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Prévia do material em texto

Francesco	Carnelutti
AS	MISÉRIAS	DO
PROCESSO	PENAL
Tradução
RICARDO	RODRIGUES	GAMA
1ª	edição
eBook
2013
Campinas/SP
ÍNDICE
Nota	do	Tradutor
Dados	Biográficos	do	Autor
Prefácio	do	Autor
Capítulo	I	–	A	Toga
Capítulo	II	–	O	Preso
Capítulo	III	–	O	Advogado
Capítulo	IV	–	O	Juiz	e	as	Partes
Capítulo	V	–	Da	Parcialidade	do	Defensor
Capítulo	VI	–	Das	Provas
Capítulo	VII	–	O	Juiz	e	o	Acusado
Capítulo	VIII	–	O	Passado	e	o	Futuro	no	Processo	Penal
Capítulo	IX	–	A	Sentença	Penal
Capítulo	X	–	Da	Execução	da	Sentença
Capítulo	XI	–	Da	Libertação
Capítulo	XII	–	Além	do	Direito
NOTA	DO	TRADUTOR
A	presente	 obra	 de	Francesco	Carnelutti	 não	 vem	 estampada	 de	 seu	 conteúdo	 simplesmente	 com	o
contado	com	o	título,	reclamando	a	leitura	dos	primeiros	capítulos	para	tomar	contato	com	a	tentativa	do
autor	 em	 ensinar	 assuntos	 complexos	 para	 o	 homem	 leigo,	 isso	 sem	 deixar	 escapar	 os	 detalhes	 tão
importantes	que	somente	os	doutores	poderiam	ter	acesso.
Além	do	prazer	de	transportar	as	ideias	do	autor	para	o	nosso	vernáculo,	fomos	tomados	pela	voraz
vontade	de	mapear	todos	os	desdobramentos	gerados	com	blocos	de	ideias	constantes	em	cada	um	dos
capítulos.	Verificamos	a	fusão	da	disposição	para	promover	a	tradução	com	a	caminhada	habitual	de	um
leitor,	 ambos	 interessados	 no	 desfecho	 de	 cada	 uma	 das	 histórias	 contadas,	 nas	 lições	 que	 o	 autor
pretendia	 passar	 com	 suas	 reflexões,	 nas	 comparações	 possíveis	 apenas	 para	 um	 exímio	 jurista	 e	 até
mesmo	na	evolução	dos	temas	abordados	genialmente.
A	 estrutura	 do	 poder	 judiciário,	 com	 o	 auxílio	 dos	 advogados	 e	 membros	 do	Ministério	 Público,
apresenta-se	 como	 perfeita,	 montada	 sobre	 a	 mais	 refinada	 técnica	 para	 excluir	 da	 sociedade	 o
criminoso,	faltando	até	consciência	das	dimensões	malignas	da	decisão	que	rompe	todas	as	barreiras	do
cumprimento	da	pena,	marcando	a	pessoa	delinquente	para	sempre.
Na	maioria	 das	 passagens,	 fica	 evidente	 o	 esforço	 do	 autor	 em	 fazer-se	 compreender,	 chegando	 a
retornar	 a	 condição	 de	 criança,	 relatando	 suas	 experiências	 num	 período	 que	 não	 tinha	 envolvimento
algum	com	o	direito.	Na	passagem	pela	maior	parte	de	sua	vida,	uma	vez	que	o	autor	faleceu	oito	anos
depois	de	escrever	a	presente	obra,	as	mazelas	cometidas	pelo	autor	são	exaltadas	para	evitar	que	outras
pessoas	 possam	 assumir	 a	 frieza	 em	 nome	 da	 técnica,	 voltar-se	 à	 fantasia	 por	 puro	 descaso	 com	 a
realidade,	 deixar	 de	 lado	 a	 religião	 em	 nome	 da	 expansão	 nos	 próprios	 conhecimentos,	 afastar-se	 da
simplicidade	para	viver	em	plena	contemplação	à	inutilidade...
As	 falhas	 do	 processo	 penal	 não	 podem	 ser	 superadas	 com	 o	 conhecimento	 científico,	 claramente
porque	a	realidade	dos	fatos	não	pode	encontrar	solução	na	norma	jurídica,	ainda	mais	quando	se	deixa
de	 lado	os	sentimentos	das	pessoas	envolvidas	no	processo	por	 terem	infringido	à	 legislação	penal	ou
como	meio	de	expressar	seus	conhecimentos	mais	profundos...
RICARDO	RODRIGUES	GAMA
DADOS	BIOGRÁFICOS	DO	AUTOR
Francesco	Carnelutti	foi	advogado,	jurista	e	professor	em	Milão,	Catania,	Pádua	e	Roma.
Nasceu	em	Udine	em	1879	e	morreu	em	Milão	em	1965.
Graduou-se	 em	 Pádua	 em	 1900	 e	 tornou-se	 advogado	 no	 ano	 seguinte,	 livre	 docente	 em	 Direito
Comercial	em	1905,	e	professor	de	Direito	Comercial	em	Catania	em	1911,	de	Direito	Processual	Civil
em	Pádua	 em	1915	 e	 em	Milão	 em	1935	 e	de	Direito	Penal	Puro	 em	Milão	 em	1942	 e	 finalmente	de
Direito	Processual	Penal	em	Roma	em	1946.	Quando	completou	75	anos	era	professor	emérito	do	mesmo
ateneu.
Fundou	em	Giuseppe	Chiovenda	a	Rivista	di	Diritto	Processuale	Civil;	e	 foi	 redator	do	projeto	do
Código	Civil	italiano.
Escreveu	 inúmeras	 obras	 sobre	 Direito	 Civil,	 Direito	 Processual	 Civil,	 Direito	 Penal,	 Direito
Processual	Penal,	Direito	Comercial	e	Direito	do	Trabalho.
Em	seus	últimos	anos	escreveu	obras	literárias	de	caráter	filosófico.
PREFÁCIO	DO	AUTOR
A	Voz	de	São	Jorge[1]	é	o	veículo	de	comunicação	do	Centro	de	Cultura	e	Civilidade	da	Fundação
Giorgio	Cini[2],	que	tem	sua	sede	em	Veneza,	cidade	maravilhosa,	naquela	ilha	situada	defronte	à	Praça
de	São	Marcos	e	 ao	Palácio	Ducal[3],	 cuja	 arquitetura	 de	Buora[4],	 de	Palladio[5]	 e	 de	Longhena[6]
hoje	ressurgida	em	seu	antigo	esplendor,	estando	circundado	de	tantas	maravilhas.
O	Centro	propõe-se	a	servir	à	cultura	e	à	civilidade,	ou	seja,	dizendo	de	forma	mais	simples,	o	saber
servindo	 à	 bondade.	 Deveria	 ser	 este	 o	 destino	 do	 saber;	 nem	 sempre	 as	 coisas	 acontecem	 como
deveriam	acontecer.	Também	o	 saber,	para	 citar	um	exemplo,	 como	a	energia	 atômica,	pode	 servir	 ao
bem	ou	ao	mal,	para	tornar	os	homens	piores	ou	melhores,	fazendo-os	erguer	a	cabeça	em	ato	de	soberba
ou	incliná-la	em	ato	de	humildade.
O	que	se	deveria	 fazer	este	ano,	com	tal	objetivo,	é	concluir	algo	em	torno	do	processo	penal.	Um
raciocínio	científico,	à	primeira	vista,	pouco	conveniente	para	uma	conversação	com	o	grande	público,	o
qual,	 especialmente	 no	 rádio,	 tem	 prazer	 em	 se	 divertir.	 Mas	 aqui	 está	 precisamente	 o	 nodo[7]	 da
questão,	 em	 termos	 de	 civilização.	 Divertir-se	 quer	 dizer	 escapar	 da	 vida	 cotidiana,	 a	 qual	 é	 tão
monótona,	 tão	 difícil,	 tão	 amarga,	 tornando	 irresistível	 a	 necessidade	 de	 evasão.	 Não	 estou	 fora	 da
realidade	 ao	 extremo	 de	 não	 reconhecer,	 e	 ainda	 de	 não	 experimentar	 esta	modesta	 necessidade.	Mas
existe	outra	 saída	para	 se	evadir,	 além	da	diversão.	É	a	 saída	oposta;	 e	assim	diz	o	provérbio	que	os
opostos	se	atraem.	Esta	saída	é	o	isolamento.	Ao	término	e	ao	extremo,	não	há	evasão	mais	completa	do
que	 a	 prece,	 que	 é	 a	 forma	 ideal	 do	 isolamento.	 Muitas	 pessoas	 não	 o	 sabem	 por	 que	 não
experimentaram;	mas	aqueles	que	experimentaram	o	conforto	da	oração	sabem	o	que	pensar	da	diversão
e	do	isolamento.
Um	pouco	em	todos	os	tempos,	mas	na	atualidade	cada	vez	mais	o	processo	penal	interessa	à	opinião
pública.	Os	jornais	ocupam	boa	parte	das	suas	páginas	para	a	crônica	dos	delitos	e	dos	processos.	Quem
as	lê,	aliás,	tem	a	impressão	de	que	existem	muito	mais	delitos	do	que	boas	ações	neste	mundo.	A	eles	é
que	 os	 delitos	 assemelham-se	 às	 papoulas	 que,	 quando	 se	 tem	 uma	 em	 um	 campo,	 todos	 delas	 se
apercebem;	e	as	boas	ações	se	escondem,	como	as	violetas	entre	as	ervas	do	prado.	Se	dos	delitos	e	dos
processos	penais	os	jornais	se	ocupam	com	tanta	assiduidade,	é	que	as	pessoas	por	estes	se	interessam
muito;	sobre	os	processos	penais	assim	ditos	célebres	a	curiosidade	do	público	se	projeta	avidamente.	E
é	também	esta	uma	forma	de	diversão:	foge-se	da	própria	vida	ocupando-se	da	dos	outros;	e	a	ocupação
não	é	nunca	tão	intensa	como	quando	a	vida	dos	outros	assume	o	aspecto	do	drama.	O	problema	é	que
assistem	 ao	 processo	 do	mesmo	modo	 com	que	 deliciam	o	 espetáculo	 cinematográfico,	 que,	 de	 resto,
simula	com	muita	frequência,	assim,	o	delito	como	o	relativo	processo.	Assim	como	a	atitude	do	público
voltado	 aos	 protagonistas	 do	 drama	 penal	 é	 a	 mesma	 que	 tinha,	 uma	 vez,	 a	 multidão	 para	 com	 os
gladiadores	 que	 combatiam	 no	 circo[8],	 e	 tem	 ainda,	 em	 alguns	 países	 do	 mundo,	 para	 a	 corrida	 de
touros,	o	processo	penal	não	é,	infelizmente,	mais	que	uma	escola	de	incivilização.
Com	estes	colóquios,	o	que	se	desejaria	é	fazer	do	processo	penal	um	motivo	de	isolamento,	em	vez
de	 sê-lo	 diversão.	 Não	 vale	 fazer	 oposição	 em	 torno	 desse	 processo	 no	 qual	 reúnem	 os	 homens	 da
ciência;	e	não	têm	aqui	o	que	fazer	os	homens	comuns.	Os	juristas,	certamente,	o	estudam	ou,	até	agora,
deveriam	 estudá-lo	 ainda	 melhor	 para	 conseguir	 que	 seu	 mecanismo,	 delicado	 como	 nenhum	 outro,
aperfeiçoe-se;	 este	 é	 um	 problema	 com	muito	mais	 semelhanças	 do	 que	 se	 possa	 crer	 a	 respeito	 dos
problemas	 de	 mecânica,	 que	 resolvem	 os	 engenheiros;	 e	 também	 dessas	 semelhanças	 as	 pessoas
deveriam	se	dar	conta.	Mas	porque	 também	os	homenscomuns	se	 interessam	pelo	processo	penal,	daí
resulta	a	necessidade	de	que	não	os	confundam	com	um	espetáculo	cinematográfico,	ao	qual	se	assiste
para	conseguir	emoções.	Poucos	aspectos	da	vida	social	afetam,	tanto	como	este,	à	civilidade.
Não	é	a	primeira	vez	que	me	ocorre	a	vontade	de	advertir	que	a	civilidade,	com	palavras	mui	singelas
que	raras	vezes	se	leem	assim	nos	livros,	porque	os	homens	infelizmente	são,	e	querem	ser	ainda	mais,	ao
contrário,	terrivelmente	complicados,	não	é	outra	coisa	senão	a	capacidade	dos	homens	de	amarem-se	e,
por	 isto,	de	viverem	em	paz.	Ora,	o	processo	penal	 é	uma	pedra	de	 toque	da	civilidade,	não	 somente
porque	o	delito,	com	cores	mais	ou	menos	fortes,	é	o	drama	da	inimizade	e	da	discórdia,	senão	porque
apresenta	 a	 relação	 entre	 quem	o	 tinha	 cometido,	 ou	 se	 diz	 que	 o	 tinha	 cometido	 e	 aqueles	 que	 a	 ele
assistem.	 A	 propósito	 dos	 exemplos,	 relembrados	 há	 pouco,	 cumpre	 refletir	 em	 torno	 daquilo	 que
acontecia	sobre	o	espaldar	do	Circo	Máximo[9],	aos	tempos	de	Roma,	ou	ainda	acontece	sobre	aqueles
das	arenas	de	touros	da	Espanha,	do	México	e	do	Peru.	Eu	pensava	–	em	um	dia	de	setembro	passado,
durante	a	projeção	de	um	filme	mexicano,	no	qual	eu	estava	admiravelmente	atento	ao	estado	de	ânimo	do
público	bestializado	contra	o	toureiro,	porque	não	demonstrava	um	desprezo	suficiente	ao	perigo	–	quem
era	mais	 estúpido,	 o	 público	 ou	 o	 touro?	Aquela	 atitude	 não	 pode	 ser	 explicada	 senão	mediante	 uma
separação	de	quem	assiste	e	de	quem	atua,	tal	qual	o	gladiador,	antes	que	um	homem,	é	considerado	uma
coisa.	Considerar	o	homem	como	uma	coisa:	 pode-se	 ter	 uma	 forma	mais	 expressiva	da	 incivilidade?
Mas	 é	 aquilo	 que	 acontece,	 infelizmente,	 nove	 entre	 dez	 vezes	 no	 processo	 penal.	 Na	 melhor	 das
hipóteses	aqueles	que	se	vão	ver,	fechados	nas	prisões	como	os	animais	do	jardim	zoológico,	parecem
homens	 fictícios	 ao	 invés	 de	 homens	 verdadeiros.	 E	 se,	 todavia,	 alguém	 percebe	 que	 são	 homens	 de
verdade,	parece-lhe	que	são	homens	de	uma	outra	raça	ou,	quase,	de	um	outro	mundo.	Este	não	lembra,
quando	sente	assim,	a	parábola	do	arrecadador	de	impostos	e	do	religioso	fervoroso,	nem	suspeita	que	a
sua	é	justamente	a	mentalidade	do	religioso:	eu	não	sou	como	este.
O	 que	 precisa,	 ao	 contrário,	 para	 merecer	 o	 título	 de	 homem	 civilizado,	 é	 a	 mudança	 de	 tal
comportamento	somente	quando	cheguemos	a	dizer,	com	sinceridade,	eu	sou	como	este,	então	seremos
verdadeiramente	 dignos	 de	 civilidade.	 Para	 tentar	 provocar	 esta	 inversão	 de	 mentalidade,	 trataremos
juntos	de	compreender	o	que	seja	um	processo	penal.
Ao	 trabalhar	assim,	eu	não	faço,	depois	de	 tudo,	mais	do	que	 retomar	o	meu	caminho.	Também	eu,
como	 a	 maior	 parte	 de	 vocês,	 quando	 criança,	 sentia	 a	 curiosidade,	 já	 que	 não	 era	 verdadeiramente
apaixonado	por	este	espetáculo.	A	respeito,	contarei	daqui	a	pouco	num	episódio.	Na	universidade,	por
uma	série	de	circunstâncias,	com	as	quais	eu	compreendi	mais	tarde	o	verdadeiro	desígnio,	desviaram-
me	do	Direito	Penal	para	o	Direito	Civil.	Assim,	durante	longos	anos,	eu	venho	sendo	mais	um	civilista
do	que	um	penalista;	também	a	minha	atividade	científica	desenvolveu-se	mais	amplamente	no	terreno	do
Direito	Civil.	Mas,	 subsistiu	 em	mim	uma	atração	 secreta	 dirigida	 ao	Direito	 e	 ao	Direito	Processual
Penal.	Existia	uma	espécie	de	corrente	subterrânea	que,	ao	chegar	a	certo	ponto,	emergiu	à	superfície	da
terra.	Estaria	fora	de	lugar	a	recordação	de	detalhes	das	ocasiões	que	a	vida	me	ofereceu;	o	fato	é	que,
um	 dia,	 da	 cátedra	 de	 processo	 civil	 fui	 passado	 àquela	 do	Direito	 e	 depois	 à	 do	 processo	 penal.	 E
aconteceu	como	acontece	na	montanha	quando,	depois	de	um	longo	caminho	encravado	entre	as	rochas,	se
alcança	o	cume	e	finalmente	se	abre	defronte	aos	olhos	a	paisagem	iluminada	pelo	sol.
Assombram-se	alguns	por	esta	comparação?	O	Direito	Penal	não	está	no	vale,	melhor	posicionado	do
que	em	elevações?	Não	é	o	direito	da	sombra	melhor	que	o	direito	do	sol?	A	verdade	é	que,	segundo	uma
admirável	 intuição	de	São	Paulo,	nós	olhamos	as	coisas	no	espelho	e	por	 isso	as	vemos	 invertidas.	O
Direito	Penal,	sim,	é	o	direito	da	sombra;	mas	é	preciso	atravessar	a	sombra	para	se	chegar	à	 luz.	Ao
menos	para	mim	foi	o	que	aconteceu.	Cada	um	faz	o	seu	caminho;	e	o	caminho,	como	a	 fisionomia	de
cada	um,	é	diferente	do	caminho	dos	outros.	Eu	me	dediquei	a	tratar	com	os	chamados	homens	de	bem,
considerei-me	um	homem	de	bem;	e	não	dei	um	passo	para	cima.	Foi	o	conhecimento	dos	trapaceiros	que
me	fez	reconhecer	que	não	sou,	de	fato,	melhor	que	eles	ou	que	eles	não	são,	de	fato,	piores	do	que	eu;	e
era	 isto	 que	 necessitava,	 para	 um	 homem	 como	 eu,	 mais	 inclinado	 ao	 orgulho,	 senão	 propriamente	 à
soberba.	Quero	dizer	que	também	estive	por	muito	tempo	nas	arquibancadas	do	circo	olhando	do	alto	os
gladiadores,	como	se	não	fossem	meus	irmãos.	Se	aqueles	que	estão	lá	no	meio	arriscando	a	vida	fossem
nossos	 irmãos,	 não	 é	 certo	 pensar	 que	 correríamos	 para	 eles,	 para	 separá-los	 e	 para	 salvá-los?	Com
precisão,	 não	poderia	 dizer	 como	ocorreu	que,	 pouco	 a	 pouco,	 de	 estranho	 se	 converteram	em	 irmão.
Mas,	 em	 definitivo,	 isso	 aconteceu;	 e	 é	 o	 que	 importa.	 Desde	 aquele	 dia	 abriu-se	 diante	 de	mim	 um
magnífico	horizonte,	iluminado	pelo	sol.
Certamente,	 eu	 não	 faço	 ilusão	 em	 torno	 da	 eficácia	 das	 minhas	 palavras.	 Porém,	 segundo	 os
ensinamentos	 daquele	 sensacional	 filósofo	 que	 todos	 deveriam	 ver	 em	 Cristo,	 ainda	 que	 queiram
considerá-lo	somente	como	filho	do	homem,	não	esqueço	que	as	palavras	são	sementes.	Ainda	que,	com
o	meu	jardim	infelizmente	misture-se	muita	erva	daninha,	algum	grão	aqui	pode	ser	capaz	de	germinar.
Por	 isso,	 sem	presunção	mas	com	devoção,	os	semeio.	Não	pretendo	que	a	colheita	me	 remunere	com
cem,	nem	com	sessenta,	nem	com	trinta	por	um.	Assim,	ainda	que	um	só	dos	meus	grãos	germinasse,	não
teria	semeado	em	vão.
[1]	La	Voce	di	San	Giorgio	era	o	período	do	Centro	para	o	qual	Carnelutti	escreveu	inúmeros	artigos.
[2]	A	Fundação	Giorgio	Cini	foi	instituída	pelo	conde	Vittorio	Cini,	em	memória	de	seu	filho	Giorgio,	com	o	escopo	de	restaurar	a	Ilha	de	San
Giorgio	Maggiore,	gravemente	degradada	depois	de	quase	150	anos	de	ocupação	militar,	de	reinseri-la	na	vida	de	Veneza	e	de,	ali,	construir	um
centro	internacional	de	atividades	culturais	de	grande	importância.	A	Fundação	foi	construída	em	20	de	abril	de	1951	e,	inicialmente	contava
com	quatro	Institutos,	o	da	História	de	Arte,	o	da	História	do	Estado	e	da	Sociedade	Veneziana,	o	de	Literatura,	Música	e	Teatro	e	o	Instituto
Veneza	e	o	Leste.
[3]	O	Palácio	Ducal	está	situado	no	extremo	oriental	da	Praça	de	São	Marcos,	é	um	dos	símbolos	de	Veneza	e	exemplo	maravilhoso	do	estilo
gótico,	construído	como	obra	prima	das	colônias	da	republica	veneziana.	Durante	a	Renascença	o	prédio	foi	reformado,	com	a	construção	da
“Escada	dos	Gigantes”,	feita	por	Antonio	Rizzo	e	com	decoração	de	Lombardo.	É	um	estupendo	museu	com	mil	anos	de	história.
[4]	Giovanni	Buora,	1450-1513,	 foi	um	dos	arquitetos	que	desenhou	e	construiu	parcialmente	a	 Igreja	de	San	Giorgio	Maggiore	e	de	vários
edifícios	conexos	na	ilha.
[5]	Andrea	Palladio,	 1508-1580,	 foi	 um	dos	 arquitetos	 que	projetou	 e	 construiu	 as	 igrejas	San	Giorgio	Maggiore	 e	 Il	Redentore.	A	obra	 de
Palladio	foi	uma	referencia	obrigatória	para	os	arquitetos	ingleses	e	franceses	do	barroco.
[6]	O	 arquiteto	 Baldassare	 Longhena,	 1598-1682,	 foi	 o	 responsável	 pela	 reforma	 da	 abóboda	 da	 Basílica	 de	 San	 Giorgio	Maggiore,	 pela
construção	da	biblioteca	e	da	escada	monumental	da	igreja.
[7]	O	mesmo	que	nó.
[8]	Grande	anfiteatro	com	camarotes	e	arquibancadas	onde	se	realizam	jogos	e	espetáculos	públicos	na	Roma	antiga.
[9]	Era	a	melhor	e	maior	pista	de	corridas	de	Roma,	em	formato	oval	o	Circo	Máximo	foi	construído	em	um	longo	vale	que	se	estendia	entre
as	colinas	romanas	de	Aventine	e	Palatine.As	corridas	eram	praticadas	por	quatro	principais	equipes:	a	vermelha,	a	branca,	a	azul	e	a	verde
em	carruagens	puxadas	por	dois	ou	quatro	cavalos,	construídas	em	madeira.	Os	vencedores	recebiam	uma	rama	de	palma	e	uma	coroa	de
louros	(laurel),	além	de	dinheiro	e	fama.	Muitos	dos	competidores	eram	escravos	que	almejavam	ganhar	dinheiro	para	comprar	sua	liberdade.
CAPÍTULO	I	–	A	TOGA
A	primeira	coisa	que	impressiona,	que	se	apresenta	em	uma	Corte,	onde	se	discute	um	processo	penal,
é	que	certos	homens	que	ali	atuam	vestem	um	uniforme,	um	fardamento.	Esta	foi	a	primeira	impressão	da
Justiça,	ainda	nos	anos	da	minha	infância,	quando,	levado	a	presenciar	um	certo	cortejo	das	janelas	do
Palácio,	 onde	 tem	 sede	 a	Corte	 de	Apelação	de	Florença[10],	 na	 via	Cavour,	 vi	 sair	 de	 uma	 sala	 um
magistrado	em	toga[11];	e	fiquei	de	boca	aberta.
Por	que	os	magistrados	e	os	advogados	vestem	a	toga?	Não	parece	uma	roupa	de	trabalho,	como	para
os	médicos	o	jaleco	branco;	para	aquilo	que	terão	que	fazer,	juízes	e	defensores	poderiam	não	mudar	de
roupa	ou	não	cobrir	as	vestes	habituais.	Há,	de	fato,	alguns	países	nos	quais	a	toga	não	é	usada;	assim	se
faz	também	entre	nós,	para	os	graus	inferiores	da	hierarquia	judiciária.	Então,	de	que	se	trata?	Só	de	uma
homenagem	à	tradição?	Mas,	por	que	se	estabeleceu	à	tradição?
Creio	que	a	resposta	pode	vir	da	mesma	palavra.	Certo,	como	se	disse,	a	toga	é	um	fardamento,	como
aquela	dos	militares,	com	a	diferença	que	os	magistrados	e	os	advogados	a	usam	somente	em	serviço,
aliás	em	certos	atos	do	serviço,	particularmente	solenes.	Na	França	e,	sobretudo,	no	Reino	Unido,	onde	a
tradição	 é	mais	 estritamente	 observada,	 um	 advogado	 deve	 usá-la,	 em	 todos	 os	 casos,	 no	 interior	 do
Palácio	da	Justiça.
Pergunto-me	 por	 que	 o	 traje	 dos	 militares	 chama-se	 divisa[12].	 Divisa	 vem,	 manifestamente,	 de
dividir.	O	que	teria	a	ver	com	a	veste	militar	a	ideia	da	divisão?	A	surpresa	se	esvanece	rapidamente	se
o	 verbo	 dividir	 se	 substituísse	 por	 aquele	 afim,	 de	 discernir	 ou	 distinguir.	 É	 necessário	 separar	 os
militares	dos	civis,	não?	A	divisa	é	o	símbolo	da	autoridade.
Teria	razão	para	dizer	que	a	observação	das	palavras	nos	haveria	orientado	imediatamente:	na	corte
de	justiça	exercita-se,	por	excelência,	a	autoridade;	compreende-se	que	aqueles	que	a	exercitam	devem
distinguir-se	daqueles	sobre	os	quais	se	exercitam.	É	a	mesma	razão	pela	qual,	 também,	os	sacerdotes
vestem	um	 fardamento;	 e,	 ainda	mais,	 quando	 celebram	 as	 funções	 litúrgicas,	 endossam-se	 as	 batinas
sagradas.
A	divisa	se	chama	também	uniforme;	o	significado	desta	outra	palavra	parece,	porém,	contradizer	o	da
primeira,	pois	que	alude	a	uma	união	ao	 invés	de	a	uma	divisão.	Mas	são,	no	fundo,	dois	significados
complementares:	 a	 toga,	 verdadeiramente,	 como	 a	 veste	 militar,	 desune	 e	 une;	 separa	 magistrados	 e
advogados	dos	delinquentes,	para	uni-los	entre	si.	Esta	união,	observemos	bem,	tem	um	altíssimo	valor.
União	dos	 juízes	 entre	 eles,	 em	primeiro	 lugar.	O	 juiz,	 como	se	 sabe,	não	é	 sempre	um	homem	só;
comumente,	 para	 as	 causas	mais	graves,	 é	 formado	por	um	colegiado;	 todavia	 se	diz	 “o	 juiz”	 também
quando	os	juízes	são	mais	de	um	justamente	porque	se	unem	uns	com	outros,	como	as	notas	tiradas	de	um
instrumento	 se	 fundem	 no	 acorde.	 A	 toga	 dos	 magistrados	 não	 é,	 portanto,	 somente	 o	 símbolo	 da
autoridade,	mas	também	o	da	união,	ou	seja,	do	vínculo	que	os	liga	em	conjunto.	Há,	no	fundo	disso	uma
ideia	 de	 coral,	 que	 torna	 o	 ambiente	 também	 mais	 solene.	 Se	 vemos,	 por	 exemplo,	 a	 Corte	 de
Cassação[13]	em	sessões	conjuntas,	onde	atuam,	togados,	pelo	menos	quinze	magistrados,	vindo	a	mente
uma	reunião	de	frades,	quando	cantam	os	completórios[14]	e	as	matinas[15],	emoldurados	nos	assentos
do	coro.	Quem	sabe	como	funciona	a	justiça	colegiada	não	achará	demasiado	atrevimento	esta	imagem	de
acordo	e	de	coro.
O	conceito	de	uniforme	serve	ainda	mais	para	aclarar	a	razão	pela	qual	vestem	a	toga	não	semente	os
juízes,	mas	 também	os	membros	do	Ministério	Público	e	os	 advogados.	Daqui	 a	pouco,	 trataremos	de
compreender	a	necessidade	destas	outras	figuras	ao	lado	dos	juízes;	de	todas	as	maneiras,	todos	sabem
que	 não	 são	 eles	 que	 julgam,	 porém,	 ao	 invés,	 também	 eles	 são	 julgados:	 acusadores	 e	 defensores
ouvirão	dizer,	ao	final,	do	juiz,	se	estavam	com	a	razão	ou	não.	Não	é	isto	um	“ser	julgado”?	Eles	são,
portanto,	 em	 relação	 ao	 juiz,	 do	 outro	 lado	 da	 barricada.	 Dir-se-ia,	 então,	 se	 a	 toga	 é	 o	 símbolo	 da
autoridade,	quem	não	a	deveriam	usar;	e	ainda,	se	é	o	símbolo	da	união,	por	que	enquanto	o	acordo	reina
entre	 os	 juízes,	 o	 desacordo,	 pelo	 contrário,	 não	 tanto	 divide	 quanto	 deve	 dividir	 o	 acusador	 do
defensor?	Em	uma	palavra,	enquanto	o	juiz	está	lá	para	impor	a	paz,	o	Ministério	Público	e	advogados
estão	lá	para	fazer	a	guerra.	Precisamente,	no	processo,	é	necessário	fazer	a	guerra	para	garantir	a	paz.
Ora,	 esta	 fórmula	 pode	 ter	 sabor	 de	 paradoxo;	mas	 haverá	 o	momento	 no	 qual	 poderemos	 apreciar	 a
verdade.	A	toga	do	acusador	e	do	defensor	significa,	pois,	que	aquilo	que	fazem	e	é	feito	a	serviço	da
autoridade;	em	aparência	estão	divididos,	mas	na	verdade	estão	unidos	no	esforço	que	cada	um	realiza
para	alcançar	a	justiça.
Em	 conjunto	 esses	 homens	 com	 toga	 dão	 ao	 processo	 –	 e	 especialmente	 ao	 processo	 penal	 –	 um
aspecto	solene.	Se	a	solenidade	é	ofuscada,	como	ocorre	infelizmente	não	poucas	vezes,	por	negligência
dos	 advogados	 e	dos	próprios	magistrados,	 os	quais	não	 respeitam,	 como	deveriam,	 a	disciplina,	 isto
redunda	em	prejuízo	da	sociedade.	No	tribunal	deveria	estar	com	igual	isolamento,	como	de	dá	na	igreja.
Os	antigos	reconheceram	um	caráter	sagrado	ao	acusado	porque,	diziam,	era	desatinado	à	vingança	dos
deuses;	 assim	 tinham	eles	 a	 intuição	de	uma	verdade	profunda.	O	 juízo,	o	verdadeiro,	o	 justo	 juízo,	o
juízo	que	não	falha	está	somente	nas	mãos	de	Deus.	Se	os	homens,	todavia,	se	encontram	na	necessidade
de	julgar,	 tenham	ao	menos	a	consciência	de	que	fazem,	quando	julgam,	as	vezes	de	Deus.	A	afinidade
entre	o	juiz	e	o	sacerdote	não	é	desconhecida	nem	sequer	entre	os	ateus,	que	falam	a	esse	respeito	de	um
sacerdócio	civil.
A	toga,	sem	dúvida,	convida	ao	isolamento.	Infelizmente	hoje	sempre	mais,	sob	este	aspecto,	a	função
judiciária	está	ameaçada	pelos	opostos	perigos	da	indiferença	ou	do	clamor:	indiferença	pelos	processos
pequenos,	 clamor	 pelos	 processos	 célebres.	 Naqueles	 a	 toga	 parece	 uma	 armadura	 inútil;	 nestes	 se
assemelha,	lamentavelmente,	a	um	disfarce	teatral.	A	publicidade	do	processo	penal,	a	qual	corresponde
não	somente	à	 ideia	do	controle	popular	sobre	o	modo	de	administrar	a	 justiça,	senão	 também,	e	mais
profundamente,	ao	seu	valor	educativo,	está,	infelizmente,	degenerada	em	um	motivo	de	desordem.	Não
tanto	o	público	que	enche	os	tribunais	a	um	limite	inverossímil,	mas	a	invasão	da	imprensa,	que	precede
e	persegue	o	processo	com	imprudente	indiscrição	e	não	de	raro	descaramento,	aos	quais	ninguém	ousa
reagir,	 tem	 destruído	 qualquer	 possibilidade	 de	 juntar-se	 com	 aqueles	 aos	 quais	 incumbe	 o	 tremendo
dever	de	acusar,	de	defender,	de	julgar.	As	togas	dos	magistrados	e	dos	advogados,	assim,	se	perdem	na
multidão.	 São	 cada	 vez	mais	 raros	 são	 os	 juízes	 que	 têm	 a	 severidade	 necessária	 para	 reprimir	 esta
desordem.
Quase	 cinquenta	 anos	 faz,	 discutindo-se	 em	 Veneza	 um	 processo	 por	 homicídio,	 sobre	 o	 qual
convergia	a	mórbida	curiosidade	de	todos,	na	sessão	do	Tribunal	do	Júri,	incrivelmente	lotado,	quando
se	 levantou	 para	 ser	 interrogada,	 emergindo	 do	 cárcere	 em	 sua	 estupenda	 figura,	 Maria	 Nicolaieva
Tarnowska[16],	qualquer	centena	de	senhores,	que	apinhavam	os	locais	reservados,	num	salto	puseram-
se	 em	pé	 e	 assentaram	 sobre	 ela	monóculos[17]	 e	 binóculos,	Angelo	Fusinato[18],	 presidente	 insigne,
exclamou	com	contida	indignação:	“Amanhãeste	espetáculo	incivil	não	se	repetirá	mais”.	Mais	que	as
medidas	que	ele	soube	tomar	e	inflexivelmente	manter	durante	o	longo	curso	do	processo,	recordo,	agora,
como	o	ouvi	pronunciar,	suas	memoráveis	palavras:	“Este	espetáculo	incivil!”	Era	o	mesmo	presidente,	o
qual	 não	 tolerava	 que	 um	 advogado	 se	 comportasse	 no	 falar,	 no	 gesticular,	 no	 vestir	 de	 modo	 não
conforme	à	dignidade	de	seu	ofício	e,	de	outra	parte,	quando	percebesse,	decidindo	uma	causa	civil,	ter
cometido	um	erro,	não	tinha	tranquilidade	até	que	não	lhe	fosse	dado	corrigir-se	publicamente[19].	Eis
aqui	um	magistrado	que	tinha	compreendido	o	valor	que	tem	o	processo	penal	para	a	civilidade	de	um
povo.	Os	advogados	de	Veneza,	para	exaltarem	o	seu	exemplo	de	firmeza,	de	dignidade,	de	abnegação,
ornaram	com	seu	busto	o	grande	átrio	superior	da	Corte	de	Apelação	e	eu,	agora,	quero	lembrar	a	sua
figura	quase	para	colocar	sob	sua	proteção	aquilo	que	estou	dizendo	em	torno	desta	mais	alta	experiência
de	civilização,	que	deveria	ser	o	processo	penal.
[10]	Até	hoje	 a	Corte	de	Apelação	de	Florença	 se	mantém	no	mesmo	endereço,	Rua	Cavour,	 57,	Palazzo	Buontalenti,	 local	 onde	 também
funciona	a	Ordem	dos	Advogados	local.
[11]	Beca,	vestimenta	de	magistrado.
[12]	Por	derivação,	na	língua	portuguesa,	o	termo	divisa	emprega-se	com	sentido	próprio	no	âmbito	militar,	qual	seja	o	de	insígnia	de	posto	ou
patente	dos	militares.	Assim,	as	divisas	são	usadas	em	suas	fardas.
[13]	É	o	órgão	jurisdicional	cuja	competência	é,	entre	outras,	uniformizar	a	jurisprudência.	Equivale	ao	Supremo	Tribunal	Federal	brasileiro.
[14]	Se	diz	da	última	hora	canônica	da	recitação	do	oficio	divino	ou	breviário.
[15]	São	os	cânticos	da	primeira	parte	do	ofício	divino,	geralmente	da	liturgia	católica,	que	acontecem	entre	a	meia-noite	e	o	raiar	do	sol.
[16]	Escândalo	ressonante	 ocorrido	 nos	 primeiros	 anos	 de	 1900;	 uma	 história	 de	 amores,	 perversão,	 traições	 e	 homicídios	 que	 ressume	 de
modo	exemplar	a	hipocrisia,	o	cinismo,	a	 falta	de	moral	que	 reinavam	nas	classes	altas	europeias	da	belle	 époque	e	 a	 frieza	de	uma	bela
mulher.	Nascida	Maria	Nicolaieva	O’Rurke,	 de	 sobrenome	nobre,	 em	Kiev,	 1877,	 casou-se	 com	o	 conde	Vassili	 Tarnowsky	 e	 se	 tornou	 a
condessa	Maria	Nicolaieva	Tarnowska.	O	ápice	do	escândalo	se	deu	em	1910,	em	Veneza,	por	ocasião	do	julgamento	de	Maria	Tarnowska	e
seus	 dois	 amantes,	 o	 jovem	Nicola	 Naumaff	 e	 o	 advogado	Maximilliano	 Prilukoff,	 que	 foram	 presos	 em	 1907	 pela	 morte	 do	 conde	 Paul
Kamarovsky.	Pelo	menos	seis	homens	foram	arruinados	por	ela;	dois	deles	tiveram	morte	trágica	e	quatro	deles	deserdaram	esposas	e	filhos.
A	 história	 de	Maria	 Tarnouwska	 envolveu	 muitos	 homens,	 muitos	 tiros,	 e	 muitos	 finais	 catastróficos;	 ela	 foi	 a	 verdadeira	 “mulher	 fatal”.
Prilukoff	 foi	 considerado	o	mentor	 do	plano	para	 o	 assassinato	 de	Kamarovsky	 e	 foi	 sentenciado	 a	 dez	 anos	 de	 prisão.	A	 condessa	 e	 seu
jovem	amante	Naumoff,	que	disparou	os	tiros	fatais,	foram	condenados	a	oito	anos	cada	um.
[17]	Monóculo	é	 a	 lente,	 provida	 ou	 não	 de	 aro,	 que	 se	 usa	 encaixada	 entre	 os	músculos	 da	 cavidade	 orbitária,	 geralmente	 para	 correção
visual.
[18]	Angelo	Fusinato	 era	 o	 presidente	 do	Tribunal	 de	Veneza,	 em	1910,	 onde	 estavam	 sendo	 julgados	Maria	Nicolaieva	Tarnowska	 e	 seus
amantes.
[19]	Francesco	Carnelutti,	um	então	jovem	advogado	de	Direito	Civil,	a	propósito	do	julgamento,	definiu	o	comportamento	de	Maria	Nicolaieve
Tarnowska	como	sendo	cobiça	porque:	“não	a	paixão,	não	o	amor,	não	o	ódio,	mas	só	o	desejo	vil	do	dinheiro	a	 tinha	 impelido,	causando	a
morte	de	um	pai	de	família	e	levando	à	perdição	um	jovem	que,	até	então,	tinha	sido	honesto”.
CAPÍTULO	II	–	O	PRESO
À	solenidade,	para	não	dizer	à	majestade,	dos	homens	em	toga	contrapõe-se	o	homem	no	cárcere.	Não
esquecerei	 nunca	 a	 impressão,	 que	 deste	 tive	 a	 primeira	 vez	 na	 qual,	 ainda	 adolescente,	 ingressei	 na
Corte	de	uma	seção	penal	no	Tribunal	de	Turim.	Aqueles,	dir-se-ia,	sobre	o	nível	do	homem;	este,	em
baixo,	 preso	 na	 cela,	 como	 um	 animal	 perigoso.	 Sozinho,	 pequeno,	 apesar	 de	 sua	 elevada	 estatura;
perdido,	ainda	que	procurasse	ser	desembaraçado;	pobre,	miserável,	necessitado...
Cada	 um	 de	 nós	 tem	 as	 suas	 preferências,	 também	 em	 matéria	 de	 compaixão.	 Os	 homens	 são
diferentes	entre	eles	até	no	modo	de	sentir	a	caridade.	Também	este	é	um	aspecto	da	nossa	insuficiência.
Existem	aqueles	que	concebem	o	pobre	com	a	figura	do	faminto,	outros	com	a	de	vagabundo,	outros	com
a	de	doente;	para	mim,	o	mais	pobre	de	todos	os	pobres	é	o	encarcerado.
Digo	 o	 encarcerado[20],	 observe-se	 bem,	 não	 o	 delinquente.	 Digo	 o	 encarcerado,	 como	 disse	 o
Senhor,	 naquele	 famoso	 sermão	 referido	 no	Capítulo	XXV	 do	Evangelho	 de	Mateus[21],	 que	 exerceu
sobre	mim	uma	fascinação	incalculável;	e	até	ontem,	pode	dizer-se,	acreditei	que	encarcerado	ali	fosse
dito	 como	 sinônimo	 de	 delinquente,	mas	me	 equivocava	 e	 a	 equivocação	 foi	 um	 de	 tantos	 episódios,
aptos	para	demonstrar	que	nunca	se	meditam	o	bastante	sobre	os	sermões	de	Jesus.
O	delinquente,	até	que	não	seja	encarcerado,	é	uma	outra	coisa.	Confesso	que	o	delinquente	repugna-
me;	em	certos	casos	me	causa	horror.	Para	mim,	entre	outros,	o	delito,	o	grande	delito,	ocorreu-me	de
presenciá-lo	pelo	menos	uma	vez,	com	os	meus	próprios	olhos.	Os	que	brigavam	pareciam	duas	panteras;
e	fiquei	absolutamente	horrorizado;	contudo	bastou	que	visse	um	dos	dois	homens,	que	tinha	derrubado	o
outro	 com	 um	 golpe	 mortal,	 enquanto	 os	 policiais,	 providencialmente	 acudiam,	 colocando-lhe	 as
algemas,	para	que	do	horror	nascesse	a	compaixão.	A	verdade	é	que,	apenas	algemado,	a	fera	converteu-
se	num	homem.
As	algemas,	também	as	algemas	são	um	símbolo	do	direito;	talvez,	pensando	bem,	o	mais	autêntico	de
seus	símbolos,	ainda	mais	expressivo	do	que	a	balança	e	a	espada.	É	necessário	que	o	direito	nos	ate	as
mãos.	 E	 justamente	 as	 algemas	 servem	 para	 descobrir	 o	 valor	 do	 homem,	 que	 é,	 segundo	 um	 grande
filósofo	italiano,	a	razão	e	a	função	do	direito.	Quidquid	latet	apparebit[22],	repete	ele	a	este	propósito,
com	o	dies	irae[23]:	 tudo	aquilo	que	está	oculto	virá	à	 luz.	Aquilo	que	estava	escondido,	na	manhã	na
qual	vi	o	homem	lançar-se	contra	o	outro,	sob	a	aparência	de	fera,	era	o	homem;	tão	 logo	ataram	seus
pulsos	com	a	corrente,	o	homem	reapareceu:	o	homem,	como	eu,	com	o	seu	mal	e	com	o	seu	bem,	com	as
suas	 sombras	 e	 com	 as	 suas	 luzes,	 com	 a	 sua	 incomparável	 riqueza	 e	 a	 sua	miséria	 espantosa.	 Então
nasceu,	do	horror,	a	compaixão.
Não	me	permiti,	agora,	arrastar	pela	literatura,	ao	falar,	a	propósito	do	delinquente,	do	mal	e	do	bem,
da	sombra	e	da	luz,	da	miséria	e	da	riqueza,	deixando-me	arrastar	pela	literatura?	Censuraram-me	muitas
vezes,	ainda	por	último,	na	ocasião	de	uma	 infeliz	batalha	pela	abolição	do	calabouço,	uma	coisa	que
qualquer	 um	 definiria	 como	 uma	 ingenuidade.	 Oxalá	 que	 fosse	 isso!	 A	 verdade	 é	 que	 Francisco[24],
justamente	porque	melhor	do	que	qualquer	outro	interpretou	Cristo,	desceu	mais	ao	fundo	que	qualquer
outro	no	 abismo	do	problema	penal.	Francisco,	 só	Francisco	 compreendeu,	 beijando	o	 leproso,	 o	 que
quis	dizer	Jesus	com	o	convite	a	visitar	os	encarcerados.	Os	sábios,	os	quais	continuam	a	considerar	a
pena,	 segundo	 uma	 fórmula	 célebre,	 como	 um	mal	 que	 sofre	 o	 delinquente	 pelo	 mal	 que	 ele	 causou,
ignoram	ou	 esquecem	 aquilo	 que	Cristo	 disse	 a	 propósito	 do	 demônio	 que	 não	 serve	 para	 expulsar	 o
demônio:	não	é	com	o	mal	que	se	pode	vencer	o	mal.	Já	Virgílio[25],	antes	que	baixasse	aos	homens	a	luz
de	Cristo,	havia	cantado:	omnia	vincit	amor[26],	o	amor	sozinho	é	sempre	vitorioso.	Não	se	pode	fazer
uma	nítida	divisão	dos	homens	em	bons	e	maus.	Infelizmente	a	nossa	curta	visão	não	permite	avistar	um
e
germe	do	mal	naqueles	que	são	chamados	de	bons,	e	um	germe	de	bem,	naqueles	que	são	chamados	de
maus.E	essa	visão	tão	curta	depende	de	nosso	intelecto	e	que	ele	não	esteja	iluminado	pelo	amor.	Basta
tratar	o	delinquente,	 antes	que	uma	 fera,	 como	um	homem,	para	avaliar	nele	a	 incerta	 chama	de	pavio
fumegante,	que	a	pena,	ao	invés	de	apagar,	deveria	reavivar.
Poucas	 vezes	 vi	 uma	 expressão	 tão	 pavorosa	 como	 aquela	 de	 um	homicida,	 que	 defendi,	 anos	 faz,
diante	 de	um	Tribunal	 do	 Júri	 na	 extrema	Calábria[27]:	 tinha	matado	 dois	 homens,	 premeditadamente,
desferindo	dois	tiros	de	pistola	pelas	costas;	não	vi	naquele	rosto	sombreado	por	um	capacete	de	cabelos
escuros	 nem	 sequer	 um	 alvor	 de	 luz.	 Defendia	 junto	 com	 ele	 também	 seu	 irmão,	 acusado	 de	 havê-lo
instigado	 a	 matar.	 No	 colóquio	 que	 tive	 com	 ele,	 apenas	 chegado	 lá	 embaixo,	 lhe	 devia	 dizer	 que
infelizmente	para	ele	não	havia	esperança;	tudo	o	mais	se	podia	tentar,	com	as	atenuantes	genéricas,	de
converter	a	prisão	perpétua	em	trinta	anos	de	reclusão.	Ele	me	ouviu	impassível;	depois	disse:	“não	se
ocupe	de	mim,	advogado;	não	importa;	eu	sou	um	homem	perdido;	pense	para	salvar	meu	irmão,	que	tem
nove	filhos”.	Então,	um	raio	de	amor	iluminou	a	sua	fronte.	Não	era	a	sua	riqueza	aquele	amor	fraterno,
que	o	fazia	esquecer	até	seu	terrível	destino?
A	verdade	é	que	o	germe	do	bem	em	qualquer	um	de	nós,	não	só	nos	delinquentes,	está	aprisionado.
Há	aqueles	que	têm	mais,	há	aqueles	que	têm	menos;	mas	nenhum	de	nós	tem	todo	o	espaço	que	deveria
ter.	Todos,	em	uma	palavra,	estamos	na	prisão,	uma	prisão	que	não	se	vê,	mas	que	não	se	pode	deixar	de
sentir.	 Aquela	 angústia	 do	 homem,	 que	 constitui	 o	 motivo	 de	 uma	 corrente	 da	 filosofia	 moderna,	 de
grande	notoriedade	e	de	indiscutível	importância,	não	é	outra	coisa	que	o	sentido	da	prisão.	Cada	um	de
nós	está	aprisionado	enquanto	esteja	fechado	em	si,	na	solicitude	por	si,	no	amor	de	si	mesmo.	O	delito
não	é	mais	que	uma	explosão	de	egoísmo,	na	sua	raiz.	O	outro	não	conta;	o	que	importa	é	somente	ele
mesmo.	Somente	abrindo-se	para	com	outro	o	homem	pode	sair	da	prisão.	E	basta	que	se	abra	para	com
outro,	para	que	entre	pela	porta	aberta	a	graça	de	Deus.
Quidquide	latet	apparebit[28],	canta	o	dies	irae[29].	Poucas	 instituições	foram	mais	felizes	do	que
aquela	do	filósofo	que	expressou	com	esta	frase	a	eficácia	do	direito.	A	prisão	ou	as	algemas,	dizíamos,
são	 um	 símbolo	 do	 direito,	 e	 por	 isso	 revelam	 a	 natureza	 e	 a	 desventura	 do	 homem.	 O	 homem
acorrentado,	ou	o	homem	na	prisão	é	a	verdade	do	homem;	o	direito	não	faz	mais	que	revelá-la.	Cada	um
de	nós	esta	fechado	em	uma	prisão	que	não	se	vê.	Não	nos	parecemos	com	os	animais	porque	estamos	na
prisão,	mas	estamos	na	prisão	porque	nos	parecemos	com	os	animais.	Ser	homem	não	quer	dizer	não	ser,
mas	poder	não	ser	animal.	Esta	capacidade	é	a	capacidade	de	amar.
Quem	teria	imaginado	estas	coisas	quando	vi,	ainda	criança,	um	homem	na	prisão,	na	corte	escura	do
Tribunal	de	Turim?	Quem	teria	imaginado	que	o	espetáculo	daquele	homem	enjaulado	eu	não	haveria	de
esquecer	nunca?	É	curioso	como	certos	fatos,	que	parecem	insignificantes,	se	inserem	indelevelmente	na
fita	da	nossa	memória.	Fato	é	que	ainda	agora,	depois	de	haver	visto	tantos,	o	homem	encarcerado	tem
um	fascínio	misterioso	para	mim.	É	esta	a	experiência	que	me	abriu	o	caminho	da	salvação.
[20]	Naquele	tempo,	pessoas	portadoras	de	doenças	infectocontagiosas,	ou	tidas	como	tal,	eram	segregadas	em	guetos	ou	encarceradas,	como
forma	de	excluí-las	do	convívio	social	para	evitar	contaminação.
[21]	Versículos	31	a	46:	E	quando	o	Filho	do	homem	vier	em	sua	glória,	e	todos	os	santos	anjos	com	ele,	então	se	assentará	no	trono	da	sua
glória;	E	todas	as	nações	serão	reunidas	diante	dele,	e	apartará	uns	dos	outros,	como	o	pastor	aparta	dos	bodes	as	ovelhas;	E	porá	as	ovelhas
à	sua	direita,	mas	os	bodes	à	esquerda.	Então	dirá	o	Rei	aos	que	estiverem	à	sua	direita:	Vinde,	benditos	de	meu	Pai,	possuí	por	herança	o
reino	que	vos	está	preparado	desde	a	 fundação	do	mundo;	Porque	 tive	 fome,	e	destes-me	de	comer;	 tive	 sede,	 e	destes-me	de	beber;	 era
estrangeiro,	e	hospedastes-me;	Estava	nu,
vestistes-me;	adoeci,	e	visitastes-me;	estive	na	prisão,	e	 fostes	ver-me.	Então	os	 justos	 lhe	 responderão,	dizendo:	Senhor,	quando	 te	vimos
com	fome,	e	te	demos	de	comer?	Ou	com	sede,	e	te	demos	de	beber?	E	quando	te	vimos	estrangeiro,	e	te	hospedamos?	ou	nu,	e	te	vestimos?
E	quando	te	vimos	enfermo,	ou	na	prisão,	e	fomos	ver-te?	E,	respondendo	o	Rei,	lhes	dirá:	Em	verdade	vos	digo	que	quando	o	fizestes	a	um
destes	meus	pequeninos	irmãos,	a	mim	o	fizestes.	Então	dirá	também	aos	que	estiverem	à	sua	esquerda:	Apartai-vos	de	mim,	malditos,	para	o
fogo	eterno,	preparado	para	o	diabo	e	seus	anjos;	Porque	tive	fome,	e	não	me	destes	de	comer;	tive	sede,	a	não	me	destes	de	beber;	Sendo
estrangeiro,	não	me	recolhestes;	estando	nu,	não	me	vestistes;	e	enfermo,	e	na	prisão,	não	me	visitastes.	Então	eles	também	lhe	responderão,
dizendo:	Senhor,	quando	 te	vimos	com	 fome,	ou	com	sede,	ou	estrangeiro,	ou	nu,	ou	enfermo,	ou	na	prisão,	 e	não	 te	 servimos?	Então	 lhes
responderá,	 dizendo:	Em	verdade	 vos	 digo	 que,	 quando	 a	 um	 destes	 pequeninos	 o	 não	 fizestes,	 não	 o	 fizestes	 a	mim.	E	 irão	 estes	 para	 o
tormento	eterno,	mas	os	justos	para	a	vida	eterna.
[22]	Tudo	o	que	se	esconde,	há	de	aparecer.
[23]	Dia	da	ira.
[24]	São	Francisco	de	Assis	foi	viver	enclausurado	com	os	portadores	de	hanseníase	(leprosos)	e	acabou	por	se	tornar	o	santo	protetor	dos
acometidos	dessa	doença.
[25]	Poeta	latino	que	viveu	nos	anos	70	a	19	a.C.
[26]	Todos	vencem	com	o	amor.
[27]	Diz	se	da	cidade	de	Reggio	Calabria,	denominada	província,	que	faz	parte	da	região	da	Calábria,	na	Itália.
[28]	Tudo	o	que	se	esconde,	há	de	aparecer.
[29]	Dia	da	ira.
CAPÍTULO	III	–	O	ADVOGADO
Carlo	Majno,	que	hoje	é	um	dos	melhores	advogados	em	Milão	e	foi,	naquela	universidade,	um	dos
meus	discípulos	mais	queridos,	me	doou,	precisamente	no	dia	em	que	eu	deixei	a	cátedra	de	Milão	pela
de	Roma,	um	belíssimo	desenho	a	pastel	avermelhado,	do	pintor	Mentessi[30],	que	representava	as	mãos
de	 um	 encarcerado,	 presas	 nas	 algemas.	 Mentessi	 não	 tinha	 certamente	 experiência	 particular	 do
problema	penal;	todavia,	aquele	desenho	demonstra	como	são	proféticas	as	obras	de	um	artista:	uma	das
mãos,	a	esquerda,	 tombada	para	baixo,	 inerte,	em	ato	de	desalento;	a	outra,	sobreposta,	volve	a	palma
para	o	alto,	como	aquela	do	pobre	que	pede	a	caridade.	Há	toda	a	psicologia	do	preso	naquele	pequeno
quadro.
A	minha	 felicidade	 foi	 que	 eu	vi	 tantas	 vezes,	 no	 curso	da	 vida,	 estenderem	para	mim	aquela	mão
aberta,	na	espera	do	donativo.	As	pessoas	imaginam	o	advogado	como	um	técnico,	ao	qual	se	requer	um
trabalho	que	quem	o	pede	não	 teria	 capacidade	de	 fazer	 por	 si	mesmo,	 figurando	no	mesmo	plano	do
médico	ou	do	engenheiro;	é	verdade	também	isto,	mas	não	é	toda	ela;	o	restante	da	verdade	é	descoberto,
sobretudo,	pela	experiência	do	preso.
O	preso	é,	essencialmente,	um	necessitado.	A	escala	dos	necessitados	foi	traçada	naquele	sermão	de
Cristo	ao	qual	já	tive	ocasião	de	acenar,	referido	no	Capítulo	XXV	de	Mateus[31]:	famintos,	sedentos,
despidos,	vagabundos,	doentes,	presos;	uma	escala	que	conduz	o	meio	animal	da	essencial	necessidade
física	 à	 necessidade	 essencialmente	 espiritual;	 o	 preso	 não	 tem	necessidade	 nem	de	 alimento,	 nem	de
roupas,	 nem	 de	 casa,	 nem	 de	medicamentos;	 o	 único	 remédio,	 para	 ele	 é	 a	 amizade.	As	 pessoas	 não
sabem,	 tampouco	 os	 juristas,	 que	 aquilo	 que	 se	 pede	 ao	 advogado	 é	 a	 esmola	 da	 amizade	 antes	 de
qualquer	outra	coisa.
O	nome	mesmo	de	advogado	soa	como	um	grito	de	ajuda.	Advocatus,	vocatus	ad,	chamado	a	socorrer.
Também	o	médico	é	chamado	a	socorrer;	mas	só	ao	advogado	se	dá	este	nome.	Quer	dizer	que	há	entre	a
prestação	 do	 médico	 e	 a	 do	 advogado	 uma	 diferença	 que,	 não	 voltada	 para	 o	 direito	 é,	 todavia,
descoberta	pela	rara	intuição	da	linguagem.	Advogado	é	aquele,	ao	qual	se	pede,	em	primeiro	plano,a
forma	essencial	de	ajuda,	que	é	propriamente	a	amizade[32].
E	 da	mesma	 forma	 a	 outra	 palavra	 “cliente”,	 a	 qual	 serve	 a	 denominar	 aquele	 que	 solicita	 ajuda,
reforça	 esta	 interpretação:	 o	 cliente,	 na	 sociedade	 romana,	 pedia	 proteção	 ao	 patrono;	 também	 o
advogado	se	chama	patrono.	E	a	derivação	de	patrono,	de	pater,	projeta	sobre	a	relação	a	luz	do	amor.
Aquilo	 que	 atormenta	 o	 cliente	 e	 o	 impede	 a	 pedir	 ajuda	 é	 a	 inimizade.	 Já	 as	 causas	 civis	 e,
sobretudo,	 as	 causas	 penais	 são	 fenômenos	 de	 inimizade.	A	 inimizade	 ocasiona	 um	 sofrimento	 ou,	 ao
menos,	um	dano	como	certos	males,	os	quais,	tanto	mais	quando	não	são	descobertos	pela	dor,	debilita	o
organismo;	por	isso,	da	inimizade	surge	a	necessidade	da	amizade;	a	dialética	da	vida	é	assim.	A	forma
elementar	 da	 ajuda,	 para	 quem	 se	 encontra	 em	 guerra,	 é	 a	 aliança.	O	 conceito	 de	 aliança	 é	 a	 raiz	 da
advocacia.
O	acusado	sente	 ter	a	aversão	de	muita	gente	contra	si;	algumas	vezes,	nas	causas	mais	graves,	 lhe
parece	 que	 esteja	 contra	 ele	 todo	 o	mundo.	Não	 raramente,	 quando	 o	 transportam	para	 a	 audiência,	 é
recebido	 pela	 multidão	 com	 um	 coro	 de	 imprecações;	 não	 raramente	 explodem	 contra	 ele	 atos	 de
violência,	contra	os	quais	não	é	fácil	protegê-lo.	Em	estado	de	ânimo	de	Catarina	Fort[33]	que,	quando
se	apresentou	diante	dos	 juízes,	 levou	os	 imaginários	de	 todos	a	chamavam	de	fera?	É	necessário,	não
somente	pensar	nestes	casos,	senão	tratar	de	meter-se	na	briga	destes	desgraçados	para	compreender	a
sua	pavorosa	solidão	e,	com	esta,	a	sua	necessidade	de	companhia.	Companheiro,	de	cum	pane,	é	aquele
que	divide	conosco	o	pão.	O	companheiro	coloca-se	no	mesmo	plano	daqueles	aos	quais	faz	companhia.
A	necessidade	do	cliente,	 especialmente	do	acusado,	 é	 a	 seguinte:	 a	de	um	que	 se	 sente	ao	 lado	dele,
sobre	o	último	degrau	da	escada.
A	essência,	a	dificuldade,	a	nobreza	da	advocacia	é	esta:	permanecer	sobre	o	último	degrau	da	escada
ao	 lado	do	acusado.	O	povo	não	compreende	aquilo	que	os	demais,	 tampouco	os	 juristas	 entendem;	e
riem,	burlam	e	escarnecem.	Não	é	um	trabalho	que	goze	da	simpatia	do	público,	e	mesmo	de	cirineu[34].
No	 campo	 literário	 e	 também	no	 campo	 litúrgico,	 as	 razões	 pelas	 quais	 a	 advocacia	 é	 objeto	 de	 uma
difundida	 antipatia	 não	 são	 outras	 senão	 estas.	 E	 até	 Perfino	 Manzoni,	 quando	 teve	 que	 retratar	 um
advogado,	 perdeu	 a	 sua	 honradez	 e	 a	 Igreja	 deixou	 introduzir	 no	 hino	 de	 Santo	 Ivo[35],	 patrono	 dos
advogados,	um	verso	afrontoso.	As	coisas	mais	simples	são	as	mais	difíceis	de	entender.
Digamos	com	clareza:	a	experiência	do	advogado	está	sob	o	símbolo	da	humilhação.	É	certo	que	vista
a	 toga;	colabora,	desde	 já,	na	administração	da	 justiça;	mas	o	 seu	 lugar	é	embaixo,	e	não	no	alto.	Ele
divide	 com	 o	 acusado	 a	 necessidade	 de	 pedir	 e	 de	 ser	 julgado.	 Ele	 está	 sujeito	 ao	 juiz,	 como	 está	 o
acusado.
Mas	 precisamente	 por	 isto	 a	 advocacia	 é	 um	 exercício	 espiritualmente	 saudável.	 Pesa	 o	 dever	 de
pedir,	 mas	 é	 proveitoso.	 Habitua-se	 a	 suplicar.	 Que	 outra	 coisa	 é,	 senão	 um	 pedir,	 uma	 súplica?	 A
arrogância	apresenta-se	com	sendo	o	verdadeiro	obstáculo	à	suplicação;	e	a	arrogância	é	uma	ilusão	de
poder.	Não	há	nada	melhor	que	 advocacia	para	 sanar	 tal	 ilusão	de	potencial.	O	maior	dos	 advogados
sabe	que	não	pode	fazer	nada	frente	ao	menor	dos	juízes;	entretanto,	o	menor	dos	juízes	é	aquele	que	o
humilha	mais.	 É	 constrangido	 a	 chamá-lo	 à	 porta	 como	 um	 pobre.	 E	 nem	 sequer	 está	 escrito	 sobre	 a
porta:	 pulsate	 et	 aperietur	 vobis[36].	 Não	 raramente	 se	 chama	 em	 vão.	 A	 experiência	 se	 faz	 mais
dolorosa	e	mais	saudável.	Se	acreditava	ter	razão,	se	havia	estudado	tanto,	se	havia	suado	tanto,	então...
É	necessário	conhecer	estes	momentos	para	compreender.
Os	romanos	denominavam	a	atividade	do	advogado	no	processo	com	o	verbo	postular[37].	Dizem	os
dicionários	de	língua	clássica	antiga	que	esse	verbo	significa	pedir	aquilo	que	se	tem	direito	de	ter.	E	é
isto	que	agrava	o	peso	de	pedir.	Não	se	deveria	ter	necessidade	de	pedir	aquilo	que	se	tem	direito	de	ter.
Em	conclusão	é	necessário	submeter-se	o	 juízo	próprio	ao	alheio,	ainda	quando	 tudo	permite	crer	que
não	haja	razão	de	atribuir	a	outro	uma	maior	capacidade	de	julgar.
Isto	significa,	no	plano	social,	colocar-se	junto	ao	acusado	no	último	degrau	da	escada:	um	sacrifício;
mas	 não	 existe	 sacrifício	 sem	 benefício.	 Por	 isto,	 eu	 disse	 que	 a	 nossa	 experiência	 é	 saudável.	 O
benefício	está	quando	se	começa	a	descobrir,	na	escuridão,	a	pequena	chama	do	pavio	 fumegante.	Um
benefício,	 como	 acontece	 sempre	 nas	 coisas	 do	 espírito	 que,	 ao	mesmo	 tempo,	 se	 dá	 e	 se	 recebe:	 se
aquela	pequena	chama	se	reaviva,	o	seu	calor	não	aquece	somente	a	alma	do	cliente,	senão	também	a	do
patrono.	Pelo	 pouco	de	bom	que	 eu	pude	 fazer	 para	 algum	destes	 desgraçados,	 imenso	 foi	 o	 bem	que
deles	recebi;	do	Senhor,	entende-se,	mas	por	meio	deles;	pois	que	o	Senhor	disse	que	quanto	é	dado	a
eles	é	recebido	por	Ele,	os	pobres	são	os	enviados	de	Deus.
O	preso,	 as	pessoas	não	 sabem	e	menos	ainda	ele	próprio	o	 sabe,	 é	 faminto	e	 sedento	de	amor.	A
necessidade	da	amizade	provém	da	sua	desolação.	Quanto	maior	é	a	desolação,	mais	profunda	e	fecunda
é	 a	 necessidade	 de	 amizade.	 Inconsistentemente	 ele	 pede	 aquilo	 que	 é	 indispensável	 a	 fim	 de	 que	 o
defensor	 possa	 cumprir	 o	 seu	 ofício.	 O	 que	 o	 defensor	 deve	 possuir	 antes	 de	 tudo,	 afinal,	 é	 o
conhecimento	do	acusado:	não,	como	o	médico,	o	conhecimento	físico,	mas	o	conhecimento	espiritual.
Conhecer	 o	 espírito	 de	um	homem	quer	 dizer	 conhecer	 sua	história;	 e	 conhecer	 uma	história	 não	 é
somente	conhecer	a	sucessão	dos	fatos,	mas	encontrar	o	elo	que	os	liga.	Neste	sentido	a	história	é	uma
reconstrução	lógica,	não	uma	exposição	cronológica	dos	acontecimentos.	Tudo	isto	não	é	possível	se	o
protagonista	não	abre,	pouco	a	pouco,	sua	alma.	Estes	 tipos	de	protagonistas,	que	são	os	delinquentes,
têm,	por	definição,	a	alma	fechada.	Ao	mesmo	tempo	em	que	pedem	a	amizade,	opõem	a	desconfiança	e	a
suspeição.	 Impregnados	de	ódio,	veem	ódio	 também	onde	não	há	mais	que	o	amor.	São	como	animais
selvagens,	que	só	com	infinita	delicadeza	e	paciência	podem	ser	domesticados.
Alguém	dirá	que	eu	vejo	assim	a	advocacia	sob	o	perfil	da	poesia.	Pode	ser.	A	poesia	do	seu	ofício	é
algo	 que	 um	 advogado	 sente	 em	 dois	 momentos	 da	 vida:	 quando	 veste	 pela	 primeira	 vez	 a	 toga	 ou
quando,	ainda	não	a	retirou,	está	para	retirá-la:	ao	amanhecer	ou	ao	entardecer.	Ao	amanhecer,	defender	a
inocência,	fazer	valer	o	direito,	fazer	triunfar	a	justiça:	esta	é	a	poesia.	Depois,	pouco	a	pouco	caem	as
ilusões,	 como	as	 folhas	da	árvore,	depois	do	 fulgor	do	verão;	mas,	 através	do	emaranhado	dos	 ramos
cada	 vez	mais	 despidos,	 sorri	 o	 azul	 do	 céu.	Agora	 não	 estou	mais	 seguro	 nem	de	 haver	 defendido	 a
inocência,	nem	de	haver	feito	valer	o	direito,	nem	de	ter	feito	triunfar	a	justiça;	contudo,	se	o	Senhor	me
fizer	renascer,	começaria	tudo	de	novo.	Malgrado	os	insucessos,	as	amarguras,	os	desenganos,	o	balanço
é	 positivo;	 se	 destes	 faço	 a	 análise	me	 dou	 conta	 de	 que	 a	 ocasião	 capaz	 de	 suprir	 todas	 as	minhas
deficiências	 consiste	 justamente	 na	 humilhação	de	 dever-me	 encontrar,	 ao	 lado	de	 tantos	 desgraçados,
contra	os	quais	se	desencadeia	o	vitupério[38]	e	se	açula	o	desprezo,	no	último	degrau	da	escada.
[30]	Giuseppe	Mentessi,	1857-1931,	pintor	e	professor	 italiano.	Originário	de	 família	pobre,	 seu	pai	morreu	quando	ele	 tinha	apenas	5	anos,
ocasião	em	que	sua	mãe	se	encarregou	de	enviá-lo	para	uma	escola	de	arte.	Em	1880	Mentessi	iniciou	sua	carreira	de	professor	na	Academia
de	Brera	em	Milão	e	em	1887	 foi	designado	professor	de	pintura	paisagística.	Suas	pinturas	 tinham	cunho	social,	 retratando	a	pobreza	e	o
sofrimento	e	foram	exibidas	por	toda	a	Europa,seu	quadro	“O	Pão	Nosso	de	Cada	Dia”	foi	apresentado	na	1ª	Bienal	de	Veneza	em	1895.
[31]	Vide	nota	13.
[32]	“Il	nome	stesso	dell’avvocato	suona	come	un	grido	di	aiuto.	Advocatus,	vocatus	ad,	chiamato	a	soccorrere.	Anche	il	medico	e’	chiamato
a	soccorrere;	ma	se	solo	all’avvocato	si	da’	questo	nome,	vuol	dire	che	v’e’	tra	la	prestazione	del	medico	e	la	prestazione	dell’avvocato	una
differenza,	che	non	avvertita	dal	diritto,	e’	tuttavia	scoperta	dalla	squisita	intuizione	del	linguaggio.	Avvocato	e’	colui	al	quale	si	chiede,	in	prima
linea,	la	forma	essenziale	dell’aiuto,	che	e’,	propriamente,	l’amicizia”,	Francesco	Carnelutti	–	Le	Miserie	del	Processo	Penale.
[33]	Natural	de	Friul,	Itália,	31	anos,	durante	muito	temo	ela	foi	enganada	por	seu	amante	siciliano,	Giuseppe	Ricciardi,	que	se	dizia	solteiro	e
lhe	 havia	 prometido	 casamento.	 Ao	 descobrir	 o	 engodo	 e	 decepcionada,	 ela	 assassinou	 a	 mulher	 e	 os	 três	 filhos	 de	 Giuseppe,	 por
estrangulamento	e	golpes	de	barra	de	ferro,	num	ato	de	selvageria,	até	então,	nunca	visto	pelos	habitantes	da	região.	Foi	condenada	à	prisão
perpétua,	porém	perdoada	em	1975.	Morreu	em	1988	aos	73	anos	de	idade.
[34]	Originário	 ou	 pertencente	 a	 Cirene,	 antiga	 cidade	 e	 colônia	 grega	 na	 Cirenaica.	 O	mesmo	 que	 cirenaico.	O	 que	 colabora	 ou	 auxilia,
principalmente	em	trabalhos	penosos.
[35]	Natural	da	Bretanha,	França,	Yves	Hélory	de	Kemartin,	Santo	Ivo,	nasceu	em	17	de	outubro	de	1253.	Filho	de	nobres,	em	1267	ele	foi
mandado	para	Universidade	de	Paris,	onde	se	formou	em	Direito	Civil.	Em	1277	se	mudou	pra	Orléans	pra	estudar	Direito	Canônico,	e,	em
1280	voltou	 para	 a	Bretanha	 onde	 foi	 designado	oficial	 (juiz	 eclesiástico),	 da	 arquidiocese	 de	Rennes.	 Sempre	 demonstrou	 zelo	 e	 lisura	 no
cumprimento	de	suas	obrigações	e	entregou-se	à	defesa	dos	miseráveis	e	oprimidos	contra	os	poderosos,	não	vacilava	em	resistir	às	injustas
taxações	 do	 rei,	 razões	 pelas	 quais	 ganho	 o	 título	 de	 patrono	 dos	 advogados,	 procuradores,	 juízes,	 juristas,	 notários,	 órfãos	 e	 abandonados.
Dizia:	 “jura-me	 que	 sua	 causa	 é	 justa	 e	 eu	 a	 defenderei	 gratuitamente”.	 Santo	 Ivo	 inspirou	 a	 criação	 da	 “Instituição	 dos	 Advogados	 dos
Pobres”,	 especialmente	 para	 lutar	 pelas	 causas	 dos	 pobres,	 viúvas,	 órfãos	 e	 revéis.	Há	 total	 identidade	 entre	 os	 princípios	 da	 “Defensoria
Pública”	e	a	“Instituição	dos	Advogados	dos	Pobres”,	bem	a	propósito,	a	data	de	sua	morte	foi	escolhida	para	as	comemorações	do	“Dia	do
Defensor	Público”.	Foi	ordenado	e	designado	para	a	paróquia	de	Trendez	em	1285	e	depois	para	Louanne,	onde	morreu	em	19	de	maio	de
1303.	Foi	enterrado	em	Tréguier	e	canonizado	em	1347	pelo	Papa	Clemente	VI.
[36]	Batei	e	abrir-se-á	a	vos.
[37]	Expor	e	requerer	algo	em	juízo.
[38]	Ação	vergonhosa,	infame	ou	criminosa.	Insulto,	injúria.
CAPÍTULO	IV	–	O	JUIZ	E	AS	PARTES
No	ponto	mais	alto	da	escala	está	o	juiz.	Não	existe	ofício	algum	mais	alto	do	que	o	seu	e	nem	uma
dignidade	mais	 imponente.	Ele	 é	 colocado,	 na	 sala	 de	 aula,	 como	professor	 supremo,	merecendo	 esta
superioridade.
A	linguagem	dos	juristas	promove	o	juiz	com	uma	palavra,	aproximando	daquele	profundo	significado
os	 juristas	mesmos,	e	 tanto	mais	os	 filósofos,	deveriam	deter-se,	mais	do	que	a	detém,	a	atenção.	Nós
dizemos	 que	 diante	 do	 juiz	 estão	 as	 partes[39].	Denominam-se	 partes	 os	 sujeitos	 de	 um	 contrato:	 por
exemplo,	o	vendedor	e	o	comprador,	o	 locador	e	o	 inquilino,	o	sócio	e	o	outro	sócio;	e,	por	 igual,	os
sujeitos	de	um	litígio:	o	credor	quer	receber	o	pagamento	e	o	devedor,	que	não	quer	pagar;	o	proprietário
que	 quer	 a	 devolução	 de	 sua	 casa	 e	 o	 inquilino,	 que	 quer	 continuar	 a	 habitá-la;	 e,	 enfim,	 se	 chamam
também	 assim	 os	 sujeitos	 do	 contraditório,	 isto	 é,	 daquela	 disputa	 que	 se	 desenrola	 entre	 os	 dois
defensores	nos	processos	civis	ou	entre	o	Ministério	Público	e	o	defensor	nos	processos	penais.	Estes,
todos	eles,	denominam-se	assim,	porque	são	divididos	e	a	parte	provém,	justamente,	da	divisão.	Cada	um
tem	um	interesse	oposto	ao	do	outro.	O	vendedor	quer	entregar	pouca	mercadoria	e	ter	entrada	de	muito
dinheiro,	enquanto	o	comprador	quer	exatamente	o	contrário;	cada	um	dos	sócios	quer	tomar	a	parte	do
leão;	dos	dois	defensores,	se	um	vence,	o	outro	perde;	cada	qual	puxa	a	água	para	o	seu	moinho.
Os	juristas	utilizam	por	 isto	o	nome	de	parte,	mas	o	significado	de	parte	é	muito	mais	profundo;	na
parte	convergem	o	ser	e	o	não	ser;	cada	parte	é	ela	mesma	e	não	é	a	outra	parte.	Mas,	se	é	assim,	todas	as
coisas	e	todos	os	homens[40]	são	partes;	uma	rosa	é	uma	rosa	e	não	uma	violeta;	um	cavalo	é	um	cavalo
e	não	um	boi;	eu	sou	eu	e	não	sou	você.	E	esta	de	ser	o	homem[41]	não	outra	coisa	que	uma	parte	é	uma
descoberta	de	inestimável	valor.	Por	isto	os	filósofos	deveriam	dar	mais	crédito	à	linguagem	dos	juristas
e	prestar-lhes	mais	atenção.
Assim,	pois,	se	aqueles	que	estão	diante	do	juiz	para	serem	julgados	são	partes,	quer	dizer	que	o	juiz
não	é	parte.	Com	efeito,	os	juristas	dizem	que	o	juiz	está	acima	das	partes:	por	isso	ele	está	no	alto	e	o
acusado	 abaixo,	 por	 baixo	 dele;	 um	 na	 prisão,	 o	 outro	 sobre	 a	 cátedra.	 Igualmente,	 o	 defensor	 está
embaixo,	 com	 relação	ao	 juiz;	pelo	 contrário,	 o	Ministério	Público	 está	 ao	 seu	 lado;	 isto	 constitui	um
erro,	que	com	uma	maior	conscientização	em	torno	da	mecânica	do	processo	terminará	por	ser	retificado.
O	juiz	também	é	um	homem;	se	é	um	homem,	é	também	uma	parte.	Esta,	de	ser,	ao	mesmo	tempo,	parte	e
não	parte,	constitui	uma	contradição	na	qual	se	debate	o	conceito	de	juiz.	O	fato	de	ser	o	juiz	um	homem,
e	do	dever	ser	mais	que	um	homem,	constitui	seu	drama.
Um	drama	 representado	 com	 insuperável	maestria	 no	Evangelho	 de	 João;	 e	 ainda	 fico	 assombrado
quando	me	volve	à	memória	aquela	sublime	representação	de	que	Benedetto	Croce[42],	ainda	que	seja	a
partir	do	ponto	de	vista	puramente	estético,	haja	compreendido	tão	pouco	sua	grandeza	até	o	ponto	de	ser
denominado	 um	quadrinho	 engraçado:	 “Jesus	 foi	 depois	 ao	 monte	 das	 Oliveiras,	 mas	 ao	 amanhecer
estava	no	templo,	e	todo	o	povo	acorria	a	Ele;	e	Ele	se	pôs	sentado	e	ensinava;	nessa	ocasião	os	escribas
e	fariseus	conduziam	uma	mulher	que	foi	surpreendida	em	adultério;	e,	postando-a	no	meio,	diziam	a	Ele:
esta	mulher	 foi	 apanhada	 em	 ato	 de	 adultério.	Ora,	Moisés,	 na	 legislação,	 nos	 tem	 ordenado	 que	 tais
mulheres	sejam	apedrejadas.	Tu,	que	nos	dizes?	E	isto,	perguntavam	para	colocá-lo	à	prova	e	ter	meio	de
acusá-lo.	Mas	 Jesus	 se	 inclinou	 e	 com	 o	 dedo	 se	 pôs	 a	 escrever	 sobre	 a	 terra.	 Insistindo	 aqueles	 a
interrogá-lo,	Ele	se	levantou	e	respondeu:	quem	é	de	vós	sem	pecado	atire	a	primeira	pedra”[43].
É	o	suficiente	para	ficar	sem	alento.	“Quem	é	de	vós	sem	pecado	atire	a	primeira	pedra”!	Necessita,
para	 sentir-se	 digno	 de	 punir,	 estar	 sem	 pecado;	 portanto,	 somente	 o	 juiz	 está	 acima	 daquele	 que	 é
julgado.	E,	posto	que	o	pecado	não	é	outra	coisa	do	que	o	nosso	não	ser,	aquilo	que	deveremos	ser;	é
necessário	ser	plenamente,	sem	deficiências,	sem	sombras,	sem	lacunas;	em	suma,	é	necessário	não	ser
parte	 para	 ser	 juiz.	 Nada	 de	 quadrinho	 engraçado!	 O	 problema	 do	 juiz,	 o	 mais	 árduo	 problema	 do
direito	e	do	Estado,	está	estabelecido	aqui	com	uma	clareza	espantosa.
Certamente,	 assim,	 entenderam	 os	 escribas[44]	 e	 os	 fariseus[45]	 que	 tinham	 tentado	 confundir	 o
Mestre,	 uma	 vez	 que	 o	 Evangelho	 continua	 narrando	 que	 Jesus	 “de	 novo	 se	 inclinou,	 e	 escrevia	 na
terra”[46].	Esperava	Ele,	pensativo,	o	efeito	de	suas	palavras.	Então,	escribas	e	fariseus	“foram	andando
um	atrás	do	outro,	começando	dos	mais	velhos	até	os	últimos;	e	permaneceu	somente	Jesus	e	a	mulher,
que	estava	no	meio”[47].
Nenhum	homem,	se	pôs	a	pensar	no	que	era	necessário	para	julgar	o	outro	homem,	aceitaria	ser	juiz.
E,	contudo,	é	necessário	encontrar	juízes.	O	drama	do	direito	é	este.	Um	drama	que	deveria	estarpresente
a	todos,	dos	juízes	aos	jurisdicionados	no	ato	no	qual	se	promove	o	processo.	O	Crucifixo	que,	graças	a
Deus,	 nas	 salas	 de	 audiência	 pende	 ainda	 sobre	 a	 cabeça	 dos	 juízes,	 seria	melhor	 se	 fosse	 colocado
diante	deles,	 a	 fim	de	que	 ali	 pudessem	com	 frequência	pousar	 o	olhar,	 este	 a	 exprimir	 a	 indignidade
deles;	 és,	 não	 outra	 coisa,	 que	 a	 imagem	 da	 vítima	mais	 insignificante	 da	 justiça	 humana.	 Somente	 a
consciência	de	sua	indignidade	pode	ajudar	o	juiz	a	ser	menos	indigno.
A	legislação	buscou	todos	os	expedientes	possíveis	para	assegurar	a	dignidade	do	juiz.	O	mais	óbvio
entre	estes	consiste	no	juízo	colegiado[48],	uma	vez	que	o	julgar	um	outro	homem	exige	que	quem	julgue
seja	mais	do	que	aquele	que	é	julgado,	o	que	se	faz	por	mais	homens	colocados	juntos.	À	primeira	vista,
o	expediente	parece	 ilusório;	uma	dignidade	não	 se	obtém	com	a	 soma	de	várias	 indignidades.	Mas	o
certo	é	que	uma	coisa	deve	ser	considerada	a	soma	de	vários	juízes,	e	outra	sua	unidade;	não	se	trata,	no
colégio,	 de	 agregar	 um	 juiz	 ao	 outro,	 como	 os	 somatórios	 de	 uma	 adição;	 mas	 de	 vertere	 plures	 in
unum[49],	dir-se-ia	em	latim,	isto	é,	de	convertê-los	num	só.	Apresenta-se	aqui,	por	meio	misterioso,	o
conceito	de	acordo	ou	acorde,	chave	da	música	e	chave	do	direito;	misterioso	porque	ainda	não	sabemos,
e	talvez	não	saibamos	jamais,	como	acontece	quando	entre	dois	homens	ocorre	verdadeiramente	a	união
e,	portanto,	forma-se	a	unidade,	comunica-se	a	cada	um	a	ser	o	outro,	mas	não	é	o	não	ser,	o	bem,	mas
não	o	mal.	Pode	parecer	que	a	associação	de	delinquentes	desminta	essa	afirmação;	mas	refletindo	aqui
se	dá	conta	de	que,	se	os	delinquentes	são	mantidos	juntos	pelo	medo,	trata-se	de	um	falsa	união	como
seria	aquela	de	um	feixe	de	galhos	amarrados	juntos,	que	nunca	se	formam	com	somente	um	galho;	ou	se
tem	entre	eles	o	afeto,	e	 isto	é,	em	qualquer	caso,	um	germe	do	bem,	o	qual	pode	sempre	encontrar-se
envolto	e	escondido	sob	a	casca	do	mal.
O	princípio	do	colegiado	no	judiciário	é	verdadeiramente	um	remédio	contra	a	insuficiência	do	juiz,
no	sentido	de	que,	se	não	a	elimina,	ao	menos	a	reduz.	Em	outras	palavras,	o	juízo	colegiado	está	menos
longe	do	que	o	juízo	singular	daquilo	que	o	juiz	deveria	ser;	mas	a	condição	para	que	o	juiz	alcance	a	sua
unidade,	 ou	 seja,	 que	 entre	 os	 juízes	 singulares	 estabeleça-se	 o	 acordo,	 que	 não	 significa	 tanto	 a
identidade	de	opiniões	quanto	paridade	preocupante	para	a	verdade.
Tocou-se	assim	a	raiz	do	problema.	A	justiça	humana	não	pode	ser	mais	do	que	uma	justiça	parcial;	a
sua	humanidade	não	pode	deixar	de	ser	resolvida	na	sua	parcialidade.	Tudo	que	se	pode	fazer	é	 tentar
diminuir	esta	parcialidade.	O	problema	do	direito	e	o	problema	do	juiz	são	a	mesma	coisa.	Como	pode
fazer	o	juiz	para	ser	melhor	daquilo	que	já	é?	A	única	via	que	lhe	é	aberta	a	tal	fim	é	aquela	de	sentir	a
sua	miséria:	é	necessário	sentirem-se	pequenos	para	serem	grandes.	É	necessário	formar-se	uma	alma	de
criança	 para	 poder	 entrar	 no	 reino	 dos	 céus.	 É	 necessário,	 a	 cada	 dia	 mais,	 recuperar	 o	 dom	 de
surpreender-se.	É	necessário,	a	cada	manhã,	assistir,	com	a	mais	profunda	emoção,	ao	nascer	do	sol	e,
cada	tarde,	ao	seu	poente.	É	necessário	sentirem-se,	a	cada	noite,	aniquilados	ante	a	 infinita	beleza	do
céu	estrelado.	É	necessário	permanecer	atônito	ao	perfume	de	um	jasmim	ou	ao	canto	de	um	rouxinol.	É
necessário	cair	de	joelhos	frente	a	cada	manifestação	desse	indecifrável	prodígio,	que	é	a	vida.
Outros	dirão	que	o	 juiz,	para	ser	 juiz,	deve	complementar	certos	estudos,	superar	certos	concursos,
submeter-se	a	certos	controles.	Sobretudo	hoje	se	ensina	que,	para	ser	juiz	penal,	precisa	estudar,	além
do	 direito,	 a	 sociologia,	 a	 antropologia	 e	 a	 psicologia.	 Certamente	 que	 são	 estudos	 úteis	 e	 também
necessários;	mas	não	suficientes.	Primeiro	de	tudo	não	necessita	crer	que	se	possa	colocar	sobre	a	mesa
de	anatomia,	como	se	põe	um	corpo,	 também	a	alma	humana.	Não	se	deve	confundir	o	espírito	com	o
cérebro.	Certamente	o	espírito	está	condicionado	pelo	corpo	e	vice-versa;	em	particular,	a	psicologia	é	a
ciência	 que	 estuda	 estas	 relações;	 mas,	 além	 deste,	 encontra-se	 o	 campo	 que	 o	 juiz	 deve,	 sobretudo,
conhecer;	e	temo	tanto	que	para	o	seu	conhecimento	não	contribuem	nem	a	universidade	nem	os	institutos
complementares.	Narra	uma	fábula,	que	eu	aprendi	numa	revista	argentina,	que	às	queixas	dos	anjos	pela
criação	deste	ser	absurdo,	meio	anjo	e	meio	animal,	que	é	o	homem,	o	Criador	respondeu:	o	homem	não
é	questão	para	congressos	de	filosofia,	o	homem	não	é	questão	para	discutir	em	congresso	de	filosofia;	e
teria	acrescentado:	o	homem	é	questão	de	fé	no	homem.	Desde	que	tive	oportunidade	de	lê-las,	há	anos,
não	me	saíram	da	mente	estas	palavras.
Poderia	também	dizer	que	é	questão	de	fé	no	homem	a	questão	penal.	Mas	a	fé	no	homem	adquire-se
somente	amando	o	homem.	Mais	do	que	 ler	muitos	 livros,	eu	queria	que	os	 juízes	conhecessem	muitos
homens;	se	fosse	possível,	sobretudo	santos	e	canalhas,	aqueles	que	estão	sobre	o	mais	alto	ou	o	mais
baixo	 degrau	 da	 escada.	 Parecem	 imensamente	 distantes;	 mas	 sobre	 o	 terreno	 do	 espírito	 acontecem
coisas	estranhas.	Necessita-se	pouco	para	converter-se	de	canalha	para	santo.	Cristo,	com	o	exemplo	do
ladrão	 crucificado,	 nos	 tem	 ensinado!	 Em	 qualquer	 caso,	 basta	 que	 o	 canalha	 se	 envergonhe	 de	 ser
canalha;	e	pode	também	bastar	que	um	santo	se	envaideça	de	ser	santo	para	perder	a	santidade.	Estas	são
realmente	 as	 coisas	 essenciais;	 mas	 não	 se	 encontram	 em	 nenhum	 manual	 de	 psicologia.	 Pois	 bem,
aprende-se	na	igreja	ou	na	penitenciária.	É	curiosa	também	esta	aproximação,	não	é	certo?	Entre	a	igreja
e	a	penitenciária,	qualquer	coisa	como	colocar	juntos	o	inferno	e	o	paraíso?	Mas	o	erro,	o	tremendo	erro
está	em	crer	que	aqueles	que	estão	encarcerados	na	penitenciária	estejam	degenerados.
[39]	É	a	pessoa	que	figura	num	processo	como	autor,	réu,	litisconsorte	ou	terceiro	interessado.	Já	no	Direito	Civil,	costuma-se	entender	como
partes	principais,	o	autor	e	o	réu	e,	como	partes	incidentais,	os	terceiros	intervenientes.
[40]	Diz-se	da	raça	humana;	da	humanidade.
[41]	 Toda	 vez	 que	 se	 refere	 ao	 homem,	 Carnelutti	 nos	 remete	 ao	 ser	 humano	 considerado	 em	 seu	 aspecto	 morfológico,	 ou	 como	 tipo
representativo	de	determinada	região	geográfica	ou	época,	e	não,	ao	gênero	do	ser	humano.
[42]	Benedetto	Croce,	1866-1952,	foi	escritor,	conceituado	filósofo	e	político	italiano.
[43]	João,	Capítulo	VIII,	versículos	de	1	a	7.
[44]	Entre	os	 judeus	era	o	doutor	da	 lei.	Oficial	das	antigas	chancelarias	ou	secretarias.	Aquele	que	 tinha	por	profissão	copiar	manuscritos,
muitas	vezes	mediante	ditado.
[45]	Dizia-se	dos	membros	 de	 uma	 seita	 judaica	 surgida	 no	 século	 II	 a.C.,	 caracterizada	pelo	 cumprimento	 rigoroso	das	 prescrições	 da	 lei
escrita,	 porém,	 nos	Evangelhos,	 são	 acusados	 de	 hipocrisia	 e	 excessivo	 formalismo.	Diz-se	 do	 seguidor	 formalista	 de	 uma	 religião.	Pessoa
hipócrita,	fingida.
[46]	João,	Capítulo	VIII,	versículo	8.
[47]	João,	Capítulo	VIII,	versículo	9.
[48]	Diz-se	de	um	órgão	cujos	membros	têm	poderes	iguais.
[49]	Converter	vários	em	um.
CAPÍTULO	V	–	DA	PARCIALIDADE	DO	DEFENSOR
Já	se	disse:	um	homem,	para	ser	juiz,	deveria	ser	mais	do	que	um	homem.	E,	vê-se	que,	em	essência,	é
precisamente	 tal	 ideia	a	que	inspira	aquela	forma	de	correção	da	 insuficiência	do	juízo	composto	pelo
colégio	de	juízes.	Mas,	não	é	este	o	único	remédio	que	a	experiência	tem	sugerido.
Para	 compreender,	 é	 necessário	 partir	 da	parcialidade	do	homem.	Todo	homem,	 temos	dito,	 é	 uma
parte.	Precisamente	por	isto,	nenhum	homem	chega	a	apoderar-se	da	verdade.	Aquela	que	cada	um	de	nós
crê	ser	a	verdade	não	é	senão	um	aspecto	dela;	algo	assim	como	uma	minúscula	faceta	de	um	diamante
maravilhoso.	É	o	que	Cristo	nos	ensinou,	dizendo:	Eu	sou	a	verdade.	Alcançar	a	verdade	é	alcançar	a
Ele	 e	 Nele.	 Amando-o,	 podemosnos	 aproximar	 indefinidamente;	 mas	 alcançá-lo	 não,	 porque	 Ele	 é
infinito.	A	verdade	é	como	a	 luz	ou	como	o	silêncio,	os	quais	compreendem	todas	as	cores	e	 todos	os
sons;	mas	a	física	tem	demonstrado	que	a	nossa	vista	não	vê	e	os	nossos	ouvidos	não	ouvem	mais	que	um
breve	segmento	da	gama	das	cores	e	dos	sons;	estão	aquém	e	além	da	nossa	capacidade	sensorial	as	infra
e	ultracores,	assim	como	os	infra	e	os	ultrassons.
Assim,	explica-se	um	modo	de	dizer,	o	qual,	para	quem	quer	compreender	este	importantíssimo	fato
social,	que	é	o	processo,	tem	uma	importância	de	primeiro	plano.	O	juiz,	quando	julga,	estabelece	quem
tem	razão;	isto	quer	dizer:	de	que	lado	está	a	razão.	Qual	razão	é,	e	não	pode	ser	mais	do	que	uma,	como
a	verdade;	 também	nesse	sentido,	são	equivalentes	razão	e	verdade.	Mas,	como	se	explica,	então,	se	a
razão	é	uma	só,	que,	precisamente	no	processo,	cada	uma	das	partes	expõe	suas	razões?	Aquelas	que	o	e
o	 defensor	 expõem,	 quando	 discutem,	 são	 as	 razões	 pelas	 quais	 o	 primeiro	 pede	 a	 condenação	 e	 o
segundo	a	absolvição.	Como	se	concilia	a	unidade	da	razão	com	a	pluralidade	das	razões?	Como	pode
alguém	concluir	que	quem	termina	por	não	ter	razão,	disse	que	expôs	as	suas	razões?
A	verdade	é	que,	tomando	em	comparação,	a	razão	se	decompõe	nas	razões	como	a	luz	nas	cores	e	o
silêncio	nos	sons.	Da	mesma	maneira	que	não	podemos	nos	postar	diante	 toda	a	 luz	nem	gozar	 todo	o
silêncio,	assim	não	podemos	nos	apoderar	de	toda	a	razão.	As	razões	são	aquelas	frações	de	verdade	que
cada	 um	 de	 nós	 parece	 ter	 alcançado.	 Quanto	 mais	 razões	 expõem-se,	 tanto	 mais	 será	 possível	 que,
juntando-as,	um	aproxime-se	da	verdade.
No	fundo,	quando	o	 juiz	se	prepara	para	 julgar,	encontra-se	 frente	a	uma	dúvida:	este	é	culpado	ou
inocente?	Também	a	dúvida	é	uma	palavra	transparente:	dubium	vem	de	duo.	Abre-se	via	dupla	diante	do
juiz:	de	cá	ou	de	lá.	O	juiz	deve	escolher.	Mas,	para	escolher,	deve	recorrer	a	um	ou	outro	caminho,	do
contrário	não	poderia	ver	onde	elas	vão	terminar.	Pois	bem,	compreende-se	para	que	serve,	para	o	juiz,	o
defensor	e,	por	que	diante	do	defensor	coloca-se	o	acusador;	são	aqueles	que	guiam	o	juiz	no	percurso
dos	dois	caminhos,	a	fim	de	que	ele	possa	escolher	uma	deles.
Acusador	e	defensor	são,	em	última	análise,	dois	raciocinadores:	constroem	e	expõem	as	razões.	O
ofício	deles	é	raciocinar.	Mas	um	raciocínio	permitido	em	circunstâncias	bem	limitadas.	Um	raciocínio
de	um	modo	diverso	daquele	do	juiz.	Talvez	não	seja	muito	fácil	compreender;	mas	se	não	compreende
isto,	 pouco	 compreenderá	 do	 processo;	 e	 não	 basta	 que	 compreendam	 os	 juristas,	 porque	 estes	 são	 o
ponto	 sobre	 o	 qual	 os	 leigos	 podem	 ter	 em	 torno	 do	 processo	 as	 impressões	 falsas	 e	 nocivas	 à
civilização.	Raciocinar	é,	em	palavras	simples,	colocar	as	premissas	e	 tirar	as	conclusões.	O	acusado
confessou	ter	matado,	logo	matou	mesmo.	Em	termos	de	lógica,	primeiro	vêm	as	premissas	e	depois	as
conclusões.	Assim	procede	o	raciocinador	imparcial.	Mas	o	defensor	não	é	um	raciocinador	imparcial.	E
é	isto	que	escandaliza	as	pessoas.	Apesar	do	escândalo,	o	defensor	não	é	porque	não	deve	ser	imparcial.
E	porque	não	é	imparcial	o	defensor,	não	pode	e	não	deve	ser	imparcial	o	seu	adversário.	A	parcialidade
deles	é	o	preço	que	se	deve	pagar	para	obter	a	imparcialidade	do	juiz,	que	é,	pois,	o	milagre	do	homem,
enquanto,	 conseguindo	 não	 ser	 parte,	 supera	 a	 si	 mesmo.	 O	 defensor	 e	 acusador	 devem	 procurar	 as
premissas	para	chegarem	a	uma	conclusão	obrigatória.
Tudo	isso	pode	parecer	absurdo.	E,	apesar	disso,	a	chave	do	processo	está	aqui.	Mal	seria	se	o	juiz
contentasse	 em	 raciocinar	 assim:	 o	 acusado	 confessou	 ter	matado,	 logo	 conclui-se	 que	matou.	 Temos,
entretanto,	casos	nos	quais	um	homem	confessa	o	delito	que	não	cometeu:	temos	visto	pais	acusarem-se
para	salvar	o	filho	e	filhos	submeterem-se	ao	mesmo	sacrifício	para	salvar	o	pai.	Isto	é	tão	certo	e,	não
somente	pela	razão	que	acabo	de	indicar,	que	até	o	código	Penal	pune	aqueles	que	denunciam	contra	a
verdade	 de	 serem	 autores	 de	 um	 delito[50].	 Isto	 quer	 dizer	 que,	 também	 quando	 aqui	 temos	 provas
evidentes	 da	 culpabilidade	 ou	 da	 inocência,	 antes	 de	 condenar	 ou	 absolver,	 é	 necessário	 continuar	 as
investigações	 até	 que	 sejam	 exauridos	 todos	 os	meios.	Mas,	 para	 fazer	 isto,	 o	 juiz	 deve	 ser	 ajudado;
sozinho	não	conseguiria.	O	seu	ajudante	natural	é	o	defensor,	este	amigo	do	acusado,	que,	naturalmente,
tem	o	interesse	de	procurar	todas	as	razões	que	possam	servir	para	demonstrar	a	inocência.	O	defensor	é
e	deve	ser	um	raciocinador	em	circunstâncias	restritas,	isto	é,	um	raciocinador	parcial:	um	raciocinador
que	traz	a	água	para	seu	moinho.
É	 claro,	 porém,	 que,	 desta	maneira,	 o	 defensor	 é	 um	 colaborador	 precioso	 para	 o	 juiz,	 entretanto,
muito	 perigoso,	 por	 conta	 de	 sua	 parcialidade.	 E,	 como	 concebê-lo	 como	 útil,	 porém	 inócuo?
Contrapondo-lhe	aquele	outro	raciocinador	parcial	no	sentido	inverso,	que	se	chama	Ministério	Público	e
deveria	chamar-se,	mais	exatamente,	acusador.	No	procedimento	atual	do	processo	penal,	o	Ministério
Público	não	é	essencialmente	um	acusador;	ao	contrário,	é	concebido	diferentemente	do	defensor	como
um	raciocinador	 imparcial;	mas	há	aqui	um	erro	de	construção	da	máquina	que	quanto	a	 isto,	 funciona
mal;	ademais,	de	nove	de	cada	dez	vezes,	a	lógica	das	coisas	arrasta	o	Ministério	Público	a	ser	aquilo
que	deve	ser:	o	antagonista	do	defensor.
Desenvolve-se	assim,	diante	dos	olhos	do	juiz,	o	que	os	técnicos	chamam	o	contraditório[51]	e	que	é,
realmente,	um	duelo:	o	duelo	serve	para	o	 juiz	superar	a	dúvida;	a	propósito	disto	é	 interessante	notar
que	 também	 duelo,	 como	 dúvida,	 vem	 de	 duo.	 No	 duelo,	 personifica-se	 a	 dúvida.	 É	 como	 se,	 no
cruzamento	 de	 duas	 ruas,	 dois	 valentes	 batessem-se	 para	 arrastar	 o	 juiz	 para	 uma	 ou	 para	 outra.	 As
armas,	que	servem	para	eles	combaterem,	são	as	 razões.	Defensor	e	acusador	são	dois	esgrimistas,	os
quais	 não	 raramente	 fazem	 uma	 má	 esgrima,	 mas,	 as	 vezes,	 ofereçam	 aos	 entendidos	 um	 espetáculo
excelente.
Também	aqueles	que	não	são	entendidos,	como	acontece	nos	torneios,	acabam	por	se	apaixonarem	por
esse	jogo.	Esta	é	também	para	o	público	uma	das	mais	fortes	atrações	no	processo	penal.	Mas	digamos,
também,	 é	 uma	 coisa	 que	 dá	 ao	 processo	 penal	 o	 sabor	 de	 escândalo;	 e	 é,	 precisamente,	 por	 isso	 as
pessoas	o	apreciam.	E	é,	precisamente,	por	isso	também	que	os	advogados	adquirem	a	fama	de	criadores
de	sofismas[52].	Em	boa	parte	a	sátira[53],	que	cresce	excepcionalmente	vigorosa	contra	nós,	é	devida	a
uma	 maligna	 interpretação	 deste	 fenômeno.	 Não	 se	 compreende	 que,	 se	 o	 advogado	 fosse	 um
raciocinador	 imparcial,	 não	 somente	 trairia	 o	 próprio	 dever,	 mas	 contrariaria	 a	 sua	 razão	 de	 ser	 no
processo	e	o	mecanismo	deste	sairia	desequilibrado.
Sem	dúvida,	isto	das	duas	verdades,	a	verdade	da	defesa	e	a	verdade	da	acusação,	é	um	escândalo;
mas	é	um	escândalo	do	qual	o	juiz	tem	necessidade	a	fim	de	que	não	seja	um	escândalo	o	seu	juízo.	E	isto
não	 só	porque	o	 juiz	 tem	necessidade	de	que	 lhe	 sejam	apresentadas	 todas	 as	 razões	para	 encontrar	 a
razão;	 e	 quantas	 mais	 lhes	 são	 apresentadas	 e	 mais	 em	 aparência	 parece	 que	 se	 complica,	 mas	 na
realidade	simplifica-se	o	seu	cumprimento.	Sob	este	aspecto,	o	combate	entre	defensor	e	acusador	parece
o	choque	de	duas	pedras,	do	qual	 sai	 faísca.	As	 razões,	 como	 já	dissemos,	 são	para	 a	 razão	como	as
cores	para	a	luz;	as	arengas,	os	uniformes	do	defensor	e	do	acusador	assemelham-se	a	uma	roda	giratória
de	cores;	mas	girando	velozmente	se	fundem	na	luz.	De	qualquer	maneira	a	vantagem	que	o	juiz	tira	não	é
somente	de	ordem	intelectual.	A	verdade	é	que	o	contraditório	o	ajuda	justamente	porque	é	um	escândalo:
o	 escândalo	 da	 parcialidade,	 o	 escândalo	 da	 discórdia,	 o	 escândalo	 da	 Torre	 de	 Babel[54].	 A
repugnânciaà	parcialidade	converte-se	para	o	 juiz	na	necessidade	de	superá-la,	e	nesta	necessidade	a
salvação	do	juízo.
Eis	 que	 esta	 tentativa	 de	 análise	 do	 processo	 penal	 no	 seu	 momento	 mais	 tecnicamente	 delicado
permite,	talvez,	escolher	um	resultado,	que	tem	de	per	si	uma	certa	importância	para	a	civilização.	Poder-
se-ia	 falar,	 neste	 ponto,	 de	 reabilitação	 dos	 advogados.	A	 do	 advogado	 é	 quiçá	 uma	 das	 figuras	mais
discutidas	no	quadro	social;	daí	dizer-se	a	mais	atormentada.	Entre	outras	coisas,	jamais,	nem	sequer	nos
momentos	 de	maior	 convulsão	 história,	 proposta	 supressão	 dos	médicos	 ou	 dos	 engenheiros,	mas	 dos
advogados	 sim.	Em	alguma	ocasião,	 chegou-se	 até	 a	 suprimi-los;	 depois	 ressurgiram	com	 rapidez.	No
fundo	o	protesto	contra	os	advogados	é	o	protesto	contra	a	parcialidade	do	homem.	A	ver-se	bem,	eles
são	 os	 cireneus[55]	 da	 sociedade:	 carregam	 a	 cruz	 por	 um	 outro,	 e	 esta	 é	 a	 nobreza	 deles.	 Se	 me
pedissem	 para	 a	 Ordem	 dos	 Advogados	 um	 lema,	 proporia	 o	 virgiliano[56]	 sic	 vos	 non	 vobis[57].
Somos	os	que	aramos	o	campo	da	justiça	e	não	colhemos	os	frutos.
[50]	Pelo	Código	Penal	brasileiro,	trata-se	do	crime	de	autoacusação	falsa	capitulado	no	art.	341,	por	força	do	qual	comete	o	crime	quem
acusar-se,	perante	a	autoridade,	de	crime	inexistente	ou	praticado	por	outrem,	impondo-lhe	a	pena	de	detenção,	de	3	meses	a	2	anos,	ou
multa.
[51]	Diz-se	quando	há	contestação	das	partes,	em	que	há	réplica,	tréplica,	impugnação.	No	processo	ou	julgamento	em	que	ocorre	discussão
judicial	e	há	igualdade	entre	as	partes.
[52]	Argumento	ou	raciocínio	aparentemente	válido,	porém,	não	conclusivo,	e	que	supõe	má-fé	por	parte	de	quem	o	apresenta.
[53]	Ocasião	em	que	se	faz	ironia,	mofa	ou	zombaria.
[54]	A	Torre	de	Babel	é	descrita	no	 livro	bíblico	do	Gênesis	 (X:10;	XI:1-9)	como	uma	torre	enorme	construída	pelos	descendentes	de	Noé,
com	a	finalidade	de	tocar	os	céus.	Irado	com	a	ousadia	humana,	Deus	teria	feito	com	que	todos	os	trabalhadores	da	obra	começassem	a	falar
em	idiomas	diferentes,	de	modo	a	que	não	pudessem	se	entender,	e	assim,	acabaram	por	abandonar	a	sua	construção.	De	acordo	com	a	Bíblia,
daí	se	origina	os	idiomas	da	humanidade.	Babel	foi	uma	das	primeiras	cidades	construídas	após	o	Dilúvio,	pertenceu	ao	reino	mesopotâmico	de
Ninrode	(Nimrod).	Significa	Babilônia	e	apesar	de	seu	lado	mitológico,	a	Torre	de	Babel	realmente	pode	ter	sido	construída.
[55]	O	que	colabora	ou	auxilia,	principalmente	em	trabalhos	penosos.	Vide	nota	26.
[56]	Relativo	a	Virgílio	 (70-19	a.C.),	poeta	 latino.	Aquilo	que	 tem	caráter	da	poesia	de	Virgílio.	Aquele	que	é	grande	admirador	da	obra	de
Virgílio.
[57]	Assim	nós	trabalhamos,	mas	não	em	proveito	próprio.
CAPÍTULO	VI	–	DAS	PROVAS
A	missão	do	processo	penal	está	no	saber	se	o	acusado	é	inocente	ou	culpado.	Isto	quer	dizer,	antes	de
tudo,	se	ocorreu	ou	não	ocorreu	determinado	fato:	um	homem	foi	ou	não	foi	morto,	uma	mulher	foi	ou	não
foi	violentada,	um	documento	foi	ou	não	foi	falsificado,	uma	joia	foi	ou	não	subtraída?
Seria	necessário,	antes	de	tudo,	saber	o	que	é	um	fato.	São	palavras	que	se	empregam	intuitivamente;
se	as	compreendem	de	forma	aproximada;	mas	é	necessário	que	nos	detenhamos	a	refletir	sobre	elas.	Um
fato	 é	 um	pedaço	 de	 história;	 e	 a	 história	 é	 a	 via	 que	 percorrem,	 desde	 o	 nascimento	 até	 à	morte,	 os
homens	e	a	humanidade.	Um	trecho	da	via,	portanto.	Mas	do	caminho	que	se	percorreu,	não	daquele	que
se	pode	fazer.	Saber	se	um	fato	aconteceu	ou	não,	quer	dizer,	voltar	atrás.	Este	voltar	atrás	é	aquilo	que
se	chama	fazer	a	história.
Não	é	mistério	que	no	processo,	e	não	só	no	processo	penal,	se	faz	a	história.	Digo:	não	é	um	mistério
para	 os	 juristas,	 os	 quais,	 desde	muito	 tempo,	 voltaram	 nele	 a	 sua	 atenção;	mas,	 pode	 surpreender	 o
homem	comum,	para	quem	é	dirigido	o	meu	discurso.	Isto	acontece	porque	nós	estamos	acostumados	a
considerar	a	história	dos	povos,	que	é	a	grande	história;	mas	existe	também	a	pequena	história,	a	história
dos	indivíduos;	aliás,	não	haveria	aquela	sem	esta,	igualmente	não	existiria	a	corda	sem	os	fios,	que	estão
enrolados.	Quando	se	fala	de	história,	o	pensamento	voa	sobre	as	dificuldades	que	se	apresentam	para
reconstituir	 o	 passado;	 mas	 são,	 tendo	 em	 conta	 a	 medida,	 as	 mesmas	 dificuldades	 que	 devem	 ser
superadas	no	processo.
Com	isto	de	pior:	o	delito	é	um	trecho	do	caminho,	cujos	rastros	quem	a	percorreu	procura	destruir.
Sucede	o	contrário	daquilo	que	ocorre,	normalmente,	com	relação	ao	contrato:	em	caso	de	compra,	tanto
mais	 se	 a	 coisa	 tem	 um	 valor	 relevante,	 conserva,	 em	 geral,	mediante	 um	 documento,	 a	 prova	 de	 ter
comprado;	quando	rouba,	destrói,	da	melhor	forma	que	se	possa	fazê-lo,	as	provas	de	ter	roubado.
As	provas	 servem,	 exatamente,	 para	 voltar	 atrás,	 ou	 seja,	 para	 fazer,	 ou	melhor,	 para	 reconstruir	 a
história.	Como	faz	quem,	tendo	caminhado	através	dos	campos,	tem	que	percorrer	em	sentido	contrário	o
mesmo	caminho?	Segue	os	rastros	de	seus	passos.	Vem	em	mente	o	cão	policial,	o	qual	vai	farejando	aqui
e	ali,	para	seguir	com	o	faro	o	caminho	do	malfeitor	perseguido.	O	trabalho	do	historiador	é	este.	Um
trabalho	de	habilidade	e	paciência,	sobretudo,	para	o	qual	colaboram	a	polícia,	o	Ministério	Público,	o
juiz	instrutor,	os	juízes	de	audiência,	os	defensores,	os	peritos.	Prescindindo	das	crônicas	dos	jornais,	os
livros	policiais	e	o	cinema	têm	elevado	as	paixões,	mais	do	que	informado	o	público	sobre	este	trabalho.
A	vantagem	desta	literatura,	sob	o	aspecto	da	civilidade,	está	no	difundir	a	impressão,	para	não	dizer	a
experiência,	 da	 dificuldade	 de	 investigação,	 por	 causa	 da	 falibilidade	 das	 provas.	 O	 risco	 é	 errar	 o
caminho.	 E	 o	 dano	 é	 grave,	 quando	 se	 erra	 o	 caminho,	 também	 a	 história	 feita	 somente	 por	meio	 de
livros.	Porque,	ainda	quando	os	historiadores	não	se	deem	conta	dele	e	os	filósofos	ou,	ao	menos	alguns
filósofos,	 o	 neguem,	 não	 se	 retorna	 ao	 caminho	 percorrido,	 senão	 para	 encontrar	 o	 caminho	 a	 ser
percorrido;	de	qualquer	 forma,	 isso	é	 tão	manifesto	quando	o	passado	 reconstrói-se	para	determinar	o
destino	de	um	homem.
Mas	existe	também	o	reverso	da	medalha;	e	qual	reverso!
A	 culpa	 não	 é	 toda	 da	 literatura	 policial;	 como	 possa	 ser	 compreendida.	 Esta,	 aliás,	 pode	 ser	 um
sintoma	melhor	do	que	a	causa	de	um	fenômeno	derivado	de	causas	mais	profundas.	Talvez	esta	deveria
buscar	 naquela,	 tendências	 para	 a	 diversão,	 a	 qual	 faz	 parte	 da	 crise	 da	 civilidade	 que	 estamos
atravessando.	 Em	 uma	 palavra,	 é	 a	 história	 mesma	 que	 se	 converte	 em	meio	 de	 diversão.	 A	 crônica
judiciária	 e	 a	 literatura	policial	 servem,	do	mesmo	modo,	 de	diversão	para	 a	 cinzenta	vida	 cotidiana.
Assim,	o	descobrimento	do	delito,	de	dolorosa	necessidade	social,	tornou-se	uma	espécie	de	esporte;	as
pessoas	 se	 apaixonam	 como	 na	 caça	 ao	 tesouro;	 jornalistas	 profissionais,	 jornalistas	 diletantes,
jornalistas	improvisados	não	somente	colaboram	como	concorrem	com	os	oficiais	de	polícia	e	aos	juízes
instrutores;	e,	o	que	é	pior,	fazem	o	trabalho	deles.	Cada	delito	desencadeia	uma	série	de	investigações,
de	conjecturas,	de	informações,	de	indiscrições.	Policiais	e	magistrados	passam	de	vigilantes	a	vigiados
por	um	grupo	de	voluntários	dispostos	a	apontar	cada	um	de	seus	movimentos,	a	interpretar	cada	um	de
seus	gestos,	a	publicar	cada	uma	de	suas	palavras.	As	testemunhas	são	encurraladas	como	a	lebre	de	cão
de	caça;	depois,	explorados,	sugestionadas,	comprados.	Os	advogados	são	o	alvo	dos	fotógrafos	e	dos
jornalistas.	E,	com	frequência,	nem	sequer	os	magistrados	logram	opor	a	este	frenesi	a	resistência,	que
requereria	o	exercício	de	seu	ofício	austero.
Esta	 degeneração	 do	 processo	 penal	 é	 um	dos	 sintomas	mais	 graves	 da	 civilidade	 em	 crise.	É	 até
difícil	 representar	 todos	 os	 danos	 devidos	 à	 falta	 daquele	 isolamento	 que	 a	 nenhum	 outro	 dever	 é
necessário	como	aquele

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