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Jéssica N. Monte Turma 106 Infectologia PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE HARRISON 19ª ED FISIOPATOLOGIA A pneumonia resulta da proliferação dos patógenos microbiano nos espaços alveolares e da resposta do hospedeiro a esses agentes patogênicos. A forma mais comum de chegada dos microrganismos às vias respiratórias inferiores é a aspiração de secreções orofaríngeas. Em casos mais raros, a pneumonia pode ocorrer por disseminação hematogênica ou por extensão contígua dos espaços pleural ou mediastinal infectados. Fatores mecânicos de defesa do hospedeiro: pelos e conchas nasais das narinas; arquitetura ramificada da árvore traqueobrônquica; reflexo de engasgo e mecanismo da tosse; flora normal aderida às células da mucosa da orofaringe. Quando essas barreiras são superadas ou quando os microrganismos são suficientemente pequenos para serem inalados até os alvéolos, os macrófagos alveolares residentes são extremamente eficientes na eliminação e destruição dos patógenos. A pneumonia se evidencia apenas quando a capacidade de ingestão ou destruição pelos macrófagos alveolares é suplantada. Nesse caso, os macrófagos alveolares ativam a resposta inflamatória para reforçar as defesas, e esta, mais do que a proliferação dos microrganismos, desencadeia a síndrome clínica da pneumonia. O extravasamento capilar é responsável pelos infiltrados radiográficos e pelos estertores detectáveis à ausculta, enquanto a hipoxemia é atribuída ao preenchimento dos espaços alveolares. PATOLOGIA Fase inicial: edema. Presença de exsudato proteináceo e, geralmente, com bactérias. Essa fase é raramente evidenciada clinicamente. Segunda fase: hepatização vermelha. Presença de eritrócitos no exsudato intra-alveolar celular; afluxo de neutrófilos. Terceira fase: hepatização cinzenta. Os neutrófilos são as células predominantes, a deposição de fibrina é abundante e as bactérias já desapareceram. Corresponde à delimitação bem- sucedida da infecção e à melhora da troca gasosa. Fase final ou de resolução: os macrófagos reaparecem como células predominantes no espaço alveolar e os restos de neutrófilos, bactérias e fibrina já foram eliminados e a resposta inflamatória regrediu. ETIOLOGIA Patógeno mais comum: Streptococcus pneumoniae. Patógenos bacterianos típicos: S. pneumoniae, Haemophilus influenzae, S. aureus e bacilos Gram- negativos como Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. Microrganismos atípicos: Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae, espécies de Legionella (em pacientes internados), vírus respiratórios como influenza, adenovírus, metapneumovírus humano e vírus sinciciais respiratórios. Os microrganismos atípicos não podem ser isolados pelas técnicas de cultura em meios convencionais e nem podem ser detectados pela coloração de Gram. Os microrganismos atípicos são intrinsicamente resistentes a todos os antibióticos beta- lactâmicos e devem ser tratados com macrolídeos, fluoroquinolonas ou tetraciclinas. Os vírus podem ser responsáveis por uma grande proporção de casos de PAC que necessitam de hospitalização. Em cerca de 10 a 15% dos casos de PAC polimicrobiana, os agentes etiológicos comumente consistem em uma combinação de patógenos típicos e atípicos. Jéssica N. Monte Turma 106 Infectologia As pneumonias causadas por anaeróbios geralmente são complicadas por formação de abscessos e por empiemas significativos ou derrames parapneumônicos. EPIDEMIOLOGIA Em geral, 80% dos pacientes afetados são tratados ambulatorialmente e 20% são hospitalizados. A taxa de mortalidade nos pacientes ambulatoriais costuma ser inferior a 1%, enquanto a de pacientes hospitalizados pode variar cerca de 12 a 40%. As taxas de incidência são maiores nas faixas etárias extremas. Entre os fatores de risco para PAC estão alcoolismo, asma, imunossupressão, institucionalização e idade superior a 70%. Em idosos, fatores como redução dos reflexos da tosse e vômito e redução de respostas de anticorpos e receptores tipo Toll aumentam a probabilidade de pneumonia. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A apresentação da PAC pode ser indolente ou fulminante e sua gravidade pode variar de leve a casos fatais. O paciente frequentemente tem febre e taquicardia ou pode apresentar calafrios e/ou sudorese. A tosse pode ser seca ou produtiva com escarro mucoide, purulenta ou sanguinolento. Se houver acometimento da pleura, o paciente pode referir dor torácica pleurítica. Até 20% dos pacientes podem apresentar queixas gastrintestinais como náuseas, vômitos e/ou diarreia. Outros sintomas podem incluir fadiga, cefaleia, mialgias e artralgias. No exame físico, é comum observar aumento da frequência cardíaca e utilização de musculatura acessória para respiração. A palpação pode detectar acentuação ou atenuação do frêmito toracovocal, e a percussão pode evidenciar submacicez (condensação pulmonar) ou macicez (líquido pleural subjacente). A ausculta pode detectar estertores, sopros brônquicos e possivelmente atrito pleural. A apresentação clínica pode não ser tão evidente nos pacientes idosos, que inicialmente apresentam confusão mental de início súbito ou agravada e poucos sinais clínicos adicionais. Os pacientes mais graves podem apresentar choque séptico e indícios de falência de órgãos. DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO CLÍNICO O diagnóstico diferencial inclui bronquite aguda, exacerbações agudas da bronquite crônica, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar, pneumonite de hipersensibilidade de pneumonite pós-radiação. As radiografias de tórax geralmente são necessárias para ajudar a diferenciar entre PAC e outros distúrbios. Os achados radiográficos podem incluir fatores de risco sugestivo de maior gravidade, como cavitações e padrão multilobar. DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO Com exceção dos casos de PAC internados em UTIs, não existem dados demonstrando que o tratamento dirigido a um patógeno específico seja estatisticamente superior ao tratamento empírico. A identificação de um patógeno inesperado pode restringir o uso do esquema empírico inicial e reduzir a pressão seletiva dos antibióticos e pode diminuir o risco de resistência. COLORAÇÃO PELO GRAM E CULTURA DE ESCARRO O objetivo principal da coloração do escarro pelo Gram é confirmar que uma amostra é apropriada para cultura. Entretanto, a coloração pelo Gram também pode ajudar a identificar alguns patógenos por seu aspecto característico, como S. pneumoniae, S. aureus e bactérias Gram- negativas. Como as etiologias da PAC grave são um pouco diferentes das que se observam na doença mais branda, as vantagens principais da coloração e da cultura das secreções respiratórias são alertar o médico para patógenos insuspeitos e/ou resistentes e permitir a modificação apropriada do tratamento. Jéssica N. Monte Turma 106 Infectologia HEMOCULTURAS Apenas 5 a 14% das hemoculturas dos pacientes hospitalizados com PAC são positivas, e o patógeno isolado mais comum é o S. pneumoniae. Em razão da positividade baixa e da inexistência de impacto significativo, as hemoculturas não são mais consideradas obrigatórias para todos os pacientes hospitalizados com PAC. Alguns pacientes de alto risco devem fazer hemocultura. TESTE DE ANTÍGENOS URINÁRIOS Existem dois testes disponíveis no comércio para detectar antígenos pneumocócicos e de Legionella na urina. A sensibilidade e a especificidade do teste para antígeno da Legionella na urina podem chegar a 90% e 99% respectivamente. O teste para antígeno pneumocócico na urina também é muito sensível e específico (80% e superior a 90%, respectivamente). Esses dois testes podem detectar antígenos mesmo depois de ter sido iniciado o tratamento antibiótico apropriado. REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE O PCRde swabs de nasofaringe se tornou o padrão para diagnóstico de infecções respiratórias virais. A PCR múltipla pode detectar o ácido nucleico das espécies Legionella, M. pneumoniae, C. pneumoniae e micobactérias. SOROLOGIAS No passado, os testes sorológicos eram realizados para ajudar a identificar patógenos atípicos e também alguns microrganismos incomuns. Recentemente, esses testes caíram em desuso em razão do tempo necessário para obter o resultado final da amostra da fase de convalescença. BIOMARCADORES A proteína C-reativa (PCR) pode ser útil na identificação de piora da doença ou falha do tratamento. A procalcitonina (PCT) pode ajudar a determinar a necessidade de terapia antibacteriana. Esses testes não devem ser usados sozinhos, mas quando interpretados em conjunto com outros achados da história, exame físico, radiologia e exames laboratoriais, podem ajudar na escolha da antibioticoterapia e manejo adequado de pacientes com PAC grave. TRATAMENTO LOCAL DE CUIDADOS O custo do tratamento hospitalar é cerca de 20 vezes maior do que o do tratamento ambulatorial. Existem dois escores: o IGP e o CURB-65. O Índice de Gravidade da Pneumonia (IGP) é um modelo prognóstico utilizado para identificar os pacientes com risco baixo de mortalidade e atribui pontos a 20 variáveis. Com base no escore resultante, os pacientes são classificados em cinco grupos. Experiências clínicas demonstraram que a utilização rotineira do IGP possibilita a redução dos índices de hospitalização dos pacientes dos grupos 1 (0,1% de taxa de mortalidade) e 2 (0,6% de taxa de mortalidade). Os pacientes na classe 3 (taxa de mortalidade = 2,8%) poderiam idealmente ser internados em unidades de observação até que se possa tomar novas decisões. O critério CURB-65 avalia a gravidade da doença por meio de 5 critérios, e os pacientes são classificados em escore 0, 2 e igual ou maior que 3. Nem o IGP nem o CURB-65 são ideias para determinar a necessidade de cuidador do paciente em UTI. Jéssica N. Monte Turma 106 Infectologia RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS As questões principais de resistência atual envolvem o S. pneumoniae e o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). Os fatores de risco para infecção por pneumococos resistentes à penicilina incluem tratamento antibiótico recente, idade inferior a 2 ou superior a 65 anos, frequência às creches, internação hospitalar recente e infecção por HIV. As cepas resistentes aos fármacos de três ou mais classes de antimicrobianos com mecanismos de ação diferentes são consideradas MDR. O fator de risco mais importante para infecção por pneumococos resistentes aos antibióticos é a utilização de um antimicrobiano específico nos últimos três meses. TRATAMENTO ANTIBIÓTICO INICIAL O esquema antibiótico inicial geralmente é empírico e tem como propósito cobrir os patógenos mais prováveis. Em todos os casos, o tratamento inicial deve ser iniciado o mais rapidamente possível. De acordo com as diretrizes para o tratamento das PACs nos EUA e no Canadá, a cobertura sempre deve incluir pneumococos e patógenos atípicos. A cobertura para patógenos atípicos (macrolídeo + cefalosporina/fluoroquinolona; ou uso isolado de fluoroquinolona) foi associado à redução expressiva das taxas de mortalidade quando comparadas com pacientes tratados apenas com beta-lactâmicos. O tratamento com um macrolídeo ou com uma fluoroquinolona nos últimos três meses está associado à probabilidade aumentada de infecção por uma cepa de S. pneumoniae resistente a um desses antibióticos. Quando o agente etiológico e sua sensibilidade são conhecidos, o tratamento pode ser alterado de forma a contemplar o patógeno específico. Quanto à duração do tratamento da PAC, no passado os pacientes eram tratados por 10 a 14 dias. Estudos com fluoroquinolonas e telitromicina sugeriram que um esquema de 5 dias seja suficiente para os casos não complicados de PAC. Os cursos mais longos podem ser necessários aos pacientes com bacteremia, infecção metastática ou infecção por um patógeno virulento, incluindo P. aeruginosa ou MRSA. Jéssica N. Monte Turma 106 Infectologia CONSIDERAÇÕES GERAIS Além da terapia antimicrobiana correta, hidratação adequada, oxigenoterapia para hipoxemia e ventilação assistida quando necessária são fundamentais para um tratamento bem-sucedido. FALHA TERAPÊUTICA Os pacientes que demoram para responder ao tratamento devem ser reavaliados em torno do terceiro dia (ou antes, quando suas condições pioram em vezes de não melhorar). A possibilidade de distúrbios não-infecciosos que simulam pneumonia deve ser considerada. Se o paciente realmente tiver PC e o tratamento for dirigido ao patógeno certo, a inexistência de resposta pode ser explicada: o patógeno pode ser resistente ao antibiótico escolhido; pode haver um foco sequestrado (como um abscesso pulmonar ou empiema) que está impedindo o acesso do fármaco ao patógeno; a dose ou a frequência de administração do fármaco pode estar errada; o diagnóstico de PAC estar certo, mas o agente etiológico pode ser um patógeno diferente, como MRSA-AC, M. tuberculosis ou um fungo. Em todos os casos de resposta lenta ou piora clínica, o paciente deve ser reavaliado cuidadosamente e os exames apropriados devem ser iniciados. COMPLICAÇÕES As complicações comuns da PAC grave incluem insuficiência respiratória, choque e falência de múltiplos órgãos, coagulopatia e exacerbação das comorbidades existentes. A infecção metastática é muito incomum e necessitará de um alto índice de suspeição e de uma avaliação detalhada para tratamento adequado. O abcesso pulmonar pode estar associado à aspiração ou às infecções causadas por um único patógeno da PAC, inclusive MRSA-AC, P. aeruginosa e, raramente, S. pneumoniae. ACOMPANHAMENTO Em geral, a febre e a leucocitose regridem em 2 a 4 dias nos indivíduos com PAC e saudáveis em outros aspectos, mas as anormalidades do exame físico podem persistir por mais tempo. As anormalidades das radiografias de tórax demoram mais para regredir e podem necessitar de 4 a 12 semanas para desaparecer, com a rapidez da regressão dependendo da idade do paciente e da doença pulmonar subjacente. Nos pacientes hospitalizados, recomenda-se uma radiografia de acompanhamento em aproximadamente 4 a 6 semanas. Se for demonstrada recidiva ou recaída, especialmente no mesmo segmento pulmonar, deve-se considerar a possibilidade de uma neoplasia subjacente. PROGNÓSTICO O prognóstico da PAC depende da idade do paciente, das suas comorbidades e do local em que o tratamento é efetuado (ambulatório ou hospital). Paciente jovens sem comorbidades evoluem bem e em geral, recuperam-se por completo depois de cerca de 2 semanas. Os pacientes idosos e os que apresentam comorbidades podem demorar várias semanas para se recuperarem totalmente. PREVENÇÃO A medida profilática principal é a vacinação. Nos EUA estão disponíveis a vacina pneumocócica com polissacarídeos (PPV23) e a vacina pneumocócica conjugada proteica (PCV13). A vacinação de crianças resultou em reduções globais da prevalência dos pneumococos resistentes aos antibióticos. A PCV13 é também é recomendada para idosos e pacientes mais jovens imunocomprometidos.
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