Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Aula 9 – A relação hegemonia, ideologia e poder na educação Objetivos: Analisar os conceitos de ideologia, hegemonia e poder; Refletir sobre a relação entre os conceitos de ideologia, hegemonia e poder e a educação, mostrando como ambos são fundamentais para compreender o processo educativo. Ideologia Ideologia é um conjunto de ideias, convicções e princípios filosóficos, sociais e políticos que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época ou sociedade. O conceito de ideologia é utilizado por diferentes autores, veremos alguns deles: Savant – O significado moderno do termo ideologia originou-se no grupo de Savant no período da Revolução Francesa. Eles eram os porta-vozes das ideias revolucionárias na França e o principal objetivo do grupo era a liberdade de pensamento e expressão. Os Savant buscavam, através das ideias, transformar substancialmente a realidade, por isso se propuseram a fazer uma investigação sobre a relação história/pensamento. Destutt de Tracy – 1° a usar a expressão “ideologia”. Preocupou-se com a elaboração de uma ciência sobrea origem e as leis de formação das ideias. Principal objetivo dos ideológicos do século XVIII e início do século XIX era construir um mundo racional e, para tal, recorreram ao empirismo de John Locke, acreditando que as ideias derivavam das sensações. A ideologia nasce no interior de um materialismo que considera que as operações do intelecto humano são previsíveis como qualquer lei de Física. Augusto Comte – Em sua obra, Curso de Filosofia Positiva, analisa a ideologia sob dois ângulos: 1° como atividade filosófico-cientifica, que estuda a formação das ideias, e, 2° como conjunto de opiniões de uma época ou das ideias dos pensadores de uma época. A primeira concepção se assemelha da visão de Destutt, onde concebe a ideologia como um conjunto de ideias que decorrem das sensações oriundas das relações entre a mente humana e o meio ambiente, defendendo uma visão empirista e materialista de conhecimento. Mas Comte não se preocupa com a relação história e pensamento, tal como pensavam os Savant; em suas reflexões sobre ideologia não há conotação política. Émile Durkheim - também discutirá o conceito de ideologia, sua intenção é firmar a Sociologia como ciência, e para atingir tal propósito trata a ideologia como uma pré-noção, uma concepção pré-científica. Durkheim coloca a ideologia no terreno da subjetividade, uma mera conjectura pessoal; logo, quem pretende fazer ciência não pode se fundamentar em ideologias. Hegel - Preocupar-se-á em discutir a relação entre as ideias e a história, entre o conhecimento e o mundo. Sua questão fundamental era a relação entre o real e o racional; quis romper com a separação entre o conhecimento das coisas realizado pelas categorias mentais e as coisas em si mesmas. Marx - retoma a noção de dialética, mas afirma que as transformações não são um processo fornecido à realidade pela consciência, mas a própria realidade é dialética, ou seja, se transforma. Afirma que a consciência dos homens é determinada pelas relações sociais. Marx diz que devemos considerar a historicidade de nossa consciência e das ideias, mostrando que as produções da consciência estão vinculadas, mesmo que indiretamente, à produção material. Marx nos revela que as formas de consciência e, consequentemente, as ideologias são veículos Resumo de Sociologia e Educação domingo, 20 de outubro de 2019 16:18 epistemológico importantes para que conheçamos a realidade histórica, por isso não podemos definir a ideologia simplesmente como falsa consciência. Gramsci - seguirá esta interpretação do pensamento marxista, ou seja, não considerará a ideologia como falsa consciência. Para Gramsci, a ideologia está inserida no complexo infraestrutura/superestrutura. Gramsci acreditava que uma ideologia pode contribuir para a consolidação ou transformação de uma estrutura, e ela não pode ser encarada simplesmente como “falsa consciência”. Ele afirma que as ideologias não são julgadas segundo o critério de verdade ou falsidade, mas de acordo com a sua função e eficiência em reunir classes ou frações de classes em posições de domínio ou subordinação. Para Gramsci, a ideologia é uma forma de conhecimento do mundo. A ideologia dominante elabora os fundamentos e os objetivos de como manter e expandir o seu domínio, enquanto as classes dominadas, dependendo das condições objetivas, podem elaborar concepções que questionam os fundamentos e objetivos traçados pela classe dominante para manter o seu domínio numa determinada realidade social. Althusser - Ele propõe uma nova visão do “todo social” ou da formação social, criando a metáfora do edifício, comparando a sociedade a um edifício com seus pilares e diferentes andares. Os pilares compõem a infraestrutura e os andares superiores, a superestrutura. A ideologia e a política são consideradas níveis da superestrutura de uma formação social. há uma relação hierárquica entre os níveis, o econômico determina, em última instância, os níveis político e ideológico. Mas é necessário lembrar que a superestrutura não é simplesmente um reflexo da infraestrutura, a primeira, na verdade, é a condição necessária de existência da segunda. A função social da ideologia não é possibilitar um conhecimento verdadeiro da estrutura social, mas inserir os sujeitos nas suas atividades práticas que sustentam a estrutura social. Para explicar os mecanismos de reprodução na sociedade, Althusser cria dois conceitos: Aparelhos Repressivos do Estado (ARE) e Aparelhos ideológicos do Estado (AIE). Althusser acreditava que a burguesia precisava de mecanismos para assegurar a estabilidade e a continuação da dominação. As escolas, as igrejas, os meios de informação (jornais, revistas, rádios, canais de televisão etc.), a família, a cultura etc. são Aparelhos ideológicos do Estado. Estes aparelhos têm como função submeter as classes sociais dominadas ao poder da classe dominante. Para Althusser, a ideologia está estreitamente vinculada ao problema do poder do Estado e da dominação de classe. Sendo assim, a ideologia, em Althusser, é unidimensional e sempre nos fará ver a realidade social pela ótica dominante, ocultando as contradições da realidade. Quando discutimos ideologia, somos levados a refletir sobre a dominação, a direção, ou seja, como as ideias de uma determinada classe social dirigem um determinado contexto social e histórico e, por isso, essa classe tem a direção da sociedade e o poder. Hegemonia, poder e educação O conceito de hegemonia foi utilizado inicialmente por Lênin. Ele discute a questão da liderança do proletariado, como essa classe construiria mecanismos que possibilitassem alcançar a direção do movimento revolucionário. A discussão sobre hegemonia gira em torno da questão do domínio e da direção política num contexto social e histórico. Devemos prestar atenção que Lênin e depois Gramsci não vão discutir somente o papel da classe dominante, ou seja, da classe que atingiu a hegemonia e está no poder, mas todo o processo de construção do poder político. A hegemonia é ao mesmo tempo o conjunto de domínio e direção exercido por uma classe social. Assim, podemos perceber que para realizar a hegemonia é necessário o consenso, o convencimento e, portanto, a ideologia é fundamental no processo de construção de hegemonia. Quando uma classe social domina apenas na base da coerção, da repressão, ela é dominante, mas não hegemônica. A luta pela hegemonia é fundamental porque ela permite a consolidação do poder efetivo de uma classe social dentro de um determinado contexto social e histórico. Devemos lembrar que a hegemonia é construída no embate entre as diferentes classes sociais, há uma luta para que algumas concepções de mundo prevaleçam, tornem-se consenso, por isso é necessário saber a favor de quem e de quais interessesdeterminadas ideias e valores são veiculados. A hegemonia trabalha com a persuasão, por isso é necessário estabelecer mecanismos e estratégias na sociedade que permitam construir a hegemonia. A classe dominante tende a imprimir uma direção cultural e ideológica no contexto sociocultural, seus intelectuais elaboram um sistema de ideias que tem um forte poder de convencimento, por isso é fundamental que as classes dominadas organizem e sistematizem a sua visão de mundo para que não permaneçam desestruturadas e passivas. Elas devem lutar para construir uma nova hegemonia. Gramsci De acordo com Gramsci, há dois aspectos fundamentais para a mudança qualitativa do poder: a criação de um novo senso comum e a elevação cultural das massas. Os meios de comunicação, a instância jurídica, os partidos políticos, a escola, entre outras instâncias, são fundamentais para consolidarem a hegemonia de uma classe social. A escola, para Gramsci, será um dos principais aparelhos de hegemonia na sociedade capitalista contemporânea. Assim, não devemos subestimar o papel da educação na construção de uma hegemonia e de um novo tipo de poder, pois na escola são veiculados valores, crenças e normas que formam aquele que atuará num determinado contexto social e histórico. Sabemos que as escolas, os sindicatos, as organizações sociais, os partidos são instâncias importantes para construir uma nova consciência social. Aula 10 – O jogo das representações mútuas – Como professores e alunos percebem seus papéis sociais Objetivos: Conhecer os processos por meio dos quais se constroem as representações e as expectativas nos processos escolares de ensino e de aprendizagem, valorizando adequadamente seu impacto na aprendizagem e no rendimento dos alunos; Analisar e valorizar o potencial educativo dos fatores psicológicos, relacionais e contextuais implicados na aprendizagem escolar. Para a Psicologia, as relações interpessoais são ingredientes essenciais de qualquer microssistema, ainda mais se for a escola, pela natureza basicamente social e comunicativa dos padrões de atividades que possuem as tarefas escolares. Vale destacar que essas relações encontram-se, na maioria das vezes, condicionadas ou determinadas pela maneira como professores e alunos percebem a si próprios e percebem-se mutuamente no contexto da escola. A Psicologia Social contemporânea tem apontado que, da mesma maneira que a reação das pessoas frente aos fenômenos naturais é mediatizada pela maneira como elas os percebem e os representam, nossa reação diante dos fenômenos sociais, e, mais concretamente, diante dos comportamentos de outras pessoas é também mediatizada pela percepção e pela representação que construímos desses comportamentos. Quando aplicamos esse princípio no âmbito escolar, vemos que o comportamento efetivo que um professor manifesta diante de seus alunos é sempre mediatizado pelo que se pensa e se espera deles, pelas intenções, pelas motivações, pelas capacidades e pelos interesses que lhes são atribuídos. As relações interpessoais que por fim são estabelecidas entre professor e alunos – por um lado, essas relações compõem o cerne das atividades de ensino e de aprendizagem – mostram-se bastante condicionadas e mediatizadas por esse jogo de representações mútuas. Como o professor chega a construir uma representação de seus alunos? (E reciprocamente: como o aluno chega a construir uma representação do seu professor?) Que fontes de informação usa? A primeira fonte que os professores utilizam é a informação direta sobre as características e o comportamento dos seus alunos, obtida com a observação no decorrer dos primeiros contatos. A informação indireta vem através de outros professores, pais, relatórios orais (como por exemplo, os que acontecem nos conselhos de classe) etc.; ela também incide nas representações. E uma terceira fonte é derivada da organização do sistema educacional, que fornece um conjunto de dados, como por exemplo: histórico escolar, residência, nível de escolaridade dos pais, classe social, situação familiar etc. A partir dessas informações, não necessariamente coincidentes, o professor constrói uma representação inicial de seus alunos. Essa impressão inicial pode se conservar ou não, pode ser modificada ou reforçada no futuro na medida em que chega a se encontrar mais ou menos em contradição com as informações de uma outra fonte: a observação continuada, que será produzida durante as atividades de ensino e de aprendizagem desenvolvidas em aula. Os professores categorizam, selecionam, organizam e interpretam as informações sobre seus alunos de maneiras diferentes e a partir de critérios distintos. Isto significa que os docentes constroem a sua representação dos alunos partindo principalmente da interpretação das informações que têm, do que através de uma leitura literal dessas informações. É preciso primeiro que consideremos a imagem ou ideia de um “aluno ideal”, construída pelo professor a partir de sua experiência pessoal e profissional, imagem essa que é bastante influenciada por fatores ideológicos. Em relação ao aluno ideal, a maioria dos docentes inclui os seguintes traços: respeito às normas de relação com o professor e os colegas, esforço, atenção, persistência nas tarefas, responsabilidade, motivação para a aprendizagem, interesse pelos conteúdos e atividades. Embora menos presente como representação de um aluno ideal, a aparência física também constitui um dos ingredientes dessa imagem, pois os professores tendem a considerar como melhores alunos os que têm um físico atraente. Os alunos também têm uma imagem de professor ideal que certamente influencia na representação que fazem de seus professores. Para os alunos, os fatores afetivos são importantíssimos: a disponibilidade dirigida ao aluno, o respeito e o afeto que lhe transmite e a capacidade de se mostrar acolhedor e positivo. Quanto menor for o nível de escolaridade, mais elevado é o peso dos fatores afetivos. À medida que os alunos percorrem as séries, os fatores acadêmicos vão se equilibrando com os afetivos. Uma segunda fonte de variação na interpretação das informações está baseada na concepção que o professor tem do seu papel de professor e do papel de seu aluno. O professor irá selecionar, categorizar, interpretar e organizar as informações que continuamente adquire de seus alunos, confrontando-as com a sua concepção do papel de aluno e, de maneira especial, com as expectativas de comportamento e de relação que estão associadas. Em terceiro e último lugar, a existência de estereótipos – frequentemente associados a categorias étnicas, culturais, sociais, econômicas e de gênero – condiciona a percepção dos fenômenos sociais, especialmente a percepção das características e comportamentos das pessoas. Por essa razão é que são esperados rendimentos escolares diferenciados entre meninos e meninas ou entre alunos pertencentes a minorias étnicas e culturais em contraste com que não pertencem a essas minorias. Síntese O comportamento que um professor manifesta diante de seus alunos encontra-se inevitavelmente mediatizado pelo que ele espera deles, pelo que considera que precisa fazer ou não, pelos interesses, capacidades e intenções que lhes atribui. E não para por aí, o comportamento do professor também se encontra mediatizado por aquilo que ele considera que os alunos esperam dele, pela maneira como crê que o percebem. O mesmo ocorre com os alunos, que, por sua vez, elaboram representações na crença de que os professores fazem o mesmo em relação a eles. Na origem das representações que os professores constroem sobre os seus alunos, há informações diretas e indiretas que obtêm, que serão contrastadas com a informação obtida da observação continuada em sala de aula. Os docentes selecionam, organizam e categorizam essas informações em um processo que osconduz a interpretá-las a partir de alguns critérios, em vez de as lerem de forma literal. A imagem do “aluno ideal” que o professor possui – que, em geral, incluía adequação às normas da escola; a dedicação; o esforço, entre outras tantas características – age como um filtro para interpretar as “reais” características dos alunos com quem interatua. O mesmo ocorre com os alunos: comparam seus professores “reais” com as suas imagens de “professor ideal” – como se mostra afetuoso, disponível e respeitoso com seus alunos; competente quando explica os conteúdos; habilidoso na resolução de conflitos e situações comprometedoras – e assim constroem as suas representações. Na montagem das representações, as expectativas associadas do comportamento e do relacionamento, influenciam tanto os papéis de aluno e de professor quanto os estereótipos, que condicionam a percepção das características e dos comportamentos das pessoas. Em síntese, as representações que se constroem na situação educacional levam cada protagonista a esperar de seu interlocutor determinados comportamentos e a atuar de acordo com o que espera do outro. A violência que hoje presenciamos nas escolas também faz parte desse jogo de representações mútuas. Aula 11 – Os esquemas de controle da profissão docente Objetivos: Analisar o caráter sistêmico e vivo dos elementos que influem na determinação das condutas docentes dentro da instituição escolar; Interpretar os fatores que intervêm na vida escolar e na cultura docente; Analisar e compreender a complexa rede de culturas que se entrecruzam na vida da escola. Cultura docente é um conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que esse grupo social considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar entre si. Para compreender esse complexo fenômeno que é a cultura docente precisamos de três níveis distintos, mas complementares, de análise: • Um primeiro nível, transracional–no qual os valores são concebidos como propostas metafísicas, fundamentadas em crenças, códigos éticos e intuições morais; • Um segundo nível, racional–no qual os valores se fundamentam nas normas e nas expectativas do contexto social e dependem da justificação coletiva; • Um terceiro nível, sub-racional–no qual os valores são experimentados como sentimentos e preferências pessoais, estão impregnados de contaminações emotivas e podem ser considerados basicamente amorais ou associais. A cultura docente se presentifica nos métodos que são utilizados nas aulas, na qualidade, no sentido e na orientação das relações interpessoais, na definição de papéis e funções que os professores desempenham, nos modos de gestão, nas estruturas de participação e nos processos de tomada de decisões. Tudo isso configura uma estrutura de poder, um equilíbrio de interesses sempre parcial e provisório. A cultura docente se encontra numa encruzilhada delicada na atualidade, por estar vivendo, por um lado, uma tensão preocupante e inevitável entre as exigências de um contexto social móvel, mutável, flexível e incerto, caracterizado pela complexidade tecnológica, pela pluralidade cultural e pela dependência dos movimentos do livre mercado mundial, e, por outro lado, tem que necessariamente experimentar as rotinas, as convenções e os costumes monolíticos e estáticos de um sistema escolar sem flexibilidade alguma, opaco e burocrático. Quanto menor é a autonomia e a segurança profissional dos professores, maior é a relevância da cultura docente (fundamentalmente conservadora), por proporcionar significado, abrigo e identidade aos docentes em suas incertezas e conflitos decorrentes das condições de trabalho. Assim, professores e professoras assumem a cultura docente, seus valores e suas formas de ação para se sentirem protegidos pela força, pelas rotinas do grupo de colegas e pelos sinais de identidade da profissão. Professores novatos logo aprendem que reproduzir papéis, métodos, estilos habituais constituem a melhor estratégia para evitar problemas e conflitos com os colegas e com os demais atores sociais: família, direção e coordenação pedagógica. Por esse motivo, todo projeto de inovação educacional precisa levar em conta a cultura docente, pois tanto a mudança quanto a transformação da prática pedagógica cotidiana não estão assentadas apenas na compreensão intelectual das pessoas envolvidas, mas, fundamentalmente, em seu desejo de transformar as condições que herdaram da cultura docente. A qualidade educacional dos processos de ensino e de aprendizagem também depende da cultura docente, pois é através dela que se constitui a natureza das interações entre professores, como também o sentido e a qualidade das interações com os alunos. a cultura dos alunos mostra-se dependente da cultura dos docentes e se encontra, de forma substantiva, mediada pelos valores, pelas rotinas e pelas normas que os docentes impõem. O conteúdo da cultura docente está fundamentalmente relacionado com o conceito de educação que os professores possuem teórica e praticamente e com suas implicações na determinação no cotidiano da vida escolar. O conteúdo da cultura docente está intimamente articulado com a função social que a escola adquire em cada tempo histórico e em cada contexto social, com sua regulação política e administrativa e, também, com o conhecimento pedagógico acumulado na tradição teórica e prática da profissão docente. Pérez Gómez (2001) destaca as características mais relevantes que definem a forma da cultura docente: • Isolamento do docente e autonomia profissional. • Colegialidade burocrática e cultura de colaboração. • Saturação de tarefas e responsabilidade profissional. • Ansiedade profissional e caráter flexível e criativo da função docente. O isolamento do docente está vinculado a um sentimento de posse da sua sala de aula, sua turma, seus alunos; enfim, tem um sentido patrimonialista, bastante pernicioso à cultura escolar. Por uma infinidade de razões históricas, a cultura do docente tem defendido sua autonomia e independência profissional – o famoso princípio da liberdade de cátedra – com as armas do isolamento, da separação, da ausência de contraste e separação. Essa autonomia profissional equivocada permite a multiplicação de pequenas e fragmentadas facções: cada professor dentro de sua sala de aula; cada professor como dono e senhor de seu espaço; cada professor sentindo-se livre das pressões e dos controles externos; cada professor pleno de poderes para governar, mesmo que o faça de modo arbitrário e caprichoso. A colegialidade burocrática refere-se ao conjunto de procedimentos impostos pela administração, como por exemplo, planejamento, projetos, escolha de livros didáticos para o próximo semestre etc. Mostra-se como tentativas institucionais para promover a colaboração da administração escolar, local, regional ou nacional. A colegialidade burocrática não surge nem se desenvolve espontaneamente por iniciativa dos professores, mas é uma imposição administrativa por parte das autoridades, que, de fora da escola, consideram que os docentes devem trabalhar juntos em um plano de ação comum, no qual existe pouco espaço de liberdade para a criatividade docente. Aula 12 – O mal-estar docente Objetivos: Analisar as condições materiais, culturais, sociais e psicológicas ligadas ao ofício de ser professor; Compreender a origem dos sofrimentos e angústia vividos pelo docente em sua busca de qualidade profissional; Descrever os modos como o professor funciona em uma sala de aula: seu estilo, seus limites e suas possibilidades. A comunidade escolar busca a cooperação por estar convencida de que as necessidades, os interesses, as complexidades e os propósitos da prática educacional precisam ser tarefa de todos. A cultura da colaboraçãoestá fundamentada em dois aspectos mutuamente implicados em todo processo educacional: de um lado o aspecto cognitivo, o debate de ideias que promove a descentralização e a abertura à diversidade. Do outro lado, a dimensão afetiva, o clima de confiança que autoriza o indivíduo a se abrir às experiências alternativas, a correr riscos e ao desprendimento pessoal, sem sentir-se ameaçado do ridículo, da exploração, da desvalorização da própria imagem ou da discriminação. A transformação da cultura escolar requer dois tipos de modificações: um, de ideias, e outro, de sentimentos ligados a comportamentos rotineiros. E é só através da cultura da colaboração que conseguiremos construir as bases intelectuais e afetivas para conseguir enfrentar as incertezas e os riscos que a docência nos impõe. Um dos sentimentos mais atuantes e constantes no professorado é a sensação de sufocação, de saturação de tarefas e responsabilidades, para fazer frente às novas exigências curriculares e sociais demandadas pela vida escolar cotidiana. Tudo isso junto exerce uma enorme pressão sobre o docente, exigindo uma transformação radical do ofício de ser professor, desde a sua clássica definição de transmissor de conhecimentos dentro de sala de aula, controlador da disciplina dos alunos e avaliador da aprendizagem, até a complexa e múltipla definição atual: planejador, facilitador, avaliador, comunicador, líder pedagógico, tutor de futuros docentes e, só para completar, competidor no mercado da oferta escolar. Nos dias de hoje, o professor se sente angustiado pela intensificação e multiplicação das tarefas docentes. Sua resposta à complexa e urgente diversidade de demandas profissionais ainda está carregada de incerteza e confusão. Além do mais, ele precisa recompor seu papel social, bastante deteriorado, em função do salário e das condições de trabalho. O aumento de responsabilidades e a mudança de papéis e funções se misturam numa convergência preocupante, adicionando mais confusão e estresse cotidiano do professor. Entre as múltiplas consequências prejudiciais da intensificação laboral do docente, Hargreaves (1994) ressalta a falta de tempo e de tranquilidade para que o professor possa se concentrar na tarefa de atender aos alunos dentro e fora da sala de aula, refletir sobre o sentido de sua atividade e se formar nos aspectos científicos e culturais que compõem a base de seu pensamento e de sua sensibilidade. As urgências das tarefas de curto prazo angustiam os professores, impedindo o desenvolvimento sossegado de suas virtudes pessoais e profissionais, que só podem se manifestar a longo prazo. A perda da legitimação tradicional da tarefa docente, a incerteza sobre os novos caminhos, ao lado da pressão e da urgência em satisfazer às exigências do mercado, a pouca consideração social do próprio trabalho têm provocado no professor um alto grau de ansiedade e insatisfação profissional. A compreensão do tempo e a urgência dos resultados são alguns dos aspectos mais significativos desse incontrolável aumento da ansiedade docente. Os docentes sabem que seus alunos estão realizando uma aprendizagem de curta duração, estudam somente visando à aprovação para depois tudo esquecer. Entretanto, ao vivenciarem a contradição em suas tarefas diárias, acabam por reforçar estratégias individuais e coletivas que priorizam a rentabilidade dos resultados, mesmo tendo consciência de que os processos mais poderosos de aprendizagem e organização do pensamento necessitam de um tempo maior. O desvirtuamento de sua função educativa promove mais insatisfação no professor e ansiedade profissional, já que seu ofício exige a formação do aluno na recriação da cultura e na construção do conhecimento; essa tarefa, porém, não foi cumprida e em seu lugar ficou um simulacro: a primazia do rendimento sobre o conhecimento. A cultura da escola pressiona para objetivos puramente instrumentais ou de racionalidade instrumental, para a eficácia na imposição de uma estrutura hierárquica e de uma aprendizagem de fragmentos de informação. No entanto, os próprios desejos e proposições do professor nunca se submetem definitivamente a tais pressões. Escuta-se a voz dos professores, sempre encontramos queixas que falam de sonhos irrealizados e de realidades insatisfatórias. Psicanalise Freud nos aponta que um professor pode ser ouvido quando está revestido por seus alunos de uma importância especial. E é graças a essa importância que o mestre terá em suas mãos o poder de influenciar seus alunos. A fonte atribuída por Freud a esse poder de influência é a relação afetiva. A perspectiva psicanalítica concentra no campo estabelecido entre o professor e seus alunos as condições para o aprender, sejam quais forem os conteúdos. A psicanálise batiza esse campo com o nome de transferência. Revelada no campo específico da relação médico-paciente, Freud percebeu a constância com que a transferência também ocorria nas diferentes relações estabelecidas pelas pessoas no decorrer de suas vidas. A formulação freudiana tem implicações tanto para o psicanalista como para o professor, pois, instalada a transferência, os dois tornam-se depositários de algo que pertence ao analisando ou ao aluno. Como consequência dessa posse, professor e médico analista são carregados de uma importância especial e é dela que emana o poder que têm sobre os alunos e pacientes. Assim, em virtude dessa transferência de sentido operada pelo desejo, ocorre também uma transferência de poder. Ocupar o lugar designado ao professor pela transferência é uma tarefa incômoda, gera desprazer, pois cabe ao mestre esvaziar-se de si mesmo para dar lugar a um outro que ele desconhece. À Psicanálise para vermos, sob um outro ângulo, a construção do mal-estar docente e seu impacto na relação professor-aluno. Aula 13 – Pensando sobre escola, Estado e sociedade Objetivos: Rever concepções, conceitos e noções estudados nas aulas anteriores, dedicadas a reflexões sobre a escola, o Estado e a sociedade e as relações estabelecidas entre eles. Hegemonia, Ideologia e o Poder relacionados com a Educação O primeiro e importantíssimo conceito examinado foi o de Ideologia. O conceito e as ideias correspondentes a “ideologia” surgiram no século XIX, por ocasião da Revolução Francesa, significando então um conjunto de ideias que corresponderiam a verdades com validade universal, ou seja, que não mudariam ao longo da história e que, além disso, teriam origem material, surgindo da relação do ser humano com o meio ambiente, tendo origem nas sensações. Augusto Comte, o fundador do Positivismo, tratou do conceito de ideologia, tomando-o como o conjunto de ideias ou de opiniões de uma época. Émile Durkheim, junto com Comte considerado um dos fundadores da Sociologia, tratou da ideologia, considerando-a uma pré- noção, um conjunto de ideias falsas, fantasiosas, a ser evitadas pelos que pretendem fazer ciência. Porém, o conceito de ideologia, tal como é discutido e utilizado ainda hoje, foi estudado e sistematizado por dois pensadores dos mais fundamentais para a Filosofia e as Ciências Humanas e Sociais: Georg Wilhelm Friedrich Hegel e Karl Marx. Hegel examina a questão das ideias e da superação entre sua produção e a realidade do mundo, ou seja, entre o real e o racional, estabelecendo, ainda, uma correlação com a História, sendo esta a realização do que Hegel denomina “Espírito Absoluto”. Para Hegel, a consciência determina a realidade, em termos dialéticos. Marx retoma essas ideias, só que afirma que a própria realidade é que é dialética, isto é, as condições concretas, materiais, sociais, históricas e econômicas em que se vive, em sua dinâmica de transformação, é que dão origem à consciência. Diferentemente de Hegel, um idealista, Marx se apresenta como materialista-histórico, ou seja, entende a realidade como dependente das condições materiaisda existência e, sobretudo, das relações de produção existentes concretamente na sociedade, num dado momento histórico. Marx concebe o conceito de “ideologia”, que, para ele, se constitui num conjunto de ideias que cria mecanismos de convencimento e de inversão da realidade, os quais, considerando-se a luta de classes que compõe a estrutura da sociedade e das relações entre os seres humanos, constituirão as ideias (ideologia) dominantes, correspondendo ao interesse da classe dominante. Outro pensador importante, é Gramsci. Partindo da concepção de Marx, considera a ideologia uma forma de conhecimento do mundo, um modo de conhecer a realidade, tendo uma participação ativa e efetiva na explicação ou no ocultamento dessa mesma realidade. E cada classe social produz seu discurso ideológico, de acordo com seus interesses. Althusser, outro pensador marxista relevante, concebe a ideologia utilizando a metáfora de um edifício, no qual os pilares compõem a infra-estrutura – a dimensão socioeconômica da produção material da existência – e a superestrutura – a dimensão onde se encaixam a cultura, a política e a própria ideologia como produção das ideias. A relação entre essas dimensões tem natureza dialética, ou seja, determinam-se uma à outra. “Hegemonia”, que diz respeito à questão do domínio e da direção política num contexto social e histórico. Se discute a hegemonia, desde que foi discutida pelo político e revolucionário Lênin, na Rússia, no início do século XX. Não se está discutindo um poder que se impõe pela força; para tornar-se hegemônico, o poder precisa do convencimento, necessita estabelecer o consenso, e nisto o que vimos acima, e se denomina “ideologia”, desempenha um papel essencial. Daí para perceber, quão fundamental é a luta travada entre as classes sociais em busca do poder hegemônico. Este faz com que determinados valores, visões de mundo e concepções culturais prevaleçam, representando interesses bem determinados. Como é dependente da persuasão, isto é, do convencimento, o poder necessita firmar-se hegemonicamente, e para tal constrói um conjunto de ideais e práticas culturais que sirvam ao seu propósito. Daí o empenho da classe dominante em uma determinada sociedade para obter e manter a hegemonia em relação às classes dominadas, e com isto ganhar e perpetuar o poder. Para o estabelecimento da hegemonia, são fundamentais os meios de comunicação, a instância jurídica, os partidos políticos e outros recursos e instituições. Entre estas últimas – anote isto – a escola é uma instituição fundamental para a consolidação da hegemonia de uma classe social, conforme bem o assinalou Gramsci. Desse modo, situando-se em lugar de destaque na construção e manutenção da hegemonia, a Escola pode servir à construção de uma nova consciência social. A escola deve buscar a superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, cultura erudita e cultura popular, possibilitando a instauração de uma nova hegemonia em favor das classes até aqui dominadas. Fortalecendo a criatividade, a autonomia e a autodisciplina em seus alunos, o professor torna-se elemento imprescindível nesse processo de transformação. Aula 14 – Escola: Inclusão e Exclusão Objetivos: Compreender os conceitos de inclusão e exclusão sociais e escolares, e perceber a importância dessas noções na vida social e na prática educativa; Esclarecer os processos de exclusão e segregação sociais e escolares; Entender a função das escolas integradora e inclusiva, na atualidade; Refletir sobre o papel do docente diante dos processos de exclusão, integração e inclusão sociais e escolares, nos dias de hoje. Introdução O princípio fundamental desta Linha de Ação é de que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças deficientes e bem-dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados. Dizer que todas as crianças devem estudar parece algo óbvio, justo, necessário; trata-se de um direito irrevogável de todo ser humano. Porém, não ocorre assim na nossa realidade social: algumas crianças estudam e outras não têm acesso à escola; muitas devem trabalhar sem poder frequentar a sala de aula; outras são impedidas, ou por terem dificuldades de aprendizagem ou por necessidades especiais, decorrentes de diversas circunstâncias: físicas, emocionais, sociais etc. Inclusão e exclusão social e escolar, uma contextualização histórica Da exclusão à segregação Desde os primórdios da História, consideram um grupo de indivíduos incluídos na estrutura comunitária: eles fazem parte desse grupo, possuem direitos e deveres comuns, participam das decisões e atividades gerais. Tais indivíduos são considerados normais: eles têm condições para se encaixar nos parâmetros coletivos. Mas há alguns que fogem a esse padrão; esses não seriam considerados normais, não se encaixariam nas normas sociais. Esse grupo é excluído, destituído dos direitos e/ou deveres de que gozam os primeiros. Em sociedades mais avançadas da Antiguidade, na Grécia existia ainda mecanismos de exclusão. Particularmente em Esparta, sociedade que valorizou nitidamente as virtudes guerreiras e os atributos físicos para o combate, aqueles que tinham deficiências físicas de nascença não só eram excluídos, mas também literalmente eliminados. Na Idade Média, continuou vigente uma concepção hierárquica e elitista de Educação. Só alguns grupos tinham direitos políticos e sociais, assim como o acesso à Educação. Na ótica medieval, todos que padeciam transtornos físicos ou psíquicos eram considerados seres estigmatizados, separados da Graça divina. Estigma, aqui, alude à marca física ou psíquica que denuncia o pecado, a desgraça de alguém afastado de Deus. Resulta evidente que essa consideração dos diferentes, daqueles que, conforme se diz na atualidade, são portadores de necessidades especiais, caracterizando-os como estigmas, resulta numa total exclusão e segregação. Os “anormais” são considerados indivíduos “diabólicos”, o que “provaria” sua procedência pecaminosa, o seu afastamento da senda divina. Desde a Antiguidade até a Idade Média, existem processos de exclusão social. A partir do século XVI, particularmente nos séculos XVII e XVIII, há uma mudança na consideração dos diferentes. Aparece uma outra ótica para lidar com os diferentes, que é a de segregação social. Os que se afastam do padrão dito normal, com problemas físicos ou psíquicos, são considerados doentes. Há uma patologização ou medicalização dos chamados “anormais”. A sociedade cria lugares, segregados e afastados do convívio “normal”, onde são depositados e “tratados” os “doentes” e “deficientes”. Na realidade, essas instituições são, geralmente, “depósitos” de indesejáveis. Nesse modelo hospitalar e asilar, os diferentes nunca chegam à sala de aula. No século XX, existem tendências para superar o modelo de segregação baseado na internação, na reclusão em espaços fechados, asilares ou hospitalares. Os avanços psicológicos levam à aparição de novos paradigmas sociais e educativos. Integração e inclusão Criam-se categorias psicológicas para interpretar esses indivíduos diferentes. Aparecem termos como “anormal, retardado, deficiente mental, irregular, inadaptado, difícil, desajustado” para explicar o insucesso escolar. Há uma “medicalização do processo de aprendizagem” (idem). Decorrente dessa nova ótica, surge a tentativa de integrar esses sujeitos com problemas de aprendizagem. Cria-se o “ensino especial”, nova modalidade com a missão de acompanhar, com tratamento médico, com atendimento individualizado, os que têmdificuldades no aprendizado. O ensino especial está baseado na tentativa de preparar o aluno com dificuldades para ajudá-lo a atingir, após um processo gradual, o ensino dito "normal”. Qual o principal pressuposto dessa concepção integradora? O aluno deve ser treinado, iniciado, para chegar ao âmbito da escola “normal”. O ensino especial seria um passo prévio, preliminar, até atingir a escola convencional. Surge o paradigma da escola inclusiva: “Nesta, não é o aluno que deve se adaptar à escola, mas o processo inverso: as instituições educacionais é que têm de se modificar para atender à demanda da diversidade humana” (idem). O âmbito escolar acolhe a riqueza das diferenças. Trata-se de um espaço multiforme, em que todos são diferentes — todos têm “necessidades especiais”, conforme suas peculiaridades, sua singularidade, sua história pessoal. Exclusão, integração e inclusão hoje A tradição, na nossa sociedade, foi marginalizar grandes parcelas da população. Na escola, são banidos, excluídos, não só aqueles que têm “necessidades educacionais especiais”, mas também diversos grupos: negros, mestiços, pobres, nordestinos, homossexuais, gordos, mulheres, suburbanos etc. A exclusão social se perpetua na sala de aula. Os que são excluídos na sociedade também são preteridos ou rejeitados na escola. Porém, as concepções mais progressistas pretendem mudar tanto a sala de aula como a sociedade. Essa tendência à democratização do ensino, a integrar e incluir todas as crianças, encontra múltiplas dificuldades. A mais marcante é a nova relação de forças existente no mundo globalizado, guiado fundamentalmente pelas necessidades do mercado, em que o lucro é colocado no primeiro lugar. O interesse público de oferecer educação para todas as crianças é postergado pelo ensejo de criar um universo de clientes, de consumidores educacionais. A globalização e a glorificação dos mercados e do consumo individual — que acentua a exclusão; por outro, existem tendências à inclusão e à inserção social e escolar. Aula 15 – Multiculturalismo e políticas afirmativas Objetivos: Identificar as principais características do multiculturalismo; Contextualizar o surgimento do multiculturalismo; Associar multiculturalismo e políticas afirmativas; Relacionar multiculturalismo e crise da modernidade. Multiculturalismo e Políticas Públicas Multiculturalismo é um movimento que propõe um currículo inclusivo, que incorpora as tradições culturais dos diferentes grupos sociais. Nesse sentido, está intimamente relacionado com as reivindicações de mulheres, homossexuais e negros. As políticas afirmativas, também chamadas de políticas de discriminação positiva ou políticas sociais compensatórias, são leis ou intervenções políticas que compreendem ações do Estado em favor de grupos específicos, historicamente discriminados. São, portanto, “instrumento político corretivo do abismo que separa o princípio constitucional da igualdade e um complexo conjunto de relações sociais profundamente hierarquizados” A origem militante do multiculturalismo: A crise social dos anos 60, nos EUA O pensar sobre a diversidade teve sua principal raiz em problemas que afligiam a sociedade norte-americana a partir da década de 1960. Podemos relacionar cinco grandes eixos de conflitos de identidade que vieram à tona nessa época nos Estados Unidos. 1. A questão do indígena – Após séculos de extermínio físico e da implementação de um política de assimilação e de desenraizamento cultural dos nativos, a década de 60 trouxe a luta pelo reconhecimento dos indígenas, sensibilizando a opinião pública e a classe política, ganhasse impulso. 2. A questão do racismo – Por 250 anos nos EUA a escravidão foi a relação de trabalho predominante. Em pleno século XX, especialmente nos estados do Sul, existia um verdadeiro sistema de Apartheid, sustentado por uma lei, por uma ideologia racista. 3. A questão religiosa – Experiências históricas de comunitarismo, de espiritualidade e de proteção à liberdade de expressão contribuíram na segunda metade do século XX, para o debate da pluralidade cultural. Foi nesse contexto que se desenvolveram as reivindicações étnicas e de identidades no espaço público norte-americano, traduzidas, em alguns casos, em políticas afirmativas. As bases filosóficas do multiculturalismo: A crise da modernidade Tais avanços contribuíram para o avanço de uma outra percepção do sujeito e da identidade, à qual o multiculturalismo se associou: as novas correntes marxistas, a psicanálise, a Linguística de Saussure, o pensamento de Foucault e o movimento feminista. Pode-se identificar, segundo Semprini, quatro aspectos principais do pensamento multicultural: a realidade é uma construção; as interpretações são subjetivas; os valores são relativos; o conhecimento é um fato político. A posição multicultural apoia-se sobre uma mudança de paradigma, ela invoca a instabilidade, a mistura, a relatividade como fundamentos de seu pensamento. A globalização e a política neoliberal hegemônicas são o combustível que alimenta a problematização da diferença, ao incendiar o contexto social com a ampliação da desigualdade e da discriminação. O multiculturalismo trouxe à tona a discussão dos direitos das minorias, da identidade e de seu reconhecimento, promovendo, numa perspectiva cultural, o debate em três zonas de conflito preferenciais: a educação; a identidade sexual e as relações interpessoais; e as reivindicações de identidade. Aula 17 – Ações afirmativas na Educação Objetivos: Retomar o conceito de política afirmativa; Relacionar a ocorrência das políticas sociais compensatórias ao contexto da Educação; Exemplificar, no âmbito da Educação, as ações de discriminação positiva; Analisar a importância das políticas afirmativas no contexto da Educação. A discriminação positiva nos EUA e no mundo: Algumas referência históricas iniciais Exemplos de ações de tal natureza nos Estados Unidos podem ser encontrados antes mesmo da década de 1960, quando essas iniciativas se propagaram, como vimos na última parada, de forma significativa, no contexto da luta pelos direitos civis. Em 1935, a legislação trabalhista norte- americana, por exemplo, proibiu a discriminação de sindicalistas e de operários sindicalizados e determinou que as vítimas de discriminação fossem reconduzidas pelos empregadores às posições que ocupariam caso não tivessem sido perseguidas. As ações afirmativas, entretanto, não foram unicamente desenvolvidas nos Estados Unidos. No contexto pós-independências, em 1947, o governo indiano – visando corrigir as desigualdades geradas pelo sistema de castas – adotou um sistema de cotas que destinava 22,5% das vagas na administração e no ensino público aos chamados “intocáveis”. Nas últimas décadas do século XX, por motivações diversas, diferentes mecanismos de discriminação positiva vêm sendo implantados em diversos países do mundo. A preocupação especial com a educação É inegável que o domínio de saberes socialmente prestigiados constitui um importante fator de perpetuação da desigualdade e de sustentação do domínio de certos grupos sobre outros. Essa percepção da escola como instituição difusora de um conjunto de valores universais ou dominantes foi uma importante contribuição das obras de Durkheim, Althusser e Bourdieu, que outros estudiosos aprofundaram e reformularam. Durkheim viu na Educação uma das formas mais características do fato social, isto é, tudo que numa sociedade é anterior e exterior ao indivíduo, mas que o impulsiona a agir e ser, de certa forma, fruto da coletividade. Como sistema organizativo, a escola tende, para esse sociólogo, à perpetuação, à conservação dos valores. Althusser identificou a escola como um aparelho ideológico do Estado. Nesse sentido, entendia que essa instituição tinha a função de criar condições para aperpetuação da ideologia dominante, ao universalizar os valores e as práticas da elite. O papel principal da escola e, portanto, da Educação nela realizada, era naturalizar o status quo, perpetuá-lo pelo convencimento através da coerção ideológica. Bourdieu desenvolveu, junto com Passeron, o conceito de reprodução, evidenciando que sua ocorrência no âmbito socioeconômico se concretiza através do processo de reprodução cultural. Nesse sentido, foi de fundamental relevância sua concepção de capital cultural, que aprofundou a compreensão do papel da escola no processo de perpetuação das relações sociais. Bourdieu destacou que o acesso aos recursos culturais, que os indivíduos possuem, por herança, repercute no processo de escolarização, favorecendo os membros da classe dominante que detêm os saberes socialmente referendados pela instituição. A contribuição desses autores para a percepção do papel da escola é fundamental. Com a crítica crescente ao sistema educativo – especialmente o escolar – e o desenvolvimento das correntes críticas e pós-críticas da Teoria do Currículo e dos Estudos Culturais, os movimentos sociais de afirmação tiveram subsídios para reivindicar a inclusão de suas temáticas nos currículos escolares, o direito de organizar sistemas escolares especiais e o acesso aos níveis mais elevados da escolarização institucionalizada. O movimento negro pressionou fortemente para que os currículos escolares incorporassem sua história e suas heranças culturais. No Brasil, recentemente, a História da África, caracterizando- se como uma ação afirmativa, passou a ser conteúdo obrigatório no ensino de História na Educação Básica. Não é menos significativa a pressão que os movimentos de feministas e de homossexuais fazem, buscando eliminar das escolas as práticas que reforçam a visão deturpada do lugar do homem e da mulher na sociedade, assim como do exercício da sexualidade. O movimento negro pressionou fortemente para que os currículos escolares incorporassem sua história e suas heranças culturais. No Brasil, recentemente, a História da África, caracterizando-se como uma ação afirmativa, passou a ser conteúdo obrigatório no ensino de História na Educação Básica. Não é menos significativa a pressão que os movimentos de feministas e de homossexuais fazem, buscando eliminar das escolas as práticas que reforçam a visão deturpada do lugar do homem e da mulher na sociedade, assim como do exercício da sexualidade. A luta dos portadores de deficiências por uma educação inclusiva, que não os separasse da coletividade, permitindo a frequência em escolas regulares, não-especializadas. Contudo, a iniciativa mais genericamente considerada como exemplo de política de discriminação positiva é a da demanda por cotas, especialmente no Ensino Superior. Aula 17 – Implementando ações afirmativas na Educação Brasileira Objetivos: Aprofundar a análise da ocorrência das políticas sociais compensatórias no contexto da Educação; Analisar alguns casos de ações de discriminação positiva no âmbito da Educação brasileira; Compreender a importância das políticas afirmativas no contexto da Educação; Identificar os questionamentos dessas práticas no contexto da Educação. Implementando ações afirmativas na educação brasileira Analisamos que a relevância dada à Educação justifica-se pelo reconhecimento dos movimentos questionadores da discriminação, de que o processo educativo – especialmente o escolar – é um espaço privilegiado para a formação cultural das sociedades. A Educação é, portanto, ao mesmo tempo, um espaço de combate à discriminação e de construção de identidades; além disso, ela propicia o domínio de saberes socialmente prestigiados, podendo contribuir para a diminuição das diferenças sociais. A Educação Especial No Art. 58 da LDBEN, a Educação Especial é definida como aquela “oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. A Educação Especial atravessa as diferentes modalidades de ensino, não sendo tratada de forma desvinculada das demais. O significado efetivo dessa modalidade é propiciar um trabalho educativo especializado no que diz respeito aos “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos” para aqueles que possuem especificidades. Evidenciam as dificuldades de efetivar na Educação Especial uma política de inclusão que exija, paralelamente, um grande investimento na capacitação docente, já que a formação de professores não contempla, generalizadamente, essa demanda crescente. Educação indígena A Constituição Federal de 1988 assegura, entre diversos direitos das comunidades indígenas, “a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (Art. 210), além de registrar como função do Estado a proteção “às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (Art. 215). A LDBEN, entretanto, reforça, com maior detalhamento, esse comprometimento do Estado com a afirmação da identidade indígena. Assim, no Art. 78 tem-se: I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II – garantir aos índios, suas comunidades e povos o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. Apesar do avanço legislativo, podemos dizer que ainda não se possuem dados estatísticos suficientes para fazer uma análise do impacto das ações afirmativas do Estado, É necessário ressaltar que essa atuação do Estado é decorrente das reivindicações indígenas de décadas, influenciadas, como já vimos, pelos estudos culturais a partir da década de 1960, que ressaltavam o efeito pernicioso de uma Educação que desconsiderava as especificidades históricas e culturais das comunidades indígenas, além de constatar que o controle da Educação pelos colonizadores europeus foi um eficaz instrumento de dominação e de perda de identidade dos diversos povos nativos da América. A política de cotas Em dezembro de 2000, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, outorgou a Lei n° 3.524, que reservava 50% das vagas das universidades estaduais para os estudantes oriundos da rede pública dessa unidade da Federação. • Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro quase um ano depois, em novembro de 2001, a ALERJ aprovava, por unanimidade, a Lei n° 3.708, que reservava 40% das vagas das mesmas universidades para estudantes autodeclarados negros e pardos. As iniciativas – claramente influenciadas pela experiência norte-americana e pelas reivindicações do movimento negro – trouxeram a público o debate sobre o acesso à Educação, mexendo com valores entranhados na nossa sociedade, tais como: a seleção por mérito, a igualdade de concorrência, a igualdade de todos perante a lei, a ausência de racismo no Brasil etc. A oposição à legislação bradou que sua perspectiva ignorava o mérito, comprometia a qualidade do ensino, gerava fissuras na sociedade, era inconstitucional, pois não tratava os cidadãos como iguais. Em contrapartida, os defensores chamaram a atenção de que as desigualdades sociais, de longa duração, impediam uma disputa equilibrada, além de ressaltarem que a reação contra a lei era prova do caráter racista da sociedade brasileira, já que ninguém se mobilizava tão veementemente contra os outros exemplos de cotas. De fato, no geral, as medidas não geraram, por exemplo, grandes distorções no resultado da admissão na UERJ. A maioria dos cursos manteve um percentual semelhante de estudantes advindos da rede pública, assim como autodeclarados negros e pardos. Contudo, houve um impacto violento nos cursos de maior prestígio social– notadamente: Desenho Industrial, Direito, Engenharia, Jornalismo, Medicina e Odontologia –, que se encontravam praticamente fechados aos estudantes com esse perfil. Cabe ressaltar, entretanto, que a polêmica foi importante para o enfrentamento desse grave problema social: o do acesso das camadas mais pobres da população e dos afrodescendentes à Universidade Pública, assim como forçou a revisão das primeiras leis, limitando o percentual da reserva de vagas a 45% em cada curso das universidades estaduais. Síntese Embora de forma genérica, pudemos analisar nesta parada o efetivo desenvolvimento, no Brasil, de políticas sociais compensatórias. Foi possível notar que o estabelecimento da legislação não garante a solução imediata da questão social que se procura resolver; contudo, mesmo se levantarmos os problemas gerados, é inegável que a política de ação afirmativa promove resultados positivos. Seria possível dizer, talvez, que o maior mérito das políticas de discriminação positiva é desmascarar a discriminação surda, tocar nas feridas da nossa sociedade, gerar polêmicas que nos fazem repensar o passado, o presente e o futuro.
Compartilhar