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Olavo de Carvalho - 17 - Escolástica II

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Àpós a Acadehia Platôni.a c o Lic€u Aristotélico,
o múndô pásso! pôÍ úú lonso periodo en que a
discúsáo Íilôsónc desceu a niv.h abissair Cor
o fim da pólis grega, dúrante séculosvivcu-se
úma desor8Ânizâçào da di{u.sáo púbüea, em um
áúbienle de súbiêtividàd.s desaniculads e uDia
eaqúia coúpletâ de doutrin4 ubiiráris.
Somênie cóm Santo AgostiDho encontrmos uma
reaÍicülaçáo doconhecinenL. Essâcslrutu.açáo
e unificâção estabele&rân uú ponto de co.tato
eflre o debaiê público e à inveúisáçno filosónca,
lormddo ar bas.s pàrâ rcspostas .omp.eensíveis
e côhpâÍilhâ&r pela sociedade de sua épo@, que
deirdàn prctundas mrcas até os dia6 de }oie
"Olavo de Carvâlho é o
mais importante pensador
brasileiro hoie-"
\ryagner C&elli
"Filósofo de $ande erudiçáo."
Roberto Campo§
"Um gigante."
Bruno lblenrino
"Olavo de Carvalho se
destaca porque pensa,
reflete,eédeuma
honestidade intelectual
que chega a ser cruel,"
Carlos Heitor CoSy
"Louvo a coügem e lucidez
de suas idéias e a maneira
admirável com que as expôe-"
He reío Salesjillltflt[[|il
Esta publÍcâçáo vem âcompânhâda de um DYD,
que náo pode 6ê1 veddido Gepârâdamentê.
Escolástica II
Retorno dâ articulaçáo do conhecimento
Aula 17
por Olavo de Carvalho
coleção
História
Essencial da
Filosofia
Escolástica II: Retomo da ârticulaçáo dô cohhec,mento
por Olavo de Carvalho
Coleção História Esenciá] dê Pilosolia
Aconpânha esra publicaçáo ün DVD,
qúe nào pode ser vendido sepâmdamente.
Impresso no Brasil, setembro de 2006
Copyright @ 2006 by Olavo de cdvalho
Foto Olavo Íle Carrãlho
Edilor
Edson M&oel de Olivei.a lilho
Monique Schenkels e Dâgme Rizzolo
Dêgui DesiSn
Terezâ Maia Lourenço Perei.a
Os direilos âutorab de$a edição peíencem à
É RealizÀçôes Editora, Lirrarla ê Distribuidora Lrda
Caixa Poíal:45321
CEP: 04010-970 - Sáo Paulo sP
Telelax (ll/ 5572-ii61
E mailr e@erealizacoes.com.br
$rn.ereali/3, oe: com b.
Resêrvados todos os direitos desta obÉ. Pmibida toda e qúâlquer reproduçáo desla ediçãô por
quãlquer neio ou roma, seja ela eletúnicâ.ú necâni@, Iotocópia, srâvaÉo ou qualquer lileio.
Escolástica II
Retorno da articulâção do conhecimento
Aula 17
por Olavo de Carvalho
coleçáo
História
Essencial da
Filosofia
*
2006
Coleçáo História Ess€ncial da Filosofia
Escolástica II -
Retorno da aÍiculaçâo do conhecimento 'Aula 17
por Olavo de Carvalho
Nâ última aula estávamos làlando sobre Santo Tomás e o comparando
com Xavi€r Zubid. Minhâ idéia hoje é a seguinte: como estamos mais
ou mcnos nâ metade do assunlo, vou fâzer um letro§pecto de tudo e
comprimir essa narraçáo num tempo mais breve, dc modo que alguns
traços que â gente gostaria de ressâltar apârccessemmelhor Entáo, anles
dc sair da Idade Média, porque na próximajávamos entrar em Melster
Eckart, iá entrando numa outra atmosfera completamente diferente.
vamos fazer um retrospccto, repassâr tudo de uma vez.
Se vocês se lembram, agente comeqou o curso fazendo aquela com_
pâraçáo cntre os vários modelos de História da Filosofia quc existiam,
resumidos esquematicamente em três, dizendoporque eles náoserviam
para os nossos propósitôs, e qlre íamos tentar um outro método que,
ao mesrno tempo, escapasse da idéia hegeliâna de um dcsenvolvimento
contínuo e unitário dâ história do pensânento, como se losse pensada
por um único Espírito (a idéia desse descnvolúmento interno perpâssa
toda a filosofia âlemâi todos os âlemàes têm üma espécie de obsessáo
desse desenvolvimento d o Espírito, uma idéia que começa com Meister
Eckart e vâi até Karl Marx pelo menos), de nodo que, por um lado,
€scapássemos dessâ idéia e, por outro lado, escapássemos também dê
idéiâ da filosofia como expressáo da cultura do seu tempo. coisa que às
vezes ela é e às vezes náo é. E dissemos que náo vÍamos outra maneira
de lazcr isto senáo capiando a lllosofia no seu surgjmento como uma
proposta, um apelo que não nasce realizado. mas que deixa âlgo para
ser realizado pelas geraçócs seguintes, e que de lãto chega a tcr uma
históriâporquc o projeto nâo serealiza. Ele náo screaliza' mas tambóm
náo é âbândonado - e não chega â sc realizar em parte pela própria
nâtureza do proicto.
Quando definimos a filosofiâ como â unidade do conhecimenio nê
unidade dâ consciência e vice versâ, quisemos dizer que. em qu:iqucr
etapa dahistóriado descnvolvimento da cultura. ó claro qucexiste uma
certa unidaale alo conhecimento disponivel' quer ela seja percebida ou
nao, quer seja uln unidade apenas objetiva, qller sejâ percebida como
I ar, i\to e, .omú rma unrdadc 'übieri\a r"mben
Mas como se articula cssa unidâde? Dxiste unra articulaçáo social'
'Iodos nós sabemos que o conhecimento não sc encontra en nossa
sociedadc de umâ mâneira purâmente anárquica, nras que ele ten uma
certa fornâ quc a gente vê, por cxemplo, nas ilrstituiçÓes de culturâ e
de cnsino. A própria divisáo, aprópria deno inaçáo des sas in stiiuições
pressupôe que acrealiiemos nüma ceía organizaçáo do conhecimento
eorganizaçâo significa, em Úliimâ análise, unidade. Sevocê pegaulna
universidade, ela tcm seus vários dcpârtamcntos. eniáo â chave clas_
silicatória llesses departamentos. a divisáo dos órgáos de pesqlrisâ ctc'
subentendcm à idéia de uma organizaçáo e. portanto, de una unidade
Entenclemos que cssaunidade é apcnas classificâtóriac prálica, que
cla é bascadanão necessarianenie na ordein interna do conhccinenro,
mas apenas na disposiçáo sociâl e âdflrinistrativa de suâ trânsrnissào,
dc rnodo que, entÍe a ordem interna do conhecimento - se ela existe e
essâ ordem externa pode haver um hiato total. Nada garânte que haja
umâ relaQáo entre uma coisa e ouirâ.
Enr funç,to tlcssa nesmâ clefasagenr possivel, o prlrblema da rini_
dadc.lo conhcciüento se coloca, entáo. de geração em geraçáo' do
ponto dc visla do indivíduo qüe tcnta abarcar o horizonte dc sua cul_
iurâ c comprccndê 1o-e que para issoicnta pegara châvc dâ Lrnidâde
subiacentc, tcntarcorganizar aquilo detâlmodo que seja abarcável desd€
seu ponto de vista, desde suâ consciônciâ. E é cxâtamente isso que os
lilósolos fâzem o tcmpo todo Quando um filósolo busca os fundamen-
ro. Jo con'le('ll-inlu <Ài.r(nle funoonerro. o que e" I a c a\c d"
unidade, é a explicaçáo d€ por que as coisas têm esta hierârquja e não
aquela. Disto todo filósofo de certa mêneiÍa está âtrás; é isto quctodos
buscâm. uns com nraior sucesso, outros com menor sucesso. E o làto
dL'sal vaÍra' châ\ e' enconLlo-s 5er(m dil(r(nre5 )5o no nrrnino e
uma làtâlidâde, porque entre â épocâ de um c a época de outro. entre
o lugar de um e o lugar de outro, há mudanças nír próprio reperlório
matcrial dos conhecinentos disponíveis. As situaçóes sociais e culturais
também são diferent€s. Então cxistem muitâs tentâtivâs de unificâçáo
do conhccimcnto que, por definição, nâo podern terminar, porque elâs
relletem umâ espécie de necessidade permancnte
lAluno: Os (...) filósoÍos prccwam isso, mds só os ÍíLósolos au
autrcs lípas lambém?)
Não, podc surgir a idéia de que hâja outras châves, e de ialo elas
existem. Por exemplo, a oÍgânizaçáo dc uma universidade, em que me-
dida isso é uff problcmâ filosófico? Até um cerro ponto é um problena
filosófico, mas âté (...) obedecerá a outÍas coordenadâs.
lAl,rno: (...). E uma outra ciência te tat uniÍicat isso?)
Nào. À pârtir do século xlx, exist€ uma ccrta tcndôncia dc 1àzer
quc â oqânizaqão .lo conhecimento se torne ela própda uma ciêncir,
mas é uma possibilida.te entre rrlllhares. Isso neff rcsoli.c o problcma
nem o elimina. islo é, coniinuâ cxistindo como problemâ filosófico do
nlesmo l1lodoj mcsmo porque. se você fizer uúa nova organizaçâo do
conhecimenio que se 1râduzâ nüma nova cstrutura da educaçâo. nun1
sistenâroiâl dc cducaçâo, qlremdiz queistovai sâtislãzer às exigências
cognitivas dc fuiano ou sicÍano cmparticular? Ele pode achar quc nâo é
âssim: ele pode, poÍ exemplo, exercer a cÍitica em cimâ disso. A críiica
da organização do conhecimento tambóm é buscâ da organizaçáo do
Àlém disso, isso nâo significa que o conhccimento socialmentc orga_nizado se organize nuna lorma quc sciapropiciâà sua absorçâo pelo ser
humanoreâI. Você pode pcrltitamente inaginar uma épocaem que existâ
umagÍandc acumulaçào de conhecimcnto dispostonas bibliotecas, nos
institutos de pesquisa, nos museus, nas universidadcs, etc.. e que aquilo
seja inabârcá\,el por qualquer ser humano concreto. Aliás, esiâ ó uma
sitüâÇão quc existe hoje. Então, a simples existência destâ situâçáo co
locaria o problema de sc isto, afinal de contâs, é conhecimenio. porquc
uma nlrltidão de nistérios inabârcávcis... O Universo, ânlcs dc a gente
correçar a estudá lo, já erâ uma nultidáo de inistérios inabarcáveis, e
agorâ eriste outro de rossaprópria fabricaçáo, que chamamos "cultura"
Dntão a culturâ nesma se tona un problema, dâí o dcsenvolvimento,
dcsde o século XIx ató hoje, d€ ioda uma filosofia da cultura.
Qle significado tem isso pam nós? Isso quer dizerqueâsimplcs enistência
dc uma massa de con hecimcnto, bem como a exisiôncia de uma organizâqâo
externa, social, do conhecimenlo. náo garante sua inieligibilidadc, nâo
garanie sua significaçáo. náo garântc sua possibilidade de absorEào. Pensar
sobre iÍ0. enláo, é saiamente o que os filósolos fazen1, continüândo a
lâzer o que scmpre fizeram. Isso qucr dizer que o conhecimenio nasce
como um impulso da alma humana. E alguém que o buscâ, ele nunca
nasce coletivamente. é senpre algum indivíduo. Náo é possivcl uma bu§ca
colctiva do conhecim ento. É scmpre alguém qu e está airás de algum a coisa,
c mesmo que haja váriôs empenhâdos a responsabjlidâde individu al é total
Mas o conhccimento enconirâdo e cxpresso vai se objeiivandô em obras.
documentos, monumentos, etc e cria uma espócie de câmada de objcios
que tén q!e scrj por sua vez, rcinieryrctados.
8
Isso quer dizcr que o conhccimenlo náo sc translere a outras pes
soas na forma de conhecimento, mas na forma de obieto. O sujeito que
escÍevc umlivrodizr "Temos aquiâs obras completas de Eric Voegelin".
o que isso qüer dizer? Que €lc vai transmitir a vocé o conhccimenio
que ele tem? Isso náo:vai transnriiir o registro disso. Ele náolen como
inocular o conhecimento direto na suacabeça, então você tenl uma dupla
deciliaçáo:tem adecilÍação dos problemas de que o sujeito trâlou, dos
objctos que lhe intcress;rram, e icm a decilração do objeto sobre o qual
eie colocou o registio do que captou. Nessa simples pâssagern vocé iá
tem alguns problemâs. Agora inraginc quandonáoé ums jeitoqueestá
registrando o conhecinento, mas sáomilhares. Então você sempreterá
duascamadas de problemas:prineiro, os problem as dirctos, que serianr
o\ dr\L 1rúr: (eg nJo. "' iomra. d. l,r r'ni.c"o.
PJr.rcheg"ra rrora.irtiacàoo<t'a' nane pí(.i'o nFIr \'perrr u rra
época histórica iardia, com sociedâdes táo conrplexas como â nossa. lsso
aí numa tibo de índios iá aconiece. Basta tcr uma certa quântidade de
registros acumulados. E os registtos pas sam â ser'um problemâlanrbém
Você tenl que âprender primeiro a deciÍrá los para depois entender do
que eles estáo Iâlando. Isso quer dizer que, se o ser humano se dedica
àbusca do conhecimento, é porquc cletenl o descio da inteligibilidade,
e a inteligibilidade signitica a assimilação daquilo pela pessoa concrela
dele. Náo adiànta estar muito bem organizado socialmente se ele náo
entcnde, se aquilo náo tem significaçáo para elc.
Existe tambén. em razâo dessa dupla camâda de conhecimentos,
uma dupla atividade de decodificaçâo uma social, outrâ individual
Se você tem aqui uma matéria, o conteÚdo de uma disciplinâ cienlífica
transmitida por exemplo, História da Filosollia -, tcm lá os principios
dc organização desta na1éria, cntáo o prolessorvai trànsmitir de acordo
com aquilo que ele sabc. Ecomo é qucvocê vai absorver aquilo? Vâiier
que absorver nas suas estruturas, não nas do prolêssor
Esse trabalho da decodificâçáo e da rcorgânizâÇão, dâ reunificaçâo
do conhecimento na mentc do individuo, existe entâo de gerâçáo em
geração, nuncâ páÍa. Quando isto seaprofunda a ponio de setornarum
estudo sistemático. dc ter uma cerla inportância por si mesmo. temos
o que se chama filosoiia. Vejâm que os primeiÍos lilósolbs de quetcmos
notíciâ, dos pré-socráticos até Sócrâtes. todos clcs estavan lidando com
um legado de conhecimento quc já havia circulaçâo na socicdader eles
estudavâm mat€máticâ, estudâvam músicâ, astronomia. retórica... Tudo
isso já era um depósito social deconhecinento. Elesabsorviam issoe, ao
absorver surgiam pÍoblemas problcmas não parâ a cultura. rnas para
o indivíduo que estava tenian do eniender aq uilo. Na cu ltuÍa aquilo náo
era um problema, era um legado quc estâva sendo transmitido.
Isso quer dizer que exisle um desajustc entre o conhecimento
sociâlmente acumulado c a inteligência do indivíduo Existe sernpre um
hiaio entre umâ coisa e outra. Esse hiato pode ser preenchido apenas
poÍ nleio de técnicas pcdagógicas. etc.. mas chcga um 1nomenlo em
quc o problena parece que náo cstá na transnissáo, mas no conteúdo
lnesmo do conheciflenio. Este co.tém problemas que ele mesmo não
consegue resolver, entáo é aí quc entra a atividade do filósofo.
É por isso que náo pocte erdstir unla filosofia clefinitivâ. isso é uma
coniradiçáo de termos. Uma lilosofiâ definitiva ó conro uma ginástica
definitiva que unia gemçáo laz e a scgrinte não precisa mais lãzcr. pois
já nâsce musculoso, ou entáo a êlimentação dcfinitila: u a geração
come e a seguinte náo prccisa mâis comer Qlrer dizcr, ó umâ aiividâde
de assimilação e rcorg.rIizÀçáo que tcm qu€ ser contínLra. E o lato dc
qu€, ao longo do desenvolvimento da l listória da Filosofiâ. se c|egue
às vczcs à sol0çAo de detennhados problemas e a isso cu chamo
justanente esses "patamâÍes '. e você nâo podc nrâis voltêr para bai\o
deies -, bcm, o problenâ continua, pois nâ geraçá1, segunltc você já vai
ler ouiro problcmâ. O fâio de ter resolvido um talveT abrevie a sduçáo
l0
deste ou daquele problema. mas ninguém pode dizeÍ que recebeu a
soluçãc, pronta
lsso querdizerquctodae qualquer absorçáo da cultura se dá sempr€
desdc algumafilosofia. C,aro que muiiâs filosofiâs, elas mesmas acabam
se incorporando êo legado cultural nê lbÍma de senso comum ou dc
ideologiâ, entáo cla se transforma na chave com quevocêvai absorver a
cultura. Qucr dlzet qüalquer inloÍmaçào que chcgue vocêiá a catâloga
dentro das categorias recebidas. Isso está sempre preseúte na cultura. Mas
poal€ ser qüe num momento qualquer esta filosofiâ "herdada" também
não resolva. que elâ mesma se torne um problemâ, entáo vâi apareccr
outro eslbrço filosófico e assim por diantc lsso náo tcm como parâr.
Se existe, enláo, algumaunidade na l-listória da Filosofiâ, é aunidadc
dadâ por este simples temar a absorção e a unificâção do conhecimcnto
nâ escala da consciénciâ individual. que. portanto, vai poder dialogâr
com outras consciônciâs individuais tambéni.
lAl]]11o: Mas qllando tefi ufia disciplifia ma is especíliu , cottxo pot
exemplo a física. eLa t1ào tem essa rcil1teryrctaçao )
Náo. dcniro dela nãotem. Nenhumâ disciplina lidÍr com o problema
dâ suâ própria lnteligibilidade. Quâlquer disclplina. qucr dizer, aqüilo
quc ela está cstudando, cla eslá estudando dentro do quâdro de
conceitos, categoriâs, etc. que ela já ten1. Entáo, quando dcscobre nais
alguma coisinha, ela ienta cncaixar deniro daquilo. Se o coniunto vai
dar cerlo ou nào, isso não é o problcma dela. Vocô pode descobrir uma
coisa dcntro de uma área cientÍficâ que dcsnente colsas que lorâm
descobetâs cm outras. Como é quc você vai fâ?cr agorê? Como é que
vai articular uma coisa conr a outrâ? Náo làz parie dâs atribuições da
física calcular as repercussôcs que os estudos lísicos teráo na quimica,
na biologia, no rcstânte do con hecimento Mas, é claro, quando se coloca
uma informaçáo nova você rcrn€xe a máquina toda
ll
Esie é o probtcmâ náo da aquisicão daqü€le conheciniento, mâs dâ
sua inieligibilidade, da suâ inteligibilidade dentro do campo da cultura
total, porque é inevitável que qualquer novo conhecimento que se
coloque dentrodopanorâmarcmcxao panorama inteiro. Enáo somenie
aquclc sctor, até por um eleito de analogla. Por exemplo, quando
Darwin aparece com a tcoria da cvoluçáo, imediâtamente começam
a aparecer leorias análogas nahistória, na antropologia, etc. Há uma
repercussáo imcdiatâ. Quanto vâlem essas novÍrs teorias? E quanto
vale a própriâ teoria da evoluçâo? EIa scrvc para isso. náo scrvc?
o problemâ é imediato.
lsso quer dizer quc problcmâs filosóficos sempre váo existir de
qualquer mâneim. Se exisiirá um trâtârrento à altura da sua com-
plexidade, isso éoutro problenra, porque depende deapiuecerempes
soàs quâliiicâdâs, depende de ter um ensino dc fi]osofia apropriado,
dependc dc miLhóes de coisas. Mâs a necessidade já esiá dâda, pois
essa necessidade está ligada à própria idcntidade biológica do ser
humano. PoÍ erenplo, o serhumano pode desemp€nhar vários papóis,
pode até tcr váriâs personâlidades eleéu em câsa, ou tro no trabâlho,
outro no clube . mas náo pode ter viirios corpos. Então, embora nossa
mentc àsvczcs tcndaa ter uma multiplicidade, essa multiplicidade tem
um cefto limite, que é a compatibilidâdc com â unidade do corpo. A
cxigência de unidade do conhecimento na verdade náo é, entâo, uma
ne.e..iodde.,rlrr_al. c uma n\.c.siJâdc oio'ugrcd F o t.op,io (ulllo
queprotesla. É por isso que esses probtemas nunca váo sumir, váo esiâr
sempre aí, de algum modo.
Nesse seniido. o filósolb que consideramos o fundador dâ tradição
ocidental, que é Sócrates, o que tâz é juntâr dois elementos da cultura
que já esiavam aí presentcs ântcs d€le, mas cujê relaÇão náo havia
chamado a aterrçáo de niiguém. llsses elementos eran, porum lado, os
problemas rnorais c políticos, que já eranr assunto de discussáo públicâ
iazia séculos. sobrctudo âtrâvés dos ÍetóÍicosi c, por outro ]âdo, a geo-
mciria, a arte da demonstrâçáo gcométrica. Na hora e quc Sócrates
dcscobre que umâ coisa pode ser usada parâ estudar a outrâ, o que
ele estavâ fazendo? Estava unilicando a cultura. Portânto, essas duas
coisas que estavam soltas na cultura. que náo se concctavam âinda,
1êm obieiivamcnte uma relacáo. O que elc làz? Ele translorma essâ
rclaÇáo objetivanum dado de consciôncia subjetivo. Ele sabe quccxiste
e§sa relaçáo, sâbe quc os procedimentos de demonstraçào geométrica
seriam mais aptos para resolver âquclas qnestóes n1orais, politicas, em
discussáo. do qúe os mótodos iá admitidos, que eram os métodos da
retórica. No fundo, é sonente isso que Sócratcs descobre: tratar os
problemas morais e politicos com o método copiâdo da gcometria. o
método da demonstrâçáo.
Se numa mesma culturâ, porum lâdo, existe uma ciência geométrica
que consegue criâÍ demonstraçôes úgorosâs e, por outro lado. ten1 uma
dlscussáo anárquica sobre norale política, entáo esses dois elementos
esiáo alipresentes. Eles podem cstar presentes sem um seconcctarcom
o ouho durante bastante tempo, mas alguma horâ alguémvai percebeÍ.
É exaiamente o que SócEtes pcrccbe aí. Na hora em qu€ ele faz isso,
acontece eútAo que toda uma tradiqão de ensino cai, que é a trâdiçáo
dos Íetóricos. Ele vâi mosirar qlre é como se as pessoas eslivessem
discutindo morâl e política com umâ câbeça e iazendo gcometria com
outrâ. Ele como quc diz: 'lsso elr náo qüero' , elc tcm urna câbeqa só.
Teve ali um abismo en.je ruzão pura e ruzao púlica, digamas
assim. para usar esses tcrmos que náo linham nâquclc contexto o
sjgnificado que receberáo mais iardc, nms se quiser chamar assim
náo vejo problenra. Qucr dizcr, os procediirentos da rctórica erâm
muito simples. O que sevisava alcançar com a discussão retórica eÍâ
âpcnas saber se determ inada conclusáo que se deselava inrpor conferia
com as crenças e as preiêrênciâs do auditório, ou entâo se tratava
1Z
tl
de mudar as prelerências do auditório para que concordassem corn
a conclusáo, c isto era iudo. Na hora em que houve a coocordà1cia.
âcabou o problema. Mâs cmgeoneiriâ nào erâissoquc selãzia: fazia-
! uma d(r,on\lracào o( I"l mo{lôqu.qurlquer oulru qüe rener i\'e r
demonstraÇão chegariâ ao mesmo Íesullado. E Sócrâtcs percebe que
sorncnte este ijpo dc demonstÍâção é realmenie válido.
lAfuna: Sócrutes prcte dia (. ) coma ciêficias humanas cottl ciên'
Lias lísicas, ciêncías ewtas?l
Náo. ao contrário. Eic é o suieito quc usa o nétodo da ciência exatâ
nas ciências hlrmanas. Náo é o mótodo quantitâiivo, mâs a estruturê
da de onstraçáo, a lógica geomélricâ. Elc percebe quc a lógica da
de rônstraEão geométrica é mais válida. n1âis fiÍmc, mais conclusiva
do que os proccdimentos de persuasào âdmitidos. Na hoÍa em que laz
isso. elc chega de fato â conclusÕes que sáo mais firmes do que aqlrelas
que circulavam. E no monlento cm que ele faz isso, todâ unla tradiçáo
de ensino é desafiada, porque o que passavâ até então por sábio de rc_
pente começâva ê parccer ignotanie, c de certo nodo o erân. Náo que
isso náo losse algun tipo dc ciênciâ, náo que o que eles tivessem nâ
mão náo Íosse um conhecimenio. Em um conhecimenio e uma técnica
bastante aprimorados. só que essa técnica se bascava nâ idéia de que â
simples pcrsuasáo era dcmonstraqão, era provê, e Sócratcs dizia: "Não,
isto aqui nao é prova"
tsso quer dizer que aí se rompe todo um ciclo civilizacionâl no quaL
â idéiâ daverdâde eÍa identificada corn â comunidade Quer dizer, vocô
csTar dê âcordo con à colnunidade. estaÍ dentro dâ clrúunidade, estar
vendo as coisas como os outros viam, isio era suliciente como critério
de realidade e na verdâde era o único crilério dc realidâde admitido.
Sócrates dcmonsira que é possível ir muito além, só que isso implica a
hipótcse de que às vczes toda a comunidade possa cslar errâda
1.1
Àté hoje. pâssêdos 2.400 ânos, todo nlundojá sabe o queéciência.
sâbe o que é geometria, sâbe o que é maiemá1ica, sabe o que é Iísica,
etc.. mas a idéia de que a verdade se idcntifica com a comunidadc ai-
ndâ esiápresente, pois el.r é uln elemenlo constitutivodo serhumano.
O raciocínio retórico é uma dimcnsáo, ó uma camâda do scr humâno,
vlrcénáo pode aboli lo. Você pode irpara cimâ. mâs nâo vai apagarâ de
bâixo. mesmo porque a de ciffa se bâseia nâ de baixo. Também, como
^ 
stóteles verificará mais tarde, sem uma ionga discussão rctórica náo ó
possivel você criaÍ os conceitos quelhe pemritan iÍatar desses assuntos
de uma rnaneira mais dgorosa. Entâo csta artc dc puxar dc dcrtro da
discussáo retórica os conceitos que permitirào a demonstraçáo lógicâ,
isso ó o q uc scrá â dialótica para Aristótclcs. Mas isso náo vâiabolir nem
aesferainicial do puro imaginário, nem â eslerê dacrença coletivâ, que
você náo pode abolir (...). E o choque êinda existe, aié hoje.
Em qualqucr discussão pública quc cxista, para vocô trânsformâr
aquilo de uma sinples discussão Íeiórica, cle uma simples busca do
conscnso. numa discussâo sériâ, cientificamenie válidâ, isso é um
problemâ | À mesma resistência qne houve no tempo de Sócrates existe
eté hoje. Por quô? PorqLle acrediiâr na comunidade como encarnâçáo
daverdade é qlrase instintivono ser humano. Sobre aquelâ idéiadeque
náLr épossívelquenós todos nlrs enganenos ao mesmo tempo, Sócrates
diz: "É possivel, sim". Porque, se náo é possi\.cl que nos enganemos
todos ao mesmo tempo, nossa comunid de seriaeternâ e indestrutível,
eascomunidadesnascem, crcsce,somen, elassáotáolalíveisquanto
os scrcs humanos individuais
Esses aspectos de que estou Íalando agora, live a impÍessáo de
que eles náo tinham ficado claros na pdmcira aula sobrc Sócmtcs.
Vê a vantagem de contar â históriâ mâis comprinidâ? Vé como há
certas comparaçÕes que nâ narrativâ nÉis dc1âlhâda você não pôde
lazer? De repente elês começam a aparecer .
l5
l{lüna: É tú tlüe Sócrales (" ) ínimigos? 
Feiu a Üaidarle deles')
àcrtamente, o choque de Sócrates com 
â comllnidade é por câusa
ai.* Na" e só vaidaáe, nao podemos 
'lizeÍ 
que ioi só a questáo de
,",0u0., u or" o n"" .t" tstava olerecen'lo €ra 
uma espécie de pgldde'
";;;;;" 
o;'.".;",*" 
'liscussáo 
que é puramenie subjetivâ' coletiva
i" ..".0^ .r"*".- ,assa dcsubjetividâd' coletiva) 
pârâ uma ob'
^ 
ri\ ioadc colerir a mas oara i5lo I genrc vai cr qu< cnPolií 
p"inrerru
.' 16;",i''*.," ;ndrvidudr o' '(ia' eu (hesrei aqur' e a 
pro\t,. PuÍ
enquanto. só eu conheço entáo cla só 
vale para mim mas eu ser que
"ilu,.tr**r.*n 
*lida' Se vocês absorr'erem isso â sociedade
co.eqo u poa". als.,ti' tientificamente certos assuntor' 
entáo vai sair
ao suUlctvisIro. Uas parâ ganhar uma coisa 
plecisâ perder a outra e nao
é possível iazcr isso sem qüe se atÍâvesse 
um período em qüe as crenças
coletivas sáo toalâs colocadas cm dúvida
l!l\]t\o: Há Lttfia peúa de podeÍ talfibéli 
fiàa é?)
Sem clúvirla, há uma perdâ ile poder' Tem 
que haver unra reestru-
turaçao do sistema de ensino' Se você compârâ 
o que era o ensino dos
,.-ti.L. "o- 
o qr" foi rogo em seguida a escola platônica e a 
escolâ
*irtoteti.u, ue u.,aunçabruial do sistemade ensino 
que houve Você
i.'u-*p."r.- a" u* as escolâs de sofistâs eram escolâs de charla-
,""t.."" *-el",",_U" tato' Essâ era a ciência que eles iinha ' Qual
é a ciôncia? É a ciência de encontrar o consenso 
e de falar de acordo
com o consenso. ou de mu'lâr o consenso 
parâ que ele concorde com
você. lsio âí tambán o scrhunlanonào nasce 
sabendo' elelevou séculos
orrade.er\ol\cÍ tor'\emplo: parrvÚcc'rnr"íde_a 
mcdi_quar'5au^'
àrgrm. rlô' Í'ait 'n\ei'' 
( are para JpÍcndcr a taDlaí o que a\ pc\'or(
a"i.alta-, rra toaa umu ciôncia sociológica neste 
negócio' porém' no
,.0., U "r"r". 
,rn" 
^u" 
de descobrir do que as pessoas gostam c dizer
mais ou menos aquilo' De repente' na acaclcÚia 
plalônica € no liceu
rristotélico, você tem centros de investlgação científica como os de hoje.
li)i uI]1â reviravolia de 180' na estrutura da educaçáo.
Você tem.logoem seguida. esses dois grandes passos na orgênizâçáo
Llo conhecimcnto, qu€ é a próprla estruturaÇáo do sistena das ciên_
ciês cono Plaiáo vâi fâzcr (Platáo é o primeiro sujcito com uma visáo
realmentc cnciclopédicà do conjúnto do conhecimento nas suas inter_
rclaçôes objetivas); em seguida. Àristóteles pegará esse mcsmo edifício
e o desenvolverá. nâo no sentido só da orgânizaçào do conhecinento,
mas dos critérios e dos métodos do conhecimento.
Infelizmente, quando issotudo estavapronto, a pólis gregaacabou,
e e{iste aÍ um hiato de séculos antes que esse €slorço seia Íetomado.
À partir do momento cm que se desfaz a pólis, há âinvasào macedônica
e, logo em scguida, a dissoluçáo do impório de Álexandre. Alexandrc
está com um plano imperialista, mas o plano pila no meio. porque o
homem morrc. Entáosurgem, dos escombros das cidades Estado. novas
monarquias improvisadas por tiranetes locais quer dizef qucm tinhâ
as armas tomava o podcr. Instântânearnente. â organizaçáo dâ pólis
com suas leis, scus órgáos. suas assembléias, etc. já náo existe mais. e
ncsses novos Estâdos quc se formam repentinamentc os cidadáos nao
têm função orgânica âlguma. Exisle um governo distante constituído
de pessoas que às vezes eles nem conhecem e que toma suas decisões
sem que ninguém participe. Por outÍo lado, esses novos governos têm
ne(esrrdad. dc r r(iurarior enrao l'n.di"ranr(nl' "pare.e un.n. nu
improvisado de técnicas necessárias à âssessoria dos governânies.
Instantaneamentc, a discussáo lilosófica cai para um nível que era pior
que o dos sofistas. daívirava anarquia geral mesmo.
Quando vocêvê as argumentâçóes de um Epicuro, deun1 Diógenes,
o Cínico, dc fato você tem a imprcssão de que entÍou num hospício.
porque, realmente, todo o princípio de organizaEâo e conexáo do
conhecimento foi pras cucllias. E náo loi só pras cucuias. o sistema de
ti
credibilidade criado pelos Íetóricos. petos sofistas, tambémtbi. Vocênão
sabe mâis qualé acrcnçapública Náo exjste mais púbtico. Entendiê se
por "público" o pítblico que estava nâ praça, que se reunia a discutia. e
de repente náo tem mais isso, náo tenl mais assembléia. Não dá nem parâ
saber vcjam a toial desorientaçáo qual é a crerlça do pírblico, entâo as
câbcças começam a voar como mosquitos no meio ale uma tempestâdc,
aÍrastadês pelo vento. É a total arbiimrieclade do Densamento
l{lLtno Pat qüe nAo haLict fiais públíco?l
Porque ê paúÍ do momento em quc se dÀsoh/em as assembléias. náo
há mâis uma discussáo púbiica, eram ditaduras. eniáo as pessoas não rêm
maisaquele coniato, aquelêcontinua discussão que tinham an1es. euer
dizcr, antes podiam lalar muita besteira, mas no Dleio da bcsiejr! sc
formavâ uma crença pública, e em cina dessa crcnçâ o filósol.o podia
trabalhar Pâra qüê? parâ aprimoráJâ, pâra tcntar tirar cle.lenrro dâ
experiônciâ acumulada nessa discussáo pública os viirios conceitos. as
várias hipóteses que el€ iria dcpois pcrtilar diateiicamente parê chegâr
a encontrar a definição, o conceiio dos objetos em .liscussâo, e para. a
patir desses conceitos, montar demonstraçÕes lógicas válidas.
[Aluno: Mas essa queba cla (...) tfiais os gegos, |tào é? potque as
toma os aincla nào tinhafi, naq ela época. A pólís toítana ai dase
Rornâ náo era bem uma pólis neste sentido, e. ademais. a atividâde
filosófica romana cra minima.
lAl]no ba zerc, mas lá tinha assenbléi.l. Foí aí que o lttpétio
Tinha uma classe potíiica organizada. O que náo havia era umâ
discussáo intensa como havia na créciâ. Mas, mesmo assim, você vê
t8
os documentos da reiórica romana. Bom. era algumâ coisa, o que náo
tirh.L tido 1á era Sócrates. Entáír, quando a pólis se dissolve, iá havia
lrôs gcraçôcs defilósofos SócÍates, PlatáoeÀristóte]es, vocêiátinha
o cnsino organizado.
IAlLr:.a. A arislocrucio tomana era Íecnooald , não eru? EIa titlha
u t11& outt(l acepQão, fi ais tecna,cfctta.l
Náo, iinha també o lado da discussiro, .r lado da rciórica, e tudo isso
cstâva muito descnvolvido. O que não havia eram as escolas filosóücas
rnesmo, no sentido grego Isso não tinha chegâdo 1á. Tinha uÍr dcbate
público. aretórica. mâs náotinha havido três geraÇões defilósol'os para
orgân izar o cnsino. Nào tinhaaacaden a platônica e o licell aÍlstotélico.
Então. sejano mundogrego. scja nomundo romano, houve uma queda.
nlesmo porqu€ o que os ronânos passaÍâm a rcccber dos gregos já não
cra a mesma coisa que vinhâ antes, mas unâ anarquiâ de doutrinas
io&imente arbitrárias - e eu digo arbiiráÍias porquc é como crianÇas
tentando cquacionar suâ experiênciâ do mundo.
A armâção de conceitos que clcs làzem é, entáo, totâlmente subieiiva,
não tem nada quever Leva tempo pâra sc conseguir articular, primeiro,
uma crenEâ pública paÍa quc possa haver uma discussáo séria e, no
fim. se chegar a algum conceito cientlfica ente aproveitável. No fim,
a função da retórica é esiai ela vai cstâbilizar cellas crenças públicas
que, mesmo que estejam cradas, sáo a base da discussáo. Se nâo tenl
nen1 isto, então só o que se iem é a imâginaçâo individual ou grupal
\odnJo e Lri.lndu âq loana. mrrc e'rapalürdiâ. F um norc.ci-nenro de
Sevocê pegdr loda a filosofia do peíodo helenístico. é uma colcçáo
de monstinhos assombrosa. Você nen1 sabe do que o sujeito está la
lando, não consegue montar Você pcga um epicurisla, üm estóico, unr
cínico e tentâ montar uma discussáo entre eles. Náo é possíve], náo
19
tem sequerpontos de comunicação. O que eles estão pretendcndo fazer
diverge de tâl modo que náo há possibilidade de uma discussáo isso
pârâ você ver até quc ponto às vezes a mente individual é dependcnte
docontcxto social Você consegue sclibertardo contextosocial quêndo
ele lhe dá cond içáo para isso ou quando. náo tendo a condiçáo parâ isso
na cullura cm que está. você 1em accsso a dados de culturâs anteriores
que lhe permilen pular fora. Mas sozinho é impossivell
Vejaque, scdurante a etapa da retórica, duranteaetapada sofísticâ,
a base da discussáo era o consenso pré-existente, â idéia de um choque
entre indivíduos e colctividad€ nâo existia. Os individuos não estâvam
suficientemcnte individualizâdos para poder entÍâr num choque e,
quando entravam, entravam inaginariameÍle. você vê isso no teairo:
situaçóes extremas. situações limite. que na práticâ dificilmentechega-
vam a se manilêstar, mas que erâm concebidas como possíveis. E o
próprio lato de expressar isso poeticamentc, miticanente, mostra que
não se cstava acostunado a lidâr com estas sitlraÇóes dentro dâ própria
discussâo públicâ.
Quenr vâi começar essa discussáo ó o própdo Sócrates. É r idóia del
"E sc a lei da comunidade lor numê direqáo e a lei divina for na outra? '
Antes, a própria comunidade era considerada a cxpressâo da lej dlvinâ-lci
divina entendida como supremâ realidade, a realidade que estáacima dos
nossos desejos. A comunidade, que era vista como o local onde residiâ
â objetividade, dc repente é visla como uma subjetividade, e para alán
dela existe ümâ objetividade quc ela não alcânça.
Depois de alcançado isso poÍ Sócrâtcs. depois de organizadoo siste_
a das ciências por Platão, detudo hierarquizado, depois de apdnora
dos os nétodoseos critérios de invesligaçáo científica e de se começar a
investigâçáo cicntífica mesmo com Aristótcles. derepentetudo isso "vai
pro brejo". E durante séculos sevê um contÍonto de opinióes individuais
absolutamente extemporâneas e desligadas de qualquer possibilidade
2A
dc confronto e de disclrssão racional. Os esióicos cÔnseguimm, de certo
modo, cri um contexto entrc eles. Foi uma escolaque durou, haviamuita
gente. enláo tentaram criâr um coniexto social de discussáo entre eles.
Mesmo assiÍr, mesmo os estóicos. o mundo deles acaba sendo muito
confuso, e vocé só reencontra um princípio dc articulaçáo de novo com
Santo Agostinho. Náo tem outro antes dele.
SântoÁgostinho o quc fará? Ele vai enconirar ali umâ situaçâo social
c cultural já defiDida por múltiplos legâdos o lega.lo greco-romano,
o legado cristão, quc ó judaico. e a situaçáo colocaclâ pela entrada dos
bárbaros. Tenho impressáo de que é csta situaçáo, que é comum â to-
dos, que permite aAgostinho juntar os dâdos de repcnte, porque todos
eslavan vivendo o mesmo. Entáo, por incrível que pareça. â invasáo
dos bárbâros cria uma consciênciâ coletiva: todos sabiam do mesmo
probl€na. É como sc houvesse um ieffen1oto. Está todo mundo louco,
câcla um pensando uma coisâ diferente, um não consegue (...), outro
pegou um tcrrcmoto. Todo mundo sabe o que está aconteccndo, náo
sabe? Entào há um ponto de apoio. Por pior que seja, é um ponto de
âpoio, mesmo uú terremoto.
lAluno: Isso orya iza.)
Orgâniza. Entáo âs invasÕes dos bárbâros, e a decomposiçâo do Im-
pério Romano cdam um problema que cra comum paratodos e, poftânto,
rcstauram uln consenso, Sem esse consenso não é possÍv€l começar a
djscussáo fi]osófica. É possível, mas ela ficará deslocada daquelc mcio.
Isso náo quer dizer que o sujeito náo possa filosofar. mas nao váo nem
cniender o quc clc está fazendo. Eniáo, náo bastê o sujeito filosofar é
tambén preciso que âquele esforÇo de eslruiuÍação e de unificaçâo que
cle está fazendo responda de mâneira compreensível às dúvidas que o
próprio meio tenl, quer dizcr, que haia algum ponlo de contato entre
u deb.rte p-'b.icu e r in\L,ritsacào filo.oicã. f o que nao aLonl<(e.
21
por exemplo, com o nosso Mário Ferreira dos Santos. Se vocé pegar a
cultura brasileira dos ânos 1950 e 1960, vai ver que o Mário nâo tcm
nada, nada... O que ele esta\.a lãlando é dc uffa inipoúância universâ],
só que estava fora do que os camaradas estavarn discutindo.
ÍAlrtlo: Mas túo haaia um ouLto (...), que et a o ctístio nisno? Todo
mul7do estaüa se cristianizando, e aí... ha?ia Lafibém algutna, não?)
Tambérr, clâro. mas náo era todo mundo. Em principio, só os
cristáos es.avâm Mesmo qucm náo Íosse cristáo sabiâ da existência do
crisiiânismo, entâo tambémeraum dâdo que estavapresente ali. Mâs eu
âcho que, dc fato, â simpLes existênciâ do cristianismo não provocâriâ
isso, senão ele teria provocado antcs. É o fato das invasões bárbaras
e da decomposição do Império que làzem quc dc rcpente todo mundo
perceba que está com um mesmo problen1a.
[A\rna O ptópia Lanhonto da dbeiLo romana com ( ..) dos inüa-
sorcs, ncio é? Getnâ ico.)
Exatamenie.
l{lnno: Mas eru bem aquil.o de que o llasenstacÉJ laLa, que a lin
guagefi lormaL sltrye dà poLíÍica e da guetru.l
Scm dúvi.la. é o probtemâ dâ linguagcm formal. Como é que você
vai arlicular seus pcnsamenios de modo â torná-los socialmcnie circu-
lantes? Você não pode lãzer isso partindo de milhóes de experiências
individuais complctam€nte difeÍenies. conlpletamentc subjctivâs. Náo
tem conio vocé lazer isso. É prcciso algo que uniLique. Eu imagino, por
exemplo. se fosse ârm ar um diálogo filosófico cntre Diógenes. oCínico. e
os epicuristas. O debate náo é possível. porque um está exprcssando uma
coisa táo subjeliva que é quâse invisívcl. Pam você chegar a entender
o que ele está qucrcndo dizer. Ele sozinho já é um problema. Como é
,;i----- n ,-,,." -, : .,
7' R.c.rl 2002
que o sujeito pôdc acha! quândo vê aquele rato correndo no deserto
scnr sâbcr dc onde vem nem pâra ondc ir. que âquilo é síúbolo dc unr
idcal? Vocé percebe qu€ ó muito subjetivo, poÍque um outro camârâdâ
olhando â mesma coisa veriâ nisrc o símbolo de un iotal desampâro:
''Coitado do râlo, ele náo sabc de onde vem nen pârâ ondcvai". Aí você
vê a separaqáo dos individuos na sua subjetividadc. Qualquer cojsapode
simbolizâr quêlquer coisa para qualquer un1.
lAluno: Sarlo Aéoslirro p oderia. aa testemufihar o eslacelãme to da
1.. ), procürat etplic aÍinoL de cantas o que (...) àessa legíslaçao.l
EIe estava tcntando explicar o que estava acontecendo: "Ond€ é
quc cstan1os. atinal de contas? '. E vâi se apoiaÍ no quô? Vai se apoiar
no Àpocalipse, quc tem umâ lillrsolia da história, entâo ele consegue
localizar aquele momento da história romanâ deniro da nârrativa
apocâliptica, que para o romano nen1 exisiiâ. Elc vai usâr um outro
quadro de rclcrênciês o cristão -, vai encaix com aquilo ali e vai
conscguir explicírr o negócio cm termos de filosolia grega.
Então erarcalmente â estruturà imperial rornana en1 deconrposiçáo,
cra a situaEão de laio. e erâ o lcgado iudaico-crisião. Justamcnte porque
a situâçáo estava mais desesperâda, ela criava uma base de discussáo
possível, tanto que o que Agosiinho cscrcvc é irlteiigivel pâra os seus
contemporâneos, já üma discussâo enre os Íilósofos hclcnísticos sinl
plesmente não tcm nern como: um náo sabc do que o outro está lalando.
Aquilo para ele, parâ cada Lrm. faziâ um sentido enoÍme, porquc cstava
pegando Lrllla ltugua que recebeu para expressar hagmentariaffente
algumas impressões que ele tem. Parâ isso poder viraÍ un diá1ogo se a
prcciso que em alguÍn ponto essas impressoes se tocasscm, parâ sâber
do que o outro cstava Íalando.
Lnagine que, duranie todo esse perÍodo, aindâ vcm um monte de
seilas orientais falando de outras coisâs completamente dileÍentes,
23
com símbolos totalmente deslocados da situaÇáo. Entáo era rcalmcntc
um hospício. E você só vê o retoÍno de ulna inieligibilidade coletiva
ali com Agostinho, porquc todo mundo sabe que €stá com o mesmo
problema.
As emoções, as vivôncias individuais. elas só são transmissíveis
através dos pontos de coincidência que têm com as vivências dos
outros. Se náo tiver ponto de coincidêÍcia algun, ninguén vai
se entender a ráo ser quc tcnha um camarâda genial, com umâ
inspiraÇáo divina, que consegue entender tudo aquilo. Sempre é
possível. Mas nlesmo quc um camaradâ €ntendâ, ele por sua vez vai
ier que fazer um eslorço de reeducar a coletir.idade inteira e montarum
diálogo, e isso ó quasc impossivel.
Hoje em diâ, por exemplo, quando eu lcio siÍes dc dcbaic dc cstu-
dantes, vejo um pouco a situâçáo helenistica, pois é tudo subjetivo.
Um làla um negócio. outro responde outro complciâmente diierente,
e sequeÍ percebem que náo estáo falando da mesmâ coisal E isso nào
só em dcbâtcs d€ estudântes. Quando pego às vezes Llm debàie no
pârlâmento, tenho a mesma impressâo. mas nenr sempre. Em alguns
pontos clcs sabcm do que estão falando. sobreiudo na parte quanti
tativâ. financeira. Mais ou menos clcs sabcm nedir O bolso de iodos
dói da nresma maneira. é identificável isso.Falta de dinheiro ó mais
ou menos a mesma coisâ para todo mundo. Sejê nrujto. seja poLrco, se
sabe o que é. Então neste ponio eles sabem do quc cstáo falando, mâs,
quândo saem desse êssunio. nAo há n1àis nem possibilidade de debate,
porque sáo sÍmbolos subjctivos e náo sii uaÇoes vivenciâdâs enr comuni
por todos e dês quais iodos podem lalâr
O vivcnciado em comum poÍ todos, por enemplo. foi quàndo teve
a eleiçáo. À propâgânda maciÇa criou uma cspécic de mito. um miio
quc por um mom€nto pareceu unificaÍas pesso:rs e que já vinhahá dez
anos: "Vamos passar o Brasil a limpo, vâmos tirâr os corruptos, vamos
?.1
coneçar um novo Brasil". Isto dava â impressáo de que as pessoas sa-
Lia. n do qur c{ava'rr tala rdo \,Í"r dquilu nru ( a un a \ ivcr .ra cnmum,
era um sonho em comum. As pessoas náo sabem o qlre estáo vivendo,
cstáo coincidindo apenâs na imagem de sonhos. É um negócio que,
se eu dissesse: _À,luito bcm, vamos resolver o problemâ. mas qual é o
problema?", eles náo sâberiêm.Ibdo mundo concordava na soluÇáo. eles
só náo sabiam qüal erâ o pÍoblema. N.r hora de enunciar o problema,
pronto, já náo tinham mais ncm como conversâr.
ÍAlüra Esse rctotno àa inteLigibilidade (. .) puftr, entin, uníficat
una'nisAa de munda? ELe está t|.iío no nesmo sentido da inÍeLi,ibiLi
daíle co+nítízta qlte existia entrc os soÍislas?l
Nonesmo sentido. só que a dos sofistas foi cdada pela longâ vivência
.^nrun,. roi rridoapeldpa/ nJ v(rdrdE e oelo Jialngo pnlr .o Fi.ro
o regócio do Rosenstock: ou é a políticâ ou é a guerra. Um foi criado
pcla política e o outro, pela guerla.
lAl,rra Mas. eníãa, até qlte ponto essa inteLigibiLídade de Agostinho
cru coletiaa ou eru indiaiduaL?l
I,lrâ coletiva. Todos sabiam qLrc o proble a existia, e o làto de todos
sâbercln pemite que eles entendâm o que Agostinho está dizendo...
Você viu isso nos Estados Unidos com o ll cle selembro. Você viu o
debale nacional âmericâno. De repente, todo mundo sabe do que está
lalândo c quêis sáo os pontos de divergência. Ficou tudo claro, pois
laiu o prédio. Entào. por rnais sonso que o sujeito seja. ele sabe que
âquilo é um problema.
ÍAlúna: Mas agata eles já üão ttucat os 1...).1
Bom, scmprc. AIi são duzentos milhões de pessoas. c náo ó fácil
você criâI um contexto de discussáocomo erâ no tempo deÀgostinho.
Àli precisa-ria cair um prédio por scJnâna. Se existe uÍ1a anlcaça do cxierior
todos sc sentem igualmente âmeaçêclos. Ou se houvesse uma peste...
[Aluna: Hó um ceúo (._) enne rcolidade e altlcinaçat), nào é?
(-.-) E cliz que exísten algu s ttabathos em anÍrcpologia.tue lalam
nessetipo de lenômeno, que.t coletiuidade dlucína e aí resolüe maÍ.tr
críanqas, poryue elas têü o diabo o corpo que (...) Íoco tlo e taita
Isso mesmo. Podem surgir as idéias nais cstapaiúrdiâs. Olha, essâs
escolas filosóficas helenÍsticas eram todas assim... porque você entrou
de novo no inraginário. no nruüdo.lo possívet: ,Ah, ilrdo é possivet,,.
E possível que o culpâdo de tudo sejâ csse bebê que nasceu? É. Bom.
netafisicamente, impossível náo ó. Então. se é possivel, é concebivel,
e se é concebívcl, é ronrâdo como real inecliatanente. Na imêginaÇáo,
tudo aquilo que nâo é autocontradiiórjo ó aclnissível. Basta náo haver
cônrrrdrcao jrr.r'1r e ô .u r(i. n acrL dIa nu regu(:o.
ÍAluna Faz aL\um senríào, não é?l
Náo é possível realntente quc o ratocsieja corÍenalo cle um lâdo para
o outro para afirmar sua liberdade? Impossívet náo é. enião pode sig-
nificarisso. Mas Lrnl outro pode achar qlre é oütrâ coisa com pletamcnte
dilêrente.Essasseitâsmâlucasâparecem jusiamcntenessahora,porquc
ó â abertura total da possibiljdade: tu do é possível. E, ao mcsmo tcmpo.
ninguém conseguc realmenie sc comunicar só consegue se conunicar
nâ êiucinêçâo Vocô conscgue fàzcr os outros partjciparem da sua
alucinaçào. Se você é um carâ .le personalidade, vigor, vocô consegue
fazer com que sua alucinaçáo iique coletiva. Mas isto náo é unr ponro
dc convc_gen.'i" ,e,1. ooir \oce. . p( na. .or\erg,r"Ín. entrârIn , LIrl
acordo de sair da realidàde. É aqucle negócio quc rimos aqui na eteiçâo.
OpessoâI, os jornalistas experientes, o HélioFernandes. dizendo:,,Othâ
gclrie. este é um negócio mÍsticlr. mctatísico. O homen é um enviarlo de
L..u5. c um p"oterà.,1e rcm dnn. nrir"cutu\o." t.lârôquecto-r_r"
nrll§ como nao tcm unidade âlgunra. naquele monrento aquilo sefte.
Í^lt)no: É issa que o senhot quet dizet o seu Lirlo O iardnn dês
n içóes,: o ateu t1ào é aquele que nào ctê...1
Nâo. isso náo teln nâda avcr com o ateísrno. E âí o crente pode cair
na mesma coisa, porque isso não é umaquestão decrença. Náo. a coisa
.:ln religiâo nào tenl nada a ver col]] isso, nôdâ
LAlEnLt: O René Gitultd, de que a zrioLência é sagada.._i Então é a
tonlútío. Paru aacê...1
Claro. a comunidâde religiosê pode pirar con1o quâlquer outra. Aliás.
isso aconiece o iempo toalo. Vejam, quando lá eln Bagdá soltarâm a
Iru bdnucdrtr(:uoaO\t...i u Jipo. Mr. ciperu"r.ndueraocun.râriu
lráo? Os câras da ONU náo eram os scus aliados e os arnericanos é que
cram os inimigos?' . l,hlâram: ,Agoravirou,'. Claro que isso é atucinaçáo.
mas nâ hora pareceu uma coisa sensâia
LAl:Jna: Poryue a associação eníâo das EsÍtlrtlos Lhli ilos ( ... ) .l
Veja, é por isso quc você náo pode conlundiÍ nunca a parÍicipêção
nunra religiáo com a ié religiosa no sentido eticâz dâ coisa. Náo pode.
dejcito úenhum A 1é religiosa \,edadcira funciona, e se lunciona ela dá
unra bâse de realidade. Você podc teruma comunidade jnieira que está
nnbuÍda de religiáo. está rezando o dia inteiro, eestátodo niundo knrcô
O verdadeiro teste é aqueie do Bruno Tolentino: ,,Se estoo l1o dcserlo e
luro o pneu do meu can-o. nã.' vou acreditar que Deus enche o pneu,,.
Mas eu náo quero nâo sâber de unr Dcus que nem enche pneu Se náo
cncher pncu eu não acredito lnais nelet Isso é muiio sirnDles. Elc vâi
i ltna or{sD,.1aiorin.;4.o sas,?1, sioprulo Lnesplp,zo1r a.1990
cncher meu pneLr, sim. Por quê? Porque Ele prometeu. Pronto, isso é a fé.
Se Ele enche o pneu. dai lunciona, scnào nâo. Ou Ele enche pneu ou
vai iirâr você dâli de algum modo. Você teln un testc da realidade.
O quevenos, àsvczes. são comun id ades rcligiosas inteiras em quc o
testc da reâlidâde vai semprc cm sentido conirário, e os caras estáo de
clarando cadavez maG aquilo.A própria impregnaçáo coletivade certos
sínibolos religiosos provocará essa situaçáo, poisvocé nAo precisaterlé
rcâl quando está arrasiâdo numa mulridát, que está entusiasnadâ com
a babaquice. Aí você não precisa ter fó alguma. Náo existe fé colctiva.
isso aí é o absurdo dos absurdosl Se você está indo junto com â n1êssa,
digo: *Náo prccisa 1ó" Isso nâo tem nada avcr com a problemáiica da
lé, é totalmente diferente. A fé podc ser testada na sua eficácia, e essas
lsso quer dizer que o fanatisrno colctivo resistirá a lodas as
dcmonsiraçôes da sua fâlsidâde. Quanto nais làlso ficâr mais o sujeito vâi
reâfimrar Porquô? Porque náo houve o verdadeiro esÍorço, o verdâdeiro
da fó. Nâo precisa. ele está no passivo, ao passo que a fé é uma rcsposta
ativa a umâ situação. P€la févocê se sobrepóe à situâçâo. Entào. é claro
que isso náo está ao âlcance dâs multidôes, âssim. a toda hora.
Esqueça o problema. A prnblemática religiosâ náo tcm nadâ a ver com
isso. Isso pode acontecer conl qualquer comunidadc. veja as sociedades
islâmicas. Elas ficam cadavez piores, e cada vez ten mais muçulmano no
mundo Cono é q!e vocô vai explicêr? Por que Deus náo resolve o problemâ
deles? Porque rcâlmente o probtemadâlé não cxiste ali. Ser üm ártir na
gucrra não prova nâda, o qüe prova é gânhar a guefta. Mas se o sujeito
inverte o negócio e acha que a grande iogâda é o martírio, eniáo elcs
podemtodos morer E o outrolado dcve pensar: " Eles estão loü cos para
encontrarDeus logo. Vamos dar umaâjudinha para cles. Soltamos uma
bonrb" c Írdra,nos rudu. P L,rlo, el.. vào 14... . L , nrJ le e\ idenl, mcnle,
mâs uma 1é êo coútÍá o. Virâ um processo de deÍrotâ.
LA]ntro: Detrcta ory,ulhosa, nào é?)
Deffota orgulhosa. Você €stá presumindo q| e Deüsestátrabalhando
para você. e ils vezes Ele náo está.
l{luna: A capacidade de cw em quaLquet caisL Ítue se maniíesta aí...)
Mas agente sempre crê em qualquer coisa! em qualqü er coisa você
semprecrô, esse não é oproblema. O problema é ver sc aquilo en1 que
você crê é algo que está âcontecendo mesmo ou se é uma possibili-
dâde real. Mas se não existe sequer unr contexto social no qual você
possa expor o que está acontecen do, sc âté o diagnóstico, â expressáo
do que está acontecendo, é infinitanlente vâriada de acordo com as
cabcças, aí nào tem jeito. E eÍa nrais ou mcnos isso que acontecia no
período helenístico. Você nâo vê, em toda a filosolia do período, unr
sujejto dizcndo: "Olha. o que está acontecendo é isto assim, assim,
assim". Eu âssinalei iío na aula, quc a mudançê do repertório filosófico
é causada por uma mudança politica. Você nAo vê um único suieito as-
sociar uma coisa comaoutrâ. Eles nao estavam raciocinando a pàrtir de
una experiência vivida conscicntcmcnte emcomum. mas de impÍessóes
subjeiivas, quase incomunicáveis.
Você virâm esse garoto que queria entrar nas FAuc e que contaram
para ele o que as F^Rc faziam? O que ele disse? EIe disser "Mác, que
dcccpçáol Eu pensava que eles eram rcvolucionários, nâs eles sáo de
direitâ". O que ele está fazcndo? Está expressando uma impressão
'uoje. va quc náo rern nanJ r \er corr a !rr"(aô r."1. nao". I u iaro
que ele encontrou de dizer. E no Brasil a gentevê semânâlmentê müitos
casos desse tipo. As pessoas exptessam coisâs quc nâo sáo realmente
comunicáveis. Nao dá paÍa aquilo entrar cnl circulaEáo e ser discutido,
náo ten1 como discutir uma coisa dessas. É se o caÍa perguntar: "Quc
esqucrda é essâ de que ele está falando? A csquerda náo es&i encâmada
nem nàs FARC?", entáo ela é uma coisâ que se esperava qüe existisse,
rnas que não existe no mlrndo real. Mas as FaRc náo pensan assim,
pensan que sâo dc esquerdât Isso qu€r dizer que, enire você e o cara
das F^Rc. já não há mais possibiljdade de conversa: um não sabe.tô
que o outro cstá fâlando.
Etodo esse período que vai dofim da póiisgregaaté Agostinho, ouc
\ao 5crc.(culo.. \o(e nJu, ôn\cpue c\crcver a hi\rori! dn pe1\oIr. rru.
da filosofia. Náo tem história aí, porque história subentende que está
havendo um diálogo, que um pâssa â idéia pâra o ouúo, que se disclrte
"oui'o Nao rcn nadi di.\u. .qui,o (ía unra cuntu.áo du, dirôô,,
I AlrÍto: Na üeúade, é uma histúia negatíaa. nàa é? porque cada
u ma de ssas p se u(laÍi lo soíí as... I
É umahistória negâtiva. Como é que você escreveria a hisrória da victa
socialde un1hospício seo quc càda um estávivenciando por dentro náo
tem nada a ver con o olrtro, e o outrc não tem a menor idéia dâquilo?
Umesiáachando queéNapoleáo Bonapartc. o ourro resDonde como se
elelu\\e( alârino àG,anJe.er i.guempercebe\rcle ruÍnad<t;,agcnr.
Não tem contexto, náo podcierhistóriâ Entáo o Rosensrocli temrazão:
ou é a política ou a guerra. Ou náo. nio é sar i
desg,açâ quarql,er. A pe.t" pua" 
".iu, 
i,.o,logi;",;:";HJli:iil::
iodo nundo doente e ninguóm saber o que esiá aconiecendo A Lome.
â miséria total podem gerar isso aí.
[Al11ro As Eruncles rcrelaÇoes tanbétn, naa é?l
Também podem criar outro... Mas aí é Deus, Deus pode mudar as
coisas. Mas. em geml, o contexto no qual é possível uma discussáo é
cdado por fatorcs de grânde envergadura. e justamente âs invasoes
Então é com Agostinho que começa outra civilizaçào a civilizaçáo
clistá na verdâde começa com elc. Antes vocé tinha cristáos dentro de
30
uma ouha civilizaçâo. Àgosi inho deu um ourroprincipio deorganização.
I llao ru. n ai, ou mcnoj 5âb(i.ro\ unoe r.tan ú,. purquc \go.rin, o
nos explicou que esta etapa aqui está dentro dc uma cronologia assim.
assinr. que vai teminaÍ no Apocalipse, e agorâ vamos trat de nos or
ganizar para viver dentro desta novâ situâçáo tal como Agostinho nos
clescreveu. Iànto é que é isso que possibilita, majs târcle, o advento dâ
Escolásiica, quando os câmaradas organizàm, dois séculos dcpois de
Agostinho, com Boécio, o ensino escolástico, q ue terminará d iversind o
-( \go. r:r ho no ti n. ro rempu de sdnro )oma.. Ue ,,r" erptoianJo
unra possibilidêde que comeÇa corn Agostinho. que é a reorganizarâo
J! .ô, i Jao( e dá (utru à " o-fl ir d( umí , r-o .flj; Ja Hi,r,,rir
[AlülJât Quando a sefihot Íal1] de u ta histeia, nâa sei se enÍendi. Seia
da Aids, (tue rcarya izou as jdéías a lespeito dÉ Libeú.ade serual?)
Náo, porque nâo ieve ranta Aids assim. A Aids é 900/0 epiclemia de
ÍA)üÉ: 
^nãa 
teüe esse impacto L()do?l
Hoje enl dia rem um outro faiír! gue é a micliâ. A mídiâ transi.ormâ as
coisas. Uma coisa como o 11 de setembro nâo.lá para transfornrar
porque é noliciado na mesmâ hora e só acontece uma vez. entâo. quando
vocé percebe, a coisa já foi noticiâda no rnundo inteiro. Mas se é uma
coisamais constantc, ela vai soiicndo.Iá dizia o Vargas Llosa: ,A mÍdia
é uma máquinê cm quc entra um homem e sai um hambúrguer,,. pocln
sair outro negócio completamente diferente. Entâo, por incrívei que
pareça, esse aparato todo da nídia, quc poderia unilicar faciimentc.
muitas vezes é usadoparâ unificar no sonho. Sem coniar os casos em que
âs próprias mudanças atravessâdâs pela mídia náo sáo acompaÍhadas
pelâ populaçáo, que não percebe que a mensagem já foi mudadâ. oue
já é outra coisa.
al
A midiâ introduz um elemento de confusáo que anles náo cxistia
Antes, parâ vocé disseminâr uma notícia, era iáo trabalhoso que .ão
dava muito parâ lãlsificar. Hoje, se uma rcdc de televisâo decklc virar
lodo o ncgócio. elâvira. Sern contar que se t€m un1ê classc profissional
que trabalha naquilo. Aquelâ clâsse tem süa vjsâo do mundo, suas
preferências, essa coisa toda. e naturalmente ela vai dizcr o que est,r
vcndo ou r-r que ela acha.
Ê lem a Intcrnct. A InterneL é outro fator complicânte. porquc já
ó a aniir dia. não é? Sai uma coisa na mídia, mas na Internet circula
outra. Um süjcito desconhecido nrele umâ mcnsagem lá. e a mcnsa_
gem sc cspalha no mundo inteiro. E pode aconteceÍ dc um sujeito
qualqueÍ boiâr uma mensâgen e a mensagcm ter mêis leiiores do
ql]e o Nea York :f ifies.
A situâç,ro que esiou descrcvcndo é n1lrito Írais simpLcs doque essâ,
entrio â gcnlc tem que ir do conhecklo para o desconhecido, do mais
fácil para o mais dilícil.
Muilo be1n, quândo coneqa a se loÍnrâr o csquema de ensino
escolástico, que vâi do século VI até mais ou menlrs o século XI. XlI,
quando e!e está funcionando perfeilamente. já cxistem as univer-
sidades na Europa inteira. já exisle rma castâ intelecllral formada.
cniâo todo esse pessoal esiá vivcndo deniro ainda da cosmovisáo de
Agostinho. É umacosmovisáo crista. onde o mundo telll uma listóriâ quc
coÍlcçana Criaçáo. passâ pela RevelâÇáo mosâicí, passa pela vida, paixâo
. lrur .J.\u'.o§,rh4r Jr.u.Cri'tu.cr.i terr rrrr a.'tm.r'.i rr
Aí aparcccm vários lãtores complicantcs Um lâtor complicantc ó
justamente a enirâdâ dos cscritos de Arisióteles â pârtÍ clo século XII,
que exigem dc todo esse contexio escolástico unl tremendo pg/dde no
scntido pelo lnenos técnico. Imcdiatamente, a làcilidade dc mancio dtr
lógicade Aristótclcs sugereââlguns iilósofos a idóia de uma lógica nrera-
mcntc operacional. em que os termos iá nâo tivessem umaâlusâo direta
.12
àsformas substanciais, à substância efetivamente existenie, mas quefos,
semâpenas unidades de pensamento quer dize! uma lógica puramcnie
folmêI, que é uma idéia que nunca tinha ocorrido a Aristóieles.
Veja que quândo, por exemplo, Sânto Tomás de Aquino monta um
raclocínio, ele o cstá montando com vários conceitos. Cada um desses
conceitos corespondc à forma substancial de algumâ entidade percebida
no nundo real, e suas relaçóes lógicas correspondem às Íelações reais
que esses entcs têm. Mâs como a lógica de Aristótelcs é muito fácil
de maneiâr, ela é tecnicamcnte perfeita, então a tendência de manejâr
os conceitos lógicos independentcmente da reierência a substâncias
rcais é muito grande. Você percebe que, com substâncias reais ou sem
substâncias rcais, a lógica luncionado mesmo jeito, e se náo tiver
refeÍênciá a substâncias reais ela funcionâ até mais depressa. Você náo
iem que parar para confcrir com a realidade a todo nomento Tal coisa
otjniza no seniido (écnico. Entáo aparece o prineiro gcrme do queserá
mai,s tatde a fiomiwlismo, que é atotal separaçáo entre pensamento e
realidadc. Este é o prineiro problema que âparecc.
Um segundo problema é que, a pariir da hora em que se forma ê
casta intelectual européia com os escolásticos c vai se estabilizando
um conjunto de valores. de critérios, de meios de prova. bem como
todo um jârgáo técnico, acontece que pela pÍineirâ vez o exercício
da função de filósolb se destacâ da existência rcal dos indivíduos
envolvidos. Você vê que, quando Sócrates lala, ele lãla cm nome dele
mesmo;Aristóteles também; Platáo tâmbém. Sáo sempre indivíduos que
estâo dizendo âquilo que estáovcndo. Agostinho, a mesmíssima coisâ;
Boécio. a mesníssima coisa. Mas de repente aparece um negócio que
sâo as S./mas de Sênto Àlbcrio Magno. Entáo Santo Alberto Magno
reúne todâ a ciênciâ do tempo. aruma tudo bonitinho, dc âcordo com
o quc ele iinha.rprendido cm Aristóteles, e no fim diz: "Olhâ. o que eu
liz lbi apenas expor o que os peripâiéticos dizen. A minha opinião náo
33
vai sc cncontrar enr paÍte alguma deste hvro' Essc ó um negócio qlre
nunca tinha aconiecido na História. Vocé escreve o livro inteiro. livros
c Iivros, e continuanos nâo sabendo o que você acha?
Veja, a obra inteim dcl€ é muiio nraior do que a de Àristótclcs.
El€ faz comentários e comentáriosj cxplica e Íeexpljca, desenvolve
âquele negócio iodo, termina e diz: "Náo lui eu qucm disse'. Isso aí é
üm enigmâ até hoje. Por qlrcclefez isso? Prinreira hipótese: Aristóielcs
ainda não cra bem visto nomejo eclesiástico, houvc alilÍm problema com
as autoridades, e talvcz cle náo quisesse assumir publicamcntc, cntão
disse: 'As cÍíiicâs e os louvores devcm scr dirigidas aos peripatéticos.
não ê nim'. Essa coisa €le não diz en seus livros de tcologiâ. Ele tem
um comentúio do Novo Testamcnto, mâs aí é ele lnesmo. lá nos livros
de filosofia. ele diz: 'Náo lui eu". Entáo, corno articü1â uma coisa coln
a outra? Resposta:náo articula.'A reologia nio entraaqui, e afitosofia
raô\nrra d F nd'lu\uliriu tu..odr,/cr oqueeJqLri.Lr puqu(,u
estolr delendido sob a minhâ inexislênciâ- o meu anonimato. Náo fui
eu. foi Arisióieles." lsso nunca tinhâ aconlecido ântes.
lsso quer dizcr que o t€rreno da argunentação filosófica pâssâ ê ser
um ierreno neutro no qual pârcce que os argunentos se confrontam
diretamcnte, sem a iDternediaEâo das pcssoâs. Isso, logicâmente. só
se toÍnou possível graças ao progresso da técnicâ filosófica. A iécnica
cicntífica, o método cien tífico. os critódos dedenonsiraçáo. estavatudo
estabilizado, havia tlm consenslr quânto a isto.
É nesse momento que su rye a Ial áà parularc, q| e será tão impor-
tante nos séculos seguintes. Note bem qne. no próprio AlbeÍto Magno.
isso náo quer dizer que houvesse efetivamente. dentro da pcssoa dele.
uma ruptura. Porquê? Porque tudo quc clc at buiaAristóteles parece
darrazáo âÀristóteles, cntáo você ainda nâo tem urn choque. Mês tem
uma parte que fica colno se losse cong€lâda ou aúesiesiada, a parte que
ele nâo assume, e bora conclrrde.
1.1
(. .. ) Eu náo encontrei pârágrâfos semelhantes a esse em partc alguma.
só enl Sanlo Alberto.
It\\üat (...) a filosaÍia de Sallta Abelll oea(...).)
A autobiogralla já nâo tenl relaçâo com o conteúdo da filosofia.
de làto não leln, mas também náo iem contradição Uma coisa não
tcn1 nâda a \,cI com a outra, sáo planos dlferentes. entáo você já está
muito distânie da situaçáo de Agostinho, que da autobiogrâfiâ deduz a
filosofia Mas coln S an to Alberto você lem uma coisâ muito m:ris grâvc:
o sujeito cscreve livros e livros e diz que não foi cle. NLr entanto, ele
náo tem uma contradição interna eieliva. porque parece que subscrcvc
tualo aquilo. Nlas o fato de que a coisa l'osse publicada assim e dc que
ninguém estranhasse... "tjspera aí, mas se não Ioi você que disse isso,
quem loi, afinal de contâs? Porque você esiá dizendo mnito mais do
qlle osperipâiéticos dizen." O filósoto ai se tornou un1papelsociâl sem
ninguém dentro. Foi nais ou menos nessc ponto qüe â gente parou a
nârrativâ histórica. Tínhamos ido mais ou menos até aí.
Nos séculos scguintes, isso vai se apÍofundar aiâl ponto que o filósofo
poalerá enunciar coisâs dc enorme impoftânciacoletiva, que têm unl clêito
sociaL, c histórico €norm€. mas é como se ele nâo tivesse dito nada Se
cLc nâo precisâ serresponsávcl nem pelo quc escreve, quânto mais pelos
efeitos do que escrcvcl Então a idóia d€ considerar â lilosoÍia como uma
"obra no sentido literário - qre un1a vez publicada ela sc 'deslâcou'
do seu autor e adquire uma exisiência auiónoma - impregnou_se
profundânente na cultllrâ moderna.
À idéiâ mesma de obra filosó{ica é a que me pârcce a mais estranha
possívei, pois está na carâ que ullla filosofianáo está na obrâ: a filosolia
cstá no filosofema, está na sua consistência inteÍna. Pouco importa
se ela sc regisira numa obra escriia, nunra íala E o que sc identiÍica
como obra é obra lit€rária. Afinal de contas, o que são os sonetos dc
Shâhespeare senáo o lexto dos sonetos de Shalcspeare? Você pode
conceber os sonetos de Shak€speare sem essa formaverbal? Não. Mas
afilosofia dc Platáo você pode imaginar em milhares de formasverbais
possíveis. Como a de Sócrates, por exemplo. Ela náo tem formâ verbal
alguma. Você tem só o que os outros disseram! e n€m por isso eladeixa
de existir Assim como em ciênciâ, por exemplo. Vocé rârâmente tomâ
conhecimento de uma descoberta científicâ através da suacomunicâçáo
originária, e sim âtravés de livros-texto qüe â eÍplican de outm maneirâ.
às vezes até melhor do quc o autor explicou.
Em ciência. entáo, a obra náo tem imporláncia alguma, o que tem
importânciaé a descoberta. Na literatura, ó só a obra que tem impoÍân-
ciê, a descoberta não tem importância algumâ. 'Àh, o sujeito pensou
um soneto lãntástico, só que náo escreveu", entáo o soneto náo existe.
E a filosofia está mais ou menos no meio terÍrc.
A idéia da obrâ se impregnou a tal ponto que, quândo surgir mais
tarde aquela discussáo sobre o nazismo do Heidegger, uns imputarão
â ele a responsabilidade sobre coisas ruins que aconteceram e outros
o defenderáo, dizendo que um filósofo táo grande náo pode ser
julgado por seu envolvimento em coisas políticas. E, evidentemente,
esse envolvimento íoi unla interpretâçáo que ele deu ao seu próprio
pensamento! faz parte dâ suafilosofiâ. Náo é um problema moral externo
à filosofia, faz parte da própria filosofia. Você vâi ver o sentido dafilosofia
pela inte4rretaçáo efetiva que ele deu em iâl ou qual situaÇáo.
N€sse sentido, a biografiâ considerada sob est€ aspecto é pai da
filosofia. Evidentemente, náo me refirc a todos os dados da biograiiâ.
Nâo é aquele negócio freudiano: 'Aos cinco anos ele teve um traumâ,
viu a máe peladâ e ficou traumatizado". Náo é isso, estou falando de
aios da vidâ adulta que, conscientemente, dellberadamente, sáo uma
aplicação que o sujeito deu da sua própria filosofia. Náo é aquele
negócio: "Ele estava comendo â Hanna Arendt". Náo é isso que eu
36
estou falando. O sujeito pode comer a mulher sem nenhum propósiio
filosófico, mas sua atitude pública, cultural, náo é possívelsem referênciâ
à filosofia, laz parie. À participaçáo de Heidegger no Partido Nâzista
elucida a filosofia e vice versa, assim como a morte de Sócrates. sua
conduta perante o tribunal elucidam sua filosolia. Se Sócrates brigou
com a mulher, isso aíé outra coisâ. Estou falando daquilo que náo pode
ser feito sem referência à obra filosófica.
A relaçáo enhe "obrâ" e biosrafiâ é, entáo, dilêrente na filosofia e nâ
Iiteratum. Essa éuma coisaevidentíssimaparamim. Mas, passados muitos
sóculos, tal relaÇáo ainda está obscura, e o debate sobre Heideggermostra
isso clarâmente. Como é que loi possível tanta confusAo? E, sobretudo,
como é possivel delender o cara na base de que sua filosofia nãotem
nada a ver com suas âções? Espera aí, ele agiu como reitor dc umâ
universidade, como educadorl Êducâçáo é filosofial Entáo não se trata
de defender o condenado. Seja para defender seja para condena! você
vai ter que defcnder tudo junto, ou condenarludo junto. Não tem como
separar exâtâmente uma coisa da outra. Esse debate ó uma amostra de
até que ponto ficamos inábeis para lidar com essa relaçáo entre o eixo
da construçáo teórica e o eixo da experiência pessoal real.
lAlrna: Mesmo na LiÍetatura, co tome a obft\ o escritor está na
obru. Assim, Tolstoi está em GuerÍa e paz.ll
Ele está, mas a obra tem que ter uma consistência por si. Sevocê náo
soubernadâ davidado cara, ela tem que se manter de pé porsi. Por ser
uma estrutura lingüistica que de certo modo é fechada em si mesma. vai
ter uma estrutum identificável. Um texto filosófico pode náo ter estru-
tura alguma, pode ser uma série de ânotaçóes que uma náo tem nada
aver com a outra e cuja unidade está por trá§, esiá no filosofema, está
na con.istêncic inlerna da filnsohâ, rao no lerlo. f o ca.o de Leibriz
Leibniz tem uma filosofia das mais coerentes do mundo, mâs sua obra
r-" r, ', **p/ s"t"H* tr,-t,|*
37
39
náo iem coerência algumâ. Ele runca diz: "Vor fazeÍ umâ exposiçáo
dâ ninha filosofia com começo, rncio e finrr'. Ele disse um pcdâço aqlri,
outro pedàço lá. outro pedaço 1á, deixou um terceiÍo anotâdo; o quarro
pedaço cle somente pensou c você iem que adivinhar..
lAlrna: Ele ntto tcm enhum truLado. ão é?1
Náo tem, não é uma obra orgânizada, como a de llanr. Entáo, é pos-
sível unê filosofiâ de grande \,alor numa obra qu€ vâlha muito pouco,
assim como é possi\,el o contrário, o sujeito escrever umâ obra mâgn ífica.
mas â filosofià valer pouco. A lilosofia de Bcrgson é pobre, lnas â obra
é maravilhosâmenle construÍdâ.
l{llrno: Ay Rít d! Uma liLosolia oryanizadínha, exposta, sistenática.
ruLs a filosaÍia aaLe pouco. Etfi líteratura isso üAc rcm sentído. Se a abta
está mal esctíta. .t obta é ruim.! Ela está maL consttLtída, ela é ruím_
'r\h. tfias () Lara penso ..." Sim, mas, se penso , c.rdê a obru?)
lAlrno: O ÍiLme é haníaeL nas o dirctor é geniaL.)
O lilne é horrívcl, mas o diretor é genial. QueÍ dizer tem o film€
que elc podeÍia ler lêito: é o filme que você está construindo nâ sua
cabeçê e está proietando sobre ele. Em filosolia isto é incvitável. Umà
partc da lilosofia do cara você constrói para compleiar o que ele náo
disse porquc sáo coisas que elc não disse, mas qne tinhâ que saber
para poder escrevcr isto. É colro eu fiz com as Quatro Discufias.:
"Para dizer isso assim. ele precisava saber mais atgo que náo disse,
mas que está na cara que ele sabe". Já um sonelo nâo podc seri
"Olha, ficou laltando aqui três linhâs...". Se faltâram as três linhas,
esião fâltando. Se você completa! ó ouira obrâ. A obra literária teln
uma ccrta alerialidadc qu€ o escriro filosófico não teln. O escrito
lilosófico é scnrpÍe um registro ocâsional e parcial. Parâ o sujeito
poderdizet como Bergson, "Eu expüs totalmente a minha filosofia".
ó necessário qlle ela reâimente esteja contidâ nos limiies dâqueles
escritos e não tcnhâ o(tra possibilidade de desenvolvimcnto forâ
delas. Êntâo, já nlolreu.
ÍAlüta Podeú até z)i a set aLtenda, nâo é? pat u (...))
Em filosofia há sempre essâ possibilidadc. A obrâ IiteráÍia tenr que
termina! tenl que rer um ponto finâI. A filosofia nuncatem ponto final.
Náo tem e náo pode ter Se teD1, é urna filosofia que já acabou. Quer
dizer umafilosofia seconstituide iodàs âs suas possibilidadcs internâs
de desenvolvimento, de aplicaçâo. d€ extensáo e de au iocorreçaro. É isso
quc você cstá procumndo na ülosofia, você quer pcgar o nexo interno...
Por exemplo, em Aristótclcs, você quer pegar unl nexo interno qlre lhe
peÍmita ver as coisas aristotelicamente, c náo só csiudando o que ele
materialmente dissc sobre isso ou sobre aquilo.
Esse hiato que coneça ê se ab r ncssâ época entre a voz do lilósolL)
como papel social e a do filósofo como um indivÍduo real vâi então
conlundir ês coisas dc maneira apocâ]íptica nos séculos seguintes, â
tal ponto que você já náo sabe mais quem esiá lãlando. qucm ó o aütor
do livro que você está lcndo, neff consegue ideniificar se aquilo está
sendo dito a sério ou é brincadeira. Quândo chega em Nielzsche. que
o sujeito já cscrcve qüe ele é o Antlcrisio- boln. interprete isto. Em quc
seniido você é o Ànticristo? Vocô mc dê um conceito lilosófico que me
permita identilicá lo con1o Anticristo. Isso é impossível. Entáo isso é a
mesma coisa que dizer: "Náo dá para sâber do que ele estava lãlando.
potque ele também nao sabiâ". Ele apenas, sob ccrto aspecto. lhe
parcccu o Anticristo. num ceÍto momenio. em c€fta situaçáo, eniáo, é
âuio expressáo subjetiva. É nessc momcnto que (...) interrompemos a
narratii.a da Escolásticâ, que vai entrar o tema da parularc, qrc süá
dominante da Filosofia Modcrna.
5 
^ti:11n!bt 
e t oúa petsp..h r: inblduúaà tcoindo\ Qurb. Dií,rsas
Rio de laa!i,r: l.pLooks. 1997
ÍAlrno: Com Satlto Tomás isso não acofiÍece?l
Àcontece tambén1. Quando Santo Tomás dizr "olha, eu p€rcebi
umas coisas aqui que, pcrto do que escrevi, iudo isso que escrevi é
palha", eu digo: "Mas, entáo, se esta é sua filosofia, esta que você náo
escÍeveu e que vamos passar o rcsio da vida tentando adivinhâr, esta
é â sua verdadeira fi]osofia. E tudo que você escreveu era apenas uma
preparaçáo para perceber algo quevem depois e que náo foi cscrito em
parte alguma". No cntânto, o pessoal esiá estudando toda a lilosoila
de Santo Tomás como se ela fosse o miolo da coisa, quando ele mesmo
disse que náo é.
Aiaparaiâxcnáo estánele, evidentemente, está emtodos os estudos
lAlrna: ( .. . ) N a íIosofia de He\el (. . .) .)
Eu acho que o iratamento que ele dá ao problemâ da individuali-
dade, que já abord€i aqui, é um outro sinioma de paralaxe, pois sobre
o indivíduo cuia única dilerença enr relaçao a outro losse quantitativa
ou rndleÍral equaieimpô*\(lvocr c\p ica- por quc urr vai Dara u
céu e outro vai para o inlêmo. Se a essênciâ é a lnesmâ em relaçáo â
outro indlvíduo, se a diferençâ fosse qlantiiâiivâ ou material, ó quase
impossívcl você explicar por que um vai para o céu e outro vai pârâ
o inferno. Se a essênciâ é a mesma, entáo isso é um problemáo. Mas,
noic bcm: cssc ncgócio da paralaxe, estou airás disso há muiros anos
e ainda náo consigo reconstiluir todos Lrs passos da coisa. Falta muiio,
isso aí é dilícil. O que percebo é um pedaço aqui, outro ali, outro âli, c
pcrccbo quc vai crescendo Eu não tenho a linha de continuidade. se é
que existe linha de continuidade. Eu não sel se existe.
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Por eremplo, vejo isso em Santo Albcrto Está na cara que ele tem
isto. Passa um tempo, se você pula de Santo Alberto para Maquiavel,
vê que oângulode sepâraqáo amplioumüito. Maquiaveljá escreve coisas
quevâo contra sua própria possibilidade de existência iísica Claro que
S.lnro AlbeÍlo nao lazia ir.o, enlao \ocê \e que a-nlenlou e aue rai
aumcntando. aumentando... Daqui a pouco, quândo chega no século
)ax, quando chegâ nesse negôcio do desconsítuciorismo, âi é pâralaxe
total, aí o sujeito não responde nem por uma linha do que escreveu.
(...) Ào mesmo tempo, dentro da litcratura de ficçáo, você vê a
filosofia se transÍornando em ficçáo. Quer dizer, ela vai criar certâs
estruturas que sáo meramente possíveis e que sâo sugestivas dentro da
sua estrutuÍa, mas que não tôm conexáo com â existência real daqücle
individüo. Por oulro lado, você verá a liieratura dc ficçáo retraiando
isso e. de certo modo, protestando contr:r isso. Na peçâ do Pirandello,
o Íalecida MaÍtia Pascal.6 quando o sujcilo percebe que sua carleira
de ide,lridadc e rn"ir re"l do que ele mc.nru .
ÍAlrra: Piandello sefiprc co t o ptobLema drt identidade.)
E desdc sempre Pirand€llo inteiro é isso aí. Em Hefitique 1V,7 o
cara, um nilionário, fica louco e cismâ que é Hcnrique IY e ele manda
toalos os seüs empregados se comportaÍem como se lossem da coÍte de
Henrique lV No começo, eles ficam meio constrangido§,mas acabâm
se convencendo de que sáo aquilo.
l\lúno: Parece que o aufiento da patala& é co-propott:ionaL ao
aume Ío do Snostícís to. O que é causa e o que é eÍeiLo aí?)
Tâmbém náo sei. Veja, se eu conseguir traçâr mais ou menos a linha
de continuidade, mesmo que náo seja contínua. quc seia uma série de
patamares que vão sendo percorridos. se eu conseguir isso iá eíou.,,,"ffi
ru'Âr I LNnF ur H?r,qr.,r s;L Pduro. Eiu\n qqo
4l
contentc. Terminando, podemos tentar até investigâr as causas. mas
acho que a identificaçâo e a descriçáo clos iênômenos t.á sáo prcblema
suficiente, pois fâzendo isso você contâ a Históriê da Filosofia alc uma
mâneira completamente diferente dâ i'ormâ como outros a e§tão contan
do, sobretudo se você articular a História dâ Filosofia com a História
da Literaiura de uma nlaneira que nâo foi articutada até hojc. Vejo qu€
toda a grande iiteratura, desde a metade do sócL oXIX paracá, é como
se tbssc urna críticâ da filosofia. Ela náo é umâ critica dâ sociedade em
geral, é crítica da culturamesmo e, portanto, dasuaexpressão máxima.
que ó a filosofia. Quando você pega Machado deAssis, _B/ãs Crrds.s o
que é aquilo? É um filósoÍo toialmcnte doido. O qre é O atietistas? O
alicnista é um filósofo, o Simào Bacamarte. O que sao Os demôfiios. de
DostoievsLirrr? São fi]ósolbst O que é o Raskotnitrovi,? É um filósofol
A funçáo da unificaçáo do conhecimento no núclco ala consciência
passa em grânde parte pela literatura. Existem estualos, por exemplo,
como um fan1oso doÁnatol Rosenfeld (um emigrado que veio para cál:
cscrevia em português, cm um português muito bom, que loi professor
da USP). sobre â liagmentâçâo dâ consciência na titeratura modernâ
Ele tem um estudo sobre isso. Na literatura isso l.oi discutido só faliâ
um elemenio. Mâs esta consciôncia que se fragmentou náo ó quêlquer
umâ, náo é a do cidadão conum, e nâo é também a do próprio escritor:
é a do filósofo.
Esscs persoüâgens sâo todos filósofos loucos. À literaiura vircu ê
paúdia da filosofiâ. Mesmo quc você náo tenha explicaçáo paía isio,
náo prccjsa ter expticação, pois, de certo modo, o fenômeno se auto-
explicâ: ele é isto porque é isto. Mas a sinples descriçáo já permite
contar â História da Filosofia por um lado que nunca ninguém contou,
e que me pârece o lado essencial, que é o processo essencial mesmo da
,).t, .:-, . \t"a..o.p,., ., rr., -nou.p...o
'!Àl{.H^D...A$6. O altrisra SâoFnulo Álica tqcr
Fi'do' D!.n y .çd?z!,/ús Sào pru o. E,l i4 200r
P",tô Ld ,l]1]l
I-listória da Filosofia nos últinos séculos. Pode ter müito que ver com
gnosticismo, claro. Náo é possível o suieito ser gnóstico e continuar
na realidêde, porque o gnóstico já odeia a realidade. Se você diz que
o mllndo é mau, que o mundo foi criado por uma divindade má para
scpará-lo da divindade espiritual, entáo o Universo inteiroestáem erro,
o Universo inteiro é um ho[or, daí você náo quer saber de rea]idade,
queÍ saber só da irrealidade. Muito pÍovavelmentc, uma coisa está
ligada à outra.
lAluno: ãsrcra Li\ada ificlusite naquele petíodo cont so grelo,
postetiar a AtisÍóLeLes, não é? Potque naquela lase, fiais ou menos,
Ídnbétn começam a sur\it as seitas EÍtóslicas e Íal.)
Sim, mas sáo seitâs, e o fato é que no mundo moderno gnosticismo
náo é seita, é a cultura dominante, e isso nunca aconteceu, nem na
Antiguidade. Aquilo que era disclllido por meia dúzia de loucos num
poráo de repente está aí aos olhos dc todos, entâo aí vale tudo. Leia
o meu artigo em O Gloúo.I2 que é sobre a Escola de Frankturt como
gnosticismo. Eles eram reâlmenÍe gnósticos, odiavam tudo. Tüdo pdiâ
eles eraumhorror exceto elesmesmos, eúdentemente. Er.r nuncaviuns
cams detestarem tanto os outros e gostarem tanto de si mesmos quanto
eles, é incrívell Sâo pessoas clrmpletamenie taradas.
ÍAlúno: Thk)ez a questào de naqüela épaca tet sido seitas, e hoie em
dia nào, seia potque, aquela época, as pessoas adiaaam a rcalidade,
mas cada um a seu moda, e hoje eles odeia ,-.1
Nao, declara\am i.lu (umu Lrenld re igio.d. e es5c\ cara. náo
declaram. Fica implícito. Você é que tem quc descobrir que eles sáo
gnósticos, eles náo dizcm. Entáovirou umâ seita secreta mesmo. Qüan-
tos ânos lcndo o pessoal dâ Escola de Frânklúrt âté de repente você,
dcpois de ler o (...), fala: "Mas esses aqui são totalmente gnósticosl '.
.13
r ' Celêbr. ndo Theodor Ado rno . O G/rór, Rn) de ia.eiru. êdiloiia OFinião,
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l,llcs chcgân a algumas coisas absundas. Por qxemplo, o Mâx Horkheimer
icm um momento em que diz que o comunisno soviético é o mal ab-
soluto. Acho que mais mal do que isso não dá parâ Íalar não é? É o
mal absoluto. Feito isso, ele esquece o comunismo soviético e começa
a descer o câcete na sociedade âmericana, e não fala mais nada sobre
o comunismo. Resultado: ele criou uma bateria de a*umentos para o
movimento comunisla usi[ contra a sociedade americânâ Esse não
rcsponde pelo que faz, náo é? Você diz que o negócio é o nlâl absoluto
e começa a aiudálol
Do ponto de vista gnóstico, tudo é unilormemente mau. Os caras
eram assim: erâ um bando de moleques judeus de família rica, todos
papêricados pelos pais, que davâm tudo para cles, e todos revoltados
contra o pai, a moral do mestrc que... Quando veio o nazismo na
Àlemanha, eles saem corre,do e váo pam os Estados Unidos, e não
conseguem enxergar diferença subslancial alguma entre a sociedade
alemá e a americana. Mas como? Achas que é a mesma coisa o süjeito te
trâncar dentro de uma câmara de gás ete botar na cátedra universitáriâ
com um bom salário? É quase a mesmâ coisa? Você está achândo táo
ruim uma coisâ quanto a oulra? Como ó que você explica isso? Isso é
gnosticismo. É tudo táo ruim, que o cara havia pensado: .,Talvez fosse
melhor eles me botarem nâ câmara de gás. Uma pcste como eu devia
estar lá mesmo, tâlvez fosse mais certo". É â total irresponsabilidade.
E, ao mesmo tempo. eram caras que liam muito, tinham muita cuitum
e estavan firmemente dispostos a ganhar dinheiro. Eram loucos por
dinheiro, todos eles, a comeaaÍ do Max Horkheimer. Uma dâs normas
do Instituto era: "Temos que manter um alto padráo devida. O Universo
é mau, é tudo uma porcaria, é só destruição, e âgora vamos cuidâr do
nosso padráo de vida aqui".
ÍAluna Co trudições, não é?l
É, eu náo entendo como essas pessoâs podem continuar sendo ad_
mirâdas. Aquilo aii para mim é um bando de loucos.
l{lljno ELes estáo Íesteiando al+üfia coisa agota, não é? (.-.))
o centenário do Theodor Adorno. É que as pessoas admiramporque
nâo entendem, pois percebem que tem um mistério atrás, mas nâo tem
mistério algum. o mistério é esse: os caras sáo gnósticos, eles têm hor-
ror de tudo; entáo, tendo horor de ludo, eles falam mal daquilo que
está na frente. Se o sujeito está na Alemânha, fala mal da Alemanha;
se está nos Esiados Unidos, fala mâl dos Estados Unidos; se íor para o
México, vai falâr mal doMéxico. Entáo é tudo ruim.'[ànto que a "teoria
crítica", a filosofia deles, que aparece num iivro chamado'Ieotia üítica,13
se recusa a falar qualquer coisa de positivo. Nâo existe positivo ali.
À teoÍia crítica consiste cm citicar, náo importa o quê.
ÍAlúna Ptuíe stat contra -. - l
Isio aÍ é a coisa mais irresponsável, mais comodista que tem no
mundol Você vai falar contÉ o mal, mas náo tem compromisso com o
bem, eniáo pode fâlaroque quiser Porexemplo, elesdiziamo seguinte:
que uma sociedade mais justâ nunca existirá e náo pode sequer sel
pensâda. Entáo, com base no que você vai condenar a presente socie_
dade? Se aqui tem injustiça, se mudar a sociedade a cota de injustiçâ
vai continuar a mesma? Eu acho que é a fâcilidade das facilidades:
iudo é ruim, tudo é uniformemente ruim. E, é evidente, eles sáo muito
penetrantes e malignos ao Ialar mal das coisâs; conseguem pegar os
defeitos e aumentar. É umavisáo paranóicamesmo. Entáo, para quem lê
mas náo pegou a chave doncgócio, digo: "Vira umvício". Mas o sujeito
corre para os Estados unidos e náo vÔ nenhuma diferenÇa?
r Mâx HoRGETMFR, Éoriu .r1rt : unla .LdnentaÇào. sea Paa].a:
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outra coisa

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