Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT Dor (Tutoria 04 – modulo 01) OBEJTIVO 01: DISCUTIR OS ASPECTOS FISIOPATOLOGICOS E CLINICA DA DOR NEOPLÁSICA DOR CAUSADA PELO TUMOR - CLÍNICA Infiltração óssea. A infiltração óssea tumoral é a causa mais comum de dor no câncer, podendo manifestar-se localmente ou à distância, pelo mecanismo de dor referida. As metástases ósseas mais comuns são as provenientes dos tumores de mama, próstata e pulmão. A dor óssea é comum nos pacientes com mieloma múltiplo. Ela ocorre por conta de estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral ou as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, compressão, tração ou laceração das estruturas nervosas, ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor mielopática. A dor óssea se manifesta com sensação de dolorimento constante, profundo, às vezes contínuo, e surge com os movimentos (dor incidental). Compressão ou infiltração de nervos periféricos. A infiltração ou compressão de troncos, plexos e/ou raízes nervosas pelo tumor, linfonodos e/ou fraturas ósseas metastáticas pode determinar dor aguda de forte intensidade, resultando em plexopatia, radiculopatia ou neuropatia, ou seja, dor na distribuição da estrutura nervosa acometida, com apresentação de dor em queimação, contínua, hiperestesia, disestesia e perda progressiva da sensibilidade. As neoplasias de cabeça e pescoço ou as lesões metastáticas para os linfonodos cervicais podem comprimir os plexos cervicais, ocasionando dor local lancinante com disestesia, irradiada para a região da nuca ou retroauricular, ombro ou mandíbula. O comprometimento do plexo braquial ocorre em 2,5 a 4,5% dos pacientes com tumores de mama, ápice de pulmão e linfomas (metátases axilares e supraclaviculares), ocasiona dor no ombro e braço no dermátomo das raízes nervosas de C8-T1; o diagnóstico diferencial deve ser feito entre plexopatia induzida pelo tumor ou plexopatia induzida pela radiação. A síndrome de Horner pode surgir quando houver invasão ou irradiação da cadeia simpática cervical, como no gânglio estrelado; a inervação simpática ascende do pescoço para a cabeça junto à carótida, ocorrendo o fenômeno de anidrose, enoftalmia, ptose palpebral e midríase no lado acometido. A plexopatia sacrolombar é comum em neoplasias de colo uterino e próstata, sarcoma da pelve e metástases de tumores distantes. Essa plexopatia produz dor caracterizada como sensação de peso, pressão e queimação, inicialmente na região sacral, região posterior da coxa e região perineal, associada ou não a alterações da função esfincteriana anal e vesical, e, posteriormente, na panturrilha e calcanhar. Nesses casos, estão envolvidos mecanismos de dor por nocicepção, gerado por persistente estímulo nocivo (lesivo) mecânico de alta intensidade pela expansão tumoral e mecanismos de desaferentação pela lesão dos nervos e membranas nervosas. Infiltração do neuroeixo (SNC). Pode ocorrer dor por invasão tumoral na medula espinal, no encéfalo e em suas meninges. A dor radicular surge por compressão ou infiltração da medula espinal, com alteração motora, sensitiva e autonômica distais ao local da lesão. Podemos observar, além da dor radicular, a primeira manifestação do comprometimento raquimedular, a dor mielopática localizada e a dor-fantasma. A compressão medular é uma urgência médica, necessitando de tratamento de radioterapia ou descompressão cirúrgica ao menor sinal de compressão da medula, como fraqueza de membros inferiores, diminuição do tato e disfunção de esfincteres; devendo ser diagnosticada por meio da identificação do local da compressão e invasão do canal raquidiano pela tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) ou perimielografia. A cefaléia insidiosa e progressiva surge como manifestação das metástases encefálicas. Se há hemorragia pela lesão causal, a dor instala-se subitamente, agravando-se com o decúbito horizontal, tosse ou espirro; piora durante o sono, melhora com a postura ortostática e vem acompanhada de náuseas e vômitos. Com o progredir da lesão encefálica, podem ocorrer sonolência, confusão mental, convulsões e coma. A carcinomatose das meninges manifesta-se em 3 a 8% dos pacientes com neoplasias, especialmente de mama, pulmão e melanomas, sob forma de cefaléia e comprometimento das funções dos nervos cranianos e espinais, em 50 a 75% das vezes. É diagnosticada pelo exame do líquido cerebrospinal, que evidencia hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia e/ou hipercitose, e também pela TC ou RM do encéfalo e do canal raquidiano. Tem prognóstico sombrio pela natureza agressiva do tumor e de suas metástases. Infiltração e oclusão de vasos sangüíneos e linfáticos. As células tumorais podem infiltrar e/ou ocluir os vasos sangüíneos e linfáticos, ocasionando vasoespasmo, linfangite e possível irritação nos nervos aferentes 2 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT perivasculares. O crescimento tumoral nas proximidades dos vasos sangüíneos leva à oclusão desses vasos parcial ou totalmente, produzindo estase venosa ou isquemia arterial, ou ambos. A isquemia causa dor e claudicação. A estase venosa produz edema nas estruturas supridas por esses vasos, determinando distensão dos compartimentos faciais e de outras estruturas nociceptivas. A oclusão arterial produz isquemia e hipoxia com destruição celular. Esses mecanismos causam dor normalmente difusa, cuja intensidade aumenta com a progressão do processo. Infiltração de vísceras ocas ou invasão de sistemas ductais de vísceras sólidas. A oclusão de órgãos dos sistemas digestório, urinário e reprodutivo (estômago, intestinos, vias biliares, ureteres, bexiga e útero) produz obstrução do esvaziamento visceral e determina contratura da musculatura lisa, espasmo muscular e isquemia, produzindo dor visceral difusa (tipo cólica) constante, com sensação de peso ou pobremente localizada, referida nas áreas de inervação da víscera comprometida. Órgãos como linfonodos, fígado, pâncreas e supra-renais podem vir a apresentar dor devido à isquemia ou distensão de suas cápsulas. Essas vísceras sólidas também podem apresentar quadro álgico por obstrução de seus sistemas ductais. Nos tumores de fígado, baço, rim e ósseos, o edema e a venocongestão ocasionam distensão das estruturas de revestimento e estruturas nociceptivas. Nos tumores de cabeça e pescoço (boca, orofaringe, lábio e face), tumores do trato gastrintestinal e geniturinário, podem ocorrer ulceração das membranas mucosas, infecção e necrose, e ulceração determinando dor intensa. TIPOS DE DOR As síndromes dolorosas podem ser agudas ou crônicas, nociceptivas, neuropáticas, psicogênicas e/ou mistas. A dor no câncer tem as características da dor crônica ou persistente, sendo decorrente de processo patológico crônico, podendo envolver estruturas somáticas ou viscerais, bem como estruturas nervosas periféricas e/ou centrais, isoladas ou em associações, cursando com dor contínua ou recorrente por meses ou anos. A natureza da dor nociceptiva somática é descrita como dolorosa, latejante, pulsátil ou opressiva. A dor visceral é do tipo cãibra ou cólica, aperto ou latejante. A intensidade da dor relaciona-se geralmente ao estágio da doença, podendo apresentar períodos de remissão com a terapêutica neoplásica e de piora com recidivas e progressão da doença. Pode cursar com episódios de dor aguda, resultantes de procedimentos diagnósticos, cirurgias paliativas, fraturas, obstruções viscerais ou arteriaise agudizações da doença. A dor pode ser um dos primeiros sinais da doença, não sendo necessário aguardar o diagnóstico definitivo, como, por exemplo, o resultado histopatológico de uma biópsia já realizada para dar início à terapia antálgica. Retardar o tratamento causa mais sofrimento ao paciente. A dor por excesso de nocicepção (nociceptiva) é a mais comum no câncer. É causada por estímulos aferentes de grande intensidade, nocivos ou lesivos, produzidos por processo inflamatório ou infiltração de tecidos pelo tumor, capazes de atingir o alto limiar de excitabilidade do nociceptor e gerar a dor. A dor nociceptiva ocorre como resultado da ativação e sensibilização dos nociceptores em tecidos cutâneos e profundos, localizados preferencialmente na pele, músculo, tecido conjuntivo, osso e víscera torácica ou abdominal. A dor é denominada neuropática se a avaliação sugerir que é mantida por processos somatossensoriais anormais no sistema nervoso periférico (SNP) ou central (SNC). Ela surge quando há disfunção do SNP e/ou do SNC, por invasão tumoral ou pelo tratamento do câncer (cirur- gia, radioterapia e/ou quimioterapia). A fisiopatologia da dor por desaferentação ainda não está completamente esclarecida. A dor neuropática é uma das duas principais manifestações dolorosas crônicas, não havendo, geralmente, nenhum dano tecidual. O que ocorre é uma disfunção das vias que transmitem dor, levando a uma transmissão crônica dos sinais dolorosos. A injúria neural, que produz dor neuropática, pode ser óbvia ou oculta, podendo ocorrer em qualquer nível das vias nociceptivas periféricas ou centrais. As propriedades funcionais dos nervos e das unidades centrais precisam ser mantidas íntegras, para que o processamento central da informação nociceptiva ocorra de modo adequado. Havendo qualquer modificação na função das terminações nervosas periféricas, das vias de condução ou do processamento central da informação nociceptiva (estimulação aferente), não chega a ser incomum que a dor espontânea ou gerada por estímulos não-nocivos venha a se manifestar. Como a dor por desaferentação não aparece em todos os pacientes com lesões similares, admite-se que haja fatores genéticos envolvidos em sua ocorrência. Um exemplo disso é a dor do membro-fantasma, que pode ocorrer após uma amputação. O diagnóstico da dor neuropática é baseado na descrição verbal de dor do paciente, no exame físico e na suspeita de lesão nervosa. A dor é descrita pelos pacientes como ardor, formigamento ou choque elétrico. A dor pode ser definida como psicogênica se houver evidência positiva de que os fatores psicológicos predominam na manutenção do sintoma sem nenhuma evidência de causa orgânica. 3 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT O evento conhecido como dor incidental, ou breakthrough pain, ocorre quando o controle da dor basal é alcançado, e, ainda assim, o paciente apresenta episódios de dor em picos, de início súbito e agudo. Pode ocorrer espontaneamente ou estar relacionado aos movimentos (pacientes com infiltração óssea), como também pode ocorrer em conseqüência de prescrição analgésica com doses e intervalos inadequados. Essa condição leva o paciente à apreensão e à descrença no tratamento. A intervenção terapêutica consiste na administração de doses de analgésicos de ação rápida, reavaliação do esquema regular, fornecimento de opióide de ação curta antes de atividades dolorosas, evitando falha da última dose. É necessário encontrar um equilíbrio entre a melhor dose analgésica e a presença de efeitos colaterais suportáveis. OBJETIVO 02: DEFINIR E CARACTERIZAR ANESTESIA GERAL, LOCORREGIONAL E BLOQUEIOS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ANESTESIA GERAL A anestesia geral no contexto da endarterectomia encontra- se bem descrita e documentada há já alguns anos. A grande vantagem desta técnica é o facto de a via aérea se encontrar assegurada durante todo o procedimento cirúrgico, com controlo da ventilação e da concentração de dióxido de carbono. A manutenção da anestesia pode ser feita com um agente anestésico volátil (sevoflurano) ou intravenoso (propofol) e com um opióide de ação curta como o remifentanil. Esta combinação permite um acesso rápido e precoce à função neurológica do doente, para além de diminuir, em teoria, o metabolismo cerebral do oxigénio, conferindo um grau teórico acrescido de neuroproteção, apesar de haver pouca evidência clínica destes benefícios. Uma das principais desvantagens da AG é a necessidade de recorrer a métodos indiretos para proceder à monitorização cerebral, como a medição de pressão de retorno, doppler transcraniano, electroencefalografia, potenciais evocados e INVOS. Para além dos elevados custos associados, todos estes métodos têm sensibilidades e especificidades relativamente baixas comparativamente à neuro-monitorização utilizada na AL com o doente acordado, para deteção de perfusão cerebral inadequada e enfarte intraoperatório. Os efeitos residuais da AG num pós-operatório precoce podem mascarar os sinais e sintomas de eventuais complicações neurológicas ocorridas durante a cirurgia. Isto faz com que o reconhecimento dum enfarte nestes doentes, apenas é obtido após a recuperação completa da anestesia. Sob esta técnica anestésica, o risco de hipotensão intraoperatória e hipertensão pós-operatória com necessidade de medicação vasoativa, é aumentado. A administração de volumes intravenosos em excesso faz com que haja necessidade de algaliar o doente. A dor causada pela distensão vesical ou pela irritação a nível do cateter urinário são causas de desconforto e de hipertensão no pós- operatório. Em doentes mais idosos, a AG encontra-se associada a maiores riscos cardiorrespiratórios. As complicações associadas à técnica de anestesia geral, desde complicações major da via aérea a complicações minor, incluindo cefaleia e irritação da orofaringe, estão também presentes. VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ANESTESIA LOCOREGIONAL A grande vantagem de realizar a CEA sob AL é a capacidade de aceder rapidamente à função cerebral do doente sem necessidade de utilização de aparelhos de monitorização auxiliares, bem como a capacidade de autorregulação da pressão arterial se encontrar relativamente preservada e haver uma menor necessidade de recorrer a agentes vasopressores. A monitorização contínua é realizada pelo cirurgião e pelo anestesista uma vez que o doente se encontra acordado e cooperante durante a cirurgia. Esta avaliação pode ser oral através de perguntas, avaliando a capacidade de resposta e, ou, pela capacidade de compreender e executar uma ordem, por exemplo, através da movimentação dos membros superiores e ou inferiores. Qualquer alteração do estado de consciência, do discurso ou da motricidade após clampagem, funcionam como sinais precoces de perfusão cerebral inadequada. Isto permite ao cirurgião selecionar a utilização de shunts de modo mais apropriado e menos frequente com menores complicações hemodinâmicas. Segundo o aludido estudo GALA, a diferença na utilização de shunts é bastante significativa: 14% vs. 43% respetivamente com AL e AG. Não obstante o shunt proteger o cérebro de eventuais episódios isquémicos, contribui, por outro lado, para o embolismo cerebral e ao lesar a parede arterial, promove a trombose carotídea ou a disseção da carótida no pós-operatório. A AL permite evitar as complicações típicas da entubação visíveis na anestesia geral tais como irritação da orofaringe, náuseas, vómitos; por sua vez o recobro operatório mais fácil resulta numa alta mais precoce, reduzindo custos hospitalares. De fato, a AL mostrou ser uma opção com melhor relação custo-eficácia por exigir menos cuidados intensivos,menor período de internamento e consequentemente diminuição de custos quando comparada com a CAE em contexto de AG. 4 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT Os inconvenientes da AL relacionam-se com as próprias desvantagens inerentes ao bloqueio utilizado e ao possível desconforto do doente: claustrofobia, sobre- aquecimento, globo vesical, que causam agitação e inquietude. A anestesia pode ser feita utilizando um bloqueio superficial e/ou profundo do plexo cervical, visando a supressão dos ramos sensitivos entre os dermátomos de C2- C5 e de alguns pares cranianos como o ramo submandibular do nervo facial, as terminações da bainha da carótida do vago e o glossofaríngeo, frenando as sensações ao nível do pescoço. Mesmo bloqueios competentemente realizados, com as diferentes técnicas, podem associar-se a dor uma vez que os nervos hipoglosso, vago e facial também conduzem informação álgica e não são bloqueados por nenhuma técnica convencional, sendo necessária a complementação local pelo cirurgião com anestésico local. Para além da grande quantidade de anestésico local necessária, deve ser tido em conta o eventual risco de injeção inadvertida de anestésico intravascular durante as infiltrações17. O bloqueio cervical profundo parecia ser a melhor alternativa pela complexidade da inervação sensitiva da região do pescoço. O bloqueio pode ser efetuado com três injeções em C2,C3 e C4 ou injeções únicas em C4. No entanto, podem advir complicações sérias como bloqueio espinhal total, convulsão por injeção vertebral inadvertida e paraplegia, injeção intravascular, subaracnoideia ou epidural, com hematoma local, paralisia do nervo frénico ipsilateral, parésia transitória do nervo laríngeo recorrente, síndrome de Horner e bloqueio do gânglio estrelado. As complicações associadas ao bloqueio superficial são raras, mas podem ocorrer potenciais danos em nervos superficiais, hematoma local além da injeção intravascular do anestésico. Estudos clínicos demonstraram que o bloqueio cervical superficial é semelhante na analgesia, na satisfação do doente e no resultado clínico ao bloqueio cervical profundo e à combinação deste na anestesia para endarterecomia carotídea, constituído, portanto, uma alternativa mais segura neste tipo de intervenções, no entanto, requerendo sempre uma equipa anestésica qualificada e experiente nesta prática . Neste contexto anestésico, o doente tem de ser cooperante, capaz de permanecer deitado e imóvel durante a intervenção. A administração de midazolam ou de baixas doses de propofol, como agentes sedativos, pode mostrar- se útil, atentando sempre no eventual risco da sedação excessiva OBJETIVO 03: RECONHECER A ESCALA ANALGÉSICA DE DOR DA OMS Existem cada vez mais evidências de que o controle dos sintomas relacionados ao câncer contribui para melhora da sobrevida, destacando-se o controle da dor, com impacto direto na qualidade de vida. O controle efetivo da dor requer não apenas a utilização de analgésicos, mas também a atuação de equipe multidisciplinar para alívio de vários sintomas associados. Decisões clinicas apropriadas requerem avaliação abrangente do quadro doloroso: localização, intensidade, frequência, características distintivas, fatores de piora e de alívio, experiências vividas como conseqüência da dor, tratamento atualmente utilizado e resposta a tratamentos anteriores. É importante avaliar a dor além da intensidade e entendê-la dentro de um determinado contexto. A utilização de ferramentas estruturadas de avaliação (p. ex.: Breve Inventário de Dor, Questionário DN4) ajudam a compreender o impacto e o sofrimento desencadeados pela dor e, consequentemente, a elaboração do plano terapêutico. Uma vez definida a fisiopatologia subjacente, tratamento específico deve ser iniciado. Não é raro que pacientes oncológicos apresentem quadros de dor mista, em que estão presentes tanto o componente nociceptivo quanto o neuropático. Em situações de dor nociceptiva são utilizados agentes anti-inflamatórios não esteroidais [AINEs] (p. ex.: diclofenaco, ibuprofeno, naproxeno), adjuvantes (p. ex.: anticonvulsivantes, antidepressivos, anestésicos tópicos) associados a opioides fracos (p. ex.: codeína, tramadol) ou fortes (p. ex.: buprenorfina, hidromorfona, metadona, morfina, oxicodona), de acordo com a escada analgésica recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para situações de dor neuropática, os anticonvulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos têm papel fundamental e são comumente utilizados. Os opioides também devem ser usados para tratamento de dor neuropática; sendo, portanto, considerados analgésicos de “amplo espectro”. Analgésicos adjuvantes devem ser utilizados (p. ex.: anticonvulsivantes, antidepressivos, ansiolíticos, AINEs) para proporcionar melhor alívio da dor, graças a seus diferentes mecanismos de ação. Se a dor for controlada de maneira satisfatória, deve-se reavaliar periodicamente o paciente e ajustar as medicações de acordo com o quadro álgico; caso o controle da dor não seja satisfatório, deve-se reavaliá-lo a cada 30 minutos, seguir os protocolos de titulação de dose de opioides e considerar a hospitalização quando justificável. Para pacientes com dor intermitente, os opioides de ação breve podem ser suficientes. Entretanto, para aqueles com dor contínua ou com combinação de dor contínua e piora intermitente há indicação de iniciar com opioides de ação prolongada. Os opioides de ação prolongada, como a oxicodona ou a morfina, ambas de liberação lenta, têm início de ação em cerca de 1 hora, atingem efeito máximo em 3-4 horas, com duração de 8-12 horas. Para a escolha apropriada da dose dos opioides de ação prolongada, algumas etapas devem ser seguidas. Primeiro, 5 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT determinar a dose total diária do opioide de ação curta necessária para analgesia adequada. Segundo, escolher a forma de preparação para a ação prolongada. Finalmente, converter a dose do opioide de ação curta para a dose correspondente da preparação de ação prolongada. Comumente utiliza-se morfina ou oxicodona em preparação de ação curta, já que ambas possuem apresentação com ação prolongada de baixo custo e bem tolerada. Ao utilizar morfina ou oxicodona, a dose total diária do opioide de ação curta pode ser diretamente convertida para a preparação de ação prolongada. Por exemplo, um paciente requerendo 5 mg de oxicodona a cada 3 horas consome um total de 40 mg do medicamento em 24 horas. Esse paciente pode iniciar com 20 mg de oxicodona de ação prolongada a cada 12 horas. Alternativamente, se o paciente necessitar de outro opioide de ação prolongada, é possível determinar a dose correta usando tabelas de equivalência analgésica. Ao trocar o opioide do paciente, é importante considerar a possibilidade de tolerância cruzada incompleta e reduzir a dose do novo opioide em 25 a 50%. OBJETIVO 04: DESCREVER A AÇÃO FARMACOLOGICA DOS PRINCIPAIS OPIOIDES E SUAS INDICAÇÕES MECANISMO DE AÇÃO Os agonistas opioides produzem analgesia por meio de sua ligação a receptores específicos acoplados à proteína G, que se localizam no cérebro e em regiões da medula espinal envolvidas na transmissão e na modulação da dor. Alguns efeitos são mediados por receptores opioides presentes nas terminações nervosas sensitivas periféricas. TIPOS DE RECEPTORES Conforme assinalado anteriormente, foram identificadas três classes principais de receptores de opioides (m, d e k) em vários locais do sistema nervoso e em outros tecidos. Cada um dos três principais receptores já foi clonado. Todos são membros da família de receptores acoplados à proteína G e apresentam homologias significativas na sequência de aminoácidos. Foi proposta a existência de múltiplos subtipos de receptores combase em critérios farmacológicos, incluindo m1, m2; d1, d2; e k1, k2 e k3. Entretanto, foram isolados genes que codificam apenas um subtipo de cada uma das famílias de receptores m, d e k, os quais foram caracterizados. Uma explicação plausível é a de que os subtipos dos receptores m surgem a partir de variantes de um gene comum por splice alternado. Essa ideia foi sustentada pela identificação de variantes de receptores por splice em camundongos e seres humanos, e um relato recente apontou para a associação seletiva de uma variante por splice de receptor opioide m (MOR1D), com indução de prurido, em lugar de supressão da dor. Tendo em vista que um opioide pode atuar com diferentes potências como agonista, agonista parcial ou antagonista em mais de uma classe ou subtipo de receptores, não surpreende que esses agentes exerçam efeitos farmacológicos diversos. AÇÕES CELULARES Em nível molecular, os receptores de opioides formam uma família de proteínas que fisicamente se acoplam às proteínas G e, por meio dessa interação, afetam a regulação de canais iônicos, modulam o processamento intracelular do Ca2+ e alteram a fosforilação das proteínas. Os opioides exercem duas ações diretas bem estabelecidas acopladas à proteína Gi/0: (1) fecham os canais de Ca2+ regulados por voltagem nos terminais nervosos pré- sinápticos e, portanto, reduzem a liberação de transmissores, e (2) abrem os canais de K+ e hiperpolarizam e, portanto, inibem os neurônios pós- sinápticos. A ação pré-sináptica – depressão da liberação de transmissores – foi demonstrada para a liberação de um grande número de neurotransmissores, inclusive o glutamato, o principal aminoácido excitatório liberado dos terminais nervosos nociceptivos, bem como a acetilcolina, norepinefrina, serotonina e substância P. RELAÇÃO DOS EFEITOS FISIOLÓGICOS COM O TIPO DE RECEPTOR Os analgésicos opioides atualmente disponíveis atuam, em sua maioria, principalmente nos receptores de opioides m. Tanto a analgesia como as propriedades euforizantes, depressoras respiratórias e de dependência física da morfina resultam principalmente de suas ações nos receptores m. Com efeito, o receptor m foi originalmente definido ao utilizar as potências relativas de uma série de alcaloides opioides para analgesia clínica. Todavia, os efeitos analgésicos dos opioides são complexos e incluem uma interação com os receptores d e k. Essa interação é sustentada, em parte, pelo estudo de nocautes (knockouts) genéticos dos genes m, d, e k em camundongos. O 6 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT desenvolvimento de agonistas seletivos dos receptores m poderia ser clinicamente útil, se o perfil de seus efeitos colaterais (depressão respiratória, risco de dependência) fosse mais favorável do que aquele observado com os agonistas atuais dos receptores m, como a morfina. Apesar de a morfina atuar efetivamente em sítios dos receptores k e d, não se sabe ao certo até que ponto isso contribui para a ação analgésica do fármaco. Os peptídeos opioides endógenos diferem da maioria dos alcaloides na sua afinidade pelos receptores d e k. Em um esforço de desenvolver analgésicos opioides com incidência reduzida de depressão respiratória ou propensão à adição e dependência, foram produzidos compostos que demonstram preferência pelos receptores opioides k. O butorfanol e a nalbufina demonstraram algum sucesso clínico como analgésicos; todavia, podem causar reações disfóricas e apresentam potência limitada. É interessante assinalar que o butorfanol também demonstrou uma analgesia significativamente melhor nas mulheres do que nos homens. Com efeito, foi amplamente relatada a ocorrência de diferenças baseadas no sexo na analgesia mediada pela ativação dos receptores m e d. DISTRIBUIÇÃO DOS RECEPTORES E MECANISMOS NEURAIS DA ANALGESIA Os sítios de ligação dos receptores de opioides foram localizados por técnicas autorradiográficas com radioligantes de alta afinidade e com anticorpos dirigidos contra sequências peptídicas singulares em cada subtipo de receptor. Todos os três receptores principais são encontrados em altas concentrações no corno dorsal da medula espinal. Existem receptores tanto em neurônios de transmissão da dor na medula espinal como nos aferentes primários que transmitem a mensagem da dor para ele. Embora inibam diretamente os neurônios de transmissão de dor no corno dorsal, os agonistas opioides também inibem a liberação de transmissores excitatórios dos aferentes primários. Embora haja relatos de que a heterodimerização dos receptores de opioides m e d contribui para a eficácia agonista m (p. ex., inibição da atividade dos canais de cálcio pré-sinápticos regulados por vo tagem), um estudo recente, utilizando um camundongo transgênico que expressa uma proteína de fusão, a proteína fluorescente verde intensificada pelo receptor d (eGFP), demonstrou pouca sobreposição entre os receptores m e d nos neurônios ganglionares da raiz dorsal. É importante assinalar que o receptor m está associado a TRPV1 e nociceptores que expressam peptídeos (substância P), ao passo que a expressão dos receptores d predomina na população não peptidérgica de nociceptores, incluindo muitos aferentes primários com axônios mielinizados. Isso é compatível com a ação de ligantes intratecais seletivos em relação a receptores m e d, que bloqueiam o processamento da dor pelo calor versus mecânica, respectivamente. Há pouco tempo, foi descrita uma associação do receptor d, mas não do receptor m, com os aferentes mecanorreceptivos de grande diâmetro. Ainda não foi estabelecido até que ponto a expressão diferencial dos receptores m e d dos gânglios da raiz dorsal constitui uma característica dos neurônios em todo o SNC. A propriedade dos opioides de exercer um poderoso efeito analgésico diretamente na medula espinal foi explorada do ponto de vista clínico por meio da aplicação direta de agonistas opioides à medula espinal. Essa ação espinal proporciona um efeito analgésico regional, ao mesmo tempo em que reduz a depressão respiratória, as náuseas, os vômitos e a sedação indesejáveis que podem ocorrer em consequência das ações supraespinais dos opioides administrados por via sistêmica. Na maioria das circunstâncias, os opioides são administrados sistemicamente e, desse modo, atuam ao mesmo tempo em múltiplos locais. Esses locais incluem não apenas as vias ascendentes de transmissão da dor, iniciando nos terminais sensitivos periféricos especializados que transduzem estímulos dolorosos, como também vias descendentes (moduladoras). Nesses locais, bem como em outras regiões, os opioides inibem diretamente os neurônios; contudo, essa ação resulta na ativação dos neurônios inibitórios descendentes, que enviam processos para a medula espinal e inibem os neurônios de transmissão da dor. Foi constatado que essa ativação resulta da inibição de neurônios inibitórios em vários locais. Em seu conjunto, as interações nesses locais aumentam o efeito analgésico global dos agonistas opioides. Quando administrados sistemicamente para alívio da dor, os opioides presumivelmente atuam sobre circuitos neuronais que são normalmente regulados por peptídeos opioides endógenos, e parte da ação de alívio da dor dos opioides exógenos pode envolver a liberação de peptídeos opioides endógenos. Por exemplo, um agonista opioide exógeno (p. ex., morfina) pode atuar principalmente, e de modo direto, no receptor m, porém essa ação pode induzir a liberação de opioides endógenos, que também atuam nos receptores d ek. Por conseguinte, até mesmo um ligante seletivo de receptor pode desencadear uma complexa sequência de eventos, envolvendo múltiplas sinapses, transmissores e tipos de receptores. Estudos em animais e estudos clínicos em seres humanos demonstraram que os opioides endógenos e exógenos também produzem analgesia mediada por opioides em locais fora do SNC. A dor associada à inflamação parece 7 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT particularmente sensível a essas ações opioides periféricas. Essa hipótese é sustentada pela presença de receptores m funcionais nos terminais periféricos de neurônios sensitivos. Além disso, a ativação dos receptores m periféricos resulta em diminuição da atividade dos neurônios sensitivos e liberação de transmissor. A liberação endógena de β- endorfina produzida por células imunes dentro do tecido inflamado ou lesionado representa uma fonte de ativação periférica fisiológica dos receptores m. A administração intra-articular de opioides, como após cirurgia artroscópica do joelho, demonstrou ter benefício clínico por um período de até 24 horas. Por esse motivo, os opioides seletivos para determinado local periférico de ação podem ser adjuvantes úteis no tratamento da dor inflamatória. Esses compostos poderiam ter o benefício adicional de reduzir os efeitos indesejáveis, como constipação intestinal. TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA Com a administração frequente e repetida de doses terapêuticas de morfina ou seus substitutos, observa-se uma perda gradual da eficiência; essa perda de eficiência é denominada tolerância. Para reproduzir a resposta original, é necessária a administração de uma dose mais alta. Juntamente com a tolerância, ocorre desenvolvimento de dependência física. A dependência física é definida por uma síndrome de abstinência característica quando o fármaco é interrompido, ou quando se administra um antagonista. O mecanismo de desenvolvimento da tolerância e da dependência física não está bem elucidado, porém a ativação persistente dos receptores m, como a que ocorre com o tratamento da dor crônica intensa, parece desempenhar uma função primária na sua indução e manutenção. Os conceitos atuais afastaram-se da ideia de a tolerância ser impulsionada por uma simples suprarregulação do sistema de monofosfato de adenosina cíclico (AMPc). Embora esteja associado à tolerância, esse processo não é suficiente para explicá-la. Uma segunda hipótese para o desenvolvimento de tolerância e dependência aos opioides baseia-se no conceito de reciclagem do receptor. Normalmente, a ativação dos receptores m por ligantes endógenos resulta em endocitose, seguida de ressensibilização e reciclagem do receptor para a membrana plasmática. Entretanto, com o uso de camundongos geneticamente modificados. Para sustentar essa ideia, a metadona, umas pesquisas mostram que a incapacidade da morfina de induzir a endocitose do receptor opioide m constitui um importante componente da tolerância e da dependência agonista dos receptores m usado para o tratamento da tolerância e dependência de opioides, induz a endocitose dos receptores. Isso sugere que a manutenção da sensibilidade normal dos receptores m exige uma reativação por endocitose e reciclagem. O conceito de desacoplamento do receptor também adquiriu uma posição de destaque. De acordo com essa hipótese, a tolerância resulta de uma disfunção das interações estruturais entre o receptor m e as proteínas G, os sistemas de segundos mensageiros e seus canais iônicos- alvo. O desacoplamento e o reacoplamento da função do receptor m estão provavelmente ligados à reciclagem do receptor. Além disso, foi constatado que o complexo de canais iônicos receptor NMDA desempenha uma importante função no desenvolvimento e na manutenção da tolerância. De acordo com essa hipótese, os antagonistas dos receptores NMDA, como a cetamina, podem bloquear o desenvolvimento de tolerância. Embora não se tenha ainda definido com clareza um papel na endocitose, o desenvolvimento de novos antagonistas do receptor NMDA ou de outras estratégias para reacoplar os receptores m a seus canais iônicos-alvo proporciona a esperança de se obter um meio clinicamente efetivo para se impedir ou reverter a tolerância aos analgésicos opioides. HIPERALGESIA INDUZIDA POR OPIOIDES Além do desenvolvimento de tolerância, a administração persistente de analgésicos opioides pode aumentar a sensação de dor, levando a um estado de hiperalgesia. Esse fenômeno pode ser produzido com vários analgésicos opioides, incluindo morfina, fentanila e remifentanila. A dinorfina espinal e a ativação dos receptores de bradicinina e NMDA emergiram como importantes candidatos na mediação da hiperalgesia induzida por opioides. Essa é mais uma razão pela qual o uso de opioides para a dor crônica é controverso. EFEITOS DA MORFINA E SEUS SUBSTITUTOS SOBRE OS SISTEMAS ORGÂNICOS As ações descritas adiante para a morfina, o protótipo dos agonistas opioides, também são observadas com outros agonistas opioides, agonistas parciais e aqueles com efeitos mistos nos receptores. As características dos membros específicos desses grupos são discutidas adiante. a. Analgesia – A dor consiste em componentes sensitivos e afetivos (emocionais). Os analgésicos opioides são singulares em virtude de sua capacidade de reduzir ambos os aspectos da experiência da dor. Por outro lado, os analgésicos anti- inflamatórios não esteroide (AINEs), como o ibuprofeno, não têm nenhum efeito significativo sobre os aspectos emocionais da dor. b. Euforia – Tipicamente, os pacientes ou os usuários de drogas intravenosas que recebem morfina intravenosa têm uma sensação flutuante agradável, com redução da ansiedade e do desconforto. Entretanto, pode ocorrer 8 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT também disforia, um estado desagradável, caracterizado por inquietação e mal-estar. c. Sedação – A sonolência e o embotamento da atividade mental constituem efeitos comuns dos opioides. Ocorre pouca ou nenhuma amnésia. Os opioides causam sonolência mais frequentemente no indivíduo idoso do que nas pessoas jovens e sadias. Normalmente, o paciente é despertado com facilidade. Entretanto, a associação da morfina com outros depressores centrais, como fármacos sedativo-hipnóticos, pode resultar em sono muito profundo. É mais frequente a sedação acentuada com o uso de compostos estreitamente relacionados com os derivados fenantrênicos e, com menos frequência, com agentes sintéticos, como a petidina e a fentanila. Em doses-padrão, a morfina (um fenantreno) altera os padrões normais do sono com movimentos oculares rápidos (REM) e não REM. Esse efeito de ruptura é provavelmente característico de todos os opioides. d. Depressão respiratória – Todos os analgésicos opioides podem produzir depressão respiratória significativa ao inibirem os mecanismos respiratórios do tronco encefálico. A Pco alveolar opioides altamente lipossolúveis (p. ex., fentanila, sufentanila, alfentanila, remifentanila) por via intravenosa. A rigidez de tronco pode ser superada pela administração de um antagonista opioide que, naturalmente, irá antagonizar também a ação analgésica do opioide. A prevenção da rigidez de tronco com preservação da analgesia requer o uso concomitante de agentes bloqueadores neuromusculares. e. Supressão da tosse – A supressão do reflexo da tosse constitui uma ação bem conhecida dos opioides. A codeína, em particular, tem sido utilizada com proveito em indivíduos acometidos de tosse patológica. Todavia, a supressãoda tosse pelos opioides pode propiciar o acúmulo de secreções e, assim, resultar em obstrução das vias respiratórias e atelectasia. f. Miose – Observa-se a ocorrência de constrição das pupilas com praticamente todos os agonistas opioides. A miose é uma ação farmacológica à qual ocorre pouca ou nenhuma tolerância, mesmo em adictos altamente tolerantes; por conseguinte, a sua presença é valiosa no diagnóstico de superdosagem de opioides. Essa ação, que pode ser bloqueada por antagonistas dos opioides, é mediada por vias parassimpáticas, as quais, por sua vez, podem ser bloqueadas por atropina. g. Rigidez do tronco – Vários opioides podem intensificar o tônus nos grandes músculos do tronco. A princípio, acreditou-se que a rigidez de tronco envolvida uma ação desses fármacos na medula espinal, porém é mais provável uma ação supraespinal. A rigidez de tronco diminui a complacência torácica e, portanto, interfere na ventilação. O efeito torna-se mais aparente quando são administradas com rapidez grandes doses dos opioides altamente lipossolúveis (p. ex., fentanila, sufentanila, alfentanila, remifentanila) por via intravenosa. A rigidez de tronco pode ser superada pela administração de um antagonista opioide que, naturalmente, irá antagonizar também a ação analgésica do opioide. A prevenção da rigidez de tronco com preservação da analgesia requer o uso concomitante de agentes bloqueadores neuromusculares. h. Náuseas e vômitos – Os analgésicos opioides podem ativar a zona de gatilho quimiorreceptora, produzindo náuseas e vômitos. Como a deambulação parece aumentar a incidência de náuseas e vômitos, pode haver também um componente vestibular nesse efeito. i. Temperatura – A regulação homeostática da temperatura corporal é mediada, em parte, pela ação de peptídeos opioides endógenos no cérebro. Por exemplo, a administração de agonistas dos receptores de opioides m, como a morfina, no hipotálamo anterior provoca hipertermia, ao passo que a administração de agonistas k induz hipotermia. j. Arquitetura do sono – Embora o mecanismo pelo qual os opioides interagem com o ritmo circadiano ainda não esteja bem esclarecido, esses fármacos podem diminuir a porcentagem de sono dos estágios 3 e 4, podendo resultar em fadiga e outros distúrbios do sono, incluindo respiração desordenada do sono e apneia central do sono. INDICAÇÕES CLÍNICAS ANALGESIA A dor constante e intensa é normalmente aliviada com analgésicos opioides dotados de alta atividade intrínseca, enquanto a dor aguda e intermitente não parece tão efetivamente controlada. A dor associada ao câncer e a outras doenças terminais precisa ser tratada de modo agressivo e, com frequência, exige uma abordagem multidisciplinar para o seu tratamento efetivo. Essas condições podem exigir o uso contínuo de potentes analgésicos opioides associados a certo grau de tolerância e dependência. Entretanto, isso não deve ser considerado como uma barreira a proporcionar ao paciente a melhor assistência e qualidade de vida possíveis. A World Health Organization Ladder foi criada em 1986 para promover o reconhecimento do tratamento ideal da dor para indivíduos com câncer e ajudou a melhorar o alívio da dor de pacientes com câncer no mundo inteiro. Pesquisas envolvendo cuidados paliativos demonstraram que a administração de medicação opioide a intervalos fixos (i.e., em uma dose regular em horários específicos) é mais efetiva no alívio da dor do que a sua administração quando solicitada. Hoje, há 9 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT novas formulações de opioides, que possibilitam a liberação mais lenta do fármaco, por exemplo, formas de liberação retardada de morfina e oxicodona. Sua suposta vantagem consiste na obtenção de um nível de analgesia mais prolongado e mais estável. Entretanto, há poucas evidências que sustentam o uso de longo prazo (mais de 6 meses) de opioides de liberação retardada para o controle da dor crônica no paciente sem câncer. Se houver distúrbios da função gastrintestinal impedindo o uso de morfina de liberação retardada por via oral, pode-se utilizar o sistema transdérmico de fentanila (adesivo de fentalina) por longos períodos de tempo. Além disso, a fentanila transmucosa bucal pode ser utilizada para episódios curtos de dor inesperada (ver “Vias alternativas de administração”, adiante). A administração de opioides potentes por insuflação nasal também é eficaz, e atualmente existem preparações nasais disponíveis em alguns países. A aprovação dessas formulações está aumentando nos Estado Unidos. Além disso, fármacos estimulantes, como as anfetaminas, podem intensificar as ações analgésicas dos opioides e, portanto, podem constituir adjuvantes de grande utilidade para os pacientes com dor crônica. Os analgésicos opioides são frequentemente utilizados durante o trabalho de parto obstétrico. Como os opioides atravessam a barreira placentária e alcançam o feto, é preciso ter cuidado para minimizar a depressão neonatal. Caso ocorra, a depressão é revertida com injeção imediata do antagonista naloxona. Os agentes fenilpiperidínicos (p. ex., petidina) parecem produzir menos depressão, sobretudo depressão respiratória, do que a morfina no recém-nascido, e isso pode justificar o seu uso na prática obstétrica. A dor aguda e intensa da cólica renal e biliar com frequência exige um poderoso agonista opioide para alívio adequado. Entretanto, o aumento do tônus do músculo liso induzido pelo fármaco pode causar um aumento paradoxal da dor, em consequência do espasmo aumentado. Em geral, o aumento da dose de opioide consegue proporcionar uma analgesia adequada. EDEMA PULMONAR AGUDO É notável o alívio produzido pela morfina intravenosa em pacientes com dispneia devido ao edema pulmonar associado à insuficiência cardíaca ventricular esquerda. Os mecanismos propostos incluem redução da ansiedade (percepção da dispneia) e diminuição da précarga cardíaca (redução do tônus venoso) e da pós-carga (diminuição da resistência periférica). Entretanto, se a depressão respiratória for um problema, a furosemida pode ser preferida no tratamento do edema pulmonar. Por outro lado, a morfina pode ser particularmente útil no tratamento da isquemia miocárdica dolorosa com edema pulmonar. TOSSE Pode-se obter uma supressão da tosse com doses mais baixas do que aquelas necessárias para a produção de analgesia. Entretan- to, nos últimos anos, o uso de analgésicos opioides para alívio da tosse diminuiu, em grande parte devido à disponibilidade de vários compostos sintéticos efetivos que não são analgésicos nem causam adição. Esses agentes são discutidos adiante. DIARREIA A diarreia de quase todas as causas pode ser controlada com analgésicos opioides; entretanto, se a diarreia estiver associada à infecção, esses fármacos não devem substituir a quimioterapia apropriada. No passado, eram utilizadas preparações de ópio não purificado (p. ex., elixir paregórico) para controle da diar- reia. Todavia, hoje são usados substitutos sintéticos com efeitos gastrintestinais mais seletivos e com poucos efeitos no SNC ou nenhum efeito, como difenoxalato ou loperamida. Há várias preparações específicas para este propósito CALAFRIOS Embora todos os agonistas opioides tenham alguma propensão a reduzir os calafrios, foi relatado que a petidina apresenta propriedades mais pronunciadas contra os calafrios. A petidina aparentemente bloqueia os calafrios principalmente pela ação nos subtipos de receptores α2- adrenérgicos. APLICAÇÕES NA ANESTESIA Os opioidessão com frequência usados como pré- medicação antes da anestesia e cirurgia, em virtude de suas propriedades sedativas, ansiolíticas e analgésicas. São também utilizados no período intraoperatório como adjuvantes de outros anestésicos e, em altas doses (p. ex., 0,02 a 0,075 mg/kg de fentanila), como principal componente do esquema anestésico (ver Capítulo 25). Os opioides são mais usados em cirurgia cardiovascular e em outros tipos de cirurgia de alto risco em que a meta princi- pal consiste em minimizar a depressão cardiovascular. Nessas situações, deve-se proporcionar uma assistência respiratória mecânica. Em virtude de sua ação direta sobre os neurônios do corno dorsal superficial da medula espinal, os opioides também podem ser usados como analgésicos regionais, administrados nos espaços epidural e subaracnóideo da coluna vertebral. Diversos estudos demonstraram que é 10 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT possível obter uma analgesia prolongada com efeitos colaterais mínimos através da administração epidural de 3 a 5 mg de morfina, seguida de infusão lenta por um cateter colocado no espaço epidural. A princípio, acreditava-se que a aplicação epidural de opioides produziria analgesia seletiva, sem comprometimento das funções motoras, autônomas ou sensitivas, além da dor. Entretanto, pode ocorrer depressão respiratória após a injeção do fármaco no espaço epidural, o que exigiria reversão com naloxona. Outros efeitos, como prurido, náuseas e vômitos, são comuns após a administração epidural e subaracnóidea de opioides; esses efeitos também são revertidos com naloxona, se necessário. Hoje, prefere-se a via epidural à administração subaracnóidea, visto que os efeitos colaterais são menos comuns, e estudos de resultados mostraram uma redução significativa da mortalidade e morbidade perioperatórias com o uso da analgesia epidural torácica. O uso de baixas doses de anestésicos locais em associação com fentanila infundida por cateter epidural torácico tornou-se um método aceito de controle da dor em pacientes que estão se recuperando de cirurgias torácica e abdominal superior de grande porte. Em casos raros, os especialistas no tratamento da dor crônica podem decidir implantar cirurgicamente uma bomba de infusão programável ligada a um cateter espinal para infusão contínua de opioides ou outros analgésicos. OBJETIVO 05: DISCUTIR TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA DOS ANALGÉSICOS OPIOIDES TOLERÂNCIA AOS OPIO IDES É o fenômeno pelo qual doses repetidas de opioides apresentam uma diminuição do efeito analgésico. Clinicamente, tem sido descrita como uma necessidade de doses crescentes de opioides para obter a analgesia observada no início da administração de opioides. Embora o desenvolvimento de tolerância já comece com a primeira dose de um opioide, ela pode só se tornar clinicamente manifesta depois de 2 a 3 semanas de exposição frequente a doses terapêuticas habituais. Entretanto, foi constatado que o uso de analgésicos opioides ultrapotentes, como a remifentanila, em cuidados críticos e no perioperatório, provoca tolerância aos opioides dentro de poucas horas. A tolerância desenvolve-se mais rapidamente quando são administradas grandes doses a intervalos curtos, enquanto é minimizada pela administração de pequenas doses a intervalos maiores. Pode haver desenvolvimento de alto grau de tolerância aos efeitos analgésicos, sedativos e de depressão respiratória de agonistas opioides. É possível provocar parada respiratória em um indivíduo não tolerante com uma dose de 60 mg de morfina. Todavia, em um paciente com dependência de opioides ou que exige um escalonamento dos opioides para controlar a dor refratária do câncer, doses de até 2.000 mg de morfina administradas no decorrer de um período de 2 ou 3 horas podem não provocar depressão respiratória significativa. Ocorre também tolerância aos efeitos antidiuréticos, eméticos e hipotensores, mas não às ações mióticas, convulsivantes e constipantes. Após a interrupção do uso de opioides, a perda da tolerância aos efeitos sedativos e respiratórios desses fármacos é variável e difícil de prever. Entretanto, a tolerância aos efeitos eméticos pode persistir por vários meses após a interrupção do fármaco. Por conseguinte, a tolerância aos opioides difere de acordo com o efeito, o fármaco, o tempo e o indivíduo (fatores genéticos-epigenéticos). Verifica-se também o desenvolvimento de tolerância a analgésicos com efeitos mistos nos receptores, porém em menor grau do que os agonistas. Certos efeitos adversos, como alucinações, sedação, hipotermia e depressão respiratória, diminuem após a administração repetida de fármacos com efeitos mistos nos receptores. Entretanto, a tolerância a esses últimos agentes geralmente não inclui tolerância cruzada aos opioides agonistas. É também importante observar que não ocorre tolerância às ações antagonistas dos fármacos mistos, nem àquelas dos antagonistas puros. A tolerância cruzada constitui uma característica extremamente importante dos opioides, isto é, pacientes com tolerância à morfina com frequência exibem redução da resposta analgésica a outros opioides agonistas. Isto é particularmente verdadeiro no caso de fármacos com atividade agonista sobretudo nos receptores m. A morfina e seus congêneres exibem tolerância cruzada não apenas em relação às suas ações analgésicas, mas também a seus efeitos euforizantes, sedativos e respiratórios. Entretanto, a tolerância cruzada observada entre os agonistas dos receptores m pode ser parcial ou incompleta. Essa observação clínica levou ao conceito de “revezamento de opioides”, que tem sido utilizado durante muitos anos no tratamento da dor causada pelo câncer. Assim, em um paciente que apresenta redução da eficiência de um esquema de analgésicos opioides, efetua-se um “revezamento” para um analgésico opioide diferente (p. ex., morfina substituída pela hidromorfona; hidromorfona substituída pela metadona); como resultado, o paciente normalmente exibe uma melhora significativa da analgesia com uma dose total equivalente reduzida. Outra abordagem consiste em reacoplar a função dos receptores de opioides, conforme descrito anteriormente, por meio do uso de agentes não opioides adjuvantes. Os antagonistas dos receptores NMDA (p. ex., cetamina) mostraram-se promissores na prevenção ou na reversão da tolerância induzida por opioides em animais e seres humanos. O uso da 11 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT cetamina está aumentando, pois estudos bem controlados demonstraram uma eficácia clínica na redução da dor no pós-operatório e das necessidades de opioides em pacientes com tolerância a esses fármacos. Os agentes que aumentam independentemente a reciclagem dos receptores m também podem ser promissores na melhora da analgesia em pacientes com tolerância a opioides. DEPENDÊNCIA O desenvolvimento de dependência física acompanha invariavelmente a tolerância à administração repetida de um opioide do tipo m. A interrupção da administração do fármaco resulta em uma síndrome de abstinência característica, a qual reflete um rebote exagerado dos efeitos farmacológicos agudos do opioide. Os sinais e sintomas de abstinência consistem em rinorreia, lacrimejamento, bocejos, calafrios, arrepios (piloereção), hiperventilação, hipertermia, midríase, dores musculares, vômitos, diarreia, ansiedade e hostilidade. O número e a intensidade dos sinais e sintomas dependem, em grande parte, do grau de dependência física que se desenvolveu. A administraçãode um opioide nessa ocasião suprime quase que de imediato os sinais e sintomas de abstinência. O momento de início, a intensidade e a duração da síndrome de abstinência dependem do fármaco previamente usado e podem estar relacionados com a sua meia-vida biológica. No caso da morfina ou da heroína, os sinais de abstinência surgem geralmente dentro de 6 a 10 horas após a última dose. Os efeitos máximos são observados em 36 a 48 horas, quando a maior parte dos sinais e sintomas começam a regredir de modo gradual. Em 5 dias, a maioria dos efeitos já desapareceu, porém alguns podem persistir por vários meses. No caso da petidina, a síndrome de abstinência regride, em grande parte, em 24 horas, ao passo que, com a metadona, são necessários vários dias para se alcançar o pico da síndrome de abstinência, cuja duração pode estender-se por até duas semanas. O desaparecimento mais lento dos efeitos da metadona está associado a uma síndrome imediata de menor intensidade, que constitui a base de seu uso na desintoxicação de adictos de heroína. Todavia, apesar da perda da dependência física do opioide, o seu desejo compulsivo pode persistir. Além da metadona, a buprenorfina e a clonidina, um agonista α2, constituem tratamentos aprovados pela FDA para desintoxicação de analgésicos opioides. É possível induzir uma síndrome de abstinência explosiva transitória – abstinência precipitada por antagonistas – em um indivíduo com dependência física de opioides por meio da administração de naloxona ou outro antagonista. Em 3 minutos após a injeção do antagonista, surgem sinais e sintomas semelhantes àqueles observados após a suspensão abrupta; esses sinais e sintomas tornam- se máximos em 10 a 20 minutos e desaparecem, em grande parte, depois de 1 hora. Mesmo no caso da metadona, cuja abstinência resulta em uma síndrome de abstinência relativamente leve, a síndrome de abstinência precipitada por antagonistas pode ser muito grave. No caso de fármacos com efeitos mistos, os sinais e sintomas de abstinência podem ser induzidos após administração reduzida seguida de interrupção abrupta de pentazocina, ciclazocina ou nalorfina, porém a síndrome parece um tanto diferente daquela produzida pela morfina e por outros agonistas. Foi observada a ocorrência de ansiedade, perda do apetite e peso corporal, taquicardia, calafrios, aumento da temperatura corporal e cólicas abdominais. VÍCIO Existe uma grande confusão entre os profissionais de saúde no que diz respeito ao significado de vício. É considerado vício ou adição, segundo conceitos atuais, o uso continuado e compulsivo do fármaco prescrito ou da substância ilegal da qual se obtém alguma forma de prazer, sendo, dessa forma, uma alteração psicológica, e não física. Diferentemente de uma situação corriqueira em que o paciente tem pleno controle sobre os momentos em que deve fazer uso da medicação, na situação de adicção, a droga “controla” o intervalo da utilização: sempre que ocorre queda da concentração plasmática da substância, o paciente se vê impelido a repetir a dose. Freqüentemente, o paciente reconhece os malefícios físicos e sociais que ocorrem em conseqüência do abuso da substância, mas ele não consegue interromper a utilização do fármaco. Entretanto, em situações de câncer, a ocorrência de adicção é na ordem de um para cada mil pacientes, geralmente relacionada à história prévia de abuso de substâncias por parte do paciente. Em função dessa raridade, não se pode considerar o vício como um efeito adverso. Deve-se atentar para a diferenciação da verdadeira a situação de adicção da pseudo-adicção. Na pseudo- adicção, o paciente tem um comportamento que pode ser confundido com o vício: procura vários médicos e pronto- socorros, em busca de novas doses de analgésicos. Entre- tanto, esse comportamento ocorre porque o paciente não tem recebido as doses analgésicas suficientes do opióide, o que resulta em dor residual, e isso o impele a procurar ajuda de diversos profissionais. OBJETIVO 06: RECONHECER A IMPORTÂNCIA DOS CUIDADOS PALIATIVOS NA DOR CRÔNICA ONCOLÓGICA E SUAS INDICAÇÕES 12 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde – OMS, revista em 2002, “Cuidado Paliativo é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual”. O Cuidado Paliativo não se baseia em protocolos, mas sim em princípios. Não se fala mais em terminalidade, mas em doença que ameaça a vida. Indica-se o cuidado desde o diagnóstico, expandindo nosso campo de atuação. Não falaremos também em impossibilidade de cura, mas na possibilidade ou não de tratamento modificador da doença, desta forma afastando a ideia de “não ter mais nada a fazer”. Pela primeira vez, uma abordagem inclui a espiritualidade dentre as dimensões do ser humano. A família é lembrada, portanto assistida também após a morte do paciente, no período de luto. PRINCÍPIOS DOS CUIDADOS PALIATIVOS Os Cuidados Paliativos baseiam-se em conhecimentos inerentes às diversas especialidades, possibilidades de intervenção clínica e terapêutica nas diversas áreas de conhecimento da ciência médica(6) e de conhecimentos específicos. A OMS em 1986 publicou princípios que regem a atuação da equipe multiprofissional de Cuidados Paliativos. Estes princípios foram reafirmados na sua revisão em 2002: 1. PROMOVER O ALÍVIO DA DOR E OUTROS SINTOMAS DESAGRADÁVEIS Desta forma é necessário conhecimento específico para a prescrição de medicamentos, adoção de medidas não farmacológicas e abordagem dos aspectos psicossociais e espirituais que caracterizam o “sintoma total”, plagiando o conceito de DOR TOTAL, criado por Dame Cicely Saunders, onde todos estes fatores podem contribuir para a exacerbação ou atenuação dos sintomas, devendo ser levados em consideração na abordagem. 2. AFIRMAR A VIDA E CONSIDERAR A MORTE COMO UM PROCESSO NORMAL DA VIDA Bernard Lown em seu livro “A arte perdida de curar” afirma: “As escolas de medicina e o estágio nos hospitais os preparam (os futuros médicos) para tornarem-se oficiais- maiores da Ciência e gerentes de biotecnologias complexas. Muito pouco se ensina sobre a arte de ser médico. Os médicos aprendem pouquíssimo a lidar com moribundos... A realidade mais fundamental é que houve uma revolução biotecnológica que possibilita o prolongamento interminável do morrer”. O Cuidado Paliativo resgata a possibilidade da morte como um evento natural e esperado na presença de doença ameaçadora da vida, colocando ênfase na vida que ainda pode ser vivida. 3. NÃO ACELERAR NEM ADIAR A MORTE Enfatiza-se desta forma que Cuidado Paliativo nada tem a ver com eutanásia, como muitos ainda querem entender. Esta relação ainda causa decisões equivocadas quanto à realização de intervenções desnecessárias e a enorme dificuldade em prognosticar paciente portador de doença progressiva e incurável e definir a linha tênue e delicada do fazer e do não fazer. Um diagnóstico objetivo e bem embasado, o conhecimento da história natural da doença, um acompanhamento ativo, acolhedor e respeitoso e uma relação empática com o paciente e seus familiares nos ajudarão nas decisões. Desta forma erraremos menos e nos sentiremos mais seguros. 4. INTEGRAR OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS E ESPIRITUAIS NO CUIDADO AO PACIENTE A doença, principalmente aquela que ameaça a continuidade da vida, costuma trazer uma série de perdas, com asquais o paciente e família são obrigados a conviver, quase sempre sem estarem preparados para isto. As perdas da autonomia, da autoimagem, da segurança, da capacidade física, do respeito, sem falar das perdas concretas, materiais, como de emprego, de poder aquisitivo e consequentemente de status social, podem trazer angústia, depressão e desesperança, interferindo objetivamente na evolução da doença, na intensidade e frequência dos sintomas que podem apresentar maior dificuldade de controle. A abordagem desses aspectos sob a ótica da psicologia se faz fundamental. A novidade é a possibilidade de abordá-los também sob o ponto de vista da espiritualidade, que se confundem e se sobrepõem invariavelmente à questão religiosa. Noventa e cinco por cento dos americanos creem numa força superior e 93% gostariam que seus médicos abordassem essas questões, se ficassem gravemente enfermos. Segundo Saporetti, “espírito, do latim ‘spiritus’ significa sopro e se refere a algo que dá ao corpo sua dimensão imaterial, oculta, divina ou sobrenatural que anima a matéria. O espírito conecta o ser humano à sua dimensão divina ou transcendente”. É mais este aspecto, o da transcendência, do significado da vida, aliado ou não à religião, que devemos estar preparados para abordar. Sempre lembrando que o sujeito é o paciente, sua crença, seus princípios. 13 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT 5. OFERECER UM SISTEMA DE SUPORTE QUE POSSIBILITE O PACIENTE VIVER TÃO ATIVAMENTE QUANTO POSSÍVEL, ATÉ O MOMENTO DA SUA MORTE Não devemos nos esquecer que qualidade de vida e bem-estar implicam a observância de vários aspectos da vida. Problemas sociais, dificuldades de acesso a serviços, medicamentos e outros recursos podem ser também motivos de sofrimento e devem ser incluídos entre os aspectos a serem abordados pela equipe multiprofissional. Viver ativamente, e não simplesmente viver, nos remete à questão da sobrevida “a qualquer custo”, que esperamos combater. Sermos facilitadores para a resolução dos problemas do nosso paciente é nosso dever e nossa responsabilidade. 6. OFERECER SISTEMA DE SUPORTE PARA AUXILIAR OS FAMILIARES DURANTE A DOENÇA DO PACIENTE E A ENFRENTAR O LUTO Nunca estamos completamente sós. O ser humano é por natureza um ser gregário. Todo o núcleo familiar e social do paciente também “adoece”. Segundo Dra. Maria Helena Pereira Franco(11), “a unidade de cuidados paciente-família se coloca como una e específica ao mesmo tempo. A célula de identidade do ser humano é a família, respeitadas todas as condições que fazem dela um universo cultural próprio, muitas vezes distante ou até mesmo alheio ao universo cultural dos profissionais da saúde”. A família, tanto a biológica como a adquirida (amigos, parceiros, etc.), pode e deve ser nossa parceira e colaboradora. Essas pessoas conhecem melhor do que nós o paciente, suas necessidades, suas peculiaridades, seus desejos e angústias, muitas vezes não verbalizados pelo próprio paciente. Da mesma forma, essas pessoas também sofrem e seu sofrimento deve ser acolhido e paliado. 7. ABORDAGEM MULTIPROFISSIONAL PARA FOCAR AS NECESSIDADES DOS PACIENTES E SEUS FAMILIARES, INCLUINDO ACOMPANHAMENTO NO LUTO Na prática do cuidado ao paciente, frequentemente iremos nos deparar com inúmeros fatores que atuarão concomitantemente na modificação da resposta terapêutica medicamentosa, na evolução da própria doença e na relação com o paciente e a família. A integração sugerida pelo Cuidado Paliativo é uma forma de observarmos o paciente sob todas as suas dimensões e a importância de todos estes aspectos na composição do seu perfil para elaborarmos uma proposta de abordagem. Ignorar qualquer dessas dimensões significará uma avaliação incompleta e consequentemente uma abordagem menos efetiva e eficaz dos sintomas. O sujeito da ação é sempre o paciente, respeitado na sua autonomia. Incluir a família no processo do cuidar compreende estender o cuidado no luto, que pode e deve ser realizado por toda a equipe e não somente pelo psicólogo. A equipe multipro-fissional com seus múltiplos “olhares” e percepção individual pode realizar este trabalho de forma abragente. 8. MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA E INFLUENCIAR POSITIVAMENTE O CURSO DA DOENÇA Com uma abordagem holística, observando este paciente como um ser biográfico mais que um ser simplesmente biológico, poderemos, respeitando seus desejos e necessidades, melhorar sim o curso da doença e, segundo a experiência de vários serviços de Cuidados Paliativos, também prolongar sua sobrevida. Vivendo com qualidade, ou seja, sendo respeitado, tendo seus sintomas impecavelmente controlados, seus desejos e suas necessidades atendidas, podendo conviver com seus familiares, resgatando pendências, com certeza nossos pacientes também viverão mais 9. DEVE SER INICIADO O MAIS PRECOCEMENTE POSSÍVEL, JUNTAMENTE COM OUTRAS MEDIDAS DE PROLONGAMENTO DA VIDA, COMO A QUIMIOTERAPIA E A RADIOTERAPIA E INCLUIR TODAS AS INVESTIGAÇÕES NECESSÁRIAS PARA MELHOR COMPREENDER E CONTROLAR SITUAÇÕES CLÍNICAS ESTRESSANTES Pela própria definição de Cuidados Paliativos da OMS, esses devem ser iniciados desde o diagnóstico da doença potencialmente mortal. Desta forma iremos cuidar do paciente em diferentes momentos da evolução da sua doença, portanto não devemos privá-lo dos recursos diagnósticos e terapêuticos que o conhecimento médico pode oferecer. Devemos utilizá-los de forma hierarquizada, levando-se em consideração os benefícios que podem trazer e os malefícios que devem ser evitados. Uma abordagem precoce também permite a prevenção dos sintomas e de complicações inerentes à doença de base, além de propiciar o diagnóstico e tratamento adequados de doenças que possam cursar paralelamente à doença principal. Uma boa avaliação embasada nos exames necessários, além da definição da capacidade funcional do paciente são indispensáveis para a elaboração de um plano integral de cuidados, adequado a cada caso e adaptado a cada momento da evolução da doença. INDICAÇÕES 14 Mariana Makalu S. de Oliveira Medicina – P5 - UNIT CÂNCER Qualquer paciente com câncer metastático ou inoperável DOENÇAS CARDÍACAS Sintomas de insuficiência cardíaca congênita durante o repouso FE <20% Uma nova disritmia Ataque cardíaco, síncope ou AVC Idas frequentes ao PS devido aos sintomas DOENÇAS PULMONARES Dispneia durante o repouso Sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca direita Saturação de O2 < 88% P CO2 > 5.0 Perda de peso não intencional DEMÊNCIA Incapacidade para andar Incontinência Menos de seis palavras inteligíveis Albumina < 2,5 ou menor ingestão por via oral Idas frequentes ao PS DOENÇAS HEPÁTICAS TP > 5. segundos Albumina < 2,5 Ascite refratária Peritonite bacteriana espontânea Icterícia Desnutrição ou perda de massa muscular Doenças Renais Não candidato à diálise Depuração da creatinina < 15 ml/minuto Creatinina sérica > 6,0 SÍNDROME DA FRAGILIDADE Idas frequentes ao PS Albumina < 2,5 Perda de peso não intencional Úlceras de decúbito Confinamento ao leito/ ao domicílio INDICAÇÕES DE CUIDADOS PALIATIVOS SEGUNDO AS CONDIÇÕES DO PACIENTE Paciente não é candidato à terapia curativa Paciente tem uma doença grave e prefere não ser submetido a tratamento de prolongamento da vida Nível inaceitável de dor por mais de 24 horas Sintomas não controlados (náusea, dispneia, vômitos, etc.) Sofrimento psicossocial e/ou espiritual não controlado Visitas frequentes ao atendimento de emergência (mais de 1 vez no mês pelo mesmo diagnóstico) Mais do que uma admissão hospitalar pelo mesmo diagnóstico nos últimos 30 dias Internação prolongada sem evidênciade melhora Internação prolongada em UTI Prognóstico reservado documentado pela equipe médica
Compartilhar