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MÁRCIO CARLOS MACHADO Estudo da expressão do receptor da vasopressina (AVPR1B), do receptor do hormônio liberador de corticotrofina (CRHR1) e do receptor dos secretagogos de GH (GHSR-1a) em pacientes portadores de síndrome de Cushing ACTH- dependente: correlação clínico-molecular Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências Área de concentração: Endocrinologia Orientador: Dr. Luiz Roberto Salgado SÃO PAULO 2006 Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos. (Galileo Galilei) Dedico... Aos meus pais, João e Meire, que sempre me apoiaram em todos os momentos da minha vida. Ofereço... À minha esposa, Sandra, pelo seu amor (também) sempre tão presente. AGRADECIMENTOS À Deus, pela oportunidade de viver, amar, e fazer de minha profissão um instrumento de bondade e respeito ao próximo. Ao Dr. Luiz Roberto Salgado, por seu exemplo de dedicação ao estudo da neuroendocrinologia, significativa contribuição para o meu aprimoramento profissional, pelo apoio incondicional para a realização deste trabalho, mas, principalmente, pela amizade consolidada nesses anos de residência médica e pós- graduação. Ao Prof. Dr. Daniel Giannella-Neto e à Dra. Maria Lúcia C. Corrêa-Giannella, meu profundo agradecimento, por terem disponibilizado toda a estrutura e suporte do LIM-25, sem os quais não haveria possibilidade da concretização do meu sonho acadêmico. Ao Prof. Dr. Marcello Delano Bronstein, meu muito obrigado, por ter fornecido juntamente com o Dr. Salgado toda a estrutura de atendimento dos pacientes e incentivo profissional na Unidade de Neuroendocrinologia do HC e também fora do meio acadêmico. Ao Prof. Dr. Éder Carlos Rocha Quintão e à Profa. Dra. Berenice Bilharinho de Mendonça, em nome da Disciplina de Endocrinologia do HC/FMUSP, que muito me auxiliaram nesses anos de pós-graduação, principalmente em relação aos incentivos recebidos para ativa participação em congressos nacionais e internacionais. Ao biomédico Ricardo Rodrigues Giorgi, que me ensinou as primeiras noções de biologia molecular prática e pela sua amizade. À biomédica Ana Mercedes Cavaleiro Luna e à bióloga Maria Ângela Zanella Fortes, pela amizade e auxílio na prática do laboratório. À Dra. Nina Rosa Castro Musolino e ao Dr. Malebranche Berardo C. Cunha Neto, por terem também contribuído para o meu aprimoramento profissional e pelo encaminhamento de pacientes que ajudaram a compor minha casuística. Ao Dr. Valter A. S. Cescato, neurocirurgião que operou os casos de DC, muito me ajudou na coleta dos fragmentos tumorais, sempre com gentileza e cordialidade. Ao Prof. Dr. Bernardo L. Wajchenberg, à Dra. Maria Adelaide A. Pereira e à Dra. Márcia Nery, pelo encaminhamento de pacientes que ajudaram na construção da casuística. À Prof. Dra. Ana Maria J. Lengyel da Unidade de Neuroendocrinologia da UNIFESP, pela colaboração e suporte inicial em relação ao uso do GHRP-6. À Enfermeira Maria Francisca S. Oliveira, em nome da Enfermaria de Endocrinologia do HC/FMUSP, que muito me ajudou na feitura dos testes de estímulo nos pacientes com SC. À Enfermeira Irene Maria S. Silva e às funcionárias Selma J. Ambrósio, Sebastiana do Amaral Couto e à Tânia Cristina de Oliveira, da sala de testes hormonais do HC/FMUSP, pelo enorme auxílio na realização dos testes de estímulo nos pacientes e indivíduos controles. Ao LIM-42, por ter realizado todas as dosagens hormonais dos pacientes e dos indivíduos controles. Às secretárias Maria Aparecida da Silva e Rosana Zamboni, meu agradecimento pela gentileza nos processos relacionados à pós-graduação. Ao secretário Rubens José da Silva e à secretária Márcia Helena Monteiro, também pela valiosa ajuda para resolver assuntos burocráticos. Aos amigos do LIM-25, pelo valioso companheirismo dentro e fora do ambiente de trabalho. À Norisa A. Herrera, muito mais que secretária, grande amiga e companheira de muitos momentos alegres vividos nos últimos anos. À Fundação Faculdade de Medicina e CAPES, pelos auxílios financeiros para compras de materiais e auxílio pessoal através de bolsa. Aos pacientes e indivíduos controles, sem os quais não seria possível a realização deste trabalho. À minha querida Sandra, inspiração da minha vida, pela sua incansável e inestimável ajuda em várias etapas deste processo especialmente nas reações de PCR quantitativo e na finalização deste trabalho, mas principalmente, por viver ao meu lado, me apoiando incondicionalmente. Esta tese está de acordo com: Referências: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver) Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. Serviço de Biblioteca e Documentação. Guia de apresentação de dissertações, teses e monografias. Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Aragão, Suely Campos Cardoso, Valéria Vilhena. São Paulo: Serviço de Biblioteca e Documentação; 2004. Abreviaturas dos títulos dos periódicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus. SUMÁRIO Lista de Siglas Lista de Símbolos Lista de Figuras Lista de Tabelas Resumo Summary I INTRODUÇÃO 01 1 Síndrome de Cushing 01 1.1 Definições 01 1.2 Histórico 02 1.3 Classificação 03 1.4 Epidemiologia 06 1.5 Manifestações Clínicas 07 1.6 Diagnóstico 08 1.7 Diagnóstico Diferencial da Síndrome de Cushing ACTH-dependente 13 1.8 Secretagogos de GH (GHS) na Síndrome de Cushing 16 1.8.1 Histórico, Definição e Ações dos GHS 16 1.8.2 GHS e Eixo Hipotálamo-hipófise-adrenal 19 1.8.3 GHS na Síndrome de Cushing 19 1.9 Tratamento 23 1.10 Prognóstico 24 2 Expressão Gênica na Síndrome de Cushing ACTH-dependente 25 2.1 Receptor do Hormônio Liberador de Corticotrofina (CRHR1) 25 2.2 Receptores da Vasopressina (AVPR1B e AVPR2) 27 2.3 Receptores dos GHS (GHSR-1a e GHSR-1b) 29 II OBJETIVOS 34 III CASUÍSTICA E MÉTODOS 35 1 Pacientes e Amostras 35 2 Testes de Estímulo 39 2.1 Teste da Desmopressina 39 2.2 Teste do hCRH 40 2.3 Teste do GHRP-6 40 2.4 Ensaios Hormonais 41 3 Extração de RNA Total 41 4 Síntese do cDNA e RT-PCR Semi-quantitativa do Gene BCR 42 5 PCR Semi-quantitativa dos Genes PIT1 e BCR 45 6 PCR Quantitativa em Tempo Real (qPCR) dos Genes em Estudo 48 7 Análise Estatística 55 IV RESULTADOS 56 1 Teste do GHRP-6 no Grupo Controle 56 2 Testes nos Pacientes com Síndrome de Cushing 58 2.1 Teste do GHRP-6 58 2.2 Teste da Desmopressina 63 2.3 Teste do hCRH 63 3 Expressão dos Genesem Estudo 68 3.1 Expressão do RNAm do GHSR-1a 68 3.2 Expressão do RNAm do AVPR1B 68 3.3 Expressão do RNAm do CRHR1 69 4 Correlações Clínico-moleculares 69 V DISCUSSÃO 88 VI CONCLUSÕES 100 VII ANEXOS 102 VIII REFERÊNCIAS 113 Lista de Siglas aa aminoácido ACTH hormônio adrenocorticotrófico AIMAH hiperplasia adrenal macronodular ACTH-independente AMPc monofosfato cíclico de adenosina AVP arginina vasopressina AVPR1B receptor da arginina vasopressina tipo 1B BCR gene controle interno - break point cluster region CBSSPI cateterismo bilateral e simultâneo de seios petrosos inferiores cDNA ácido desoxirribonucléico complementar CP ponto de cruzamento do ciclo - cross point CRH hormônio liberador de corticotrofina CRHR1 receptor do hormônio liberador de corticotrofina tipo 1 CT limiar do ciclo - threshold cycle DAG diacilglicerol DC doença de Cushing DNA ácido desoxirribonucléico EtBr brometo de etídio FGF fator de crescimento de fibroblasto GAPDH gliceraldeído-3-fostato desidrogenase GABA ácido gama aminobutírico GC glicorticorticóide GH hormônio do crescimento GHRH hormônio liberador de hormônio do crescimento GHRP peptídeo liberador de hormônio do crescimento GHRP6 peptídeo liberador de hormônio do crescimento 6 GHS secretagogos de hormônio do crescimento GHSR receptor dos secretagogos de hormônio do crescimento GnRH hormônio liberador de gonadotrofina GR receptor de glicocorticóide HC-FMUSP Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo hCRH hormônio liberador de corticotrofina humano IGF1 fator do crescimento símile à insulina tipo 1 IP3 inositol-1,4,5-trifosfato IV intravenoso LIF fator inibitório de leucemia NEM1 neoplasia endócrina múltipla tipo 1 NL normal NR não realizado oCRH hormônio liberador de corticotrofina ovino pb par de bases PCR reação em cadeia da polimerase PIT1 fator de transcrição específico de hipófise tipo 1 PKC proteína C quinase PO pós-operatório POMC pró-opiomelanocortina PPNAD doença adrenal nodular primária pigmentada PRL prolactina PTTG gene transformador de tumor hipofisário qPCR reação em cadeia da polimerase quantitativa em tempo real ras oncogene homólogo do sarcoma viral de rato RM ressonância magnética RNA ácido ribonucléico RNAm ácido ribonucléico mensageiro RT-PCR reação em cadeia da polimerase pela transcripatse reversa SC síndrome de Cushing SEA Secreção Ectópica de ACTH TA temperatura ambiente TRH hormônio liberador de tireotropina UV luz ultravioleta VO via oral Lista de Símbolos °C grau Celsius = igual a > maior que ± mais ou menos < menor que µg micrograma µL microlitro % porcento dL decilitro h hora kb quilobase kg quilograma L litro m2 metro quadrado mg miligrama min minuto mL militro mM milimolar ng nanograma p significância estatística pg picograma rpm rotação por minuto s segundo U unidade Lista de Figuras Figura 1. Curva de sobrevida em pacientes com síndrome de Cushing portadores de doença de Cushing (confirmada e não confirmada) e adenomas de adrenal. No primeiro ano, a taxa de mortalidade é maior que na população geral para todas as etiologias da síndrome de Cushing. A longo prazo, só há diferença na mortalidade em relação à taxa esperada nos casos de doença de Cushing não confirmada. Esses últimos casos representam os pacientes que não tiveram remissão pós-operatória, explicando o pior prognóstico. Adaptado de Lindholm et al. (2001) Figura 2. A) Gel ilustrativo da integridade do RNA total de 4 amostras de hipófise normal (HN3, HN5, HN6 e HN7) e 3 amostras de tumor corticotrófico (ALSJ, GCV e SCC), em gel de agarose 1,2% com EtBr. B) Gel ilustrativo do produto de RT-PCR semi- quantitativa do gene BCR em 5 amostras de tecidos normais (HN3, HN7, HN8, TN2 e PN), 4 tumores corticotróficos (CRS, MNL e PPS) e 2 tumores ectópicos produtores de ACTH (VBJ e JCJ), em gel de agarose 2,0% com EtBr. Tu, tumor; SEA, Secreção Ectópica de ACTH; HN, hipófise normal; TN, timo normal; PN, pulmão normal; CN, controle negativo; pb, pares de base Figura 3. Co-amplifcação dos genes BCR e PIT1 por RT-PCR semi- quantitativa em amostras de hipófise normal e tecidos tumorais corticotróficos, visualizados em gel de agarose 2,0% com EtBr. HN, hipófise normal; CN, controle negativo; pb, pares de base Figura 4. Fluxograma da inclusão final das amostras dos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente para o estudo molecular dos genes de interesse (AVPR1B, GHSR-1a e CRHR1) Figura 5. Curvas de dissociação dos genes GAPDH (A), GHSR-1a (B), AVPR1B (C) e CRHR1 (D) Figura 6. Representação dos genes alvo (GHSR-1a = 192 pb, AVPR1B = 221 pb e CRHR1=182 pb) e do gene controle (GAPDH = 226) em gel de agarose 2,0% com EtBr para verificar a amplificação de produtos inespecíficos. PM, peso molecular, pb, pares de base 26 44 46 47 52 53 Figura 7. Determinação da eficiência de amplificação (slope) dos genes AVPR1B (A), CRHR1 (B) e GHSR-1a (C), em relação ao gene controle GAPDH Figura 8. Comparação das respostas de cortisol (A), ACTH (B) e GH (C) no teste do GHRP-6 nos indivíduos controles e nos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente. Doença de Cushing: n=20; indivíduos controles: n=21; síndrome de Cushing ACTH-dependente: n=22; SC, síndrome de Cushing; *p < 0,05 Figura 9. Respostas individuais ao teste do GHRP-6 dos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente e dos indivíduos controles. DC, doença de Cushing; Δ, diferença entre o valor absoluto do hormônio no pico menos o valor absoluto no basal (tempo 0) Figura 10. Respostas individuais aos testes nos pacientes com Secreção Ectópica de ACTH Figura 11. Valores individuais de expressão do RNAm do GHSR-1a das amostras dos tecidos normais (hipófises, timos e pulmão) e dos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente (Corticotrofinomas e Secreção Ectópica de ACTH); *modelo matemático de Pfaffl (2001); NL, Normal; SEA, Secreção Ectópica de ACTH Figura 12. Valores individuais de expressão do RNAm do GHSR-1a das amostras de tecidos normais (hipófises, timos e pulmão) e dos pacientes com Secreção Ectópica de ACTH; SEA, Secreção Ectópica de ACTH; NL, Normal; *modelo matemático de Pfaffl (2001) Figura 13. Expressão do RNAm do GHSR-1a nas amostras dos tumores corticotróficos e hipófises normais; *modelo matemático de Pfaffl (2001) Figura 14. Valores individuais de expressão do RNAm do AVPR1B das amostras dos tecidos normais (hipófises, timos e pulmão) e dos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente (Corticotrofinomas e Secreção Ectópica de ACTH); NL, Normal; SEA, Secreção Ectópica de ACTH 54 60 62 65 71 72 73 74 Figura 15. Valores individuais de expressão do RNAm do AVPR1B das amostras de tecidos normais (hipófises,timos e pulmão) e dos pacientes com SEA; SEA, Secreção Ectópica de ACTH; NL, Normal Figura 16. Expressão do RNAm do AVPR1B nas amostras dos tumores corticotróficos e hipófises normais Figura 17. Valores individuais de expressão do RNAm do CRHR1 das amostras dos tecidos normais (hipófises, timos e pulmão) e dos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente (Corticotrofinomas e Secreção Ectópica de ACTH); NL, Normal; SEA, Secreção Ectópica de ACTH Figura 18. Valores individuais de expressão do RNAm do CRHR1 das amostras de tecidos normais (hipófises, timos e pulmão) e dos pacientes com Secreção Ectópica de ACTH; SEA, Secreção Ectópica de ACTH; NL, Normal Figura 19. Expressão do RNAm do CRHR1 nas amostras dos tumores corticotróficos e hipófises normais Figura 20. Expressão do RNAm do GHSR-1a nos pacientes com doença de Cushing responsivos e não responsivos ao teste do GHRP-6 e nas hipófises normais; DC, doença de Cushing, *modelo matemático de Pfaffl (2001) Figura 21. Resultados dos testes de estímulo com GHRP-6, desmopressina e hCRH nos pacientes com Secreção Ectópica de ACTH, e expressão do RNAm dos receptores GHSR-1a (A), AVPR1B (B), e CRHR1 (C) nos respectivos pacientes e nas amostras de tecidos normais (hipófises, timos e pulmão); SEA, Secreção Ectópica de ACTH; NL, Normal, *modelo matemático de Pfaffl (2001) Figura 22. Expressão do RNAm do AVPR1B nos pacientes com doença de Cushing responsivos e não responsivos ao teste da desmopressina; DC, doença de Cushing 75 76 77 78 79 80 81 82 Figura 23. Expressão do RNAm do CRHR1 nos pacientes com doença de Cushing responsivos e não responsivos ao teste do hCRH; DC, doença de Cushing Figura 24. Correlação entre a expressão do RNAm dos receptores GHSR-1a e AVPR1B nas amostras de tumores corticotróficos; *modelo matemático de Pfaffl (2001) Figura 25. Correlação entre a expressão do RNAm dos receptores CRHR1 e GHSR-1a nas amostras de tumores corticotróficos; *modelo matemático de Pfaffl (2001) Figura 26. Correlação entre a expressão do RNAm dos receptores CRHR1 e AVPR1B nas amostras de tumores corticotróficos Figura Capa. A) Foto de paciente com síndrome de Cushing (SC) com múltiplas estrias violáceas largas em abdome e coxas; B) Imagem de RM, T1, corte coronal pós gadolíneo, em paciente com SC devido a tumor carcinóide pulmonar, mostrando imagem hipocaptante (seta) na porção mediana da hipófise (incidentaloma); C) Imagem em subtração de cateterismo bilateral de seios petrosos inferiores, mostrando cateteres posicionados nos seios petrosos inferiores e infusão de contraste à esquerda com refluxo para o lado contralateral; D) Visão cirúrgica de acesso transesfenoidal em paciente com macroadenoma hipofisário produtor de ACTH, mostrando abertura da duramáter (dm), lesão amarelada tumoral (TU) e tecido acinzentado à esquerda (tecido hipofisário não tumoral, HNT) 83 84 85 86 102 Lista de Tabelas Tabela 1. Etiologias da síndrome de Cushing endógena em adultos. Adaptado de Beauregard et al. (2002) Tabela 2. Manifestações clínicas da síndrome de Cushing. Adaptado de Aron et al. (2004) Tabela 3. Sensibilidade e especificidade dos exames utilizados para confirmação da síndrome de Cushing. Adaptado de Liu et al. (2005) Tabela 4. Exames utilizados no diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing ACTH-dependente Tabela 5. Efeitos dos GHS/ghrelina. Adaptado de Korbonits et al. (2004) Tabela 6. Casuísticas de GHS/ghrelina na síndrome de Cushing Tabela 7. Casuísticas de expressão do RNAm do GHSR-1a em adenomas hipofisários e comparação com o tecido hipofisário normal Tabela 8. Casuísticas de expressão do RNAm do GHSR-1a na síndrome de Cushing ACTH-dependente e em outros tumores neuroendócrinos ACTH negativos e comparação com o tecido hipofisário normal Tabela 9. Dados clínicos e laboratoriais dos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente Tabela 10. Comparação das casuísticas dos indivíduos controles e dos pacientes com doença de Cushing Tabela 11. Comparação dos valores de cortisol, ACTH, GH e IGF1 basais e pós estímulo com GHRP-6 nos indivíduos controles e nos pacientes com doença de Cushing 05 09 12 15 18 20 32 33 37 38 57 Tabela 12. Teste do GHRP-6 nos pacientes com tumores ectópicos produtores de ACTH Tabela 13. Resumo dos testes de estímulo nos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente Tabela 14. Resumo dos testes de estímulo nos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente que foram submetidos ao estudo molecular dos genes de interesse Tabela 15. Resultados dos testes de estímulo e resumo da expressão dos receptores nas amostras estudadas ANEXO E. Tabela com valores hormonais basais e pós estímulo com GHRP-6 nos indivíduos controles ANEXO F. Tabela com valores hormonais basais e pós estímulo com desmopressina nos pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente ANEXO G. Tabela com valores hormonais basais e pós estímulo com GHRP-6 nos pacientes com síndrome de Cushing ACTH- dependente ANEXO H. Tabela com valores hormonais basais e pós estímulo com hCRH nos pacientes com síndrome de Cushing ACTH- dependente 61 66 67 87 109 110 111 112 RESUMO Machado MC. Estudo da expressão do receptor da vasopressina (AVPR1B), do receptor do hormônio liberador de corticotrofina (CRHR1) e do receptor dos secretagogos de GH (GHSR-1a) em pacientes portadores de síndrome de Cushing ACTH-dependente: correlação clínico-molecular [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2006. 134p. INTRODUÇÃO: O diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing (SC) ACTH- dependente é um dos maiores desafios da endocrinologia, devido ao comportamento clínico e laboratorial semelhante de alguns tumores carcinóides com a doença de Cushing (DC). Assim, testes dinâmicos de secreção de ACTH e cortisol têm sido utilizados com o objetivo de identificar respostas que sejam preditivas e específicas no diagnóstico diferencial. O padrão dessas respostas é atribuído à superexpressão de receptores; entretanto, poucos estudos foram realizados para comprovar tal associação. O objetivo deste estudo foi verificar se a secreção de ACTH e cortisol em resposta aos testes do CRH humano (hCRH), da desmopressina, e do peptídeo liberador do GH (GHRP-6) é dependente da magnitude de expressão dos seus respectivos receptores (CRHR1, AVPR1B e GHSR-1a) em amostras de tumores de pacientes portadores da SC ACTH-dependente. CASUÍSTICA E MÉTODOS: Entre 2002 e 2004, foram avaliados 22 pacientes (20 com DC e dois com Secreção Ectópica de ACTH [SEA], carcinóide de pulmão e timo), idade mediana de 32 anos (15-54 anos), sendo 18 dosexo feminino e quatro do sexo masculino, provenientes da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os pacientes foram submetidos aos testes do hCRH (100 µg), desmopressina (10 µg) e GHRP-6 (1 µg/kg) com dosagens de ACTH e cortisol e também de GH no caso do GHRP-6. Vinte e um indivíduos controles, pareados por sexo e idade, foram submetidos ao teste do GHRP-6. Durante o ato operatório, fragmentos de tumor foram coletados para posterior extração do RNA total. O estudo da expressão foi feito por meio de PCR quantitativo em tempo real dos genes CRHR1, AVPR1B e GHSR-1a em relação ao GAPDH. Fragmentos de tecidos normais (hipófise, pulmão e timo) procedentes de necropsias foram utilizados como controles. RESULTADOS: Observamos maior expressão de GHSR-1a nos pacientes responsivos ao GHRP-6, tanto naqueles com DC quanto no paciente com carcinóide pulmonar. Não houve maior expressão dos receptores CRHR1 e AVPR1B nos pacientes com DC responsivos aos respectivos testes, observando-se, no entanto, uma forte associação entre respostas in vivo e a expressão desses receptores nos pacientes com SEA. As concentrações de ACTH e cortisol induzidas pela administração de GHRP-6 foram mais elevadas nos pacientes com DC quando comparados aos controles, havendo, no entanto, superposição entre as respostas. Observamos também elevação dos níveis séricos de GH nos indivíduos controles e, em menor intensidade, nos pacientes com DC. CONCLUSÕES: Houve maior expressão do receptor GHSR-1a em pacientes com SC ACTH-dependente responsivos ao GHRP-6, estabelecendo-se uma relação direta entre a expressão do receptor e a resposta in vivo ao secretagogo, tanto em pacientes com DC quanto nos portadores de SEA. Uma associação entre a expressão dos receptores CRHR1 e AVPR1B com a resposta in vivo aos respectivos secretagogos foi observada nos pacientes com SEA e não nos pacientes com DC. Tendo em vista a resposta ao GHRP-6 em paciente com SEA, limita-se o uso desse peptídeo no diagnóstico diferencial da SC ACTH-dependente. DESCRITORES: Síndrome de Cushing/diagnóstico, Neoplasias hipofisárias, Síndrome de ACTH ectópico, Tumor carcinóide, Expressão gênica, Receptores de vasopressina, Receptores de hormônio liberador de corticotropina SUMMARY Machado MC. Study of mRNA expression of the receptors for vasopressin (AVPR1B), corticotropin releasing hormone (CRHR1) and GH secretagogues (GHSR-1a) in patients with ACTH-dependent Cushing’s syndrome: clinical- molecular correlation [thesis]. Sao Paulo: University of Sao Paulo School of Medicine; 2006. 134p. INTRODUCTION: The differential diagnosis of ACTH-dependent Cushing’s syndrome (CS) is one of the major challenges in endocrinology, especially in view of the similar clinical and laboratorial behavior between some carcinoid tumors and Cushing’s disease (CD). Hence, dynamic tests of ACTH and cortisol release have been carried out with the aim to identify predictive and specific responses for this differential diagnosis. The pattern of the responses has been attributed to receptors overexpression, yet few studies have been undertaken to confirm such association. The aim of the present study was to verify whether ACTH and cortisol release in response to human CRH (hCRH), desmopressin, and GH releasing peptide (GHRP-6) depends on the magnitude of expression of their respective receptors (CRHR1, AVPR1B e GHSR-1a) in samples of tumors from patients with ACTH-dependent CS. PATIENTS AND METHODS: Twenty two patients (20 with CD and 2 with Ectopic ACTH Syndrome [EAS], lung and thymus carcinoid tumors) from the Division of Endocrinology and Metabolism of University of Sao Paulo School of Medicine, median age of 32 years (15-54 years), being 18 females and 4 males, were evaluated between 2002 and 2004. The patients were submitted to dynamic tests with hCRH (100 µg), desmopressin (10 µg) and GHRP-6 (1 µg/kg), with measurement of ACTH and cortisol levels, and also of GH in the case of GHRP-6 stimulation. Twenty one age and sex-matched controls were submitted to the GHRP-6 test. During surgery, tumor fragments were collected and subsequently processed for total mRNA extraction. Gene expression of CRHR1, AVPR1B and GHSR-1a relative to GAPDH was quantitated by real-time qPCR. Tissue samples of normal pituitary, lung and thymus from necropsy were used as controls. RESULTS: Greater expression of GHSR-1a was observed in patients responsive to the GHRP-6 test, both in those with CD and in the one with pulmonary carcinoid tumor. No enhanced expression of receptors CRHR1 and AVPR1B was found in CD patients responsive to the respective dynamic tests, yet there was a strong association between the in vivo responses and the expression of those receptors in the two patients with EAS. GHRP-6 -induced ACTH and cortisol release was more marked in patients with CD as compared with control individuals, but there was overlap of the responses. GH stimulation was observed in control individuals and, to a lesser extent, in patients with CD. CONCLUSIONS: There was greater expression of GHSR-1a in patients with ACTH-dependent CS who responded to GHRP-6, establishing a direct association between receptor gene expression and the in vivo response to the secretagogue in both CD patients and those with EAS. An association between expression of CRHR1 and AVPR1B and the in vivo response to the respective secretagogues was found in patients with EAS but not in those with CD. In view of the response to GHRP-6 in a patient with EAS, we considered the use of this peptide in the differential diagnosis of ACTH-dependent CS of limited value. DESCRIPTORS: Cushing´s Syndrome/diagnosis, Pituitary neoplasms, Ectopic ACTH Syndrome, Carcinoid tumor, Gene expression, Vasopressin receptors, Corticotropin-releasing hormone receptors Introdução 1 I INTRODUÇÃO 1 Síndrome de Cushing 1.1 Definições A síndrome de Cushing (SC) é um estado clínico resultante de prolongada e inapropriada exposição à quantidade excessiva de cortisol, determinando concentrações séricas elevadas de cortisol, perda da contra-regulação normal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e alteração no ritmo circadiano de secreção do cortisol (Trainer et al., 1991; Newell-Price et al., 1998). Essa definição se refere à SC endógena, condição na qual, existe uma fonte endógena responsável pela produção excessiva do hormônio cortisol. Há também a SC causada pela exposição excessiva e prolongada aos glicocorticóides, potentes agentes antiinflamatórios, amplamente utilizados em várias doenças. Nessa situação, a SC é denominada exógena e pode ocorrer com o uso de praticamente todas as apresentações desses fármacos tais como a tópica, inalatória, e principalmente, a oral. A SC exógena é uma condição mais freqüente que a endógena e, na maioria das vezes, facilmente suspeitada e confirmada pelo diagnóstico da doença de base e pela história do uso dessas medicações. Outras condições podem cursar com evidências laboratoriais de excesso de cortisol, porém,não configurando a SC, como em pacientes internados por longos períodos em UTI (Newell-Price et al., 1998). Introdução 2 A SC endógena pode ser dividida, em relação ao mecanismo fisiopatológico, em dois grupos: ACTH-dependente e ACTH-independente. Cada grupo é composto por algumas doenças, tendo em comum as concentrações plasmáticas de ACTH (baixas ou indetectáveis na SC ACTH-independente e elevadas ou inapropriadamente normais na SC ACTH-dependente). Em adultos, a etiologia mais freqüente da SC endógena é representada pelos tumores hipofisários (adenomas) produtores de ACTH, denominada doença de Cushing (DC). Por outro lado, existem outras etiologias (principalmente tumorais) originadas em diversos órgãos que produzem ACTH e SC. Nessa situação, o quadro é comumente denominado Secreção Ectópica de ACTH (SEA) ou síndrome de Cushing Ectópica. Alguns autores (Odell et al., 1977 apud Terzolo et al., 2001) questionam essas denominações de produção ectópica, pois vários tecidos, mesmo não endócrinos, mostraram imunoreatividade para ACTH, embora, normalmente não haja secreção de ACTH detectável proveniente desses tecidos nem importância fisiológica conhecida. 1.2 Histórico Em 1898, William Osler descreveu um caso cujas manifestações clínicas lembravam a síndrome de Cushing (Altschule, 1980). Porém, somente mais de três décadas depois, o neurocirurgião Harvey Cushing publicou uma série de 12 casos (Cushing, 1932 apud Newell-Price et al., 1998), onde correlacionou o conjunto dos sinais e sintomas com o achado anátomo-patológico de basofilismo hipofisário, sendo então, denominada síndrome de Cushing. Em 1928, foi descrito um caso de tumor pulmonar de pequenas células com sinais e sintomas sugestivos de hipercortisolismo (Brown, 1928 apud Beuschlein e Hammer, 2002). Anos depois, essa associação de SC ACTH-dependente com Introdução 3 tumores originários de tecidos não-endócrinos foi melhor caracterizada (Meador et al., 1962 apud Beuschlein e Hammer, 2002; Liddle et al., 1962 apud Beuschlein e Hammer, 2002). Mesmo hoje, mais de setenta anos após a correlação clínico-patológica original (Cushing, 1932 apud Newell-Price et al., 1998), o diagnóstico diferencial da SC permanece por vezes muito difícil, sendo um dos maiores desafios na clínica endocrinológica. 1.3 Classificação Como já mencionado, a SC endógena pode ser classificada de acordo com as concentrações plasmáticas de ACTH em ACTH-dependente e independente. Na DC e na SEA que representam praticamente a totalidade do primeiro grupo, as concentrações de ACTH são elevadas ou inapropriadamente normais para os níveis de cortisol (Tabela 1). A SC ACTH-independente, menos freqüente, é representada por doenças nas glândulas adrenais, principalmente, por adenomas, hiperplasias e carcinomas. Nesse grupo, a secreção de ACTH hipofisário está habitualmente suprimida, sendo as concentrações plasmáticas de ACTH indetectáveis ou baixas, especialmente < 10 pg/mL (Arnaldi et al., 2003a; Lindsay e Nieman, 2005). A maioria dos casos de SC endógena em geral é causada por tumores esporádicos, sejam hipofisários (DC ou carcinoma corticotrófico), tumores ectópicos (ACTH, CRH/ACTH ou cortisol) ou adrenais (adenomas ou carcinomas). Muito menos freqüente, a SC é causada por hiperplasias, principalmente, das adrenais (Newell-Price et al., 1998), sendo descritas também hiperplasias na hipófise (Beauregard et al., 2002) e em outros órgãos, como o timo (Ohta et al., 2000). As hiperplasias adrenais são, em geral, bilaterais, podendo ser Introdução 4 macronodulares (AIMAH – ACTH-independent bilateral macronodular adrenal hyperplasia), decorrentes da expressão de receptores adrenais anômalos; e micronodulares, representadas principalmente pela PPNAD (primary pigmented nodular adrenal disease) (Newell-Price et al., 1998). Essa última, comumente familiar e integrante de uma síndrome denominada Complexo de Carney (PPNAD, mixomas cardíacos ou cutâneos, adenomas hipofisários, neoplasia testicular, adenoma ou carcinoma de tireóide, cistos ovarianos e schwanomas), onde mutações no gene da PRKAR1A (protein kinase A type 1a regulatory subunit) que funciona como um gene supressor de tumor, promovem proliferação celular em vários tecidos (Carney et al., 1985; Stratakis et al., 2001). Outra condição familiar onde a SC pode estar presente é a Neoplasia Endócrina Múltipla - tipo 1 (NEM1), causada por perda de heterozigosidade na região 11q13 (gene menin). Essa associação é pouco frequente (Matsuzaki et al., 2004; Rix et al., 2004), já que os adenomas hipofisários que são componentes da NEM1, são na maioria produtores de PRL e GH (Vergès et al., 2002). Além disso, adenomas de adrenal e tumores ectópicos produtores de ACTH podem ser etiologias da SC na NEM1 (Gardner, 2004). Outra situação que a SC ACTH-independente pode estar associada é a síndrome de McCune-Albright, doença esporádica cujas manifestações clínicas são em parte similares às do Complexo de Carney (Stratakis et al., 2001), decorrente de mutação ativadora na subunidade α da proteína G levando ativação constitutiva de células adrenais (Weinstein et al., 1991). Finalmente, a SC pode ser causada por hipersensibilidade ao cortisol devido à expressão periférica aumentada do receptor de cortisol ou afinidade aumentada desse hormônio com o seu receptor. Existem somente duas descrições dessa entidade (Lida et al., 1990; Newfield et al., 2000) e outros estudos são necessários para o melhor entendimento dessa condição. Introdução 5 Tabela 1. Etiologias da síndrome de Cushing endógena em adultos. Adaptado de Beauregard et al. (2002) ETIOLOGIA FREQÜÊNCIA (%) ACTH-DEPENDENTE 80 Adenoma corticotrófico (Doença de Cushing) 60 - 70 Secreção ectópica de ACTH 15 Secreção ectópica de CRH / ACTH Rara Hiperplasia corticotrófica Rara Carcinoma corticotrófico Rara ACTH-INDEPENDENTE 20 Adenoma de adrenal 10 Carcinoma de adrenal 5 Hiperplasia adrenal micronodular (PPNAD) Rara Hiperplasia adrenal macronodular (AIMAH) Rara Síndrome de hipersensibilidade ao cortisol Muito rara Secreção ectópica de cortisol Muito rara PPNAD, primary pigmented nodular adrenal disease; AIMAH, ACTH-independent bilateral macronodular adrenal hyperplasia Introdução 6 1.4 Epidemiologia Em geral, a SC endógena é uma condição rara, com incidência de 10 casos por 1.000.000/habitantes/ano, acometendo indivíduos em várias faixas etárias, mas com maior prevalência entre 20-30 anos, e mais freqüente no sexo feminino (Beauregard et al., 2002). Entretanto, estudos recentes em populações de alto risco (obesos portadores de Diabete Melito não controlado) têm mostrado uma prevalência de 2 a 3,3% de SC (Leibowitz et al., 1996; Catargi et al., 2003) e 7% numa população de pacientes diabéticos internados (Chiodini et al., 2005), sugerindo que a SC seja mais comum do que previamente conhecida.A DC é a causa mais comum da SC endógena em adultos, representando 60-70% de todos os casos, com incidência de 5-6 casos por 1.000.000/habitantes/ano e com predominância no sexo feminino de 8:1 (Beauregard et al., 2002). A SEA é caracterizada por um grupo heterogêneo de doenças geralmente neoplásicas, acometem vários órgãos e, em geral, são um pouco mais freqüentes nas mulheres na proporção de 1,2:1. Vale ressaltar que algumas doenças em particular, carcinomas pulmonares de pequenas células e os carcinóides tímicos produtores de ACTH, são discretamente mais prevalentes no sexo masculino (52 vs. 48%) (Beuschlein e Hammer, 2002). A incidência de tumores adrenais unilaterais que causam a SC é de 2 casos por 1.000.000/habitantes/ano, também com maior freqüência nas mulheres: 4:1. Os carcinomas de adrenal nos adultos, também possuem discreta predileção pelo sexo feminino: 2:1 (Beauregard et al., 2002). Em crianças a prevalência de doenças adrenais é maior que em adultos (65%) e os carcinomas adrenais mais freqüentes nessa população (Beauregard et al., 2002). Introdução 7 1.5 Manifestações Clínicas As manifestações clínicas da SC acometem vários órgãos e tecidos, não existindo total especificidade dos sinais e sintomas (Tabela 2). Na verdade, existe uma superposição destas manifestações com outras situações clínicas tais como a síndrome Metabólica e a síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), especialmente em casos leves de SC (Findling e Raff, 2001). Contudo, algumas dessas morbidades são mais específicas da SC: osteoporose, miopatia, atrofia cutânea, desordens neuropsiquiátricas e nefrolitíase (Findling e Raff, 2001). A presença desses achados em um paciente com obesidade, hipertensão arterial, Diabete Melito, alterações menstruais, estrias violácias, entre outras, aumenta a grau de suspeição da SC. Comumente, o quadro clínico da SC tem início insidioso e se prolonga por vários anos até o seu reconhecimento. Por essa característica insidiosa e inespecífica dos sinais e sintomas, uma revisão recente sugeriu em que situações deveria ser pesquisada a SC (Findling e Raff, 2005): obesidade centrípeta com a presença de face pletórica e em lua cheia, acúmulo de gordura na fossa supraclavicular e giba dorsal, atrofia cutânea com fragilidade capilar, estrias violáceas largas (> 1 cm), miopatia proximal, hirsutismo, micoses cutâneas, retardo de crescimento (em crianças); síndrome metabólica com Diabete Melito não controlado (hemoglobina glicosilada A1C > 8%), hipertensão, dislipidemia, SOP; hipogonadismo hipogonadotrófico, com irregularidade menstrual (oligomenorréia, amenorréia) ou infertilidade, diminuição da libido e disfunção erétil; osteoporose, especialmente com fratura, em pacientes com menos de 65 anos de idade. As primeiras descrições da SEA relataram quadro clínico diferente das manifestações clássicas da SC, predominando um quadro agressivo de rápida evolução, com hiperpigmentação cutânea, profunda fraqueza muscular, hipocalemia Introdução 8 e pouco ganho ou até mesmo perda de peso. Esse quadro clínico “aberto” (“overt”) da SC foi atribuído ao carcinoma pulmonar de pequenas células (Meador et al., 1962 apud Beuschlein e Hammer, 2002). Entretanto, vários tumores, principalmente os carcinóides bem diferenciados, podem produzir quadro clínico totalmente superponível à DC, dificultando o diagnóstico diferencial. Em crianças, os estigmas clássicos da SC podem não estar presentes e o ganho de peso associado ao retardo de crescimento são os achados mais proeminentes para a suspeita da síndrome (Magiakou et al., 1994; Leinung e Zimmerman, 1994). Apesar da pletora de sinais, sintomas e morbidades que compõem a SC, raros pacientes portadores de adenomas corticotróficos não exibem fenótipo cushingóide mesmo na fase ativa da doença. Há descrição de defeito na conversão da cortisona em cortisol, mediada pela enzima 11-beta-hidroxiesteroide dehidrogenase tipo 1 (11β-HSD1) (Tomlinson et al., 2002), e secreção de molécula de ACTH biologicamente inativa de alto peso molecular (Matsuno et al., 2004), situações raras que explicam essa ausência de fenótipo cushingóide em pacientes com tumores corticotróficos. 1.6 Diagnóstico Após a suspeita clínica, se possível com a presença de algum sinal ou sintoma de maior especificidade para a SC e da exclusão de fonte exógena, o diagnóstico apresenta duas etapas seqüenciais importantes que não devem ser negligenciadas. A primeira etapa consiste de exames para a confirmação do hipercortisolismo, não importando nesse momento a etiologia da SC. Introdução 9 Tabela 2. Manifestações clínicas da síndrome de Cushing. Adaptado de Aron et al. (2004) MANIFESTAÇÃO CLÍNICA FREQÜÊNCIA (%) Obesidade* 90 Face em lua cheia¥ 90 Hipertensão arterial 85 Manifestações neuropsiquiátricas 85 Impotência/diminuição libido 85 Osteopenia 80 Intolerância a glicose 75 Hirsutismo 75 Pletora facial 70 Dislipidemia 70 Desordens menstruais 70 Fraqueza muscular 65 Edema¥ 55 Estrias 50 Infecções fúngicas 50 Osteoporose/fratura 50 Exoftalmo§ 45 Acne 35 Fragilidade capilar 35 Poliúria 30 Diabete Melito 20 Nefrolitíase 15 Hiperpigmentação 10 Cefaléia 10 *Especialmente a obesidade centrípeta com preenchimento de fossas supraclaviculares e giba dorsal (“buffalo hump”); ¥Newell-Price et al. (1998); §Kelly (1996) Introdução 10 A primeira linha de exames utilizados para a confirmação, segundo Arnaldi et al. (2003a), consiste de: cortisol urinário livre de 24 h; supressão de cortisol com dose baixa de dexametasona; e cortisol salivar noturno (2400 h). Outros exames tradicionalmente usados são: cortisol sérico noturno (2400 h) e teste do CRH ovino (oCRH) após dexametasona. O cortisol urinário livre de 24 h reflete um índice integrado da secreção de cortisol que circula no sangue nesse período, representando um exame com alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da SC (Tabela 3). Recomenda-se a coleta de três a quatro amostras, pois pode ocorrer secreção variável de cortisol. Um estudo mostrou pelo menos uma amostra de cortisol urinário normal dentre quatro, em 11% dos pacientes (Nieman e Cutler, 19901). Valores pouco acima da referência do método podem estar presentes em quadros leves da SC como também em situações conhecidas como pseudo-Cushing. Classicamente, a depressão e o alcoolismo são as causas mais atribuídas ao pseudo-Cushing. Nessas situações, existe uma hiper-ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal com secreção aumentada de CRH. Outras situações, como a gestação, estresse, anorexia nervosa, resistência aos glicocorticóides e artefatos laboratoriais (carbamazepina ou fenofibrato), também podem ser considerados estados de pseudo-Cushing, já que produzem alterações superponíveis às da SC. Assim, alguns autores valorizam mais o cortisol urinário quando os valores estão 3 a 4 vezes acima do normal (Newell-Price et al., 1998). Falso-negativos podem ocorrer com a função renal alterada (taxa de filtraçãoglomerular < 30 mL/min). Por isso, é recomendável a concomitante mensuração da creatinúria de 24 h. Em crianças, os valores 1Nieman LK, Cutler Jr GB. (National Institutes of Health, Bethesda, Maryland, USA). The sensitivity of the urine free cortisol measurement as a screening test for Cushing’s syndrome. (Presented at 72nd Annual Meeting of The Endocrine Society; 1990 June 16-19; Atlanta, USA. Abstracts). Introdução 11 devem ser corrigidos para a superfície corpórea/1,72 m2 (Newell-Price et al., 1998). Uma forma simplificada é a determinação do cortisol urinário noturno (2000h às 800h). Entretanto, essa variante do método não é utilizada rotineiramente e outros estudos são necessários para sua validação (Corcuff et al., 1998). O teste de supressão do cortisol com dose baixa de dexametasona mais utilizado, consiste na determinação do cortisol sérico às 800h após ingesta de 1 mg de dexametasona entre 2300 h e 2400 h (overnight). O critério original para a supressão normal do cortisol era < 5 µg/dL. Atualmente, o valor de corte é < 1,8 µg/dL, aumentando a sensibilidade desse método, principalmente, pela identificação de casos leves da SC. Falso-positivos podem ocorrer quando existe: metabolização aumentada da dexametasona (uso de barbitúricos, fenitoína, carbamazepina, rifampicina, meprobamate, aminoglutetimide ou metaqualone), absorção diminuída da dexametasona, aumento da globulina ligadora de cortisol (CBG) (tratamento com estrógeno ou gestação), e nos estados de pseudo-Cushing (Arnaldi et al., 2003a). Ainda, recomenda-se o uso de ensaios do cortisol com sensibilidade de 1 µg/dL ou menos (Trainer et al., 1991; Newell-Price et al., 1998). O cortisol salivar noturno (2400 h) tem sido considerado um exame tão sensível quanto o cortisol urinário (Arnaldi et al., 2003a), refletindo porcentagem do cortisol sérico total (65%) e do cortisol sérico livre (5%) (Barrou et al., 1996). Dentre as vantagens estão a facilidade de coleta e estabilidade da amostra em temperatura ambiente. Vários trabalhos têm analisado esse método e recentemente uma importante revisão diagnóstica, sugeriu que o cortisol salivar noturno seja o primeiro exame solicitado na suspeita da SC (Findling e Raff, 2005). Também tem sido estudado o cortisol salivar (800 h) após dose baixa de dexametasona (Castro et al., 2003; Liu et al., 2005), sendo necessários mais estudos para validação desse método. Introdução 12 Tabela 3. Sensibilidade e especificidade dos exames utilizados para confirmação da síndrome de Cushing. Adaptado de Liu et al. (2005) EXAME SENSIBILIDADE (%) ESPECIFICIDADE (%) Cortisol urinário livre de 24 h 76 a 100 95 a 98 Supressão de cortisol sérico com dose baixa de dexametasona* 93 a 100 NR Cortisol salivar noturno (2400 h) 92,7 a 100 84,8 a 100 Cortisol sérico noturno (2400 h) 90,2 a 100 82,9 a 100 Cortisol salivar (800 h) após dose baixa de dexametasona 91,4 a 100 94 a 100 oCRH pós dexametasona 100¥ 100¥ *Cortisol sérico < 1,8 µg/dL; ¥Yanovski et al. (1993); oCRH, CRH ovino; NR, não realizado Introdução 13 Outro exame, utilizado com o mesmo racional de verificar as concentrações de cortisol no momento de nadir do ritmo circadiano normal, é a mensuração do cortisol sérico noturno (2400 h). As desvantagens principais, em relação ao cortisol salivar, são as necessidades de coleta geralmente após 48 h de internação hospitalar e da coleta em repouso. Finalmente, o teste do oCRH após dexametasona é considerado o melhor método para o diagnóstico diferencial entre a SC e o estado de pseudo-Cushing (Newell-Price et al., 1998). A dexametasona é administrada VO de 6/6 h por 2 dias na dose de 0,5 mg. Após 2 h da última dose (600 h do 2º dia) o oCRH é infundido na quantidade de 1 µg/kg IV. O cortisol sérico > 1,4 µg/dL 15 min após a infusão do oCRH confirma o diagnóstico da SC (Yanovski et al., 1993). Não há padronização desse teste com o CRH humano (hCRH). Apesar de todos os métodos citados, o diagnóstico é por vezes bastante difícil. Outro fator que dificulta esse diagnóstico é a incomum secreção cíclica de cortisol que pode ocorrer com quaisquer etiologias da SC. Essa condição também é denominada Cushing intermitente ou hormonogênese periódica (Bailey, 1971 apud Newell-Price et al., 1998). Nessa situação, coletas seriadas de exames como o cortisol urinário de 24 h e o cortisol salivar notuno (2400 h) podem ajudar na investigação. 1.7 Diagnóstico Diferencial da Síndrome de Cushing ACTH-dependente O diagnóstico diferencial da SC ACTH-dependente é, frequentemente difícil, demorado e oneroso. Isso ocorre, entre outros motivos, pela limitação da ressonância magnética (RM) da região hipofisária que evidencia apenas 50% dos tumores corticotróficos, baixa especificidade dos testes dinâmicos de ACTH e cortisol, e principalmente, pelo comportamento clínico e laboratorial semelhante de alguns tumores carcinóides bem diferenciados com a DC. Introdução 14 Desse modo, são utilizados diversos exames, desde métodos simples como a determinação do potássio sérico até exames de imagem sofisticados como o tomografia por emissão de positrons com 18F-fluoro-2-deoxy-D-glucose (PET-FDG) (Tabela 4), sendo o cateterismo bilateral e simultâneo de seios petrosos inferiores (CBSSPI) considerado o teste padrão-ouro com acurácia em torno de 94% (Lindsay e Nieman, 2005). Apesar do arsenal de exames disponíveis, 12,5% dos casos permaneceram com o diagnóstico etiológico desconhecido em um centro de referência após anos de inúmeros procedimentos diagnósticos e terapêuticos (Isidori et al., 2006), sendo chamados de secreção ectópica oculta de ACTH. O hormônio liberador do ACTH (CRH), identificado por Vale et al. (1981), tem sido extensamente estudado nesse contexto. A maioria dos casos de DC responde significativamente ao CRH enquanto que na SEA só raramente (Newell- Price et al., 1998). O teste é realizado com oCRH ou hCRH, sendo o primeiro peptídeo mais estudado, com estímulo mais potente e prolongado. É difícil a comparação dos peptídeos, entretanto os dados disponíveis atualmente sugerem uma melhor acurácia com o oCRH (Lindsay e Nieman, 2005). Mais comumente, é definido como resposta positiva específica para a doença de Cushing um incremento em relação ao basal de > 20% de cortisol e > 35% de ACTH com oCRH (Nieman et al., 1993), e > 14% de cortisol e > 105% de ACTH para hCRH (Newell-Price et al., 2002). Há tempos é conhecido o efeito estimulador da vasopressina sobre a secreção de ACTH, particularmente potencializando os efeitos do CRH (DeBold et al., 1984). A arginina vasopressina (AVP) e a lisina vasopressina (LVP) foram utilizadas no diagnóstico diferencial da SC ACTH-dependente, apresentando respostas positivas em 70% dos pacientes com DC. Entretanto, esses peptídeos produziam efeitos colaterais como dores abdominais e náuseas, limitando seu uso (Newell-Price et al., 2002). Introdução15 Tabela 4. Exames utilizados no diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing ACTH-dependente EXAME DOENÇA DE CUSHING* SECREÇÃO ECTÓPICA DE ACTH* Potássio NL Hipocalemia ACTH NL ou pouco elevado NL ou elevado Supressão de cortisol com dose alta (8mg) de dexametasona Suprime Não suprime Teste do oCRH Responsivo Não responsivo Teste do hCRH Responsivo Não responsivo Teste da desmopressina Responsivo Não responsivo Teste dos GHS (hexarelina, GHRP-6) Responsivo Não responsivo Marcadores tumorais ¥ Ausentes Podem estar presentes RM hipófise Positiva em 50-60% Incidentaloma em 10% TC/RM - tórax / abdome / região cervical NL Positivo Cintilografia de receptores de somatostatina (111In-pentreotide) Negativo Positivo Gradiente de ACTH ... Gradiente positivo FDG-PET ... Positivo em alguns casos Cateterismo bilateral e simultâneo dos seios petrosos inferiores Gradiente centro- periferia Sem gradiente centro-periferia *Resultados encontrados mais comuns; ¥Marcadores tumorais mais comuns: calcitonina, gastrina, antígeno carcinogênico embrionário (CEA), gonadotrofina coriônica humana fração beta (βhCG), α-fetoproteína (Howlett et al., 1986 apud Wajchenberg et al., 1994); NL, normal Introdução 16 Desde então, a desmopressina que é um análogo sintético de longa duração da vasopressina, tem sido usada no diagnóstico diferencial (Malerbi et al., 1993). Nesse estudo original com a desmopressina, ocorreram respostas exageradas de cortisol em 15/16 pacientes com DC, e respostas ausentes em indivíduos normais e em um paciente com SEA. Posteriormente, outras casuísticas mostraram respostas positivas em indivíduos normais (Scott et al., 1999) e também em tumores ectópicos, com porcentagem maior do que com CRH (Newell-Price et al., 1998). O critério de resposta mais utilizado para a desmopressina (10 µg IV) é o mesmo do oCRH, incremento de > 20% de cortisol e > 35% de ACTH em relação aos valores basais (Nieman et al., 1993). Esse padrão de respostas exageradas de ACTH e cortisol com o CRH e desmopressina tem sido atribuído à maior expressão dos respectivos receptores nos tumores, sendo que diferenças de expressão podem explicar as diferentes respostas nos pacientes com SC ACTH-dependente. Entretanto, nenhum estudo sistemático foi feito até o momento para confirmar tal associação. 1.8 Secretagogos de GH (GHS) na Síndrome de Cushing 1.8.1 Histórico, Definição e Ações dos GHS Em 1977, Bowers et al. apud Korbonits et al. (2004) descreveram um peptídeo sintético, análogo das metencefalinas, com potente efeito estimulatório de GH em animais e humanos. Essa substância faz parte de uma família de secretagogos de GH (GHS), peptídicos (GHRP – peptídeo liberador de GH) e não peptídicos (exemplo: MK-0677). Os GHS não possuem homologia com o GHRH e atuam em receptor específico, diferente do receptor do GHRH (Korbonits et al., 2004; van der Lely et al., 2004; Lengyel, 2006). Introdução 17 Em 1996 foi clonado o receptor dos GHS (GHSR) (Howard et al.) e somente em 1999, foi descoberto o seu ligante natural denominado ghrelina (Kojima et al.). Os GHS são potentes estimuladores de GH, administrados tanto por via parenteral quanto por VO (Smith et al., 1997). Entretanto, foram usados no tratamento da baixa estatura e, também, na deficiência de GH com resultados apenas modestos, nitidamente inferiores à administração do GH exógeno humano (hGH) (Mericq et al., 2003; Korbonits et al., 2004). Os GHS estimulam a secreção de GH pela ação direta em seu receptor ativo (GHSR-1a), expresso principalmente no hipotálamo (núcleo arqueado) (Kojima et al., 1999). Desta maneira, possuem ação sinérgica ao GHRH e ação antagônica à somatostatina (Korbonits et al., 2004; van der Lely et al., 2004; Lengyel, 2006). Porém, também possuem ação direta na hipófise, mediada pelo seu receptor e, mesmo em casos de lesão de haste hipofisária em animais, ainda produzem pequena secreção de GH (Fletcher et al., 1994). Entretanto, pacientes portadores de desconexão hipotálamo-hipofisária não secretaram GH com estímulo de ghrelina (Popovic et al., 2003). A ghrelina, ligante natural dos receptores dos GHS, expressa em vários tecidos, principalmente no estômago, constitui uma nova via na fisiologia da secreção do GH, além do GHRH e da somatostatina. Entretanto, admite-se atualmente, que a ghrelina possui importância apenas secundária para a secreção fisiológica do GH, provavelmente por amplificar o padrão de secreção de GH, ampliando a resposta do somatotrofo ao GHRH (Lengyel, 2006) Por outro lado, foram descritas até o momento, várias ações da ghrelina e dos GHS, ligadas principalmente à homeostase energética do organismo (Korbonits et al., 2004; van der Lely et al., 2004) (Tabela 5). Introdução 18 Tabela 5. Efeitos dos GHS/ghrelina. Adaptado de Korbonits et al. (2004) AÇÃO EFEITO Liberação de GH ↑ Liberação de ACTH e cortisol ↑ Liberação de PRL ↑ Apetite ↑ Metabolismo de carboidrato ↑ ↓ Motilidade gástrica ↑ Sono ↑ Metabolismo ósseo* ↑ Coração (inotropismo) ↑ Vasodilatação ↑ Proliferação celular ↑ ↓ Sistema nervoso autônomo ↑ ↓ Termoregulação ↓ *Possivelmente via GH Introdução 19 1.8.2 GHS e Eixo Hipotálamo-hipófise-adrenal Apesar do nome, os GHS estimulam a secreção de ACTH, cortisol e PRL em indivídiuos normais, sendo que com a ghrelina, pode haver também secreção de aldosterona (Arvat et al., 2001). Entretanto, ao contrário da secreção de GH, há necessidade do eixo hipotálamo-hipófisário íntegro para que ocorra a secreção de ACTH. Em casos de desconexão, essa resposta é totalmente abolida. Desta maneira, admite-se que o mecanismo da resposta do ACTH seja mediado por centros superiores à hipófise, provavelmente mediado pela arginina-vasopressina (Korbonits et al., 2004). A secreção de cortisol pelos GHS é secundária à estimulação do ACTH, apesar de existir expressão do receptor GHSR-1a na adrenal. Ainda é pouco conhecido o papel fisiológico da ghrelina no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (Korbonits et al., 2004). Por sua vez, a PRL é secretada pelos GHS/ghrelina supostamente por ativação de células mamo-somatotróficas, embora a ação no hipotálamo não possa ser excluída (Korbonits et al., 2004). 1.8.3 GHS na Síndrome de Cushing Os GHS são utilizados no diagnóstico diferencial da SC ACTH-dependente desde 1997b (Ghigo et al.). As casuísticas relatadas até o momento (Tabela 6), mostram respostas exageradas de ACTH e cortisol nos pacientes com DC, sendo essas respostas bloqueadas ou achatadas em pacientes com adenomas de adrenal e em tumores ectópicos produtores de ACTH (Ghigo et al., 1997b). Introdução 20 Tabela 6. Casuísticas de GHS/ghrelina na síndrome de Cushing CASUÍSTICA GHS DOENÇA DE CUSHING (N) TUMOR ECTÓPICO (N) ADENOMA DE ADRENAL (N) Ghigo et al.(1997b) Hexarelina 10 0*/2 0*/5 Arvat et al. (1998) Hexarelina 13*/21 ... ... Grottoli et al. (1999) Hexarelina 9 … … Arvat et al. (1999) Hexarelina 6 ... ... Coiro et al. (2000) Hexarelina 6 ... ... Leal-Cerro et al. (2002) Ghrelina 10 ... ... Oliveira et al. (2003) GHRP-6 10 ... ... Correa-Silva et al. (2004) Ghrelina / GHRP-6 12 ... ... Silva et al. (2006) Ghrelina / GHRP-6 6 ... ... *número de pacientes responsivos/número total de pacientes; N, número de pacientes Introdução 21 Mesmo após a publicação dessas séries, não existe ainda padronização da resposta de ACTH e cortisol nos testes de estímulo com GHS em indivíduos normais e em pacientes com SC ACTH-dependente. Nesses estudos, as respostas positivas foram definidas após comparação dos valores médios dos hormônios (pico de resposta, área sob a curva ou Δ de incremento) dos grupos controles com os pacientes. Portanto, não é conhecido o padrão de resposta individual na maioria desses indivíduos. Outro estudo mostrou resposta positiva à hexarelina mais freqüente naqueles pacientes com DC portadores de microadenomas quando comparados com alguns pacientes com macroadenomas (Arvat et al., 1998). Em outras séries, essas correlações são limitadas pela não especificação das respostas individuais e da prevalência de micro e macroadenomas nos pacientes. Os mecanismos pelos quais ocorrem as respostas de ACTH e cortisol com os GHS nos pacientes com DC não estão totalmente esclarecidos. Um estudo mostrou intensidade semelhante de resposta de ACTH e cortisol com GHRP-6 (2 μg/kg) e desmopressina (10 μg) e correlação do pico de cortisol com os dois secretagogos, sugerindo que o mecanismo de resposta possa ser semelhante (Oliveira et al., 2003). Outra hipótese, seria a ação do GHS diretamente no tumor corticotrófico, via seu receptor ativo GHSR-1a. Um estudo mostrou secreção de ACTH dose- dependente após estímulo direto com o MK-0677 em culturas de células de tumores corticotróficos (Barlier et al., 1999). Outro autor não observou essa ação direta também em culturas de células de adenomas corticotróficos pela mensuração do fluxo de cálcio intracelular (Lania et al., 1998). Em 1998, foi relatado um paciente portador de tumor carcinóide tímico produtor de GHRH e ACTH, com os quadros clínicos de acromegalia e SC. Os autores observaram resposta in vitro ao GHRP-6, pela mensuração de cálcio Introdução 22 intracelular (Jansson et al., 1998). Essa publicação não definiu se poderia ocorrer resposta in vivo aos GHS em pacientes com SEA, ressaltando-se que, outros autores demonstraram a mesma resposta in vitro, com metodologia semelhante, em tumores sabidamente não secretores (adenomas hipofisários não-funcionantes) (Lania et al., 1998). Porém, recentemente, foi publicado o caso de um paciente com tumor carcinóide brônquico com SC cíclica com resposta in vivo a hexarelina com secreção de ACTH (Arnaldi et al., 2003b). Assim, são necessários estudos com maior número de pacientes, incluindo outros casos de tumores ectópicos, para definir a sensibilidade e especificidade desse teste no diagnóstico diferencial da SC ACTH-dependente. Além disso, não há casuística até então que tenha correlacionado as respostas de ACTH e cortisol in vivo aos GHS com o estudo molecular do receptor GHSR-1a. Sabe-se que a secreção de GH é bastante prejudicada na SC levando à diminuição da velocidade de crescimento dos pacientes pediátricos (Magiakou et al., 1994; Leinung e Zimmerman, 1994). Além disso, os testes de estímulo de GH, comumente utilizados (teste de tolerância à insulina, entre outros), geralmente não são capazes de produzir resposta em vigência de hipercortisolismo. Entretanto, algumas casuísticas com o uso de GHS em SC têm mostrado capacidade de secreção de GH, porém, menor do que nos indivíduos controles. O potente efeito estímulatório dessas substâncias em alguns casos sobrepuja o bloqueio do hipercortisolismo. Um estudo mostrou secreção de GH mais intensa da ghrelina quando comparada ao GHRP-6 em pacientes portadores de DC, ainda que menor que nos indivíduos controles (Correa-Silva et al., 20041). 1 Correa-Silva SRC, Nascif SO, Silva MR, Senger MH, Miranda WL, Machado AF, Lengyel AMJ. (Divisão de Endocrinologia, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP/EPM, São Paulo, SP). Decreased GH secretion and enhanced ACTH and cortisol release after ghrelin administration in Cushing´s disease: comparison with GHRP-6. (Presented at 12h International Congress of Endocrinology (ICE), 2004 August 31-September 4; Lisbon, Portugal. Abstracts p913-917). Introdução 23 1.9 Tratamento O tratamento cirúrgico é a principal opção terapêutica da SC, tanto para os tumores corticotróficos, quanto para as causas adrenais e da SEA. Na falha desse tratamento ou na sua impossibilidade, seja por falta de condições clínicas, recusa à cirurgia ou não localização do tumor, várias opções são consideradas para controlar o quadro de hipercortisolismo, principalmente o tratamento medicamentoso e a adrenalectomia bilateral. Para a DC, também são opções o tratamento radioterápico (convencional ou conformacional) e a adrenalectomia unilateral mais radioterapia (Nagesser et al., 1995). Na DC, mesmo sem imagem tumoral visível na RM, a presença do gradiente centro-periferia no CBSSPI é condição suficiente para a abordagem cirúrgica. Comumente, a cirurgia é realizada pela via transesfenoidal, com visualização do tumor na maioria dos casos e com 78% (50-100%) de confirmação com o lado presumido pelo cateterismo (Newell-Price et al., 1998). A taxa de remissão pós- operatória (PO) é muito variável, pois, depende da casuística analisada (experiência do cirurgião, critério de remissão e follow-up) e das características do tumor (tamanho e extensão). A maior casuística publicada (n = 510) relata remissão PO em 76,3% dos casos (Bochicchio et al., 1995). Embora não haja consenso nos critérios de cura da DC, sabe-se que quanto mais rigoroso for o critério (menor cortisol sérico PO), menor serão as taxas de remissão e recidiva das séries, embora essa última possa ocorrer mesmo com níveis de cortisol PO < 1 µg/dL (Bochicchio et al., 1995; Yap et al., 2002). A recidiva da DC acontece em torno de 12,7% (Bochicchio et al., 1995). Alguns fatores são preditivos para a recidiva, como: cortisol normal PO; níveis baixos de cortisol PO, mas com resposta significativa após estímulo (oCRH, metirapona, desmopressina, GnRH, TRH ou loperamida); curto período de reposição de Introdução 24 glicocorticóide; e não retorno do ritmo circadiano normal do cortisol; não existindo portanto, um marcador ideal (Bochicchio et al., 1995; Colombo et al., 2000; Barbetta et al., 2001; Losa et al., 2001; Estrada et al., 2001; Valéro et al., 2004). Ao contrário do tratamento clínico dos prolactinomas com os agonistas dopaminérgicos, não há medicamento tão eficiente para controlar a secreção hormonal e diminuir o tamanho tumoral na DC. Classicamente, o tratamento medicamentoso pode ser dividido em três grupos de acordo com o mecanismode ação: drogas que inibem a esteroidogênese adrenal (cetoconazol, mitotane, metirapona, aminoglutetimide e etomidato); drogas que modulam a secreção de ACTH (agonistas dopaminérgicos, análogos da somatostatina, ciproheptadina, carbamazepina e ácido valpróico); e antagonista do receptor de glicocorticóide (mifepristone/RU-486) (Beauregard et al., 2002; Utz et al., 2005). Recentemente, os agonistas do receptor ativado do proliferador de peroxisoma gama (PPARγ), rosiglitazone e pioglitazone, também foram utilizados nos pacientes com DC com resposta satisfatória em alguns pacientes (Ambrosi et al., 2004; Suri e Weiss, 2005; Cannavo et al., 2005; Hull et al., 2005; Barbaro et al., 2005). O racional proposto dessas medicações seria um efeito pró-apoptótico nas células tumorais (Heaney et al., 2002). O tratamento quimioterápico é pouco usado no contexto da SC, principalmente em carcinomas e em tumores ectópicos produtores de ACTH. Os resultados são geralmente parciais e insatisfatórios. 1.10 Prognóstico Pacientes com síndrome de Cushing tem uma taxa de mortalidade 4 vezes superior a indivíduos controles pareados em sexo e idade (Etxabe e Vazquez, 1994), Introdução 25 devido às morbidades da síndrome que são correlacionadas direta ou indiretamente com o excesso de cortisol. Portanto, o objetivo primário na prevenção e tratamento dessas complicações é o controle do hipercortisolismo (Arnaldi et al., 2003a). O hipercortisolismo crônico está associado a um aumento nos fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão arterial, intolerância à glicose ou Diabete Melito, obesidade centrípeta, dislipidemia e hipercoagubilidade. A alta taxa de mortalidade é decorrente das complicações cardiovasculares. (Arnaldi et al., 2003a). Um estudo revelou que mesmo após cinco anos da resolução do hipercortisolismo na DC, ainda existe aumento dos fatores de risco cardiovasculares (Colao et al., 1999). Entretanto, um trabalho mostrou que a longo prazo, a taxa de mortalidade dos pacientes curados por adenomas de adrenal ou DC não era diferente da população geral (Lindholm et al., 2001) (Figura 1). Por outro lado, o prognóstico e a taxa de mortalidade podem ser piores nos casos de SC associados a neoplasias, como nos tumores pulmonares de pequenas células produtores de ACTH (Lindholm et al., 2001). 2 Expressão Gênica na Síndrome de Cushing ACTH-dependente 2.1 Receptor do Hormônio Liberador de Corticotrofina (CRHR1) São descritos dois receptores de CRH: CRHR1 e CRHR2. O receptor CRHR1 está presente em várias regiões do cérebro, hipófise (corticotrofos), e pouco em tecidos periféricos (adrenais) (Catalano et al., 2003). É o principal responsável pela ação do hormônio hipotalâmico CRH, mediando a resposta ao stress, dentre outras (Chen et al., 1993). O CRHR2 é expresso principalmente no cérebro (Liaw et al., 1996), com função ainda pouco conhecida. Introdução 26 Figura 1. Curva de sobrevida em pacientes com síndrome de Cushing portadores de doença de Cushing (confirmada e não confirmada) e adenomas de adrenal. No primeiro ano, a taxa de mortalidade é maior que na população geral para todas as etiologias da síndrome de Cushing. A longo prazo, só há diferença na mortalidade em relação à taxa esperada nos casos de doença de Cushing não confirmada. Esses últimos casos representam os pacientes que não tiveram remissão pós-operatória, explicando o pior prognóstico. Adaptado de Lindholm et al. (2001) Anos após admissão P ro po rç ão d e so br ev id a (% ) 0 42 8 106 12 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 Sobrevida esperada Doença de Cushing confirmada Adenoma de adrenal Doença de Cushing não confirmada Anos após admissão P ro po rç ão d e so br ev id a (% ) 0 42 8 106 12 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 Sobrevida esperada Doença de Cushing confirmada Adenoma de adrenal Doença de Cushing não confirmada Introdução 27 O gene do CRHR1 foi clonado em 1993 (Chen et al.) e está localizado no cromossomo 17q12-q22. Apresenta 14 exons e codifica uma proteína de 415 aa. Faz parte do grupo de receptores de superfície acoplados à proteína G (subfamília Gs - ativa adenilciclase, 2º mensageiro AMPc). O receptor CRHR2, clonado mais recentemente (Liaw et al., 1996), é codificado por gene localizado em 7p21-p15 que contém 12 exons. Esse receptor também é de superfície, acoplado à proteína G (subfamília Gs - 2º mensageiro AMPc). Sua proteína, com 411 aa, apresenta 70% de homologia com o receptor CRHR1. Estudos de expressão de RNAm demonstraram a presença do CRHR1 em adenomas corticotróficos e também em tumores ectópicos produtores de ACTH (de Keyzer et al., 1996). Esses relatos são concordantes em demonstrar que a intensidade de expressão geralmente é maior nos tumores quando comparados à hipófise normal (de Keyzer et al., 1996; de Keyzer et al., 1998; Dieterich et al., 1998). Não há estudo correlacionando o padrão de expressão do RNAm do CRHR1 nos tumores com as respostas in vivo ao CRH em pacientes com SC ACTH-dependente. 2.2 Receptores da Vasopressina (AVPR1B e AVPR2) Existem três tipos de receptores da vasopressina, responsáveis por funções distintas: AVPR1A, AVPR1B e AVPR2. O receptor AVPR1A está localizado principalmente no fígado, musculatura lisa vascular, cérebro e plaquetas. Sua função é mediar a vasoconstricção em situações de hipotensão arterial e estímulo da glicogenólise hepática. Além disso, auxilia na hemostasia por contribuir para a agregação plaquetária. O AVPR2, expresso principalmente Introdução 28 nos túbulos contornados distais e dutos coletores renais, é responsável pelo efeito antidiurético da vasopressina, também conhecida como hormônio antidiurético (ADH). O receptor AVPR1B está localizado na hipófise, particularmente no corticotrofo, conhecido como um dos marcadores do “fenótipo corticotrofo”. Juntamente com o CRH, participa do estímulo de ACTH e cortisol em situações de stress (Sugimoto et al., 1994). O receptor AVPR2, membro da família dos receptores de superfície acoplados à proteína G (subfamília GS - ativa adenilciclase), é codificado pelo gene localizado no cromossomo Xq28, com 3 exons (van den Ouweland et al., 1992). O AVPR1B, também conhecido como AVPR3 ou V3R, também é membro dos receptores acoplados à proteína G (subfamília Gq - ativa fosfolipase C). Seu gene foi clonado em 1994 (Sugimoto et al.), está localizado em 1q32 com 2 exons e codifica uma proteína de 424 aa. Existem vários relatos de maior expressão do gene AVPR1B em tumores corticotróficos e em tumores neuroendócrinos, quando comparado com tecidos normais (de Keyzer et al., 1996; Dahia et al., 1996; de Keyzer et al., 1998; Arlt et al., 1997; Chabot et al., 1998; Tsagarakis et al., 2002). Além disso, foi reportada expressão do AVPR2 na SC, em casos de DC e SEA (Dahia et al., 1996; Arlt et al., 1997; Tsagarakis et al., 2002). Um estudo demonstrou que 3 de 5 pacientes com
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