaliações de nexo causal, dados da Fundação Perseu Abramo e o SESC (Serviço Social do Comércio) de 2010, segundo Caetano (2017), constataram que 25% das mulheres que participaram das entrevistas sofreram algum tipo de agressão durante a gestação e o parto. E 53% das mulheres entrevistadas disseram ter sofrido alguma das violências na assistência médica após aborto, 34% foram questionadas insistentemente se haviam tirado o bebê e tratadas como suspeitas, 17% das entrevistadas foram acusadas de ter cometido crime e ameaçadas de serem denunciadas à polícia e 5% das mulheres foram expostas ao feto e sendo ditas palavras como “olha o que você fez”. (CAETANO, 2017)
Alguns relatos que compõem o dossiê evidenciam os maus tratos, o tratamento desumano e o descaso vivenciado por mulheres nesta situação:
“A mulher que estava na cama ao lado dizia a todo tempo que ela não tinha provocado o aborto. Era horrível ver o jeito que tratavam dela. Muita grosseria e muito descaso. Ela morreu no dia em que eu tive alta.” L. atendida em um hospital público, Vitória - ES
Cheguei ao hospital com um sangramento intenso e com a pressão muito baixa. Explicava o que havia acontecido e disse que havia ido lá para tomar soro e ocitocina. Todos me olhavam como uma criminosa, com aquele olhar de rejeição e com a expressão "SEI". Como se eu estivesse mentindo. Então chegou o médico do plantão, novamente eu expliquei o que estava acontecendo e ele me perguntou: "Você é médica?" Eu disse que não e ele respondeu secamente que então eu não palpitasse. Ele chamou a enfermeira e mandou me preparar para curetagem. Eu disse que não iria fazer uma curetagem, que eu não havia ido lá para isso, que eu já havia expelido o feto e que estava lá apenas para controlar o sangramento e tomar soro. Todos lá me ignoravam. Débora Regina Diniz
"Ah, foi a pior possível porque foi um aborto provocado, não foi espontâneo entendeu? Então eles não te tratam bem. Te deixam sofrendo, a minha curetagem foi sem anestesia." Entrevistada 3 
Conforme apresenta Caetano (2017), “violência obstétrica” passou a ocupar espaço nas discussões de políticas públicas e judiciais, e é caracterizada pela Defensoria Pública de São Paulo como: 
“(...) caracteriza - se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da medicação e patologização dos processos naturais, causando perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres”. (CAETANO, 2017, apud, Defensoria Pública de São Paulo). 
Ainda, por fim, verifica-se que as mulheres também não possuem garantia do sigilo durante a fase de hospitalização. Em pesquisa qualitativa com 11 mulheres processadas judicialmente por aborto induzido mostram que quase metade foi denunciada à polícia pelos médicos que realizou o atendimento. O mesmo autor ainda ressalta:
Portanto, as situações de omissão de atendimento, violência obstétrica, a quebra de sigilo médico e denúncia criminal violam os direitos e garantias previstas pela Constituição e legislações supralegais em que o Brasil é signatário. Assim, ao contrário do que determina as normas técnica as do Ministério da Saúde, a verdade do estupro para o acesso ao aborto legal “(....) não se limita a uma narrativa íntima e com presunção de veracidade, mas é uma construção moral discursiva produzida pela submissão da

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