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1 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA FLUIDOTERAPIA DISTRIBUIÇÃO DOS LÍQUIDOS CORPORAIS O corpo animal tem aproximadamente 60% do peso corporal em líquidos. O líquido presente dentro da célula denomina-se líquido intracelular (LIC) – 2/3, e, fora delas, líquido extracelular (LEC) – 1/3, que são separados pela membrana plasmática. É importante lembrar que entre as células, há líquido intersticial presente no espaço intersticial. Os responsáveis pelo transporte desse líquido, levando-o para o corpo e retornando ao coração são artérias, arteríolas, capilares, vênulas e veias. O LEC pode existir em compartimentos diferentes, por exemplo, o plasma, o interstício e, o líquido transcelular (1 a 6%) localizados em pequenos compartimentos do corpo – espaços sinoviais, peritoneais, pericárdicos, pleurais, intraoculares, líquido das vias digestivas e urinárias, e líquido cefalorraquidiano. O sangue contém LIC (hemácias) e LEC (plasma). O volume de sangue (volemia) do indivíduo corresponde a 7 – 8% do peso corporal. 95% dos solutos estão distribuídos nos líquidos corporais – sendo o mais abundante no espaço intracelular o potássio, e o mais abundante no espaço extracelular o sódio. Outros íons importantes são os cloretos, bicarbonato, fosfato, vários íons inorgânicos como o cálcio. Possuem importância para a homeostase do indivíduo. CAUSAS DE DESIDRATAÇÃO Falta do acesso à água – sempre questionar na anamnese se no local onde o animal se encontra, se possui acesso à água limpa e abundante. Doenças que impedem o animal de se hidratar – a exemplo de animais acometidos pelo tétano, diarreia. Refluxo – de 2 a 4L é normal; verificar o pH do líquido para verificar se é gástrico (entorno de 2) ou intestinal (> que 5). Exercícios – SINAIS CLÍNICOS Taquicardia; Aumento do TPC; Aumento do tempo de turgor cutâneo; Ressecamento das mucosas; Diminuição da produção de urina; Diminuição da temperatura das extremidades – vasoconstrição periférica; Sódio é fundamental para a osmolaridade. Solução hipertônica salina (excesso de principalmente sódio) é utilizada em casos onde o animal está prestes a sofrer choque hipovolêmico, fazendo com que o sódio puxe toda a água do interstício de volta para o leito vascular. 2 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA Depressão – principalmente potros; Choque. TIPOS DE FLUIDOS O ideal é utilizar o aparelho de hemogasometria afim de verificar o ph, as pressões de oxigênio e CO2, e a presença dos íons. A partir dessa observação é possível identificar se o animal está em acidose ou alcalose e se é metabólica ou respiratória, e com base nisso é estabelecido o protocolo de tratamento. Algumas doenças são descritas causadoras de alterações do Ph do animal, sendo uma delas, o abdômen agudo e/ou diarreia, proporcionando a acidose metabólica. Porém não se sabe o quanto que esse Ph está alterado, então na dúvida, utiliza-se o ringer com lactato. Líquidos colóides: Utilizados em situações em que o indivíduo apresenta uma hipoproteinemia (relacionada principalmente com albumina < 2g/dL). Caso não seja administrado, a possibilidade desse líquido não permanecer no leito vascular é enorme, ou seja, o indivíduo não vai possuir pressão oncótica da proteína plasmática no leito vascular para que esse líquido que saiu para o interstício retorne para o leito vascular – quadros de edema. Plasma; Dextran 40 e 70; Polímeros de gelatina (Haemacel e Polisocel). Voluven. Líquidos cristaloides: Geralmente utilizado para repor volume e correção de alterações relacionadas com eletrólitos e o equilíbrio ácido-base. Ringer com Lactato; Ringer simples; Soro glicofisiológico (glicose a 5% e NaCl a 0,9%); Soluções hipertônicas. 3 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA VIAS DE ADMINISTRAÇÃO Via enteral – administração a partir da sonda por via oral (ruminantes – sonda ororuminal; equídeos – sonda nasogástrica). Via parenteral – subcutânea; intravenosa; intraperitoneal. É descrita também a via intraóssea, principalmente para neonatos. A escolha das vias de administração vai depender do grau de desidratação. Caso seja uma desidratação leve, as vias oral e subcutânea podem ser utilizadas. Porém, em graus mais elevados, a intravenosa é a de escolha, em situações que não se consiga canular as veias, lança-se mão da via intraperitoneal ou intraóssea. INDICAÇÕES DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO Via enteral Desidratação leve; Manutenção; Quando não houver refluxo; Presença de motilidade intestinal. Dependendo do porte do animal, é possível fazer de 5 a 8 litros a cada 30 min a 1 hora. Componentes para hidratação enteral equinos: 10g de NaCl 75g de KCl 15g de NaKCO3 60g de K2HPO4 2l de água Via parenteral Desidratação moderada e severa; Impedimento de absorção gastrointestinal; Ausência de motilidade intestinal; Endotoxemia; Doença renal aguda. TIPOS DE MATERIAL UTILIZADOS PARA ADMINISTRAR OS FLUIDOS Cateter – variam de acordo ao tamanho do animal. Quanto maior o número, menor é o diâmetro (14 e 16); Scalp – mais utilizado em perfusões regionais; PRN – Cateter de acesso venoso central – utilizado principalmente para tratamentos longos (quimioterápicos, hemodiálise). 4 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA CÁLCULOS DE ADMINISTRAÇÃO Volume de reposição (VR) VR = grau de desidratação x peso kg Volume de perdas atuais (VPA) - casos de diarreia, refluxo, vômitos VPA = volume estimado das perdas ou 50 – 70ml/kg/dia Volume de manutenção diária (VMD) – necessidade diária de ingestão VMD = 50 – 100ml/kg/dia VELOCIDADE DE ADMINISTRAÇÃO VR – ½ em 1 hr = 2 horas VPA e VMD – ideal entre 22 e 24 horas Sempre recalcular as perdas atuais. Intravenosa rápida (VR) – 2 a 4 horas (depende do tamanho do animal); Intravenosa contínua (VPA e VMD) – 12 a 24 horas; Enteral – 5 a 8L a cada 40min (depende do tamanho do animal). CASO CLÍNICO Equino, 400kg, com 8% de desidratação. VR = 0,08 x 400 = 32L VMD = 400 x 70ml = 28.000ml – 28L Velocidade de administração: 32L até 2 horas + 28L até 22 horas = 60L por dia Equino, 16 anos, 500kg, castrado, cavando, querendo deitar, olhando para o flanco. Ao exame físico, aumento de FC, FR, TPC 2 – 3s, turgor cutâneo 2 – 3s, sem refluxo, palpação retal com compactação de flexura pélvica. VR = 0,05 x 500 = 25L VMD = 500 X 70ml = 35.000ml – 35L (via de adm – enteral) Velocidade de administração: 25L até 2 horas + 5 a 8L a cada 40 min = 35L = 60L por dia Equino, 2 anos, 230kg, fêmea, apresentando diarreia. Ao exame físico, a cauda apresentava-se bastante suja, aumento de FC, FR, TPC 4s, turgor cutâneo 4s. VR = 0,08 x 230 = 18,4L VP = 50ml x 230 = 11.500 – 11,5L VMD = 70ml x 230 = 16.100 – 16,1L Velocidade de administração: 18,4L até 2 horas + 17,6L até 22 horas = 36L por dia SEMPRE REAVALIAR! 5 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA CÁLCULO DE VELOCIDADE ½ L = 500ml 500ml em 60min = 8,4ml por minuto Equipo macrogotas: 1ml = 20 gotas 8,4 x 20 = 168 gotas/min – cada minuto corresponde a 60 segundos, logo: 168/60 = 2,8 gotas/segundos. Conta em 10s, que corresponde a 28 gotas. PARATOPIAS EVENTRAÇÃO Consiste em uma ampla abertura da parede abdominal (mais comum, mas não apenas ela) com saída das vísceras da cavidade recobertas porperitônio e pele. EVISCERAÇÃO Exposição de vísceras. Boa parte das vezes ocorre por deiscência de sutura ou pode ocorrer a partir de uma ferida perfurante (ex.: atividade com bovino com chifre). Diferenciar de prolapso, onde a saída das vísceras ocorre a partir de um orifício natural do paciente. HÉRNIA Saída ou projeção de um ou mais órgãos ou parte dele da sua cavidade natural por meio de uma abertura que pode ser congênita ou adquirida. Na hérnia, as vísceras não têm contato com o meio exterior. Incidência de 10% em grandes animais. As hérnias podem ser classificadas a partir da sua localização anatômica, conforme a sua estrutura e a alteração funcional. ▪ Quanto a localização: Hérnia umbilical; Hérnia inguinal ou inguino-escrotal; Hérnia perineal; Hérnia diafragmática; Hérnia abdominal ou incisional. 6 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA ▪ Conforme a estrutura: Saco; Anel; Conteúdo. ▪ Quanto a alteração funcional: Avaliar temperatura local, se o animal apresenta dor na manipulação, e se é passível de devolver o conteúdo por meio do anel para a cavidade de origem - redutíveis ou irredutíveis. Nos casos de hérnias irredutíveis, as vísceras encontram-se em sofrimento, pode haver presença de aderências na parede do saco herniário, e as vezes, só irá conseguir reposicionar as vísceras por meio de uma abordagem aberta. Quando são redutíveis, é passível de se fazer ou não o processo de redução com a hérnia fechada, não sendo possível de nenhuma maneira realizar essa técnica nos casos de hérnias irredutíveis. As hérnias podem apresentar o seu conteúdo encarcerado, quando as vísceras não conseguem retornar ao seu local de origem, podendo tornar-se inflamadas, promovendo a congestão, gangrena, evoluindo a estranguladas, quando há comprometimento de circulação sanguínea – hipoxemia e hipoperfusão – e posteriormente, a necrose desse segmento. Uma vez necrosado, a microbiota presente naquele local ganha a circulação sistêmica, há o rompimento do segmento e a contaminação do peritônio (peritonite). Quanto a etiologia, as hérnias podem ser de origem congênita ou adquiridas. Boa parte das vezes, as hérnias adquiridas estão relacionadas com algum tipo de defeito. E a ocorrência das hérnias dependem de fatores predisponentes e fatores determinantes. Fatores predisponentes: ▪ Regiões que são mais frágeis, tornando-se predisponentes para complicações relacionadas as hérnias, que são elas: umbigo, fundo da pelve, anéis inguinais externos e o diafragma; ▪ A depender da espécie a localização das hérnias podem ser mais frequentes. Ex.: hérnias inguino-escrotais em garanhões; ▪ Raça; ▪ Idade. Ex.: hérnias umbilicais em neonatos; ▪ Gênero; ▪ Tipo de atividade exercida pelo animal; ▪ Fatores hereditários; Fatores determinantes: ▪ Aumento da pressão intracavitária no abdômen, a partir de tosse, tenesmo, prenhez, cobertura, trabalhos pesados, ascite...; Os sinais clínicos estão relacionados com aumento de volume, dependendo do órgão herniado, o paciente pode apresentar dor abdominal, apatia, depressão, dificuldade respiratória, aumento de um ou dois lados da bolsa escrotal (aumento de temperatura inicialmente, evoluindo para uma hipotermia). 7 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA O diagnóstico é feito a partir da anamnese, do histórico do paciente, realizar a inspeção afim de observar o aumento de volume, reconhecer as regiões anatômicas que são mais frágeis, realizar a palpação. Em casos de hérnias inguino-escrotais, é possível realizar a auscultação da motilidade intestinal na bolsa escrotal, evidenciando hipomotilidade e hipotermia é muito provável que a alça encarcerada esteja em isquemia. No exame complementar, lança-se mão de exames de imagem (radiografia e ultrassonografia). No diagnóstico tem que se estabelecer se a hérnia é congênita ou adquirida, se é direta – saindo da cavidade, passando pelo anel e apresentando-se no saco herniário – ou indireta – saindo da cavidade abdominal, passando pelo anel inguinal interno e externo, chegando na bolsa escrotal –, tempo de evolução (urgência ou emergência). As complicações das hérnias são decorrentes, muitas vezes, da forma em como ela se apresenta, e ter atenção caso haja a necessidade de fazer a punção da região para que não ocorra a perfuração das vísceras. O prognóstico é variado – bom a reservado – vai depender do tipo de hérnia e do tempo de evolução. Nas hérnias hereditárias a instrução ao tutor é proceder a orquiectomia. É necessário a fluidoterapia para fazer a reposição hidroeletrolítica desse paciente. Caso seja observado que o paciente se encontra com algum tipo de complicação, é passível de realizar a antibioticoterapia como medida profilática, a exemplo dos casos de hérnia inguino-escrotal onde as alças intestinais já se encontram desvitalizadas e o paciente já entra para a cirurgia com algum grau de infecção. Também é necessário atentar-se nos casos onde o paciente já se encontra em choque, sepse ou SIRS, lança-se mão de avaliar se o animal tem condições de ir para a mesa. Dificilmente é possível devolver e manter uma alça intestinal ou outras vísceras na sua região anatômica correta de forma manual, sendo necessária o procedimento cirúrgico. E o que vai depender do momento em que ele irá para a cirurgia, é se o paciente encontra-se em urgência ou emergência ou não. O objetivo do tratamento cirúrgico é redução da hérnia, e devolução e a manutenção dos órgãos que se encontram fora do seu local anatômico correto. Para que seja possível manter o conteúdo no seu local de origem, é necessário fazer a correção do defeito presente na região – herniorrafia (sutura do anel herniário). O tratamento clínico é descrito em literatura o uso de faixas compressivas. Porém, geralmente não são eficazes. Caso não esteja bem localizada, a compressão exercida pela faixa pode proporcionar um estrangulamento das vísceras presentes no saco herniário. Pode ser usada em casos de contenção para que não haja passagens maiores das vísceras. O procedimento pré-cirúrgico consiste: • Realização de uma consulta prévia; • Exames laboratoriais – exceto nos casos de urgência e emergência; • Jejum quando são eletivas; • Tricotomia; • Antissepsia; • Anestesia geral e local (na hérnia diafragmática não é realizada a anestesia inalatória). 8 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA A incisão cirúrgica em pele ou subcutâneo pode ser realizada em elipse ou meia-lua, desviando de vasos cutâneos, prosseguindo com a divulsão romba do subcutâneo até chegar ao saco herniário. O saco herniário e o conteúdo é devolvido para a cavidade e prossegue com a rafia do anel. (Esse procedimento só é realizado quando se tem a certeza que não há nenhuma complicação no conteúdo herniado!) Em casos de hérnias irredutíveis, é realizada a avaliação das vísceras e caso seja necessário, proceder com a exérese das mesmas. Procede-se com a rafia do saco e do anel herniário. Quando são redutíveis pode ser feita a técnica aberta – abrir o saco herniário – para acessar o conteúdo, devolvê-lo e fechar o defeito. Quando é irredutível, obrigatoriamente tem que ser feita a técnica aberta. Quando há oclusão do fluxo sanguíneo, há também a liberação de radicais livres e outros produtos que são tóxicos ao organismo. Quando a circulação está comprometida, esses radicais livres e produtos tóxicos estão restritos aquele local, uma vez desfeita a oclusão e o restabelecimento do fluxo sanguíneo, os mesmos tendem a ganhar a circulação sistêmica e provocam uma endotoxemia (SIRS). Para a rafia do anel herniário é utilizado o padrão de sutura interrompido, podendo ser de aposição ou de sobreposição deMayo (jaquetão), o fio é inabsorvível nylon (formando uma fibrose). Alguns autores recomendam a sutura de Sultan para a rafia do anel inguinal (proporciona uma boa tensão). A rafia do saco herniário (subcutâneo) é feita com fio absorvível poligalactina 910 2-0, no padrão de sutura simples contínuo ou isolado. A depender da localização e do tamanho do defeito, lança-se mão de realizar a excisão do espaço morto para não criar seroma. O fechamento de pele é feito com um fio que não tenha capilaridade e que seja barato – fio inabsorvível (poliamida/nylon monofilamentar). As telas utilizadas podem ser orgânicas ou sintéticas (absorvíveis, parcialmente absorvíveis ou não absorvíveis), geralmente são utilizadas quando os defeitos são muito grandes e a tensão feita na rafia não é suficiente para fechá-los, provocando a sua reabertura. Para o pós-operatório: • Limpeza do curativo diário (solução fisiológica + clorexidine); • Flunixin meglumine; • Antibioticoterapia. • Remoção da sutura de 10 a 20 dias; • Fluidoterapia de suporte – se necessário; INFECÇÕES CIRÚRGICAS SIRS – Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica – ocorre quando há algumas condições referentes ao paciente, a exemplo de parâmetros fisiológicos (temperatura, FC e FR) e a quantidade de leucócitos. Em casos de pacientes apresentando hipertermia ou hipotermia somado a outras condições, pode se enquadrar na SIRS. Temperaturas elevadas indicam início da SIRS, ao passo que a diminuição da temperatura indica que a SIRS estava presente a mais tempo tendendo ao choque séptico e morte. Animais 9 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA apresentando leucocitose (aumento de neutrófilo, monócito e/ou linfócito) é indicativo de infecção. O prognóstico pode ficar ruim se o animal apresentar uma leucopenia. Os ruminantes cursam primeiramente com uma leucopenia e depois uma leucocitose. Infecção – qualquer tipo de resposta inflamatória mediante à invasão de algum agente etiológico. Bacteremia – presença de bactérias na corrente sanguínea. Sepse – resposta sistêmica maior que a SIRS frente à infecção. Infecção mais grave. Comprometimento de um ou mais órgãos decorrentes da hipoperfusão e hipotensão dos tecidos. O primeiro órgão que geralmente apresenta uma falência mais marcada é o rim. Choque séptico – o organismo pode não responder as terapias. Difícil de reverter. A medida que o paciente vai ficando hipotenso, hipotérmico e hipoperfundido, o metabolismo fica cada vez mais debilitado e produzindo mais ácido lático e o balanço energético cada vez mais negativo, proporcionando o quadro de acidose bastante elevado, evoluindo a óbito. Síndrome da disfunção orgânica múltipla – falência múltipla de órgãos. INFECÇÃO A PARTIR DOS FATORES RELACIONADOS AO HOSPEDEIRO: Estado de saúde – principalmente a imunidade do paciente; Idade – haja em vista que em grandes animais, até os 6 meses de idade o filhote tem apenas a imunidade passiva adquirida pela mãe. Idosos são susceptíveis por conta da diminuição do metabolismo, envelhecimento de células; Infecções concomitantes; Sexo; Escore corporal – equinos obesos submetidos a celiotomia exploratória possuem tendência a hérnia incisional; Falha na transferência da imunidade passiva; Uso de corticoides – por conta da sua atuação impedindo a marginalização dos leucócitos, impedindo diapedese. INFECÇÃO A PARTIR DOS FATORES RELACIONADOS AO MICRORGANISMO: Quantidade de microrganismos - 105 a 10⁶ bactérias/grama de tecido; Local de infecção – lugares pouco irrigados não possuem vascularização para a chegada dos leucócitos para combater a infecção; Virulência – a depender do agente etiológico, ele vai possuir um grau de virulência maior ou menor; Evasão; INFECÇÃO A PARTIR DOS FATORES RELACIONADOS À CIRURGIA: Cirurgia eletiva x cirurgia de emergência – pacientes que chegam em emergência não se encontram na homeostase, no estado físico fisiológico. Em casos de 10 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA cirurgia eletivas em que o animal se apresenta anêmico, é passível de corrigir a anemia antes de realizar o procedimento cirúrgico. Duração da cirurgia – quanto mais demorado for a cirurgia, maiores são as chances de infecção, pois o animal estará exposto ao ambiente. Contaminação da ferida – quando o paciente já apresenta alguma ferida contaminada. Caso não seja retirado todo o tecido desvitalizado e infeccionado, a probabilidade de o animal permanecer com a infecção é grande. Extensão da lesão tecidual – quanto mais tecido lesionado o animal apresenta, maiores as chances de infecções nesse local. Tipos do fio de sutura – as duas características específicas relacionadas ao fio de sutura são: capilaridade; fios que apresentam capilaridades não são usados (fios de seda) e fios multifilamentar; alguns tipos de fios multifilamentar possuem uma capacidade de reter bactérias. ABCESSO Coleção de pus, circunscrita, em uma cavidade não formada, recoberta por uma membrana piogênica. Encontrados geralmente no corpo todo, exceto no dente, dentro do osso e cartilagem. Alguns abcessos são tratados clinicamente afim de acelerar a sua maturação, a camada entre o abcesso e a pele tende a ficar mais adelgaçada, podendo romper ou, caso não rompa, é realizada a remoção cirúrgica do abcesso. A etiologia pode estar relacionada com diversos agentes etiológicos, e a patogenia consiste em o organismo tentar isolar a infecção. E o desenvolvimento estar relacionado ao estado geral do paciente, idade, virulência e a presença de um corpo estranho (a exemplo de um fio cirúrgico). O objetivo na cirurgia é eliminar o agente etiológico ou então o corpo estranho. Os sinais clínicos vão variar de acordo a qual fase o abcesso se encontra e na localização. O que é sempre observado é o aumento de volume, e se houver de fato a tentativa do organismo de expulsar esse conteúdo, boa parte das vezes é encontrado um trajeto fistuloso. Em geral, os sinais clínicos consistem em: ▪ Edema; ▪ Dor; ▪ Calor; ▪ Rubor; ▪ Anorexia; ▪ Sepse. 11 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA CLASSIFICAÇÃO: ▪ Quanto ao tipo: agudo ou crônico. ▪ Quanto a localização: superficiais ou profundos. ▪ Quanto a evolução: imaturos ou maduros – ponto de flutuação (procedimento cirúrgico). O diagnóstico consiste inicialmente no exame clínico, podendo observar a presença do abcesso quando são superficiais – evidenciando o aumento de volume – determinar se são superficiais ou profundos. Realizar a palpação e analisar em que fase o abcesso se encontra (estágio inicial – o animal permanece no tratamento clínico com anti- inflamatório, antibiótico e compressa quente na região. Estágio de flutuação – opta-se pela cirurgia). Pode lançar mão do exame de ultrassonografia, evidenciando uma imagem com uma superfície bastante regular, circunscrita, com conteúdo anecoico. A laparotomia e a celiotomia exploratória fazem parte do diagnóstico, assim como a necropsia. É importante realizar a colheita do material do abcesso e fazer um antibiograma, afim de saber qual o antibiótico específico que deve ser administrado. O tratamento clínico é feito a partir do tratamento de suporte. A antibioticoterapia é variável, haja em vista que alguns antibióticos não penetram na membrana piogênica, pode ser realizada para prevenir que outras regiões sejam contaminadas. Anti- inflamatório não esteroidal, principalmente na fase aguda. Utilização de compressas quentes auxiliando na maturação do abcesso e fazendo com que ele alcance a fase de flutuação e aliviando a dor local. Pomadas com iodo, pois esse composto possui um poder residual paramaterial orgânico muito grande. O tratamento cirúrgico é realizado quando o abcesso se encontra na fase de flutuação/fase crônica. O ideal é que a incisão seja feita em elipse, divulsionar o abcesso e retirá-lo fechado, porém nem sempre é possível. É preciso ter cuidado ao manusear esse abcesso para que não haja contaminação ao médico veterinário e ao ambiente. Em casos em que não é possível remover o abcesso fechado, realiza-se a incisão em elipse, e prossegue com a curetagem e desbridamento da membrana piogênica. Administrar antissépticos (eleição – iodo) no local com auxílio de uma “bonequinha” de gaze e deixa- la dentro da cavidade. O curativo é feito diariamente e consiste na remoção da gaze e lavagem com sabão neutro ou clorexidine, e é feita novamente a “bonequinha” de gaze embebida do iodo. Passar repelente ao redor! Dependendo da gravidade e da localização, lança-se mão de antibioticoterapia sistêmica. A principal complicação do abcesso é a sepse, principalmente quando estão localizados em intracavitários torácicos ou abdominais e é rompido. O prognóstico geralmente é bom, principalmente em abcessos superficiais. Dependendo do local e da evolução do quadro, é possível ter um prognóstico melhor. No que diz respeito a cirurgia, a maior casuística de abcessos está relacionada com o fio de sutura ou quando não é feita uma antissepsia adequada, nesses casos o organismo tenta restringir o corpo estranho formando o abcesso. Os fios que mais provocam reações são o fio de nylon, fio de seda, fio de algodão e o fio dental. 12 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA FLEGMÃO É um processo infeccioso onde há uma coleção de pus difuso no tecido conjuntivo, sem a tendência de fazer uma circunscrição pois não tem a membrana piogênica. Não é delimitado em uma cavidade! A etiologia está relacionada com a presença de um agente etiológico. E os sinais clínicos dependem da região, caso esteja no membro, o animal irá apresentar claudicação, caso presente no pescoço, o animal apresentará dificuldade em mover a cabeça ou de beber água e se alimentar. É possível observar a presença de pus na região. No geral, a pele apresenta-se edemaciada, com calor, rubor, muita dor. Os períodos do flegmão consistem em: ▪ Inflamatório; ▪ Supuração; ▪ Disseminação pelos tecidos; ▪ Reparação – tecido conjuntivo é substituído por tecido fibroso. O diagnóstico é feito a partir do exame clínico e a observação da lesão. Muitas vezes são fáceis de serem identificados, ainda mais em animais que possuem peles despigmentadas. Observar se há presença de pus. Boa parte das vezes não é necessário fazer a punção. Lança-se mão da radiografia para observar a extensão da lesão, principalmente quando é em membro distal, observar se o flegmão atingiu a articulação ou osso. O tratamento é cirúrgico. Porém, pode ser realizada uma forte antibioticoterapia e avaliar a evolução, caso não haja resposta, o paciente é encaminhado para a cirurgia. É realizado o desbridamento cirúrgico, removendo todo o material contaminado. A incisão vai depender da localização. O pós-operatório consiste em antibioticoterapia forte, o ideal é que haja conhecimento do agente etiológico e com isso, utilizar o antibiótico específico. Caso não seja possível, administrar penicilina ou oxitetraciclina. O curativo é feito, pelo menos, uma vez ao dia. A primeira troca do curativo é realizada com 48 – 72 horas após o desbridamento, quando o flegmão está localizado em membros. Utilizar antibiótico tópico! Administrar anti-inflamatório não esteroidal. A complicação está quando o proprietário demora de encaminhar o paciente, o quadro evolui e o animal entra em sepse, evoluindo a óbito. O prognóstico vai depender do comprometimento e extensão da lesão. 13 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA DISTROFIAS CIRÚRGICAS As distrofias cirúrgicas são alterações em tecidos específicos e podem causar distúrbios por ações exógenas. Geralmente são classificadas a disfunção do metabolismo do tecido afetado e, com o trauma constante, observa-se a alteração crônica dessas células. O organismo no intuito de promover a cicatrização, vai proporcionar que o tecido afetado seja modificado por tecido fibroso. A depender do local, é passível de acontecer a perda de função. Das distrofias cirúrgicas mais comuns, temos: ▪ Anquilose; ▪ Higroma; ▪ Úlcera; ▪ Gangrena, e; ▪ Fístula. ANQUILOSE Diminuição ou impossibilidade de movimento de uma determinada articulação móvel, podendo ser parcial ou completa. Na anquilose observa-se uma inflamação crônica das estruturas articulares causando distúrbios a ponto de o tecido ser substituído por fibrose. Um dos casos mais comuns em grandes animais é a osteoatrite do tarso dos equinos, onde é observado anquilose das fileiras do tarso, na radiografia é visualizado uma porção de reabsorção e consolidação óssea, promovendo fusão dos dois ossos. É possível acelerar esse processo de forma cirúrgica realizando a artrodese, que pode ser feita tanto química (utilizando álcool 70%) ou com pinos. ABCESSO x FLEGMÃO x EMPIEMA Presença de pus em uma nova cavidade. Presença de pus difuso no tecido conjuntivo frouxo. Presença de pus em cavidade natural do corpo. 14 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA HIGROMA É o espessamento da cápsula articular com acúmulo de líquido. Pseudocistos – são formações que não possuem revestimento epitelial ou sinovial. Os sinais clínicos estão relacionados com aumento de volume nas articulações. O tratamento consiste em educar o tutor e fazê-lo entender que a afecção é por conta de manejo inadequado (animais estabulados, sem cama adequada, traumas na articulação), não é necessário realizar a remoção cirúrgica, apenas para fins estéticos. Pode ser feita a punção e administração de corticoide. Se não remover a causa primária, tem recidiva. A correção cirúrgica consiste em uma incisão em elipse, divulsionar e retirar o higroma em bloco. Posterior rafia da pele. ÚLCERA É a perda da continuidade típica de epitélio de revestimento (pele e mucosa). Quando o animal apresenta úlceras, dificilmente consegue passar por as três etapas de cicatrização. A característica morfológica da úlcera, consiste em presença de material necrótico superficial na região central, e na periferia a presença de infiltrado inflamatório. Toda úlcera tem fundo, borda e secreção. No fundo da úlcera, geralmente, é encontrado a porção necrótica e o agente etiológico, a borda pode ser regular ou irregular e é a transição do tecido danificado e tecido sadio, e a secreção vai depender do agente etiológico. Na úlcera oral é possível observar as camadas em que o tecido está agredido. Quando presentes no intestino, e esteja de forma muito profunda ultrapassando todas as camadas, é possível de ocorrer um rompimento e extravasamento de conteúdo para a cavidade peritoneal. Caso as úlceras estejam em estágio inicial, é possível tratar de uma forma adequada. Em grandes animais são descritas muitas úlceras no trato gastrointestinal por uso indiscriminado de anti-inflamatórios não seletivos e pelo estresse em que os animais são submetidos. Nesses casos, as complicações maiores irão se relacionar com diminuição da produção, hiporexia, emagrecimento crônico e progressivo. Se não forem tratadas, e as úlceras virem a ser bastante profundas ao ponto de atingir as camadas mais profundas do órgão em que elas estão localizadas, ocasiona uma ruptura, provocandonos equinos a SIRS ou sepse podendo evoluir ao óbito, e nos ruminantes relata-se uma peritonite focal e não de forma generalizada como nos equinos. O prognóstico na grande maioria das vezes é bom e é possível retornar a sua função. 15 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA Fatores predisponentes: Porta de entrada; Debilidade orgânica do metabolismo tecidual do local (animais anêmicos/desnutridos/doenças infecciosas/estresse/uremia/parasitismo/tumores). Fatores determinantes: Irritações; Agressões constantes ao tecido – mecânicas ou químicas. Classificações das úlceras: Quanto a etiologia: ▪ Idiopática – localizada. Ex.: úlcera de córnea; ▪ Sintomática – generalizada. Ex.: estomatite. Quanto a evolução: ▪ Aguda; ▪ Crônica. FÍSTULAS São trajetos acidentais que vão permitir passagem de secreções/líquidos do organismo. Essas fístulas podem ser classificadas como: • Secretórias – quando esses líquidos são fisiológicos; • Purulentas – quando esse processo é patológico. Independente dos dois tipos, as fistulas apresentam-se como trajetos incorretos da secreção fisiológica, e a presença constante dessa secreção impede a cicatrização. Das fístulas secretórias relata-se trajetos errôneos de saliva, leite, urina ou fezes, e das fístulas purulentas podem originar-se de um corpo estranho, sequestro ósseo ou qualquer outra contaminação em tecidos mais profundos, em que o organismo na tentativa de expulsar esse corpo estranho acaba causando o trajeto fistuloso. As fistulas são dividias em três porções: 1. Orifício ou bordo – meio externo por onde está drenando a secreção produzida; 2. Trajeto – por onde o líquido passa; 3. Fundo – onde está localizada a origem do líquido. Em fístulas patológicas, é o local onde está contido o corpo estranho. Sinais clínicos dependem da classificação, localização e se haverá perda de função. Comum em equinos – fístulas mandibulares. Pode ser observado um aumento de volume quando a fístula está mais superficialmente. O local estará úmido ou drenando secreção purulenta. O diagnóstico é feito a partir da observação da queixa principal relatada pelo tutor. Realizar o histórico clínico do paciente e exame físico. Identificado o local da fístula, 16 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA pode lançar mão de uma sonda uretral para explorar o trajeto, ultrassonografia para observar o conteúdo, e realizar uma fistulografia. Esse procedimento consiste na injeção de um corante (azul de metileno) e realizar a radiografia da região da fístula; também é possível colocar um objeto metálico (agulha hipodérmica) no trajeto fistuloso e radiografar. Outro método de diagnóstico é realizar a colheita do material presente na fístula e proceder com um antibiograma. As fístulas dificilmente se resolveram sozinhas, é necessário o tratamento cirúrgico para restabelecer o fluxo normal dessa secreção quando fisiológica ou interromper o fluxo das fístulas purulentas com a remoção da causa primária. O procedimento cirúrgico consiste na incisão ao redor dos bordos da fístula, posicionar uma pinça Allis e com o auxílio de uma tesoura romba-romba, realizar a divulsão romba do trajeto até chegar ao fundo da fístula. A depender do tecido acometido, realizar a lavagem com antisséptico e o fechamento do espaço morto criado a partir da divulsão com fio sintético absorvível 0 – 2-0, rafia do subcutâneo em zig zag e aposição da pele com padrão de sutura simples isolado/contínuo ou Sultan (depende da quantidade de pele disponível). O pós-operatório consiste em 3 dias de anti-inflamatório, soro anti-tetânico, e nos casos de fístulas patológicas onde houve rompimento ou falha na técnica de antissepsia, lança-se mão de antibioticoterapia. Pode ser feito terapia com ultrassom terapêutico para diminuir edema ou formação de seroma. As complicações vão depender do local, extensão e do tempo de evolução da fístula. O prognóstico na maioria das vezes é bom. TRAUMATOLOGIA O traumatismo, do grego, significa ferida, e dentro da traumatologia relata-se feridas de diversos tamanhos e extensões. A razão dos traumas é diversa, desde ação violenta de natureza física ou química, acidentais ou deliberadas, ou feridas cirúrgicas. O traumatismo de pele pode cursar com uma perda de continuidade do tecido, formando uma solução de continuidade. As feridas obrigatoriamente são abertas, sempre apresentando a perda tecidual de continuidade. FERIDAS Cicatrização – a necessidade do tecido em promover a epitelização e reconstituir o defeito que foi ocasionado pelo trauma; restabelecer a continuidade do tecido traumatizado. O principal objetivo da cicatrização é que os tecidos lesionados tenham um bom processo cicatricial, associado ao restabelecimento da função do tecido e a uma boa estética. Classificação das feridas: • QUANTO AOS PLANOS ANATÔMICOS: ▪ Superficiais; 17 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA ▪ Profundas – exposição de outras estruturas, inclusive tecido ósseo. • QUANTO AO GRAU DE CONTAMINAÇÃO: ▪ Limpas – são feridas que foram criadas em ambiente cirúrgico e em condições assépticas; ▪ Limpas contaminadas – são feridas que possuem uma mínima contaminação, porém esta contaminação pode ser efetivamente removida; feridas ocorridas em até 4 horas; ▪ Contaminadas – são aquelas em que a contaminação é intensa devido a presença de corpos estranhos, porém sem sinais de infecção; não realiza sutura; ocorridas acima de 4 horas; ▪ Sujas e infectadas – são caracterizadas pela presença de reação inflamatória e destruição de tecidos, além de processo infeccioso em curso; ocorridas acima de 12 horas; todas as feridas por mordida de cão é descrita como sujas e infectadas; não realiza sutura. • QUANTO A APRESENTAÇÃO CLÍNICA CIRÚRGICA: ▪ Aberta – perda de continuidade tecidual; presença de solução de continuidade; o Penetrantes – ocasiona a perfuração de todas as camadas alcançando cavidades, onde geralmente resultam em perfuração de vísceras. o Perfurantes – causadas por picadas, mordidas, gravetos... o Punctórias – causada por elementos perfurantes como pregos e estiletes. o Incisas – é a ferida causada por objeto cortante e possui bordas irregulares. o Laceradas – é criada pelo rompimento dos tecidos e apresenta bordas irregulares; causa lesão variável ao tecido superficial e profundo. Ex.: feridas por arame. o E outras – acidentes por animais peçonhentos ou armas de fogo. ▪ Fechada – peles e mucosas integras. O processo de cicatrização é dividido em dois tipos: • A cicatrização com regeneração dos tecidos, ou seja, o tecido lesionado vai ser substituído por um tecido morfofuncional semelhante. • Ou na reparação, onde o tecido lesionado será substituído por outro tecido diferente ao original, e geralmente, é um tecido fibroso. As fases da cicatrização são: • Fase aguda da inflamação – inicia-se logo após a ocorrência da ferida. A fase inflamatória promove a ativação do sistema de coagulação sanguínea e a liberação de mediadores químicos. Os neutrófilos presentes, liberam enzimas e produtos tóxicos do oxigênio, facilitando dessa forma a destruição das bactérias, resíduos extracelulares e do material necrosado, promovendo o desbridamento da ferida. Nesta fase a ferida pode apresentar edema, vermelhidão e dor. O objetivo da fase inflamatória é reduzir a contaminação da ferida para favorecer 18 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA as defesas do hospedeiro e prevenir o desenvolvimento de infecção. A presença de infecção influencia a fase aguda, podendo retardar o organismo de sair dessa fase e iniciar a fase proliferativa,haja em vista que o tecido só irá cicatrizar se estiver sadio. É nessa fase em que há intervenção cirúrgica, fazendo com que o organismo acelere esse processo. 3 dias de fase aguda. • Fase proliferativa – é a fase regenerativa, caracterizada pela proliferação de fibroblastos, sob a ação de citocinas que dão origem a um processo chamado fibroplasia. Ao mesmo tempo, ocorre a angiogênese e infiltração densa de macrófagos, formando assim o tecido de granulação. A ferida tem que estar plana para ocorrer a cicatrização. Ocorre a partir do 3º dia e dura entorno de 15 a 20 dias. • Fase de remodelamento – nessa fase ocorre a transição do tecido de granulação para a maturação cicatricial, onde é produzida a remodelação de colágeno. A densidade celular e a vascularização da ferida diminuem, enquanto há maturação das fibras colágenas. O alinhamento das fibras é reorganizado a fim de aumentar a resistência do tecido e diminuir a espessura da cicatriz. Inicia aos 10 dias podendo se estender até 1 ano. As feridas limpas e algumas possíveis limpas contaminadas que ocorreram em até 4 horas, podem ser tratadas por 1ª intenção, ou seja, realizar a rafia das estruturas lesionadas. A cicatrização por 2ª intenção, teoricamente, por ser feita em todos os outros casos (feridas contaminadas; que ocorreram a mais de 4 horas; feridas com necrose; que houve a rafia mas apresentou deiscência). O tempo de cicatrização está diretamente relacionado com a movimentação excessiva da região da ferida (regiões do cotovelo, boleto, tuberosidade coxal, codilho, jarrete), proporcionando um retardo do processo cicatricial; a presença de infecção/infestação de parasitos; presença de corpo estranho e tecido necrosado; regiões onde tem diminuição do suprimento sanguíneo, onde não chega substrato para que o organismo promova o metabolismo celular no local; pacientes mais velhos tendem a ter um metabolismo mais retardado, diminuição da síntese de colágeno; presença de granulação excessiva, principalmente em membros de equinos; e a presença de hematomas, sendo um excelente meio de cultura. CONTUSÕES A contusão é produzida por um impacto/trauma acidental e geralmente não apresenta laceração de pele, dessa forma, não é observado solução de continuidade na pele. ENTORSES As entorses são lesões ligamentares e/ou articulares devido a distensão ou a super extensão brusca ocasionada por algum 19 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA desnível em solo, promovendo um deslocamento das superfícies articulares. E dependendo de o indivíduo possuir alguma fragilidade ligamentar/articular, ele pode possuir algumas outras lesões podendo agravar o quadro causado pela entorse. • Fatores predisponentes: ▪ Idade – principalmente animais mais jovens onde encontram-se em desenvolvimento não possuindo o fortalecimento músculo-tendineo; relacionado também como animais senis, onde há o relaxamento dos ligamentos; ▪ Temperamento – animais mais sanguíneos são mais agitados e tem resposta mais bruscas aos estímulos; reações mais exacerbadas; ▪ Hipoproteinemia – relacionado a síntese proteica celular, promovendo alterações ligamentares; fragilidade músculo-tendinea. • Fatores determinantes: ▪ Terreno onde o animal permanece/é exercitado; ▪ Contrações ou pressões bruscas em determinada articulação. É possível observar claudicação em animais acometidos por entorses nos membros, e ao exame físico, é observado uma instabilidade da articulação afetada, variando de acordo ao grau da entorse. • 1º grau – lesões mais leves; • 2º grau – lesão maior, podendo ser observado ao exame de ultrassom a ruptura parcial do ligamento; • 3º grau – lesão mais grave, ruptura total do ligamento ou tendão. Nas entorses o que é mais evidenciado é o aumento de volume, boa parte das vezes está relacionado com claudicação. O diagnóstico consiste no histórico e anamnese, e posteriormente o exame físico, onde é visibilizado a alteração anatômica, e a partir disso é realizado o raio x e o ultrassom. A importância do exame de raio x está relacionada com a visualização da integridade da articulação acometida, diferenciando de possíveis subluxações e luxações. Na ultrassonografia é avaliado as estruturas de tecido mole (ligamentos e tendões) e baseado nisso, é possível identificar as estruturas acometidas e o grau da lesão. O tratamento vai depender do grau da entorse. No grau I é possível manter o paciente no tratamento conservativo, onde é feita a administração de um anti-inflamatório não esteroidal, caso não seja COX seletivo, é realizado a administração em no máximo 3 dias, mas caso seja seletivo, pode ser estendido o período do tratamento. Se a dor do paciente for grande, pode lançar mão de analgésicos (opióides). E procede com a imobilização e repouso de 10 a 30 dias. No tratamento cirúrgico, é possível realizar diversas abordagens cirúrgicas a depender do grau da entorse e quais estruturas acometidas: • Artrocentese – realizar a colheita do líquido sinovial e avaliar a sua característica afim de observar quais células inflamatórias estão presentes, fazendo o diagnóstico diferencial para artrite séptica. • Cartilografia – quando é utilizado um corante para observar a integridade das superfícies articulares do paciente. 20 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA • Tenorrafia e dermorrafia – em casos de ruptura total de tendão (tenorrafia) com padrão de sutura locking loop. E em casos de rompimento de ligamentos (dermorrafia). Existem ligamentos em que não é necessário realizar a rafia, a imobilização já é curativa. O pós-operatório consiste em repouso (30 a 60 dias). Utilização de analgésico, anti-inflamatório não esteroidal de 3 a 5 dias, caso tenha que prolongar o fármaco, lançar mão de um AINES COX seletivo. Administração de protetor de mucosa gástrica e soro antitetânico. Nos dias subsequentes, movimentar o paciente de maneira controlada. A utilização de antibioticoterapia vai depender do procedimento que foi feito, como nos casos em que houve acesso à capsula articular. As complicações estão relacionadas em o paciente poder desenvolver artrite séptica ou tenossinovite séptica, comprometendo a qualidade da articulação, e dependendo do caso pode promover a inviabilidade do paciente de retornar ao esporte. O prognóstico vai depender do grau da lesão e da sua extensão: • Grau I – prognóstico bom; • Grau II – prognóstico bom; • Grau III – prognóstico reservado. LUXAÇÃO Perda total do contato das superfícies articulares. As causas estão relacionadas com uma lesão articular, promovendo uma perda de contato total ou parcial (Subluxação). • Fatores predisponentes: ▪ Instabilidade da articulação; ▪ Ação mais proeminente da relaxina – período do parto. • Fatores determinantes: ▪ Trauma agudo. Os sinais clínicos são variáveis. Em grandes animais é possível observar aumento de volume na região da articulação, podendo ocorrer a perda da função da região acometida. O raio x é o exame de eleição para confirmar se o paciente está com uma luxação ou fratura. Diagnóstico consiste na palpação da articulação, é necessário o conhecimento da anatomia de origem e inserção dos ligamentos e tendões. Posteriormente, é realizado o exame radiográfico, seguido de ultrassom para identificar as estruturas que foram acometidas e a presença de efusão de cápsula articular. 21 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA Como diagnóstico diferencial, relata-se as fraturas intra-articulares e periarticulares, e a depender do tipo de fratura, é difícil visibilizar apenas no exame de raio x. O tratamento clínico consiste em reposicionamento com o paciente em anestesia geral, posterior imobilizaçãopor 30 dias. O tratamento cirúrgico é realizado afim de promover a abertura da cápsula articular ou a rafia da cápsula que já foi rompida, e proceder com a reposição do membro, principalmente em casos crônicos (15 dias – 30 dias do caso inicial), ou a realização da reconstrução da cápsula articular e a rafia dos ligamentos e tendões, a abordagem depende do quadro do paciente. Nos casos mais severos, crônicos e recorrentes, o mais indicado é promover a artrodese da articulação acometida, o que irá interferir diretamente na vida atlética de um equino atleta. O pós-operatório consiste do mesmo modo descrito para as entorses. A antibioticoterapia pode ser realizada de forma profilática ainda na mesa de cirurgia a partir de perfusão regional 1 única vez. As complicações relatadas ocorrem quando não é possível recuperar a integridade articular e ligamentos colaterais, sendo necessária a artrodese. Artrite sépticas e tenossinovites sépticas. Laminite no membro contralateral – relacionada com o animal não ter apoio em um dos membros pélvicos, provocando sobrecarga excessiva no membro contralateral. O prognóstico vai depender da extensão e do tempo do trauma, tendendo a desfavorável. FRATURAS Perda de continuidade do tecido ósseo. Frequente em grandes animais. Ao realizar um exame ortopédico é preciso avaliar: • Estado geral do paciente – geralmente quando o animal apresenta uma fratura, o estado geral dele apresenta alterações relacionadas a dor (aumento de FC, de temperatura, sudorese); • Posição – o animal pode apresentar-se em posição antálgica sem apoiar o membro ao chão; • Comportamento – o animal não quer comer, não defeca e urina de forma normal; • Simetria – observar a simetria dos membros; • Alterações de forma e de tamanho – aumento de volume excessivo até desvio linear do membro; • Locomoção – boa parte das vezes o animal irá relutar para se locomover, e quando se locomove vão tentar poupar ao máximo o membro afetado. 22 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA FATORES PREDISPONENTES: • Idade – animais muito novos estão susceptíveis a fraturas em placas epifisárias; animais idosos possuem perda da mineralização (cálcio) o que conferia uma maior resistência ao osso; • Deficiências minerais – paciente que não comem ração equilibrada ou está em pastos não adequados, promovendo um desbalanço entre o fósforo e o cálcio; FATORES DETERMINANTES: • Trauma agudo. O índice de fraturas em neonatos é elevado por conta de pisoteio materno – animais mantidos em baias pequenas – e relacionado a curiosidade do neonato, sendo mais susceptíveis aos traumas. Em animais jovens, as fraturas estão relacionadas com manejos, atropelamentos, terrenos acidentados, falta de espaço e nas atividades equestres. E independentemente da idade, a recuperação anestésica colabora para a promoção de fraturas. E em adultos, as fraturas estão relacionadas com o trabalho e o esporte. Os sinais clínicos são descritos em aumento de volume local, claudicação, não apoiar o membro no chão e dor. Entre as opções de tratamento e a realização da eutanásia do paciente, é preciso analisar questões como idade, peso, o tipo e localização da fratura. No manejo inicial, é necessário estabilizar o paciente com a administração de analgésicos para aliviar a dor e imobilizar o foco da fratura abrangendo a articulação distal e proximal. IMOBILIZAÇÃO Os materiais necessários para fazer uma tala gessada ou tala de Robert Jones são de fácil acesso, geralmente é utilizado uma fita adesiva com uma boa resistência, ataduras de crepom, ataduras gessadas, camadas de algodão (ortopédico e comum), PVC cortado ao meio (o diâmetro vai depender do tamanho do animal). O cano de PVC possui como vantagens o peso (leve) e a capacidade de conseguir moldar no membro do paciente. A imobilização mais comum utilizada em grandes animais é a tala de Robert Jones, que consiste em intercalar diversas camadas de algodão e ataduras de crepom e uma estrutura rígida, que irá promover a imobilidade da região acometida. A depender da biomecânica de cada membro, o posicionamento da estrutura rígida tem que estar localizado afim de impedir o movimento das articulações. 23 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA Em membros torácicos, para estruturas distais ao carpo é posicionado a estrutura rígida na região cranial/dorsal do membro, para que não haja flexão. No membro pélvico ocorre o que chamamos de aparelho recíproco, ou seja, quando o animal faz a flexão de joelho é refletido no casco, desse modo, a imobilização não ocorre da mesma forma que no membro torácico. Então, em membros pélvicos a estrutura rígida é posicionada na face plantar. Em membros torácicos, na porção mais distal de rádio e ulna, a estrutura rígida é posicionada lateral e caudal, nos membros pélvicos é posicionada lateral e plantar. Em região próxima a articulação do cotovelo/joelho, a tala é colocada de forma lateral estendida, podendo ultrapassar a altura da cernelha. Regiões acima do cotovelo/joelho são de difíceis imobilização, haja em vista que a escápula não articula com nenhum outro osso do corpo, sendo ligada por meio de músculos, em literatura relata-se a tala posicionada de forma caudal para evitar a extensão do carpo. E tratando- se de membros pélvicos, por conta de o fêmur articular-se com o coxal, acaba impossibilitando a imobilização da articulação coxofemoral. A primeira camada a ser colocada na tala de Robert Jones é a malha tubular que possui a função de proteção do membro, posteriormente, é colocado o algodão ortopédico ao redor de toda a extensão da malha tubular. Na sequência, a atadura de crepom, seguindo alternando entre algodão e atadura de crepom e por fim é posicionada a estrutura rígida. Fixa a bandagem com fita adesiva resistente. Pode ser colocado mais uma camada de algodão para proteger os acidentes ósseos do paciente e, na sequência, a atadura de crepom ao redor, finalizando com a fita adesiva em toda a extensão. Outra possibilidade, é utilizar a atadura gessada associado a estrutura rígida. O que confere resistência a tala de Robert Jones são as camadas associadas a estrutura rígida. O diagnóstico é realizado a partir da queixa principal relatada pelo tutor. No exame físico, é feita a avaliação do trauma afim de observar se a fratura é exposta ou não, se tem contaminação, a classificação da fratura, a localização, o peso do paciente e se o tutor tem condições financeiras de arcar o tratamento. O diagnóstico é definido a partir do exame de raio x. A ultrassonografia é utilizada nas porções proximais, onde muitas vezes não é possível de se fazer a radiografia, e ao exame ultrassonográfico observa-se perda da integridade óssea e a integridade dos tecidos moles adjacentes ao ponto de fratura. Em casos de fraturas muito pequenas, lança-se mão da artroscopia. TC e ressonância. A antibioticoterapia é realizada a partir da administração da penicilina, e em casos infectados, lança-se mão de um antibiograma para identificar o agente causador, no 24 APOSTILA DE CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS POR: ÉRICA BARBOZA entanto, a administração de um antibiótico de amplo espectro (ceftriaxona ou amicacina) pode ser realizada por perfusão regional. AINES seletivos e não seletivos no manejo da dor; opióides são mais eficientes. A fisioterapia é necessária após procedimentos cirúrgicos ortopédicos, podendo iniciar logo após a cirúrgica com o uso de ultrassom terapêutico. Ozônio, shock wave, laserterapia. Assim que possível, iniciar o tratamento fisioterapêutico por meio da natação. As complicações estão relacionadas com infecções e laminite. Se a fratura acometer o canal medular,a probabilidade de o paciente desenvolver a osteomielite é grande. Em casos de infecção a cicatrização é retardada, haja em vista que o organismo estará constantemente tentando combater a infecção por meio do desbridamento, fazendo com que a ferida permaneça na fase aguda da cicatrização. O animal pode apresentar falência de fixação e a não união óssea, geralmente por conta da infecção. Potros e bezerros tem que ser observados pois podem desenvolver a formação de desvio angulares, sobrecarregando outras articulações e podendo inviabilizar o paciente ao exercício. Embolismo pode ocorrer nos casos de fraturas em ossos longos e expostas. O comportamento do paciente atua diretamente no prognóstico. Pacientes mais pesados possuem um prognóstico pior, assim como aqueles que possui fraturas expostas.
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