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1 Dr. Thomé Eliziário Tavares Filho Psicoterapia Fenomenológica Existencial Organizador: Prof. Dr. Thomé Eliziário Tavares Filho Filósofo, Psicanalista, Teólogo, Psicopedagogo, Mestre e Doutor em Psicologia 2 Apresentação Temos o imenso prazer de apresentar aos alunos do 10º período do Curso de Psicologia Clínica da Faculdade Martha Falcão, o presente compêndio com recortes de textos, que se configuram como o ementário básico da disciplina Terapia Fenomenológica Existencial, que representa uma das ferramentas poderosa para a prática clínica psicoterápica, que de certo, alivia o sofrimento psíquico dos pacientes que convivem com as tensões psicossociais nas suas crises existenciais, desde a adolescência até a terceira idade. Autores como Rollo May, Abraham Maslow, Carl Rogers, Frederick Perls, Kiierkegaard, Russerl , Heidegger e Kurt Lewin entre outros, representam o que há de melhor nessa linha de pesquisa da Terapia Fenomenológica Existencial, cujas produções e saberes na área de Saúde Mental, muito contribui para a formação profissional dos alunos do Curso de Psicologia Clínica. Professor Doutor Thomé Eliziário Tavares Filho 3 Sumário Capítulos Assuntos Páginas Apresentação 1 Sumário 2 1 Terapia Existencial Humanista. 4 2 Fenomenologia Existencial 6 3 O Humanismo Existencial 9 4 A Psicologia Humanista 17 5 A Fenomenologia de Russerl 21 6 O Existencialismo de Martin Heidegger 25 7 O Existencialismo Moderno de Jean Paul Sartre 30 8 O Existencialismo de Soren Kiierkegaard 39 9 Gestalt na perspectiva Existencial 42 10 Gestalterapia de Frederick Persl 47 11 A Teoria do Campo de Kurt Lewin 57 12 A Psicologia da Consciência de William James 60 13 A Terapia Centrada no Cliente de Carl Rogers 70 14 A Psicologia da Motivação de Abraham Maslow 84 15 A Fenomenologia Psicanalítica de Alfred Adler 84 16 O Inconsciente Coletivo Carl Gustav Jung 89 17 O homem à procura de si mesmo, segundo Rollo May 96 18 A função dos Valores 110 19 Piaget e a Teoria do Desenvolvimento Moral 112 20 Erik Eriksson e o desenvolvimento Psicossocial 114 21 Considerações finais 116 22 Referências 117 4 Capítulo I TERAPIA EXISTENCIAL-HUMANISTA por Sergio M. de Miranda e Regina Sonia Rodrigues em 14/5/2008 Ao final da Segunda Guerra Mundial a Psicologia era dominada, nos E.U.A. pelo “behaviorismo” (conhecida como a “primeira força”) e, na Europa, pela psicanálise (conhecida como a “segunda força”). Contra a visão de um “homem doente” apresentada pela psicologia de então, surgiram uma série de vozes discordantes que buscavam novos caminhos para a Psicologia, tendo como pontos essenciais: a) ênfase na experiência consciente; b) crença na globalidade do Ser Humano e em sua conduta; c) valorização do livre arbítrio, no poder criativo individual e na espontaneidade; d) abrangência global de todo os aspectos relevantes para o Ser Humano. Abraham. Maslow, Erich Fromm, Rollo May, Karen Horney, Gordon Allport, Angyal, Goldstein, Victor.Frankl, Carl R.Rogers, F. S. Perls e outros propõem uma visão alternativa valorizando as forças e virtudes positivas do homem. Em 1961 o novo movimento -- conhecido como Psicologia Existencial–Humanista -- se formaliza com a fundação de uma publicação e, no ano seguinte, de uma Associação. Em menos de 10 anos, tornar-se-ia parte integrante da Psicologia, conhecida como a “terceira força”. Afirmava Maslow que a Psicologia Humanista era “uma nova filosofia de vida, uma nova concepção do homem”. Um ponto central na psicologia existencial-humanista é o respeito, a valorização do “homem em pessoa”, em contraste com como “homem em geral” valorizado por outras abordagens (Nota 1). Essa ênfase sobre a pessoa humana, sobre o indivíduo em sua totalidade e unicidade é uma característica central da Psicologia Existencial-Humanista (Nota 2). Mais além do indivíduo, enfatiza a importância do relacionamento Eu-Tu no crescimento da personalidade. Matson (1975) destaca a importância de: Abraham Maslow, considerado como o “pai espiritual” do movimento humanista; Gordon Allport, o teórico da personalidade e herdeiro de William James; [SMM1] Comentário: [SMM2] Comentário: [SMM3] Comentário: [SMM4] Comentário: 5 Rollo May que introduziu a abordagem existencial na psicologia norte-americana; Carl Rogers, com o “respeito incondicional” pelo cliente se assemelha a Paul Tillich; Erich Fromm, que se mudou da psicanálise para a Filosofia Social; Henry A Murray, mestre do humanismo; Charlotte Bühler, que enfatizou a importância dos valores-metas no curso da vida humana entre muitos outros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GREENING, T.C. (1975). Psicologia Existencial-humanista. Rio de Janeiro: Zahar. MATSON, F. W. (1975). Teoria Humanista: a terceira revolução em Psicologia. IN Greening . Psicologia Existencial-humanista. Rio de Janeiro: Zahar. p.67-82 6 Capítulo II Fenomenologia Existencial Introdução. O Existencialismo difundiu-se como o pensamento mais radical a respeito do homem na época contemporânea. Surgiu em meados do século XIX com o pensador dinamarquês Kierkegaard e alcançou seu apogeu após a Segunda Grande Guerra, nos anos cinqüenta e sessenta, com Heidegger e Jean-Paul Sartre. A corrente existencialista assimilou ainda uma influência da fenomenologia cuja figura principal, Husserl, já citado, propõe a descrição dos fenômenos tais como eles parecem ser, sem nenhum pressuposto de como eles sejam na verdade. Para o existencialismo, a fenomenologia de Husserl significou um interesse novo no fenômeno da consciência. Reunindo as sínteses do pensamento de cada um desses filósofos podemos listar os postulados principais dessa corrente filosófica que são: 1. A primeira é o ser humano enquanto indivíduo, e não com as teorias gerais sobre o homem. Há uma preocupação com o sentido ou o objetivo das vidas humanas, mais que com verdades científicas ou metafísicas sobre o universo. Assim, a experiência interior ou subjetiva - e aí está a influência da fenomenologia - é considerada mais importante do que a verdade "objetiva", um fundamento igual à da filosofia oriental. 2. O homem não foi planejado por alguém para uma finalidade, como os objetos que o próprio homem cria, mediante um projeto. O homem se faz em sua própria existência. 3. O mundo, como nós o conhecemos, é irracional e absurdo, ou pelo menos está além de nossa total compreensão; nenhuma explicação final pode ser dada para o fato de ele ser da maneira que é; 4. A falta de sentido, a liberdade conseqüente da indeterminação, a ameaça permanente de sofrimento, da origem à ansiedade, à descrença em si mesmo e ao desespero; há uma ênfase na liberdade dos indivíduos como a sua propriedade humana distintiva mais importante, da qual não pode fugir Kierkegaard. O dinamarquês Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855), encontra sua posição filosófica ao insurgir-se contra posições aristotélicas remanescentes na filosofia, o que faz opondo-se à filosofia de Hegel (1770 - 1831). Kierkegaard não só rejeitou o determinismo lógico de Hegel (tudo está logicamente predeterminado para acontecer) como sustentou a importância suprema do indivíduo e das suas escolhas lógicas ou ilógicas. Kierkegaard contribuiu com a idéia original do existencialismo de que não existe qualquer predeterminação com respeito ao homem, e que esta indeterminação e liberdade levam o homem a uma permanente angústia. Segundo Kierkegaard, o homem tem diante de si várias opções possíveis, é inteiramente livre, não se conforma a um predeterminismo lógico, ao qual, segundo Hegel, estão submetidos todos os fatos e também as ações humanas. A verdade não é encontrada através do raciocínio lógico, mas segundo a paixão que é colocada na 7 afirmação e sustentação dos fatos: a verdade é subjetividade. A conseqüência de ser a verdade subjetivaé que a liberdade torna-se ilimitada. Consequentemente não se pode, também, fazer qualquer afirmativa sobre o homem. O pensamento fundamental de Kierkegaard, e que veio a se constituir em linha mestra do Existencialismo, é este: inexiste um projeto básico, para o homem verdadeiro, uma essência definidora do homem porque cada um se define a si mesmo e assim é uma verdade para si. Daí o moto conhecido que sintetiza o pensamento existencialista: "no homem, a existência precede a essência" No caminho da vida há várias direções, vários tipos de vida a escolher, dentro de três escolhas fundamentais: o modo de vida estético, do indivíduo que não busca senão gozar a vida em cada momento; o modo ético, do indivíduo que é maquinalmente correto com a família e devotado ao trabalho, e o modo religioso dentro de uma consciência de fé. A liberdade, segundo ele, gera no homem a angústia que pode levá-lo, de várias formas, ao desespero Então, cada decisão é um risco, o que deixa a pessoa mergulhada na incerteza, pressionada por uma decisão que se torna angustiante. Como no modo de vida estético, ele escolhe fugir dessa angústia e do desespero através do prazer e de buscar a inconsciência de quem ele é. Outra forma de fuga é ignorar o próprio eu, tornar-se um autômato, apegar-se a um papel, como no modo de vida ético. Heidegger. O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) declarou-se um investigador da natureza do Ser. Heidegger contribuiu com seu pensamento sobre o ser e a existência, de onde o nome dado à corrente filosófica de "Existencialismo". A angustia tem, no pensamento de Heidegger, origem diversa da liberdade. Para ele a angústia resulta da falta da precariedade da base da existência humana. A "existência" do homem é algo temporário, paira entre o seu nascimento e a morte que ele não pode evitar. Sua vida está entre o passado (em suas experiências) e o futuro, sobre o qual ele não tem controle, e onde seu projeto será sempre incompleto diante da morte inevitável. Como uma filosofia do tempo, o existencialismo exorta o homem a existir inteiramente "aqui" e "agora", para aceitar sua intensa "realidade humana" do momento presente. O passado representa arquivos de experiências a serem usadas no serviço do presente, e o futuro não é outra coisa que visões e ilusões para dar ao nosso presente direção e propósito.. Portanto, no homem, o ser está relacionado ao tempo e está dado, - existe -, em três fenômenos, três "existenciais" que caracterizam como as coisas do passado, do presente e do futuro se manifestem para o homem e a unidade desses três fenômenos constitui a estrutura temporal que faz a existência inteligível, compreensível. São a afetividade, com que se liga ao passado pelo seu julgamento; a fala, com que se liga ao presente, e o entendimento, que é a inteligência com que lida com o seu futuro, com a angústia de sua predestinação à morte. Não podemos nos submeter a condicionamentos de nosso passado; não podemos permitir que sentimentos, memórias, ou hábitos se imponham sobre nosso presente e determinem seu conteúdo e qualidade. Nós também não podemos permitir que a ansiedade sobre os eventos futuros ocupem nosso presente, tirem sua espontaneidade e intensidade. Não podemos permitir que nosso "aqui e agora" seja liquidado 8 Na angústia, o homem experimenta a finitude da sua existência humana. Todas as coisas supérfluas em que estava mergulhado se afastam deixando-o a nú, como uma liberdade para encontrar-se com sua própria morte (das Freisein für den Tod), um "estar preparado para" e um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte (Sein zum Tode). Essa visão existencial do homem, em que ele se conscientiza das estruturas existenciais a que está condicionado e que o tira da superficialidade em que desenvolve seus conflitos tornou-se sedutora para a psiquiatria. A angústia funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade (Frei-sein) enseja o homem a escolher a si mesmo e governar a si mesmo. Sartre. Heidegger e Sartre foram os dois mais importantes filósofos da corrente existencialista. Ambos foram profundamente influenciados pela filosofia de Edmund Husserl, a fenomenologia, e desenvolveram um método fenomenológico como base de suas respectivas posições filosóficas. Sartre contribuiu com mais pensamentos sobre a liberdade e chefiou dentro do movimento uma corrente ateísta. Para Jean-Paul Sartre (1905-1980), a idéia central de todo pensamento existencialista é que a existência precede a essência. Não existe nenhum Deus que tenha planejado o homem e portanto não existe nenhuma natureza humana fixa a que o homem deva respeitar. O homem está totalmente livre é o único responsável pelo que faz de si mesmo. E são para ele, assim como havia colocado Kierkegaard, esta liberdade e responsabilidade é a fonte da angústia, Sartre leva o indeterminismo às suas mais radicais conseqüências. Porque não há nenhum Deus e portanto nenhum plano divino que determina o que deve acontecer, não há nenhum determinismo. O homem é livre. Não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o que ele faz. O pensamento de Sartre, contido em seus romances e peças de teatro e em escritos filosóficos influenciou fortemente os intelectuais franceses, entre eles Gabriel Marcel, que desenvolveu sua filosofia no âmbito do catolicismo romano, tornando-se um expoente do existencialismo cristão. Gabriel Marcel. Apesar do precursor do existencialismo, Soren Kierkegaard, ser profundamente cristão, os principais filósofos que o desenvolveram e divulgaram, Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre, eram ateus, com uma filosofia materialista, bastante pessimista e atéia. Surgiu porém uma corrente existencialista cristã, sendo o principal filósofo dessa corrente o filósofo Gabriel Marcel. A psicanálise e a terapia existencial. Ao definir causas de estados mentais como a angústia e o desespero, Kierkegaard criou um elo com a psicologia Este elo prevaleceria e se fortificaria no futuro, com as posições de Sartre e sua crítica à psicanálise, com as posições de Gabriel Marcel e finalmente com a adesão a essas duas linhas, respectivamente, de psiquiatras ateus e psiquiatras cristãos. A partir das idéias filosóficas existenciais, psicoterapeutas como Ronald David Laing, na corrente materialista de Sartre, e Viktor Emil Frankl, na corrente religiosa de Gabriel Marcel, propuseram práticas psicoterápicas originais. 9 Capítulo 3 O Humanismo Existencial 1 - O EXISTENCIALISMO COMO FILOSOFIA DA CRISE "A volatização progressiva da idéia de Deus e a divinização deformadora da idéia do Homem deram nesta visão falseada das coisas, responsável, no domínio profundo da inteligência, pela crise da civilização contemporânea". Estas palavras lapidares, com que o Pe. Leonel Franca sintetiza toda a etiologia da "Crise do Mundo Moderno"(1) são absolutamente válidas para a explicação do Existencialismo como filosofia da crise, por que nascida sob o signo fatídico de duas profundas crises; a crise da pensamento filosófico ocidental e a crise da própria civilização contemporânea. A primeira, que teve início em fins do século XIX, está representada pela Crise do Racionalismo. Este se impusera como concepção mecanicista ou logicista do Universo, expressa em soberbos sistemas filosóficos que, a partir de Descartes, dominaram o pensamento ocidental durante muitos anos. As Absolutização da Razão, que em Hegel identificaria o racional com real, haveria, entretanto, de ceder lugar a uma nova realidade cultural, marcada pela ausência do Absoluto e pela derrocada dos grandes sistemas filosóficos tradicionais. A ciência positiva, que preenche o espaço vazio deixado pela filosofia especulativa, negará o vigor causal da concepção mecanicista do Universo, já admitindo um certo grau de indeterminação nos fenômeno, cujo futuro comportamento apenas pode-seprever através de métodos estatísticos fundados na lei das probabilidades. Por outro lado, a rígida divisão dicotômicado pensamento filosófico entre idealismo e realismo mantenha o mistério da existência humana "entre parênteses", o seu estudo a plano secundário. E o próprio homem é diversificado, pelas eliminação de seus aspectos subjetivos, em virtude de se lhe aplicarem os métodos das ciências exatas. Isto evidenciava o que Husserl denominou de "Crise das Ciências Européias". A crise das ciências, entretanto, era apenas projeção de uma crise maio: a crise da civilização ocidental. Com efeito, o império da razão, que a Revolução Francesa julgara institucionalizado no "nouveau regime", cuja expressão mais altas era o culto da Humanidade e a crença numa era de justiça e progresso, cede lugar a uma realidade histórica estigmatizada pela guerra, no plano internacional, pela hipertrofia do poder estatal, pela radicalização do mundo no binômio desenvolvimento-subdesenvolvimento e pelo conseqüente cepticismo do homem diante dos valores tradicionais de nossa civilização cristã. Face à frustração causada pela disparidade entre as mistas expectativas e as desoladoras realidades, só restariam ao homem um dilacerado sentimento de angustia, temor e desespero. E assim, o "Nada tomava na transcendência o lugar deixado vago pela Razão e por Deus (2). Despojado, tão violentamente, da crença na razão e das artificiosas roupagens conceituais com que o pan-idealismo germânico lhe revestira o espírito, só restaria ao homem do século XX dobrar-se sobre si mesmo, imergindo na própria subjetividade e buscar na finitude da 10 quotidiano aquele angustiado ponto de reflexão que lhe centraria o pensamento no mistério da vida e da existência. É preciso voltar "sentimento da vida" dirá Dilthey é preciso voltar as coisas mesmas – "Zu den Sachem Selbst" dirá Husserl; é preciso dissolver a tradicional dualidade epistemológica sujeito- objeto na unidade vivencial da correlação fenomenológica consciência – mundo. Deste modo, ao "sujeito puro" dos neo-kantianos, mais tarde hipostasiado na "Idéia absoluta" de Hegel, sobrepõe-se agora, o sujeito concreto, em sua dramática singularidade, historicamente engajado e comprometido com problema da vida, do mundo, de seu próprio projeto existencial da própria humanidade. A descoberta da existência, o estudo de seu caráter contigente e irracional constituirão a dramática experiência filosófica que o homem deste século de crise rotulará com o nome sugestivo de "Existencialismo", para expressar e enfatizar o seu compromisso histórico com mistério da vida e o "engagement" resultante da situação fática do seu "Ser no mundo". Esta situação, para todos os existencialistas, desde Kierkegard e Gabriel Marcel a heidegger e sartre, trará a marca inconfundível de um desespero e angústia existências, que os dois primeiros procurarão superar com o sentimento da fé e do amor e os dois últimos com uma "ataraxia" digna dos estóicos, com que o homem aceita o determinismo heideggeriano de sua condição teológica de um "ser-para-a-morte" (Sein-Zum-Tode). 2 - CARATER GERAL DO EXISTENCIALISMO O existencialismo, enquanto filosofia da crise e por suas próprias origens Kierkegaardianas, deve ser historicamente entendido como um complexo de doutrinas eminentemente antirracionalistas ou, segundo Gabriel Marcel (3), como uma reação anti-hegeliana. Com efeito, desprezando o discurso especulativo da metafísica e o raciocínio frio das ciências positivas, o existencialismo vai buscar na "intuição" de Bergson e na fenomenologia de Husserl o método ou caminho que nos conduz "de retorno as coisas", à existência individual concreto, como algo primordial, misterioso, irredutível e anterior à essência. Existência como símbolo de oficina e de arena onde o homem forja o seu projeto e trava a batalha quotidiana do seu próprio destino. Daí Jolivet conceituar o existencialismo como "o conjunto de doutrinas segundo as quais a filosofia tem como objetivo a analise e a descrição da existência concreto, considerada como ato de uma liberdade que se constitui afirmando-se e que tem unicamente como genese ou fundamento esta afirmando de si".(4) 2.1 - CARACTERÍSTICAS COMUNS Embora diversas, as filosofias existencialistas temem comum as seguintes características fundamentais: o existência como objeto de investigação e de modelagem do projeto humano em permanente "devir"; o a vivência existencial, como fonte de angustia e fundamento de uma antropologia filosófica que, para os existencialistas cristãos, aponta o caminho da intersubjetividade (comunhão com os homens) e da transcendência (comunhão com Deus) e, para os existencialistas ateus, conduz à morte, à náusea, ao nada; o o homem como liberdade e subjetividade enquanto artífice de seu próprio projeto existencial, como realidade aberta aos outros e ao mundo; o finalmente, a dissolução do dualismo sujeito-objeto inerente à teoria clássica do conhecimento, na unidade interior de uma vivência que se exprime no amor ou 11 na angustia, considerada esta como consciência da finitude do homem, da sua gratuidade existencial e do seu ser para a morte. o 3 - O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO 3.1 - Sumário do Humanismo Sartreano 3.1.1 - As Críticas ao Humanismo de Sartre Sartre opõe-se às críticas que lhe fazem cristãos e marxistas, ao acusarem-no de: o isolar o homem trancando-o numa subjetividade egoístas e burguesa; o incitar o homem ao quietismo num mundo absurdo totalmente desprovido de sentido; o acentuar o lado sórdido da existência humana; o libertar o homem de quaisquer condicionamentos morais, pela eliminação de Deus que é a fonte de todas os valores. A Resposta de Sartre como Definição de um humanismo Existencialista: o à critica do isolacionismo, Sartre responde com a tese da solidariedade universal, pela universalidade da condição humana, que define os limites "a priori" de sua situação no mundo, e pela universalidade do projeto humano pelo qual, ao se escolher, o homem escolhe a própria humanidade; o à critica do quietismo, Sartre responde com a afirmativa de que só há realidade na ação e de que o homem é projeto em permanente "devir", projeto que se vive subjetivamente mas que se supera a si próprio, na perseguição incessante de fins transcedentes; o à crítica de pessimismo, por ressaltar o lado sórdido da vida, responde ele com a tese da "dureza otimista" e que consiste em responsabilizar o homem pelo que ele é, como soma de todos os seus atos, concluindo que "não há doutrina mais otimista visto que o destino do homem está em suas mãos".(5) o à crítica de que "sem Deus o homem está livre para ser o que quiser", responde Sartre com o princípio moral kantiano, segundo o qual deve o homem agir de modo que possa a humanidade se regular pelos seus atos; e, assim, Sartre atribui ao homem a condição de um legislador sobre um mundo moral que é absolutamente seu e onde não existem "sinais" que lhe orientem a opção. 4 - O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO (Desenvolvimento do tema) 4.1 - Ontologia Fenomenológica e Ateísmo O humanismo existencialista de Sartre desenvolve-se sobre as diretrizes teóricas de uma ontologia fenomenológica de uma teologia atéia. As metafísicas tradicionais opuseram o ser às aparências, as essências, ao fenômeno. Com Husserl, esta dualidade se dissolve na unidade de uma ontologia fenomenológica cujo objeto, o ser, se dá no fenômeno e o fenômeno, como única realidade existente, está lastreado de pensamento, de "logos", de "intentio" no sentido brentaniano. Partindo deste princípio, Sartre distingue no fenômeno o "ente en soi", o ser do mundo material, absolutamente idêntico a si, sem potência, porque "tout este en acte" (6). O ente entretanto é absurdo, pois não tem em si nem fora de si a sua razão de ser. 12 Neste mundo material do "ensoi", hermético em si, sem liberdade, existe o "etre pour-soi",o ser especificamente humano. Ele, o homem, que é consciência de si para-si, constitui o objeto do humanismo existencialista, como ser cuja existência precede à essência, como projeto que se escolhe a si próprio e se realiza num "devir" de criadora auto-superação. Diz Bochenski (7) que o pensamento de Sartre gira em torna de problemas teológicos, embora em sentido ateu. E o próprio Sartre o confirma, quando declara que "o existencialismo não é senão um esforço para tirar todas as conseqüências duma posição atéia coerente"(8). E esse dedutivismo lógico de um ateísmo apriorístico constitui a base do humanismo sartreano. Já em sua obra "Le Diable et le Bom Dieu" dissera Sartre: "se Deus existe, o homem é nada; se o homem existe ... Deus não existe". Esta irredutibilidade entre o homem e Deus explica a metafísica do absurdo, em que se fundamenta o humanismo existencialista. Evidentemente, "senão há um ser necessário para explicar a existência, a contingência é o absurdo; tudo é gratuidade perfeita, tudo é demais e o homem, o próprio homem, nasce sem razão, subsiste por fraqueza e morre por acaso"(9) diz Sartre. E nisto reside a origem da "náusea" do abandono e do desespero. 4.2 A Existência Precede a Essência "Se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência; um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito. E que este ser é o homem como diz Heidegger, a realidade humana" (10). Essa prioridade da existência sobre a essência tem sua explicação na ontologia fenomenológica de Sartre. Evidentemente, se as essências são a racionalidade imanente do ser, enquanto sentido "a priori" que o dinamismo do espírito atribui ao mundo fenomênico, elas só existem na e para a consciência, o "pour soi". Sendo assim, a essência humana para anteceder à sua existência, necessitaria de um "Pour-soi" absoluto que a pensasse. Daí afirmar que "não há natureza humana visto não haver Deus para a conceber". "O Homem primeiramente existe se descobre, surge no mundo e só depois se define".(11) 4.3 O Projeto Humano e o Caráter Universal da Escolha O homem, como o concebe Sartre, primeiramente não é nada, porque não é definível ou concebível "a priori". A realidade primeira é a sua existência, seu ser-no-mundo, situação fática que ele descobre e assume conscientemente. Só depois então é que se definirá, através de um projeto humano, concedido em sua subjetividade individual, projeto cuja realização plasmará o tipo de homem que ele livremente escolher e se propõe ser. O projeto humano, entretanto, não se contém nos limites da subjetividade. "O homem está constantemente fora de si mesmo... projetando-se para fora de si... perseguindo fins transcedentes", diz Sartre (12). Mas "como não há outro universo senão o universo humano", o projeto existencial que formulamos para nós transcende os limites da subjetividade e adquire o caráter de uma escolha universal por nos compromissar e responsabilizar com a própria humanidade. É que "ao escolher-se a si próprio o homem escolhe todos os homens", (13) pois ele pre escolhe o melhor que também o é para toda a humanidade isto Sartre denomina "o caráter absoluto do compromisso qual cada homem se realiza, realizando um tipo de humanidade. Tal fato implica numa responsabilidade muito grande para o mem porque ele envolve toda a humanidade. 4.4 Angústia e Responsabilidade na Liberdade Moral da Escolha Aqui também, o ateísmo desempenha papel importante comonpedra angular do humanismo existencialista de Sartre. "Se não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento" (14). Se, entretanto não há uma moral ou valores 13 apriorísticos porque "não há consciência divina infinita e perfeita para pensá-los, e estamos sós, sem justificativas para os nosso atos, porque, sinais" (15) que o balisem existencialmente e orientem. Estamos condenados a ser livres. Daí concluir Sartre que "o homem está condenado a cada instante a inventar o próprio homem". (16) Nestas condições, o homem se sente esmagar sob o da responsabilidade de uma escolha feita sob condições de luto desamparo e abandono, o que o leva ao desespero. 4.5 A Moral Existencialista e os demais Valores "Se suprimi o Deus Pai, é bem necessário que alguém invente os valores", diz Sartre (17). E inventar os valores significa para ele dar à vida, que não tem sentido "a priori",o humanismo clássico, que torna o homem como fim e valor superior pelo seu humanismo existencialista, em cada um se escolhe livremente sem se referir a valores. Esta escolha, porém, não é gratuita, pois a escolha moral para ele se assemelhe à constatação de uma obra de arte, a qual não se inspira em regras estabelecidas "a priori". O projeto humano traz portanto a marca essencial da liberdade, pois o homem se faz escolhendo a sua moral. Como, porém, esta escolha define um tipo de projeto que é válido para todos os homens e épocas, eu devo agir segundo o axioma da moral kantiana, que eleva os meus atos à condição de paradigma de ação para toda a humanidade. A liberdade moral da escolha rejeita qualquer idéia de determinismo, pois não existe uma natureza interior ao homem nem valores fora dele para preestabelecer rumos necessários à ação. Assim, ninguém nasce covarde ou herói, diz Sartre, (18) mas cada um se faz conforme sua livre opção, tornando-se responsável pelo que é. Esta liberdade e reponsabilidade moral de opção caracteriza o que Sartre chama de "dureza otimista", a qual repugna aos que se refugiam na "má fé" de um pseudo-determinismo, dissimulando a autenticidade do livre compromisso. (19) 4.6 O "Cogito" como Via para a Intersubjetividade Temos de partir do "cogito" ou subjetividade, diz Sartre, por ser ele o único meio de atingirmos a verdade e salvar o homem como sujeito, evitando torná-lo objetivo. Pelo "cogito", atingimo-nos a nós próprios e aos outros que se nos apresentam como condição de nossa existência, "como uma liberdade posta em face de mim"(20). Descobrimos, assim, o mundo da intersubjetividade. Não temos com os "outros" uma comunidade de natureza humana, uma essêncial universal, mas temos uma "universalidade de condição", que se define pelos limites "a priori" que caracterizam a nossa situação fundamental no universo: e todo projeto humano, sem prejuízo de sua individualidade, tem um valor universal porqur persegue objetivos relacionados com a superação ou eliminação desses limites. Daí por que, escolhendo-me, eu construo o universal e realizo o absoluto, através de um projeto universalmente válido porque inteligível a todos os homens. 5. CRÍTICA AO HUMANISMO EXISTENCIALISTA DE SARTRE O existencialismo de Sartre traduz, na angústia e no desespero, a crua dramticidade de uma civilização em crise, que perdeu o sentido da transcedência e se abismou, conseqüentemente, na absurda gratuidade de sua própria finitude. Nesta filosofia, dirá Bochenski, "podemos ver a expressão de um homem sem fé sem família, sem amigos e sem finalidade na vida" (21). 14 Fiel às suas raízes kierkegaardianas, a filosofia existencial de Sartre expressa a revolta anti- intelectualista do pensamento moderno contra aquela visão romântica e otimista do mundo com que a euforia racionalista do Renascimento plasmou o perfil ideológico da cultura ocidental. Como o Filósofo dinamarquês, Sartre vive o dram de sua finitude e do "nada que circunda a sua contigência". Falta-lhe, porém, o sentimento daquela fé abraâmica que, em Kierkegaard, é ponte lançada sobre o abismo da existência, ligando o finito ao infinito, a subjetividade à Transcendência. Daí por que a angústia em Kierkegaard é caminho que eleva o homem a Deus, "par 1 ‘angoisse vers la hauteur" (22), e em Sartre é sentimento de abandono e solidão, em um mundo onde o homem assume a inteira responsabilidade de projetar e criar a sua própria essência, sem valores "a priori" que lhe alisem e fundamentem a decisão.Paradoxalmente, o humanismo ateu de Sartre e sua própria ontologia estão centradas na idéia de Deus; não do seu Ser mas do seu não-ser. O nada-de-Deus é, assim, um postulado básico, apriorístico, necessário, universal, que fundamenta a absurdidade do ser, da existência, das essências, do homem, dos valores, do absoluto. Parodiando Spinosa poder-se-ia dizer que Sartre desenvolve um filosofia atéia "more theológico demonstrata". Seu pensamento desenvolve, paradoxalmente, princípios de uma teologia atéia como base de uma ontologia fenomenista. Situando-se o ateísmo de Sartre no contexto de toda a sua filosofia existencial, conclui-se que ele se reveste de três características essenciais: apriorismo, necessidade e universalidade. Quanto ao caráter apriorístico da negação de Deus, o próprio Sartre o confessa na seguinte passagem de sua obra "Sutuation": "O ateísmo de M. Naville não é a expressão de uma progressiva descoberta, mas uma clara tomada de posição "a priori" perante um problema que excede infinitamente a nossa experiência... Essa é a minha solução (23). Comentando o ateísmo apriorístico de Sartre, diz Romano Resek que "a recusa de Deus (que, para Sartre, poderia dispensar argumentos...) satura e orienta toda a sua obra, na qual ele tenta provar a possibilidade de suprimir Deus e até construir sobre essa ausência um sistema coerente do homem e do mundo"(24). Ocorre, porém, que uma tese, axioma ou princípio apriorístico nada provam, pois, "gratis affirmatur gratis Negatur". Como explicar-se, porém, o caráter apriorístico do ateísmo sartreano? Certamente como um "estado de alma", segundo Merleau Ponty. Como uma irrupção subjetiva de traumas ligados a uma infância religiosamente neutra, a uma educação deformadora de Deus: "eu precisava de um Criador, davam-me um Grande Patrão", declarava Sartre em seu artigo "Gide Vivant". (1951) No caso, o ateísmo de Sartre adquire o caráter de um "determinismo psicológico", pelo que se torna patologicamente necessário. A esta necessidade empresta ele características metafísicas que fundamentam a sua ontologia e a sua antropologia filosófica. Ontologicamente, "o ser é sem razão, sem causa e sem necessidade", declara Sartre em "L’être et Le Neant" (25). Mas porque o ser é sem razão e sem causa? Porque necessitaria de uma essência preexistente, o eu implicaria na necesidade de um "Artífice" para lhe conceber tal essência, explica ele com o exemplo do corta-papel, "cuja essência – quer dizer o conjunto de receitas e características que permitem produzí-lo e defini-lo precede a existência". E porque não se admitir esse Artífice, em cuja mente preexistiriam as idéias de tudo como arquétipos eternos segundo a bela concepção augutiniana da criação? 15 A resposta nós a temos na explicação antropológica de Sartre para a não existência de Deus – "Se Deus existe, o homem é nada, se o homem existe, Deus não é ..." (Le Diable et lebon Dieux). Para ele é, portanto, humanamente necessário que Deus não exista. Cumpre destruí-lo, para que de suas cinzas possa nascer ou renascer a figura apolínea do homem sartreano, herói e semi-deus que se basta a si próprio, que projeta e cria a sua própria essência. Tal concepção configura um humanismo anti-humano, pois o homem, na ânsia de ser um Deus impossível um "etre-en-soi-pour-soi", termina sendo um nada, "uma paixão inútil" segundo o próprio Sartre. O ateísmo de Sartre reveste-se, também, de um caráter universal, pela amplitude de suas deduções, pois ele próprio é quem declara que "O existencialismo não é senão um esforço para tirar todas as conseqüências duma posição atéia coerente". (26) Ocorre, porém, que sendo incoerente o seu ateísmo, porque apriorístico, incoerentes também o são as suas conseqüências. Em primeiro plano, avulta a incoerência de uma Ontologia fenomenista, pois reduz o ser do fenômeno a um fenômeno de ser, o que representa nada. Daí Jacques Maritain dizer que o equívoco original e irrmediável de Sartre está em ter ele permanecido no âmago da fenomenologia, pretendendo alcançar aí o ser, pois, "pelo simples fato que a fenomenologia coloca o real extramental entre parêntesis, exclui a ontologia"(27). Outra é a incoerência da "universalidade da condição humana" sem a universalidade de uma natureza humana que lhe sirva de suporte metafísico. Sem esta natureza, a sua tese da "solidariedade universal"cai por terra ante a evidência de um isolacionismo hermeticamente enclausurado na subjetividade do "cogito" cartesiano. Mesmo porque fora deste "cogito cartesiano todos os objetos são apenas prováveis e uma doutrina de possibilidade que não está ligada a uma verdade desfaz-se no nada"(28). Por outro lado, não aproveita a tese da universalidade individual centrada na idéia de que a nossa escolha envolve toda humanidade, por sempre escolhermos o que é bom para todos. Na verdade, se o valor da escolha está em escolher livremente, "só nos resta guiar-nos pelo instinto", pois não existem sinais que nos balizem os atos e "nenhuma moral geral pode indicarmos o que fazer" (29) a nossa escolha será absolutamente individual como projeto, não podendo, por isso mesmo, sob pena de incoerente contrasenso, adquirir o caráter universal que Sartre lhe empresta. Esta conclusão que vimos de fazer é premissa que nos conduz à conclusão de outra incoerência do humanismo sartreano. Trata-se de sua moral de ação por ele concebida segundo o orgulhoso estilo da moral kantiana: "Tudo se passa como se, para todo homem, toda a humanidade tivesse os olhos postos no que ele faz e se regulasse pelo que ele faz" (30). Pura falácia, pois, para mal de seus pecados, o próprio Sartre decalra que "estamos sós e sem desculpas", sofrendo em cada decisão uma angústia, pois se Deus não existe, não encontramos diante de nós valores que nos legitimem o comportamento. E, assim, "fica o homem abandonado, já que não encontra em si nem fora de si uma possibilidade a que se apegue" (31). Vemos, aqui, ruir por terra a decantada moral sartreana, constituindo, assim, uma absurda incoerência a sua afirmativa de que "só há esperança na ação". Que esperança? Esperança na angústia e no abandono é desespero. Para sair deste dilema em que o envolveu uma absurda moral de ação "ex-nihilo", porque sem motivações "a priori", Sartre formula, com inegável habilidade, a sua doutrina da liberdade: o homem é absolutamente livre porque sua ação se desenvolve sem condicionamentos externos nem internos. Tratando-se de uma liberdade sem "antes" (motivação) nem "depois" (finalidade), ela passa a ser um fim supremo em si, pois justifica a ação pela ação. E assim pensa ele ter respondido à crítica de pessimista, que lhe fazem, declarando que "não há doutrina mais otimista visto que o destino do homem está em suas mãos" (32). 16 É o "duro otimismo" do existencialista que assume a responsabilidade dos atos em que projeta a sua essência. "Duro otimismo", concordamos nós, pois toda ação sem motivação é absurda, como absurda e anti-humana é a liberdade quando a escolha em que ela se realiza tem o caráter determinista de não poder ser evitada e a gratuidade de uma opção às cegas, porque sem critérios que a justifiquem. Finalmente, sobressai na antropologia filosófica de Sartre a sua absurda concepção do homem como um ser que primeiramente é ou existe, surge no mundo, descobre-se, para depois escolher a sua essência, tentando realizá-la como um auto-projeto em permanente "devir". Tal concepção, porém, envolve uma radical contradição frente à filosofia aristotélico-tomista, pois o ser que é (ser-existência) sem ser o (être-en-soi) da ontologia sartreana, um ser hermético em si mesmo, absolutamente idêntico a si, sem nenhuma potencialidade, porque "tout est en acte". Se, porém, o homem, na ordem ontológica do ser, apenas, é o que é, sem nenhuma outra possibilidade, já é portanto tudo não podendo assim vir-a-ser. Neste caso, como pode um ser com tal estrutura ôntica projetar-sefora de si, buscar realizar uma essência que o transcende? Pela "subjetividade", responde Sartre cartesianamente, opondo ao mundo rígido e imóvel do "en soi" o mundo interior do "pour soi", onde se situa e se realiza existencialmente o ser especificamente humano, como consciência e liberdade cuja essência consiste no escolher o tipo de homem que cada um tiver projetado ser. Embora Sartre não chegue a tanto, o homem existencialista que ele concebe tem, como vemos, a paradoxal e ambígua situação de um ser ao mesmo tempo heracliano e parmenidiano. Heracliano como "pour soi" – consciência e liberdade que se realizam na ação, no projetar-se fora de si, na vertiginosa perseguição de fins transcendentais. Parmenidiano pela condição fátida de sua primeira e original maneira de ser no mundo, absolutamente idêntico a qualquer outro "en soi", cuja ausência de potencialidade o equipara ao "Ato Puro" aristotélico-tomista (Deus). Isto implica envolver o homem e tudo o mais numa percepção monista do Universo, onde a pluralidade dos seres se reduz à unidade ontológica de ser-em-si. Este será necessariamente uno, porque tem como única determinação o existir e absolutamente imóvel, porque sem potência. Ser e não-ser, eis o homem existencialista de Sartre. Um nada de essência que projeta a essência de nada, porque "ex nihilo". Na vã tentativa de explicar estes aspectos contraditórios de sua ontologia, Sartre inspira-se mais uma vez na sua teologia atéia, declarando que o homem quer converter-se num em-si que seja seu próprio fundamento, "causa sui", e, portanto, um "em-si-para-si". O homem qeur tornar-se Deus; mas como Deus é impossível, pois um em-si-para-si é uma contradição, "o homem é uma paixão inútil". Se Sartre houvesse sido fiel ao método fenomenológico de Husserl, ao postulado básico de que o fenômeno está lastrado de pensamento, de "logos" como se infere da própria etimologia do termo (fenômeno+logia), teria ele certamene transcendido o mundo das aparências sensíveis e intuído, no cerne do fenômeno, o "Logos" Universal e Único, o próprio "Vebum Dei" que dá sentido causal às coisas humanas. E, assim, ao invés de reeditar o mitológico Prometeu, na pessoa do homem acorrentado a um mundo e destino absurdos, teria ele encontrado Cristo, alfa e ômega da História, em cuja pessoa Deus se huamnizou para divinizar o homem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1) FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 4ª ed. Agir, p. 141. (2) JOLIVET, Régis. A Doutrina Existencialista. 1961, Livraria Tavares Martins, Porto, p.21. 17 (3) RESEK, Romani. Deus ou Nada. Ed. Paulistas, 1975, p.147. (4) JOLIVET, Régis. Op. cit. p.27. (5) SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. Apud. Os Pensadores. Vol. XLV, Abril Cultural. p. 09 a 28. (6) BOCHENSKI. A Filosofia Contemporânea Ocidental. EDUSP, 2ª ed., 1975. (7) BOCHENSKI. Op. cit. p. 165 e 166. (8) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09 a 28. (9) RESEK, Romani. Op. cit. p. 149. (10) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09 a 28. (20) Ibidem, p. 09 a 28. (21) BOCHENSKI. Op. cit. p. 165 e 166. (22) WAHL, Jean. Etudes Kierkegaardiennes. Librairie Philosophique J. Vrin, Deuxieme Editair, 1949, p. 210. (23) RESEK, Romani. Op. cit. p. 168. (24) Ibidem, p. 169. (25) Ibidem, p. 188. (26) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09 a 28. (27) MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. Agir, 1973, p. 210. (28) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09 a 28. (29) Ibidem, p. 09 a 28. (30) Ibidem, p. 09 a 28. (31) Ibidem, p. 09 a 28. (32) Ibidem, p. 09 a 28. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BOCHENSKI. A Filosofia Contemporânea Ocidental. EDUSP, 2ª ed., 1975. FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 4ª ed., Agir. JOLIVET, Régis. A Doutrina Existencialista. Livraria Tavares Martins, Porto, 1961. MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. Agir, 1973. RESEK, Romani. Deus ou Nada. Ed. Paulistas, 1975. SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. Apud. Os Pensadores. Vol. XLV, Abril Cultural. WAHL, Jean. Etudes Kierkegaardiennes. Librairie Philosophique J. Vrin, Deuxieme Editair, 1949. Capítulo IV PSICOLOGIA HUMANISTA Apontamentos sobre Psicologia Humanista Profª. Teresa Cristina Barbo Siqueira1 A Psicologia Humanista fundamenta-se nos pressupostos da Fenomenologia e Filosofia Existencial; é centrada na pessoa e não no comportamento, enfatiza a condição de liberdade contra a pretensão determinista. Visa à compreensão e o bem-estar da pessoa não o controle. Segundo esta concepção, a psicologia não seria a ciência do comportamento, seria a ciência da pessoa. Caracteriza-se também, por uma contínua crença nas responsabilidades do indivíduo e na sua capacidade de prever que passos o levarão a um confronto mais decisivo com sua realidade. Segundo esta teoria, o indivíduo é o único que tem potencialidade de saber a totalidade da 1 Roteiro para estudo: Alguns apontamentos sobre o Humanismo. 18 dinâmica de seu comportamento e das suas percepções da realidade e de descobrir comportamentos mais apropriados para si. Os principais constituintes deste movimento são: Carl Rogers (1902-1985) e Abraham Maslow (1908-1970). Um ponto fundamental da teoria de Rogers, é que as pessoas se definem por sua experiência. Segundo Rogers "todo indivíduo vive num mundo de experiência no qual é o centro. Este mundo particular é denominado de campo fenomenal ou campo experiencial que contém tudo que passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência. Esse mundo inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um mundo particular e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva". Segundo esta concepção, a atenção que o indivíduo focaliza em um certo evento é determinada pelo modo como cada um percebe o seu mundo, não na realidade comum. Deste modo, o indivíduo não reage a uma realidade absoluta, mas a uma percepção pessoal dessa realidade. Essa percepção é para cada um sua realidade. Partindo-se deste pressuposto, cada percepção é essencialmente uma hipótese - uma hipótese relativa à necessidade do indivíduo. Segundo Rogers, pelo fato de o organismo ser sempre um sistema total organizado em que, a alteração de qualquer das partes provoca uma alteração nas outras partes, reage ao seu campo fenomenal como um todo organizado. O mesmo autor afirma que, há um aspecto básico da natureza humana que leva um indivíduo em direção a uma maior congruência e a um funcionamento realista. Segundo este, "o impulso evidente em toda a vida humana e orgânica, o impulso de expandir- se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer-se, a tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o self". Sendo assim, cada indivíduo possui este impulso inerente em direção a ser competente e capaz quanto está apto biologicamente. O comportamento de uma pessoa será voltado para a manutenção, a intensificação e a reprodução do eu em direção à autonomia, oposto ao controle externo por forças externas. Isso se aplica quer o estímulo venha de dentro ou de fora, quer seja o meio ambiente favorável ou desfavorável. A tendência para a realização plena das potencialidades individuais é expressa nos indivíduos através de uma variada gama de comportamentos, em resposta a uma gama variada de necessidades. A tendência do organismo, num momento, pode levar à procura de alimento ou gratificação sexual. No entanto, a menos que essas necessidades sejam demasiadamente fortes, sua satisfação será procurada segundo uma forma que intensifique, e que, não diminua a necessidade de auto-estima, por exemplo. Outras atividades tais como, as necessidades de explorar, produzir e a necessidade brincar, por exemplo, são basicamente motivadas, segundo este pressuposto, pela tendência à realização. A conduta segundo Rogers, seria fundamentalmente um esforço dirigidoà consecução de um objetivo do organismo, para satisfazer as suas necessidades. A reação, o comportamento, não se dá em face da realidade mas, da percepção da realidade que o indivíduo possui. Consequentemente, a conduta não seria então causada por algo que aconteceu no passado, como postulado pela psicanálise mas, causada pelas tensões e necessidades presentes que o organismo se esforça por reduzir ou satisfazer. Embora a experiência passada contribua para 19 modificar o sentido que será dado as experiências atuais, só há conduta para enfrentar uma necessidade presente. A conduta é sempre intencional e em resposta à realidade tal como é aprendida. A melhor forma então para compreendê-la, é a partir do quadro de referência interna do próprio indivíduo. Para Rogers, a estrutura do eu é formada como resultado da interação do indivíduo com o ambiente e, de modo particular, como resultado da interação valorativa com os outros. Assim, o ego é um modelo conceitual organizado, constituído de percepções, de características e relações do eu, juntamente com valores ligados a esses conceitos. O eu está dentro do campo da experiência, não sendo apenas uma mera acumulação de numerosas aprendizagens e condicionamentos. É uma configuração organizada de percepções que são acessíveis à consciência, formada por elementos tais como as percepções das características e capacidades próprias; os conteúdos perceptivos e os conceitos de si em relação com os outros e com o ambiente. Basicamente é um conjunto de significações vividas sendo suscetível de mudar sensivelmente em consequência das mudanças ocorridas em seu meio. Em síntese, é um conjunto organizado e consistente de experiências, num processo constante de formar-se e transformar-se à medida que as situações mudam. Os esquemas de autoconceito do indivíduo são estruturados à medida que o indivíduo começa a vivenciar alguns eventos, incluindo tudo o que é experimentado por seu organismo, conscientemente ou não. Em decorrência a tudo o que está acontecendo em seu meio, o indivíduo começa gradativamente, a tornar-se atento às experiências que ele discrimina como sendo o eu. Pouco a pouco, forma-se um conjunto de conceitos organizados e coerentes, chamados de valores. Para Rogers, alguns fenômenos são ignorados e tidos como isentos de significado para a pessoa. Outros fenômenos são percebidos conscientemente e organizados em sua estrutura. Alguns parecem impor-se a percepção consciente, outros fenômenos são negados ou distorcidos porque ameaçam a percepção organizada do eu. Em síntese, a teoria de Rogers afirma que, todo organismo tem uma tendência inerente e natural a auto-realização, sendo expressa nos seres humanos numa variada gama de comportamentos em resposta a uma variada gama de necessidades. Esta tendência do organismo num momento pode levar à procura de alimento e gratificação sexual, em outro à procura de status. Outro expoente do pensamento humanista foi Abraham Maslow. Maslow era psicólogo e foi considerado um dos fundadores da psicologia humanista. Durante toda a sua carreira interessou-se profundamente pelo estudo do crescimento e desenvolvimento pessoais, e pelo uso da psicologia como um instrumento de promoção do bem estar social e psicológico. O fato de ser considerado Humanista lhe desagradava, ao ponto de afirmar: "Nós não deveríamos ter que dizer Psicologia Humanista. O adjetivo deveria ser desnecessário. Eu sou autodotrinário.... Eu sou contra qualquer coisa que feche portas e corte possibilidades". Maslow começou por estudar a questão da auto-realização mais profundamente através da análise das vidas, valores e atitudes das pessoas que considerava mais saudáveis e criativas. Começou por estudar aqueles que achava que eram mais auto realizados, os que haviam alcançado um nível de funcionamento melhor, mais eficiente e saudável do que o homem ou a mulher comuns. Assim, suas primeiras investigações sobre auto-realização foram inicialmente estimuladas por sua vontade de entender de uma forma mais completa os dois professores que mais o influenciaram, Ruth Benedickt e Max Wertheimer. Maslow não somente os considerava 20 cientistas brilhantes e extraordinários, mas seres humanos profundamente realizados e criativos. Assim, iniciou seu próprio estudo para procurar tentar descobrir o que os fazia tão especiais. Maslow definia a questão da auto-realização como " o uso e a exploração pleno de talentos, capacidades, potencialidades, etc. Eu penso no homem que se auto-atualiza não como um homem comum a que alguma coisa foi acrescentada, mas sim como um homem comum de quem nada foi tirado. O homem comum é um ser humano completo com poderes e capacidades amortecidos e inibidos". Em seu livro, The Farther Reaches of Humam Nature (1971), Maslow faz algumas considerações a respeito dos modos pelos quais os indivíduos se auto-realizam: Auto-realização significa experienciar de modo pleno, intenso e desinteressado, com plena concentração e total absorção. Em geral estamos alheios ao que acontece dentro de nós e ao nosso redor. Se pensarmos na vida como um processo de escolhas, então a auto-realização significa fazer de cada escolha uma opção para o crescimento. Escolher o crescimento é abrir-se para experiências novas e desafiadoras, mas arriscar o novo e o desconhecido. Auto-realizar é aprender a sintonizar-se com sua própria natureza íntima. Isto significa decidir sozinho se gosta de determinadas coisas, independente das idéias e opiniões dos outros. A honestidade e o assumir responsabilidade de seus próprios atos são elementos essenciais na auto-realização. Ao invés de, dar respostas calculadas para agradar outra pessoa ou dar a impressão de sermos bons Maslow pensa que as respostas devem ser procuradas em nós mesmos. Auto-realização é também um processo contínuo de desenvolvimento das próprias potencialidades. Isto significa usar suas habilidades e inteligência para trabalhar e fazer bem, aquilo que queremos fazer. Um passo para além da auto-realização é reconhecer as próprias defesas e então trabalhar para abandoná-las. Precisamos nos tornar mais conscientes das maneiras pelas quais distorcemos nossa auto-imagem e a do mundo exterior através da repressão, projeção e outros mecanismos de defesa. Maslow acentua que o crescimento ocorre através do trabalho de auto-realização. Auto- realização representa um compromisso a longo prazo com o crescimento e o desenvolvimento máximo das capacidades. O trabalho de auto-realização envolve a escolha de problemas criativos e valiosos. Maslow afirma que, indivíduos auto-realizados são atraídos por problemas mais desafiantes e intrigantes, por questões que exigem os maiores e mais criativos esforços. Estão dispostos a enfrentar a incerteza e a ambiguidade e preferem o desafio à soluções fáceis. Maslow afirma que, o crescimento psicológico ocorre em termos de satisfação bem sucedida de necessidades mais elevadas. As primeiras necessidades, as fisiológicas (fome, sono..), segurança (estabilidade, ordem) geralmente são preponderantes, isto é, elas devem ser satisfeitas antes que apareçam aquelas relacionadas posteriormente, como; necessidade de amor e pertinência (família,amizade), necessidade de estima (auto-respeito, aprovação) e necessidade de auto-atualização (desenvolvimento de capacidades). Portanto, a busca de auto-realização não pode começar até que o indivíduo esteja livre da dominação de necessidades inferiores, tais como fisiológicas e segurança. 21 O desajustamento psicológico é definido como doenças de carência, causadas pela privação de certas necessidades básicas, assim como a falta de vitaminas causa doenças. Outras necessidades, segundo Maslow, também devem ser satisfeitas para manter a saúde. Maslow afirma que, um exame acurado do comportamento animal ou humano revela outro tipo de motivação. Quando um organismo não está com fome, dore medo novas motivações emergem, tais como curiosidade e alegria. Sob estas condições, as atividades podem ser desfrutadas como fins em si mesmas, nem sempre buscadas apenas como meio de gratificação de necessidades. A este tipo de motivação denomina motivação do ser, pois, refere-se principalmente ao prazer e a satisfação no presente ou ao desejo de procurar uma meta considerada positiva. Por outro lado, a motivação de deficiência inclui uma necessidade de mudar o estado da coisa atual porque este é sentido como insatisfatório ou frustrador. Maslow define o self como essência interior da pessoa ou sua natureza, inerente a seus próprios gostos, valores e objetivos. Compreender a própria natureza interna e agir de acordo com ela é essencial para atualizar o self. Maslow aborda a compreensão do self através do estudo daqueles indivíduos que estão em maior harmonia com suas próprias naturezas, daqueles que fornecem os melhores exemplos de autoexpressão ou autoatualização. Em síntese, o trabalho de Maslow, ofereceu uma contribuição considerável tanto prática quanto teórica para os fundamentos de uma alternativa para o Behaviorismo e a Psicanálise, correntes estas que segundo ele, tendem a ignorar e ou deixar de explicar a criatividade, o amor, o altruísmo e os outros grandes feitos culturais, sociais e individuais da natureza humana. Capítulo V A Fenomenologia de Edmund Russerl VIDA. Edmund Husserl, filósofo alemão fundador da Fenomenologia, um método para a descrição e análise da consciência através do qual a filosofia tenta alcançar uma condição estritamente científica. Nasceu a 8 de abril de 1859 em Prossnitz, Moravia, no então Império Austríaco, hoje Prostejov, na República Checa, e faleceu em 27 de abril a 1938 em Freiburg im Breisgau, na Alemanha. De origem judaica, completou os primeiros estudos em um ginásio público alemão, na cidade próxima, Olmütz (Olomouc), em 1876. Em seguida estudou física, matemática, astronomia e filosofia nas universidades de Leipzig, Berlim, e Vienna. Nesta última passou sua tese de doutorado em filosofia em 1882, com o tema Beiträge zur Theorie der Variationsrechnung ("Contribuição para a Teoria do cálculo de variáveis"). No outono de 1883, Husserl seguiu para Vienna para estudar com o filósofo e psicólogo Franz Brentano. Em Viena Husserl converteu-se à fé evangélica luterana e, um ano depois, em 1887, casou com Malvine Steinschneider, a filha de um professor do ensino secundário de Prossnitz. Esposa energética e competente, ela foi um indispensável apoio para Husserl até a morte dele. Em 1886 Husserl, com uma recomendação de Brentano, procurou Carl Stumpf, o mais velho dos estudantes de Brentano, do qual se tornaria amigo íntimo, e que era professor de filosofia e psicologia na universidade de Halle. Nesta universidade Husserl passou o concurso para professor conferencista em 1887. 22 O tema da tese de habilitação foi Über den Begriff der Zahl: Psychologische Analysen ("Sobre o conceito de número: análise psicológica"), o que mostra sua transição da pesquisa matemática para uma reflexão sobre as bases psicológicas dos conceitos básicos da matemática. A tese foi uma versão desenvolvida depois no seu Philosophie der Arithmetik: Psychologische und logische Untersuchungen, cujo primeiro volume apareceu em 1891. O título de sua conferência inaugural em Hale, onde ensinou de 1887 a1901, foi Über die Ziele und Aufgaben der Metaphysik ("Sobre os objetivos e problemas da metafísica"). O objeto tradicional da metafísica é o estudo do Ser. O texto se perdeu, mas é provável que nele Husserl já apresentasse seu método de análise da consciência como o caminho para uma nova e universal filosofia e uma nova metafísica. Para ele a base filosófica para a lógica e a matemática precisa começar com uma analise da experiência que está antes de todo pensamento formal. Isto obrigou-o a um intenso estudo dos empiristas ingleses John Locke, George Berkeley, David Hume, e John Stuart Mill, e familiarizar-se com a terminologia da lógica e semântica derivada daquela tradição, especialmente a lógica de Mill. Essa integração de suas idéias com o pensamento empirista levou-o às concepções apresentadas em sua famosa obra Logische Untersuchungen (1900-01; "Investigações lógicas"), onde apresentou o método de análise que chamou "fenomenologico". Após a publicação do Logische Untersuchungen, Husserl foi convidado a lecionar na universidade de Göttingen, onde permaneceu de 1901 a 1916. Em seu esforço de pesquisa, Husserl chegou a um extremo: anotava todos os movimentos de seu pensamento. Durante sua vida produziu mais de 40.000 páginas estenografadas no método Gabelberger. Nos seus anos em Göttingen, Husserl rascunhou as linhas gerais da fenomenologia como uma ciência filosófica universal. Seu princípio metodológico fundamental era o que chamou "redução fenomenológica". Preocupava-se com a experiência básica da consciência, não interpretada, e a questão do que é a essência das coisas, a "reducão eidética". Por outro lado, é também a reflexão sobre as funções pelas quais as essências se tornam conscientes. Sob esse aspecto, a redução revela o Eu para o qual todas as coisas têm sentido. Assim, a fenomenologia assumiu o caráter de um novo estilo da filosofia transcendental, o qual repetia e aperfeiçoava, em uma maneira moderna, a mediação de Kant entre o empirismo e o racionalismo. Husserl apresentou seu programa e delineamento sistemático em Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie (1913; Idéias;Introdução geral à fenomenologia pura"), obra cuja segunda parte não pode completar devido a romper a Primeira Guerra Mundial. Husserl pretendia que esse trabalho fosse um manual de estudo para seus alunos, mas estes ficaram indiferentes. A maior parte deles considerou a virada de Husserl para a filosofia transcendental como um passo atrás, uma volta ao velho sistema de pensamento e o rejeitaram. Devido a essa reviravolta e à guerra, o movimento fenomenológico se desfez. Sua posição junto aos colegas em Göttingen era sempre difícil. Sua nomeação para catedrático em 1906 havia resultado de uma decisão do ministro da educação contra a 23 vontade do corpo de professores. Assim, quando foi convidado em 1916 para catedrático na universidade de Freiburg, isto significou um novo começo para Husserl sob todos os aspectos. Sua aula inicial sobre Die reine Phänomenologie, ihr Forschungsgebiet und ihre Methode ("Fenomenologia pura, sua área de pesquisa e seu método") definia seu programa de trabalho. Neste sentido ele havia lançado em suas aulas sobre Filosofia Primeira (1923-24) a tese de que a Fenomenologia, com seu método de redução, é o caminho para a absoluta justificação da vida, ou seja, para a realização da autonomia ética do homem. Com essa tese, ele continuou a elucidação da relação entre a análise psicológica e a analise fenomenológica da consciência e sua pesquisa quanto ao embasamento da lógica, que ele publicou como Formale und transzendentale Logik: Versuch einer Kritik der logischen Vernunft (1929; Lógica formal e transcendental). Reconhecimento vindo de fora não faltou. Em 1919 a Universidade de Bonn conferiu- lhe o título de Doutor honoris causa. Muitos visitantes estrangeiros compareciam aos seus seminários, entre eles Rudolf Carnap, figura de proa do Círculo de Vienna, onde nasceu o Positivismo lógico. Fez palestras na Universidade de Londres (1922), na universidade de Amsterdã e, mais tarde, em 1930, na Sorbone. Deixou de aceitar um convite da prestigiosa universidade de Berlim a fim de poder dedicar todas as suas energias à Fenomenologia. Estas palestras foram aproveitadas em uma nova apresentação da Fenomenologia, que então apareceu com tradução francesa sob o título Méditations cartésiennes (1931). Quando ele aposentou em 1928, Martin Heidegger, que haveria de tornar-se um expoente do existencialismo e umdos mais importantes filósofos alemães, foi seu sucessor. Husserl o havia considerado seu herdeiro legítimo. Somente mais tarde viu que a principal obra de Heidegger, Sein und Zeit ("O ser e o tempo"), de 1927, havia dado à Fenomenologia uma reviravolta que a levaria para um caminho totalmente diferente. Seu desapontamento fez que seu relacionamento com Heidegger esfriasse depois de 1930. Com a chegada ao poder de Adolf Hitler em 1933 ele foi excluído da universidade. Porém recebia a visita de filósofos e intelectuais estrangeiros. Condenado ao silêncio na Alemanha, ele recebe, na primavera de 1935, um convite para falar para a Sociedade Cultural em Viena, onde discursou por duas horas e meia sobre Die Philosophie in der Krisis der europäischen Menschheit ("A filosofia na crise da humanidade européia ") palestra que repetiu dois depois. Desta conferência e de outras que fez em Praga surgiu seu último trabalho Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie: Eine Einleitung in die phänomenologische Philosophie ("A crise da ciência européia e a fenomenologia transcendental: uma abordagem da filosofia fenomenológica"), de 1936, da qual somente a primeira parte veio a público em um periódico para emigrantes. Enfermo a partir de 1937, disse desejar morrer de modo digno de um filósofo "Eu vivi como um filósofo - disse -, e eu quero morrer como um filósofo". Por não ser comprometido com nenhum credo em particular, ele respeitava toda crença religiosa autêntica. 24 Seu conceito de auto-responsailidade filosófica absoluta ficava perto do conceito protestante da liberdade do homem em sua relação imediata com Deus. Na verdade, é evidente que Husserl caracterizava a manutenção da redução fenomenológica não apenas como um método mas também como uma espécie de conversão religiosa. Ele morreu em abril de 1938 e suas cinzas foram enterradas no cemitério em Günterstal, perto de Freiburg. FILOSOFIA Husserl achava que os filósofos estavam complicando a teoria do conhecimento, em lugar de considerarem com objetividade o fenômeno da consciência como é experimentado pelo homem. O que importava, para ele, era o que se passava na experiência de consciência, através de uma descrição precisa do fenômeno. Por isso deu o nome de "fenomenologia" à sua teoria que deveria ser uma ciência puramente descritiva, para somente depois passar a uma teoria transcendental à experiência, o seja, para além do método cientifico. As teorias do conhecimento de Descartes e de Kant tinham um defeito insanável, em seu entender. Era o fato de faltar qualquer certeza de que o que aparece na consciência correspondesse inteiramente ao real. O que havia era uma "pressuposição" de que aquilo que estava na consciência guardava relação de alguma sorte com os objetos correspondentes do mundo exterior. A filosofia, a mais fundamental das ciências, devia ficar livre de suposições. Pensar o mundo somente poderia ser feito depois de bem examinado como esse mundo é matéria no campo da consciência. Em sua opinião não adiantava em nada discutir uma teoria do conhecimento sem esse primeiro passo, pois o que tinha existência verdadeira e assegurada eram os fatos da consciência. Husserl colocaria qualquer problema filosófico tradicional entre aspas, para ser examinado somente após estar completa a descrição fenomenológica. A isto chamou criar uma "época" para a questão em exame. Chamou "redução transcendental" a esta redução da coisa aos detalhes da sua apreensão como fenômeno da consciência propriamente; significava retirá-la de uma visão teórica, transcendente, para tomar conhecimento dela de modo preciso e objetivo, analítico, como simples experiência de consciência. No entanto, na primeira fase do desenvolvimento da sua doutrina, Husserl não partia daí para descrever o "Eu" ou o que a consciência era, mas sim para estudar as idéias, os vários tipos de idéias, como as cores, a superfície, etc.. A esse detalhamento das idéias que se juntam com outras idéias para formar a essência de cada coisa, deu o nome de "redução eidética" (idéia, imagem, forma). Com este procedimento queria chegar a uma metodologia perfeita para a filosofia, de modo a garantir a certeza absoluta, e buscou estudar o que John Locke já havia escrito a respeito. Somente mais tarde, no que foi considerada uma reviravolta em seu pensamento, Husserl passou ao estudo do Eu, do que existe no Eu que lhe faculta o conhecimento, o que foi considerado um retrocesso à filosofia transcendental de Kant. (Clique aqui em Fenomenologia, por favor, para encontrar um artigo nosso mais detalhado sobre o assunto.). Rubem Queiroz Cobra Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia 25 Capítulo VI O Existencialismo de Martin Heidegger Introdução. Filósofo alemão que escreveu sua filosofia em linguagem altamente cifrada e, apesar de que o dizem dificilmente compreensível, é romanticamente cultuado por um grande número de admiradores de fragmentos poéticos do seu pensamento sobre o Ser. No entanto, ele próprio desistiu de suas idéias, preferindo não publicar o segundo volume de sua obra principal, o "O Ser e o Tempo". Fervoroso adepto do nazismo antes da derrota da Alemanha na segunda guerra mundial, para muitos foi um pensador original, um crítico da sociedade tecnológica do século XX. De sua obra ficou a designação de "Existencialismo" para a corrente de pensamento anti-determinista fundada por Kierkegaard e à qual se filiou. Foi um escritor prolífico: calcula- se que reunir tudo que escreveu daria uns 70 volumes Primeiros anos e juventude. Martin Heidegger nasceu a 26 de setembro de 1889 em Messkirch, na Schwarzwald (Floresta Negra), Alemanha, e faleceu em 26 de maio de 1976, na mesma Messkirch, então parte da Alemanha Ocidental. Seu pai foi um sacristão católico, incumbido das vestes e dos objetos sagrados, de tocar os sinos e também de cavar as sepulturas no interior do templo. Heidegger mostrou uma preocupação religiosa precoce e teve seu interesse despertado para a filosofia ainda ao tempo de seus estudos básicos, através da leitura do filósofo católico do final do século XIX Franz Brentano. Impressionou-o a psicologia " descritiva ", , como é apresentada no Von der mannigfachen Bedeutung des Seienden nach Aristoteles ("Dos vários significados do Ser de acordo com Aristóteles"-1862) de Brentano. De seu estudo inicial de Brentano procede também seu entusiasmo pelos gregos, especialmente os pre-Socraticos. Após terminar os estudos básicos, Heidegger entrou para a ordem dos Jesuítas. Como noviço, estudou a Escolástica (filosofia cristã medieval) e a teologia tomista, na universidade de Freiburg. Por toda sua vida madura Heidegger esteve obcecado pela possibilidade que há um sentido básico do verbo "ser" que jaz atrás de sua variedade de usos. Suas concepções quanto ao que existe, é uma Ontologia (o estudo do que é, do que existe: a questão do Ser) dependente dos filósofos antes de Sócrates, da filosofia de Platão e de Aristóteles, e dos Gnósticos. Foi influenciado ainda por diversos filósofos do século 19 e do início do século 20, principalmente pelo pensador católico dinamarquês Søren Kierkegaard e pelos filósofos alemães Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Wilhelm Dilthey (1833-1911, e pelo seu mestre e fundador da fenomenologia (o estudo do modo como as coisas se manifestam), Edmond Husserl (1859- 1938). Quando ainda em seus 20, Heidegger estudou em Freiburg com o filósofo Heinrich Rickert (1863-1936), mais tarde fundador da escola de Baden do pensamento neo-kantiano, e com Husserl, que era então já famoso. A fenomenologia de Husserl, e especialmente sua luta contra a inclusão da psicologia nos estudos essenciais do homem -- que ele sentiu que devia, em vez, ser conduzido no nível filosófico -- determinou o substrato da dissertação doutoral do jovem Heidegger (1914). Consequentemente, o que Heidegger mais tarde disse e escreveu sobre a ansiedade,pensamento, perdão, curiosidade, angústia, cuidado, ou medo com certeza não se referia a psicologia; e o que ele disse sobre o homem, não pretendeu que fosse sociologia, antropologia, ou ciência política. Suas proposições objetivavam descobrir maneiras de ser. Heidegger começou a lecionar na universidade de Freiburg durante o semestre acadêmico do inverno de 1915 e ganhou sua habilitação com um estudo do filósofo franciscano escocês falecido na Alemanha John Duns Scotus (1266-1308). 26 Maturidade. Moço ainda e agora um colega de Husserl, era de esperar que Heidegger levasse o movimento fenomenológico mais longe dentro do espírito de seu antigo mestre. Entretanto, de grande vocação religiosa, ele preferiu seu próprio caminho, e em 1927 surpreendeu o mundo filosófico alemão com Sein und Zeit ("O ser e o tempo", 1962) -- um trabalho que, embora quase impossível de se ler, foi imediatamente considerado ser da maior importância. O livro foi aclamado como um trabalho profundo e importante não somente em países de língua germânica mas também nos países latinos, onde a fenomenologia era já bem conhecida mas a língua alemã nem tanto. Ele Influenciou fortemente Jean-Paul Sartre, na França e outros existencialistas, e, apesar dos protestos de fé do próprio Heidegger, ele foi considerado, por força deste livro, como um líder do existencialismo ateu. Entretanto, entre os intelectuais ingleses, mais avessos aos modismos, sua recepção foi um tanto fria, e sua influência foi insignificante por várias décadas. Heideger começou a lecionar na universidade de Freiburg durante o semestre acadêmico do inverno de 1915 e ganhou sua habilitação com um estudo do filósofo franciscano escocês falecido na Alemanha John Duns Scotus (1266-1308). Em "O ser e o tempo", o propósito declarado de Heidegger é trazer à luz o que significa ser para o homem, ou "como é ser". Pode se dizer que o aspecto messiânico da sua filosofia está em levar cada homem a fazer essa pergunta com o máximo envolvimento. Na crise atual da humanidade, já seria bastante que o homem se detivesse nesta reflexão; e ele eventualmente chegará ou não a qualquer resposta definitiva, torna-se de importância secundária. Sem esta reflexão, o homem segue uma maneira não autêntica de ser, em uma alienação que o desenvolvimento tecnológico agrava cada vez mais. Na ocasião da publicação de "O ser e o tempo", Heidegger era professor "ordinarius" em Marburg onde lecionou por diversos anos (desde 1923). Renunciou esse lugar e, em 1928, e retornou a Freiburg, desta vez como o sucessor de Husserl. Seu discurso de posse na cátedra foi Was ist Metaphysik?("Que é Metafísica?"-1929) no qual elabora um de seus temas favoritos, das Nichts; isto é, o nada. Adesão ao Nazismo. No início dos anos 30 ocorreu uma reviravolta no pensamento de Heidegger, um giro afastando-o do problema do ser e do tempo. Isto foi negado por Heidegger ele mesmo, que insistiu que ele toda a vida, desde sua juventude, fazendo aquela mesma pergunta fundamental, mas em seus últimos anos tornou-se claramente mais relutante em voltar ao assunto e oferecer qualquer resposta ao problema básico do ser e do tempo. Aproximadamente na época dessa reviravolta ocorreu também sua adesão ao nazismo, curta devido certamente apenas ao desenlace desfavorável da guerra, mas nem por isso uma participação menos eloqüente. Sua participação na política cultural do terceiro reich teve início mesmo antes que Adolf Hitler assumisse o poder em novembro 1933. Com o crescimento do partido e sua penetração nos meios intelectuais, as universidades alemãs foram expostas a pesadas pressões. Esperava-se que apoiassem a "revolução nacional" e eliminassem os intelectuais judeus e suas doutrinas (tais como a da relatividade). O reitor em Freiburg, um cientista anti-nazista, renunciou como protesto, e a equipe de professores elegeu unanimemente o engajado Heidegger como seu sucessor. Como Heidegger aprendeu com Husserl, é o método phenomenological e não o método científico que revella os modos de ser do homem. Assim, ao seguir este método, Heidegger cai em conflito com a dicotomia da relação sujeito-objeto, que implicou tradicionalmente que homem, como cognescente, é algo (some-thing) dentro de um ambiente que ele confronta. Esta relação, entretanto, deve ser transposta. O Saber mais profundo, ao contrário, é matéria do 27 phainesthai (grego: "mostrar-se" ou "estar na luz"), a palavra da qual phenomenologia, como um método, é derivada. Algo está exatamente "lá" na luz. Assim, a distinção entre o sujeito e o objeto não é imediata mas vem somente mais tarde com a conceitualização, como nas ciências. O discurso de posse de Heidegger na reitoria ("A auto-afirmação da universidade alemã") foi uma ampla afirmação de Nazismo. Para garantir, ele dividiu as tarefas dos estudantes em serviço do trabalho, serviço militar, e serviço científico. Porém, para seus admiradores, ansiosos por livra-lo tanto quanto possível de compromissos com a ideologia nazista, Heidegger estava apenas copiando a política educacional autoritária de Platão, e afinal, alegam, o discurso sequer terminou com um "Heil, Hitler!", mas com uma citação da república de Platão: "todas as grandes coisas se expõem ao perigo". No entanto, em seu discurso Heidegger não mostra adesão última à filosofia nazista. No texto ele incita à pergunta "o que é ser?", coloca sua advertência contra perder-se alguém em "coisas" que o alienam do ser autêntico (Seiendes), e opõe-se à especialização científica. Porém, entrou para o partido nazista e apesar de renunciar à reitoria em 1934, em várias ocasiões pronunciou sólidos discursos pro-Hitler. "o Führer ele mesmo," disse Heidegger, "e somente ele é a realidade alemã, presente e futura, e sua lei". Não é de se esperar que o defensor da autenticidade não fosse ele mesmo autêntico, inclusive enquanto nazista. A história do National Socialismo depois de 1934, e até o fim da II Guerra Mundial, pode ser dividida em duas partes com aproximadamente igual duração de seis anos. É importante, para compreender a adesão de muitas pessoas inteligentes e sensatas ao nazismo, reconhecer que o primeiro período, foi de promessas que pareciam de realização justa e eminente, e, aparentemente, apenas o segundo foi marcado por inquestionáveis crimes cometidos pelo partido até a desilusão e a derrota final. Os anos entre 1934 e 1939, foram gastos pelo Partido em estabelecer o inteiro controle em todos os níveis da vida na Alemanha. Durante aqueles anos Hitler e seu movimento ganharam o apoio e mesmo o entusismo da maioria da população alemã. Muitos alemães haviamn crescido conscientes dos conflitos políticos, da instabilidade econômica e política, e da desordem geral que caracterizou os últimos anos da República de Weimar. Eles saudaram com crescente esperança o forte, decisivo, e aparentemente competente governo implantado pelos nazistas. Após 1934 a interminável orda de ociosos na Alemanha rapidamente diminui na medida que os desempregados eram colocados a trabalhar em projetos de obras públicas e nas fábricas de armamento que se multiplicavam rapidamente. Os alemães foram arrastados para esse movimento de massas, ordeiro, poderosamente objetivo, destinado a restaurar a dignidade, o orgulho e a grandeza do seu país, e devolver-lhe o primeiro lugar no palco europeu. A recuperação econômica dos efeitos da Grande Depressão e o forte nacionalismo alemão eram, assim, os fatores-chave no apelo do Nacional Socialismo para a população alemã. Finalmente, os êxitos constantes de Hitler no campo diplomático e suas conquistas externas a partir de 1934 até os primeiros anos da II Guerra garantiu o apoio incondicional da maioria dos alemães, inclusive, muitos que que haviam inicialmente se oposto a ele. Últimos anos. Em novembro 1944 Heidegger parou de lecionar. A invasão da Alemanha derrotada pelas potências aliadas tornou difícil a situação dos nazistas mais destacados.
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