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de que a cultura sobrevive quando suas práticas promovem a sobrevivência das próprias práticas é redundante e, aparentemente, incorreta, pois o processo conduziria a um conjunto de práticas estático. De forma oposta, contudo, as práticas culturais variam e são selecionadas conforme sua adaptação ao ambiente permite que seus membros continuem vivos e as transmitindo, o que pode ou não requerer a manutenção temporária de práticas específicas. De uma forma semelhante ao emprego do termo ―sobrevivência da cultura‖ à sobrevivência dos próprios conjuntos de contingências de reforcamento social que compõem a cultura, Glenn apresenta trechos (e.g.: 139, 238, 244, 282) que utilizam o termo ―sobrevivência‖ para abordar a manutenção de determinadas contingências entrelaçadas. Glenn afirma que as práticas culturais, na metacontingência, sobrevivem quando o produto agregado gerado pelos participantes preenche os requisitos do ambiente selecionador (linha: 139). O seguinte relato de evento envolvendo um restaurante ilustra esta proposição: ―The restaurant will survive only if its food and its 135 physical features (ambience) meet the requirements of the selecting environment (people who eat there)‖ (linha: 270). Mas, em que sentido Glenn constata que um produto agregado pode ou não estar adaptado ao ambiente? Como já debatido, as consequências culturais na metacontingência afetam as contingências entrelaçadas de forma análoga ao operante. Se uma consequência cultural seleciona um entrelaçamento quando o mantém ou aumenta sua probabilidade de ocorrência, é possível concluir que as considerações de Glenn sobre quando uma contingência entrelaçada (ou um conjunto delas) sobrevive são semelhantes ao que seria possível observar em relação ao operante. Ou seja, neste caso, o termo sobrevivência é aplicado ao fenômeno da repetição de determinados padrões de resposta, que são fortalecidos por uma consequência que ocorre logo após o comportamento. Se no contexto da evolução cultural a conclusão de que a cultura sobrevive quando promove a sobrevivência de suas próprias práticas é incoerente (pois seria equivalente a sustentar que características de uma espécie que produzem a sobrevivência daquelas características sobrevivem), quando a expressão é avaliada em relação à metacontingência é necessário atentar para um fenômeno diferente. A contingência entrelaçada pode sobreviver, presumivelmente, da mesma forma pela qual um operante sobrevive no repertório comportamental de um organismo - isto é, quando as consequências produzidas tornam provável sua repetição. 136 Conclusão O presente estudo sugere que embora as propostas conceituais de Skinner e Glenn sejam supostas por Glenn e por parte da literatura analítico-comportamental como referentes ao mesmo fenômeno, isto é, a evolução cultural, uma análise aprofundada destes dois autores parece refutar esta possibilidade interpretativa. Destacamos distinções em relação aos conceitos utilizados e relatos de eventos que parecem controlar sua emissão nos três elementos avaliados, quais sejam: unidade de seleção, consequência cultural e processo evolutivo. Na obra de Skinner consultada, o termo evolução cultural é aplicado a relatos de eventos envolvendo operantes transmitidos, que compõem práticas culturais, selecionados devido ao favorecimento das chances de sobrevivência física dos membros da cultura. Trata-se de um processo análogo à filogênese e que não tem efeito atual sobre as práticas de uma cultura. Skinner afirma simplesmente que as práticas que permitiram que os indivíduos de uma cultura sobrevivessem sobrevivem com eles, enquanto as práticas que não promoveram tal sobrevivência, conseqüentemente, são extintas. Embora especialmente alguns relatos de eventos nas primeiras publicações de Glenn possam indicar um processo similar ao tratado por Skinner, posteriormente sua concepção de evolução cultural é refinada em diversos aspectos. Em seus textos recentes, Glenn aplica o termo metacontingência predominantemente a relatos de eventos que envolvem comportamento cooperativo e consequências comuns aos participantes que podem ser automáticas (produto agregado) ou mediadas socialmente (sistema receptor). Como foi possível diferenciar, este não é o mesmo tratamento dado por Skinner ao comportamento cooperativo, visto que Glenn está assumindo como 137 variável dependente o próprio comportamento inter-relacionado dos indivíduos, e não o comportamento de sujeitos específicos. Em relação ao tratamento de grupos de indivíduos como unidades, Skinner sempre se atém ao repertório de organismos individuais, ainda que esteja analisando fenômenos grupais: ―a scientific analysis which satisfies these conditions confines itself to individual organisms rather than statistical constructs or interacting groups of organisms [grifo acrescentado], even in the study of social behavior‖ (linha: 174). Apesar de propor suas análises sempre em nível individual, entretanto, Skinner não nega a possibilidade de que outro nível de análise de fenômenos sociais possa ser útil: ―another level of description may also be valid and may well be more convenient‖ (Skinner, 1953/2014, p. 297). Inclusive, relatos de eventos apresentados pelo autor generalizam os efeitos de contingências semelhantes em operação, o que parece um indício de que outro nível de análise possivelmente seja necessário ao tratar de situações envolvendo um número grande de indivíduos. O nível de análise proposto por Glenn pode ser extremamente relevante em uma análise de determinados tipos de fenômenos sociais, pois permite uma descrição diferenciada do operante no qual a seleção da própria interação entre indivíduos é colocada como variável de interesse. Esta contingência entrelaçada mantida por consequências comuns pode ser simples ou envolver sistemas complexos de atividades coordenadas com numerosos participantes emitindo diversas respostas. Desta forma, pode ser conveniente descrever a evolução destes sistemas de comportamentos coordenados a partir de um nível de análise próprio. A despeito da importância dada à noção de evolução cultural na obra de Skinner, o efeito relacionado à sobrevivência da cultura, neste trabalho chamado de consequência cultural, não tem influência direta sobre o comportamento dos membros 138 da cultura. Assim, embora invariavelmente as culturas sejam selecionadas por este processo, Skinner observa que mudanças no âmbito cultural são possíveis unicamente através da manipulação de contingências de reforçamento. Neste sentido, a noção de evolução cultural traz contribuições para a Análise do Comportamento ao indicar a finalidade última de um planejamento cultural: a sobrevivência física dos membros da cultura. No entanto, o autor não fornece ferramentas adicionais ao conceito de contingência de reforçamento para atingi-lo. Trata-se de um constructo que tem implicações para o domínio ético, e somente de forma indireta o tecnológico. Ainda que a conclusão sobre a utilidade de um novo nível de análise seja da competência de pesquisas aplicadas, o conceito de metacontingência é uma ferramenta em potencial para intervenções em escala cultural. Assim, quando o comportamento de indivíduos em interação gera um produto, tem-se indicado a possibilidade de modificar o comportamento dos participantes através da manipulação de consequências compartilhadas ao invés de consequências individuais. Neste sentido, ao menos em relação aos trabalhos de Skinner, pode-se afirmar que o conceito de metacontingência é uma perspectiva conceitual e tecnológica inovadora no