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FUNDAMENTOS DE QUÍMICA MEDICINAL Elenilson Figueiredo da Silva Desenvolvimento de fármacos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Distinguir as etapas do desenvolvimento de fármacos. � Identificar as estratégias do desenvolvimento de novos fármacos. � Analisar as propriedades farmacocinéticas implicadas no desenvol- vimento de fármacos. Introdução O químico farmacêutico é o profissional que deverá permear diversas áreas do conhecimento. Como você já deve ter percebido, é necessário ter entendimento profundo sobre Química e processos biológicos para que se possa projetar novos fármacos ou melhorar a ação dos que já existem. Assim, neste capítulo, você irá utilizar, para a construção do seu conhecimento acerca do desenvolvimento de fármacos, vários conceitos de Química e Farmacologia. Após a descoberta e a otimização de um protótipo, este é submetido a ensaios de triagem in vitro. Uma vez aprovado, esse protótipo seguirá para ensaios de atividade terapêutica in vivo. Essa fase do desenvolvimento de fármacos é bastante complexa, demanda tempo e acarreta altos custos para a indústria farmacêutica. Vários parâmetros e estratégias são utilizados na fase de desenvolvimento de fármacos e esses parâmetros relacionam tanto aspectos farmacocinéticos, quanto aspectos farmaco- dinâmicos dos protótipos. Neste capítulo, você irá aprender sobre o desenvolvimento de fárma- cos, com base na estrutura do receptor e do ligante (fármaco), as fases clínicas do desenvolvimento de fármacos e a sua importância. Por fim, você irá estudar sobre a influência dos parâmetros físico-químicos para a atividade dos fármacos. Desenvolvimento de fármacos Depois de estudar as propriedades, as formas de administração e o mecanismo de ação, uma nova molécula ou forma farmacêutica que apresentou atividade biológica deverá ser testada em diversos níveis para comprovar sua segurança e, dessa forma, poder chegar às farmácias. De forma geral, essas fases são divididas em pré-clínicas e clínicas (Figura 1). Nas fases pré-clínicas, as moléculas mais promissoras passam por su- cessivos testes, inicialmente in vitro e posteriormente in vivo, para que seu potencial possa ser estudado. Nessas etapas, iniciam-se os estudos sobre a toxicidade dessa molécula, porém, o foco maior está na sua atividade, ou seja, se ela é efetiva ou não o fim a que está destinada. Apesar de os testes já serem muito bem descritos na literatura e serem muito confiáveis, os organismos são diferentes e não há como garantir que a molécula que é ativa em modelos com camundongos será também para seres humanos. Por esse motivo, as fases clínicas são muito importantes e merecem muita atenção. Figura 1. Linha do tempo do desenvolvimento de novos fármacos com a estimativa de tempo para cada fase da pesquisa. Fonte: Adaptada de Marajó Health Economics Consulting (2016, documento on-line). Anos 0 2 4 6 8 10 12 14 Invenção Fase I Fase II Fase III Aprovação do governo Fase IV 1 medicamento Testes pré-clínicos (testes laboratoriais e em animais) 100 mil compostos selecionados 250 entram em teste pré-clínico Estratégias de planejamento de novos fármacos A descoberta de uma molécula bioativa, seja por meio de fontes naturais ou pela síntese orgânica, procede de triagens biológicas, bioquímicas ou virtuais Desenvolvimento de fármacos2 que permitem determinar seu potencial biológico. No entanto, para que essas moléculas sejam consideradas candidatas a fármacos, é necessária a aprovação nas fases clínicas do processo de desenvolvimento de fármacos. Na maioria das vezes, as moléculas bioativas (compostos protótipos) ne- cessitam de otimização estrutural, a fim de melhorar a sua performance farmacodinâmica envolvendo características que determinam a interação com o sítio-ativo, como afinidade, potência e seletividade, assim como as propriedades farmacocinéticas, como a absorção, a biodisponibilidade e o metabolismo. As moléculas otimizadas, ou seja, as que passaram por modificação es- trutural, em seguida são selecionadas experimentalmente para compostos líderes que passam por outras fases do desenvolvimento até se tornarem novas entidades químicas candidatas a fármaco (Figura 2). Figura 2. Etapas da abordagem fisiológica para o desenvolvimento de novos candidatos a fármaco. Fonte: Adaptada de Barreiro (2009, p. 29). Biorreceptor Eleição do alvo- -terapêutico Abordagem �siológica Hibridação molecular Bioligante Simpli�cação molecular Bioensaios Desenho estrutural Bioisosterismo Série congênere Análogo-ativo Modi�cação molecular In vitro/in vivo Novo protótipo Contribuições farmacofóricas Ensaios pré-clínicos Ensaios clínicos Fármaco Protótipo otimizado Ausência de toxicidade Inovação farmacológica 3Desenvolvimento de fármacos A racionalização do desenho de novas moléculas teve seu início após os enunciados da teoria do modelo chave-fechadura, em 1885, o qual conduz à concepção da teoria dos receptores e descreve uma relação de complemen- tariedade com o fármaco, dando início aos estudos de Química Medicinal. O planejamento racional de novos fármacos tem como base estratégica a abordagem fisiológica, que se fundamenta na definição prévia do alvo tera- pêutico. A partir de estudos computacionais, bioquímicos, biotecnológicos, genéticos ou citológicos acerca do mecanismo de ação da molécula bioativa, os alvos terapêuticos podem ser eleitos. Por meio da abordagem fisiológica, existem dois principais métodos de planejamento de fármacos: � planejamento de fármacos com base na estrutura do receptor; � planejamento de fármacos com base na estrutura do ligante. Planejamento de fármacos com base na estrutura do receptor A escolha do alvo terapêutico no planejamento racional de fármacos é essencial para o sucesso no desenvolvimento de um candidato a fármaco. Nessa vertente de planejamento, é necessário que já se conheça a estrutura tridimensional da biomacromolécula-alvo (p. ex., receptor, proteína ou enzima) para que então ocorram os estudos de planejamento do fármaco. As estratégias utilizadas nesse tipo de planejamento se baseiam em técnicas de química computacional, as quais consideram os aspectos estereoquímicos e eletrônicos da interação do fármaco no sítio-ativo, porção do receptor res- ponsável pelo reconhecimento molecular do ligante. Inicialmente, determina-se a organização espacial do complexo ligante- -receptor por meio de técnicas, como ressonância magnética nuclear ou crista- lografia de raios X (Figura 3). Subsequentemente, os pontos de interação desse complexo serão avaliados por uma ferramenta computacional (p. ex., métodos de modelagem molecular) capaz de determinar os parâmetros geométricos e conformacionais do fármaco e do receptor. Desenvolvimento de fármacos4 Figura 3. Modelo espacial e de interação do complexo ligante-receptor. Fonte: DockThor (c2017, documento on-line). A partir da determinação de todos esses aspectos do complexo ligante- -receptor, correlações simuladas em nível molecular, espacial e eletrônico serão realizadas com outras estruturas, a fim de se encontrar novos candidatos a fármaco capazes de interagir com o mesmo ambiente molecular, cujo propósito é potencializar a ativação da resposta biológica. A técnica de triagem virtual (VS, do inglês virtual screening) traz uma biblioteca virtual de compostos que podem ser testados no sítio de ação selecionado. A escolha do novo protótipo se baseia em estudos quantitativos da relação es- trutura-atividade (QSAR, do inglês quantitative structure-activity relationship), os quais calculam as principais características biologicamente ativas da estrutura do ligante, ou melhor dizendo, os grupos farmacofóricos do protótipo que melhor atendem aos critérios de complementariedade com o receptor. Planejamento de fármacos com base na estrutura do ligante O planejamento dos fármacospode ser realizado por uma estratégia alternativa, de acordo com a estrutura do ligante, quando a estrutura do biorreceptor for desconhecida. Dessa maneira, a investigação se dá por métodos de Química Farmacêutica voltados para o estudo da relação estrutura-atividade (REA) de compostos análogos a um composto protótipo. Inicialmente, essa estratégia parte da obtenção de um composto protótipo, ou seja, uma molécula que apresenta uma atividade biológica de interesse. Posteriormente, a otimização estrutural desses compostos se faz necessária para melhorar algum comportamento farmacocinético ou para a obtenção de candidatos mais potentes e seletivos ou menos tóxicos. Para tanto, uma série 5Desenvolvimento de fármacos congênere é sintetizada e avaliada biologicamente. Essa série congênere é formada por compostos análogos que apresentam semelhanças estruturais em comparação aos compostos protótipos (Figura 4). Alguns métodos da Química Medicinal são utilizados para a síntese ra- cional desses compostos análogos, como o bioisosterismo, a hibridação e a simplificação molecular. Figura 4. Exemplo de uma série congênere de compostos análogos. Fonte: Barreiro (2015, documento on-line). R = O N Ar H H W O O R R R R RR R R R R N N N O Cl ClCl Cl H3CO O método de bioisosterismo utiliza como princípio de modificação estrutural a substituição de grupos funcionais que têm propriedades químicas, físico-químicas e/ou biológicas semelhantes a um grupo relacionado ao composto protótipo. Esses grupos que têm similaridade são conhecidos como bioisósteros (Figura 5). Por outro lado, a hibridação molecular é uma tática de modificação mole- cular em que dois ou mais farmacóforos são conjugados em uma só estrutura química. A escolha por esse método geralmente tem como objetivo a produção de um fármaco que tenha mais de um alvo biológico, quando dois ou mais farmacóforos conjugados têm respostas biológicas aditivas ou sinérgicas. Outro método de otimização molecular que tem sido bastante utilizado para resolver, principalmente, incompatibilidades farmacocinéticas do composto Desenvolvimento de fármacos6 protótipo é a latenciação. Essa estratégia consiste na alteração estrutural do composto protótipo em um pró-fármaco, ou seja, uma molécula inativa, mas capaz de transpassar as barreiras farmacocinéticas. No sistema biológico, essa molécula terá de sofrer uma reação enzimática, liberando o fármaco ativo. Por fim, a simplificação molecular, como o nome já diz, é a estratégia que busca produzir compostos estruturalmente mais simples, preservando as porções farmacofóricas previamente identificadas. Figura 5. Exemplos das principais estratégias de modificação estrutural. O O O O ON H Benorilato Paracetamol Hibridação Latenciação Simpli cação Bioisosterismo Ácido acetilsalicílico Pró-fármaco Reação enzimática HO HO OH 17-β-estradiol Dietilestilbestrol OH NH NH N O O O O O O O S S N CH3 CH3 CH3 CH3 H3C Sultoprida DU 122290 Fármaco Alvo biológico Propriedades farmacocinéticas e a ação biológica A fase farmacocinética que envolve os processos de absorção, distribuição, metabolização e excreção, repercutindo diretamente na biodisponibilidade e no tempo de meia-vida do fármaco, pode ser afetada pela variação das propriedades físico-químicas dos fármacos. Essas variações se tornam mais pronunciadas quando analisamos fármacos administrados via oral, uma vez que por essa via de absorção os fármacos precisam passar pela fase fármaco farmacêutica (dissolução ou desintegração da forma farmacêutica) e atravessar barreiras biológicas (como as membranas celulares), além de sofrer influência de variações de pH dos diferentes órgãos pelos quais é absorvido e distribuído. 7Desenvolvimento de fármacos É importante salientar que, atualmente, a maioria dos fármacos disponíveis são desenvolvidos de forma a permitir sua absorção via oral, uma vez que essa via é de fácil administração e pouco invasiva ao paciente, fato que auxilia na adesão ao tratamento. Dessa forma, o desenvolvimento de fármacos pode ser drasticamente afetado por tais parâmetros físico-químicos e, muitas vezes, torna-se um dos principais limitantes que contribuem para a descontinuidade da investigação de novos candidatos a fármacos nas etapas iniciais de triagem clínica. As principais propriedades físico-químicas de um fármaco capazes de alterar seu perfil de biodisponibilidade da ação terapêutica são: o coeficiente de partição, que expressa a relação entre o seu perfil de hidro e lipossolubili- dade, e o coeficiente de ionização, expresso pelo pKa, que traduz o grau de contribuição relativa das espécies neutras e ionizadas. Lipofilicidade (Log P) e a absorção dos fármacos Como mencionado anteriormente, depois de ser administrado (no caso dos fármacos via oral), o fármaco passará pela fase farmacêutica. Nessa fase, ocorre o desmanche da fórmula farmacêutica e a posterior liberação do princípio ativo do fármaco. Esse fenômeno é favorecido pelo perfil de hidrossolubilidade relativo ao fármaco. Com isso, ele deve ter uma hidros- solubilidade capaz de desintegrá-lo ou permitir que seja dissolvido quando entrar em contato com fluidos corpóreos, porém, o princípio ativo desse fármaco deve ter um perfil de lipossolubilidade adequado para que este seja absorvido pelas membranas celulares. É importante, portanto, que o novo fármaco em desenvolvimento (protótipo) apresente características físico- -químicas balanceadas, de tal forma que ele esteja adequado às diferentes fases percorridas no organismo vivo. A lipossolubilidade é uma das características determinantes para a absorção dos fármacos pelas membranas celulares, uma vez que tais estruturas são for- madas por cadeias de fosfolipídios (cadeias hidrofóbicas). Você deve se lembrar do princípio “semelhante dissolve semelhante”. Essa frase é bastante utilizada para explicar as interações entre compostos de polaridade semelhantes, assim, compostos hidrofóbicos (como os lipídios e os fármacos lipossolúveis) são atraídos por estruturas também hidrofóbicas, como as membranas celulares. Agora fica fácil entender que, quanto maior a lipossolubilidade de um fármaco, maior será sua afinidade pelas membranas celulares, porém, não se deve esquecer que este não é o único parâmetro determinante para a ação de um fármaco. Desenvolvimento de fármacos8 O coeficiente de partição (P) é um parâmetro utilizado experimentalmente para prever a lipossolubilidade de um dado fármaco em membranas, o qual pode ser calculado com auxílio da equação matemática a seguir: P = concentração na fase orgânica concentração na fase aquosa (Equação 1) Quanto maior o coeficiente de partição (P), maior é o perfil de afinidade do fármaco por membranas celulares. Os valores de concentração das fases aquosas e orgânicas são determinados experimentalmente pelo método de Shake Flask, empregando n-octanol como fase orgânica, devido à sua seme- lhança estrutural com os fosfolipídios de membrana. A Figura 6 mostra a mistura de duas soluções imiscíveis, sendo que uma tem características lipossolúveis (como o n-octanol) e outra apresenta carac- terísticas hidrossolúveis (como a água), ambas com densidades diferentes. Quando misturadas em um recipiente fechado e em equilíbrio atmosfé- rico, as duas substâncias tendem a se separar, formando duas fases, uma fase orgânica (n-octanol) e outra fase aquosa (água), a essa mistura é adicionado o fármaco ao qual se deseja estudar. A razão entre a concentração do fármaco que irá permanecer na fase orgânica e na fase aquosa é definido como coe- ficiente de partição, como vimos na equação acima. É importante salientar que o coeficiente de partição costuma ser representado na função logarítmica, assim, costumamos utilizar Log P para representar o algoritmo de partição. Figura 6. Determinação do coeficiente de partição de um fármaco (soluto) em dois solventes imiscíveis. Fonte: Adaptada de Paula(c2015, documento on-line). Água Óleo Funil de bromo Torneira Suporte universal 9Desenvolvimento de fármacos O Log P é um parâmetro de grande relevância no planejamento de fár- macos, pois, a partir dele, podemos estimar parâmetros, como capacidade de absorção, tempo de meia vida e facilidade de eliminação de fármacos. Como comentamos anteriormente, o fármaco deve ter uma estrutura que se adapte às diferentes fases de absorção, assim, um Log P elevado, embora aumente a afinidade por membranas, pode desfavorecer a atividade terapêutica por diminuição da biodisponibilidade, visto que o fármaco necessita ter certa hidrossolubilidade para que possa completar com sucesso a fase farmacêutica (dissolução e desintegração da forma farmacêutica). De acordo com diversos estudos experimentais aplicados em modelos matemáticos, foi possível estabelecer, ao longo dos anos, uma correlação matemática entre a biodisponibilidade e o Log P ótimo (1 a 3) para um fármaco via oral (Figura 7). Figura 7. Relação entre o Log P e biodisponibilidade oral. Fonte: Adaptada de Barreiro e Manssour (2014, p. 30). 1 0,5 0,25 –2 –1 0 1 2 3 4 5 Bi od is po ni bi lid ad e or al Faixa ideal de Log P Log P Desenvolvimento de fármacos10 É importante salientar que a lipossolubilidade não é o único parâmetro que define a absorção dos fármacos via membrana celular, devemos também levar em conta o peso molecular do fármaco. As membranas celulares são estruturas bastante complexas e apresentam diversos constituintes em sua bicamada fosfolipídica, como algumas proteínas transportadoras. Fármacos com peso molecular baixo, mesmo quando apresentam Log P diminuído, conseguem ser absorvidos por membranas pela passagem por pro- teínas transportadoras (transporte passivo). Além disso, a estrutura organizada da membrana celular (modelo mosaico fluido) confere uma estrutura rígida e compacta à bicamada lipídica, assim, fármacos moleculares com elevado peso, mesmo quando apresentam Log P apreciável pelas membranas, podem ter sua absorção diminuída (Figura 8). Figura 8. Biodisponibilidade com base nos parâmetros de Log P e massa molar. Acetoaminofeno O O O O O O OO O O O HO HO OH NH O HN OH H Log P = 0,46 MM = 151,18g/mol t1/2 = 1,35 a 3,5 horas Paclitaxel Carbamazepina Log P = 3,94 MM = 853,9g/mol t1/2 = 13,1 a 52,7 horas Log P = 2,77 MM = 286,2g/mol t1/2 = 36 horas OH2N Paclitaxel > Carbamazepina > Acetoaminofeno Biodisponibilidade 11Desenvolvimento de fármacos Na Figura 8, observe que a ordem crescente da biodisponibilidade é influen- ciada tanto pelo Log P, quanto pelo tamanho da molécula (peso molecular). Assim, o paclitaxel, um fármaco anticâncer, apesar de ter um Log P maior que o paracetamol e a carbamazepina, apresenta uma menor biodisponibilidade, tendo em vista seu maior peso molecular. É importante ressaltar que o peso molecular influencia também a lipossolubilidade da molécula e, consequen- temente o aumento de seu Log P. Coeficiente de ionização (α) fármacos A maioria dos fármacos disponíveis na terapêutica clínica é composta por ácidos ou bases fracas. Essa característica confere, ao fármaco, a habilidade de atravessar as membranas plasmáticas, ou seja, a capacidade de serem absorvidos. Como você aprendeu anteriormente, as membranas plasmáticas são formadas por cadeias de fosfolipídios compostos por características hi- drofóbicas (apolar). Assim, para que um fármaco possa ser absorvido pelas membranas, ele deve estar na sua forma molecular, e não na ionizada. Os ácidos e as bases fracas são compostos que se dissociam ou ionizam parcialmente quando estão em solução. Isso implica dizer que tal composto, dependendo do meio em que se encontra, pode estar na sua forma ionizada ou molecular. Observe a equação a seguir. HA(aq) → H + (aq) + A – (aq) BOH(aq) → B + (aq) + OH – (aq) Na equação acima, é possível perceber que um ácido ou uma base, quando estão em solução, podem estar na sua forma molecular ou ionizada. A fórmula molecular HA ou BOH é a forma absorvida pelas membranas celulares, pois, nessa conformação, o fármaco está livre de cargas e, portanto, tem caráter apolar (hidrofóbico). Já a forma ionizada é polar devido às cargas existentes nos íons, e essa forma não é absorvida por membranas celulares. De forma geral, a maioria dos fármacos é absorvida no intestino, porém, uma grande quantidade é absorvida no estômago. A principal característica que determina o local de absorção dos fármacos é a sua acidez ou a base fraca. Assim, os fármacos ácidos são mais bem absorvidos em meio ácido, como no estômago, enquanto os fármacos básicos são mais bem absorvidos no intestino, Desenvolvimento de fármacos12 onde o pH é básico. Ao analisar a Figura 9, perceba que a forma molecular é a forma absorvida tanto para o fármaco ácido quanto para o fármaco básico. Figura 9. Absorção de um fármaco ácido ou com base fraca. Fonte:Adaptada de Barreiro e Manssour (2014, p. 32). (Meio extracelular) (Meio intracelular) HA H+ BH+A–+ HAH+ A–+ H+ B+ BH+H+ B+ (Fármaco ácido) (Fármaco básico) A constante de ionização (α) mostrada na equação de Henderson-Hassel- bach (equação 2) é um parâmetro bastante útil no planejamento de fármacos, pois a partir dela é possível prever, estimar ou melhorar os parâmetros farma- cocinéticos de absorção. Com isso, é possível predizer se um fármaco estará preferencialmente na forma ionizada ou molecular. % de ionização (α) = 100 – 100 1 + antilog (pH – pKa) (Equação 2) Em resumo, os principais parâmetros físico-químicos associados ao pla- nejamento de fármacos são o coeficiente de partição (Log P), que pode ser alterado por modificações moleculares, e o coeficiente de ionização, que define os parâmetros farmacocinéticos de absorção. Pesquisa clínica Depois de todos os testes in vitro e in vivo, as moléculas com maior potencial são selecionadas para só então começarem os testes em seres humanos. De- 13Desenvolvimento de fármacos vido à sua grande relevância, iremos detalhar melhor os passos associados à pesquisa clínica. Como você já viu, a pesquisa pré-clínica tem um foco maior na ação do fármaco, agora, na pesquisa clínica, o foco recai sobre a segurança do medicamento. Para isso, ela é dividida em quatro fases, as quais envolvem a participação de voluntários sadios ou com a patologia-alvo, dependendo da fase. Fase I Esta é a fase de iniciação, quando os testes em humanos começam, portanto, é muito importante tomar todas as precauções possíveis, pois não se sabe ao certo como o organismo irá responder à ingestão do medicamento. Para isso, a fase I compreende o estudo toxicológico em um pequeno nú- mero de voluntários sadios, com doses variadas do fármaco, assim, é possível observar quais são os efeitos adversos de curto e médio prazo. Nessa etapa, conta-se com a colaboração de 20 a 80 voluntários em um período de duração de, aproximadamente, 1,5 a 3 anos. Fase II Depois de estudos em voluntários sadios com a comprovação da segurança, inicia-se a segunda fase. Nesse momento, os voluntários devem ter a patologia- -alvo, sendo assim, o objetivo é estudar a atividade do fármaco, bem como a faixa adequada de dose-resposta e as informações adicionais sobre a toxicidade. Aproximadamente 100 voluntários são criteriosamente avaliados e sele- cionados para participar dessa fase, cuja duração vai de 2,5 a 3,5 anos. Fase III Ao obter resultados satisfatórios nas fases I e II, centenas e milhares de vo- luntários com a patologia são selecionados para participarem da terceira fase da pesquisa. Nesse momento, já se tem ideia de dose ótima e segurança, portanto, o objetivo é testar no maior número de voluntários possível para que mais efeitos possam ser observados, pois, como os grupos de fase I e II são pequenos, muitos efeitos adversos não se manifestaram até ali. É nessa fase que os voluntários são separados em grupospara controle e teste, podendo ser comparados com o fármaco de referência, com placebo, com outros fármacos, entre outros. Assim, obtém-se uma grande quantidade Desenvolvimento de fármacos14 de dados com informações mais concretas de ação e segurança do fármaco e, com isso, a indústria pode entrar com a solicitação do registro dessa nova droga. Fase IV Assim que é recebida a aprovação e a liberação por meio de órgãos competen- tes, inicia-se a comercialização do medicamento e a utilização pelo público. Com isso, também se inicia a fase IV, conhecida como farmacovigilância. Essa fase tem como objetivo a observação em massa de mais efeitos adver- sos. Com uma certa frequência, medicamentos são retirados do mercado por apresentarem algum efeito indesejado nessa fase. Com ela, também se pretende averiguar quais são os efeitos por exposição prolongada, ou seja, quais são os efeitos crônicos decorrentes da utilização do medicamento. Para saber mais sobre os processos de desenvolvimento de fármacos, acesse os links a seguir. https://goo.gl/Pcaj7h https://goo.gl/X6CwjR BARREIRO, E. J. A química medicinal e o paradigma do composto-protótipo. Revista Virtual de Química, Niterói, v. 1, n. 1, p. 26-34, 2009. BARREIRO, E. J. Introdução à química farmacêutica medicinal: parte 4. 2015. Disponível em: <http://www.evqfm.com.br/xxi_evqfm/download/cursos/qm2015_4.pdf>. Acesso em: 25 set. 2018. BARREIRO, E. J.; MANSSOUR, C. A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. DOCKTHOR. Site. c2017. Disponível em: <https://dockthor.lncc.br/v2/>. Acesso em: 25 set. 2018. 15Desenvolvimento de fármacos MARAJÓ HEALTH ECONOMICS CONSULTING. Desenvolvimento de medicamentos - post 1. 2016. Disponível em: <http://marajoeconomics.blogspot.com/2016/06/desenvolvi- mento-de-medicamentos-post-1.html>. Acesso em: 25 set. 2018. PAULA, C. S. Separação de misturas. c2015. Disponível em: <http://educacao.globo.com/ quimica/assunto/materiais-e-suas-propriedades/misturas-e-metodos-de-separacao. html>. Acesso em: 25 set. 2018. 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