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AULA 1 FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOPEDAGOGIA Prof. Fábio Eduardo da Silva 02 CONVERSA INICIAL Seja bem-vinda(o) à disciplina de Fundamentos de Neuropsicopedagogia. Nessas aulas você vai conhecer sobre o funcionamento do sistema nervoso e especial do cérebro, para que possa compreender melhor tanto o processo de desenvolvimento e aprendizado de crianças e jovens saudáveis, como daqueles que, por razoes genéticas, socioambientais ou uma combinação destas, não tiveram seu desenvolvimento da melhor forma possível, apresentando necessidades especiais e diversificadas que, por um movimento cultural e científico fantástico, passam a ser acolhidas no ensino regular. O processo de ensino-aprendizagem ocorre na relação entre cérebros, e compreendê-los melhor pode trazer mais luz a formas e estratégias didáticas, voltadas tanto para alunos portadores como não portadores de necessidades especiais. Nesse capítulo você irá conhecer um pouco sobre o sistema nervoso, suas células – com ênfase no neurônio – e as formas pelas quais elas se comunicam. Vai estudar as substâncias que ajudam nessa comunicação – os neurotransmissores – e o local onde a “mágica mais básica do cérebro” – a sinapse – acontece. Vai explorar o sistema nervoso e suas divisões e viajar pelo cérebro, surpreendendo-se com a complexidade de suas estruturas, desde as mais antigas, que quase nos igualam a outros animais, até as mais recentes que nos caracterizam como humanos. Vai descobrir um novo olhar sobre si mesma(o) e consequentemente, sobre os aprendizes, com suas múltiplas necessidades, que são sempre especiais! E, por fim, poderá perceber que esse olhar é inovador, abrindo-lhe possibilidades de uma nova práxis! 03 CONTEXTUALIZANDO A capacidade de aprender é inata: nasce com todos nós e se mantém ao longo da vida; é uma condição para a nossa sobrevivência. Ainda que tenhamos alguns comportamentos inatos, como reflexos e instintos (ex.: sucção, sobressalto, marcha, preensão), a maior parte de nossos comportamentos são aprendidos e vão depender da interação com o ambiente1,4. Alguns aprendizados não necessitam de um professor, como aprender a falar, que ocorre na interação com outras pessoas. Porém, quando consideramos nossas “conquistas culturais mais elaboradas”, tal como a linguagem escrita e a sua leitura, os cálculos, os esportes e as artes, usualmente precisamos de um instrutor e um espaço organizado18. O aprendizado escolar é uma etapa essencial ao desenvolvimento intelectual da criança. É na escola que ela receberá conhecimentos que a tornaram apta a ingressar plenamente na sociedade. [...] Estamos lidando com um momento crítico e definidor de sua vida: a construção de competências para uma sociedade cada vez mais dependente da tecnologia e do saber acadêmico. O fracasso escolar nas civilizações industrializadas representa o fracasso social, devendo ser combatido por todos aqueles interessados na construção de uma juventude saudável18, p.13. [...] O professor precisa conhecer melhor com o que está lidando ao ensinar seus alunos, como eles, por vezes sem saber, agem no desenvolvimento de seus pequeninos aprendizes, estimulando competências ou bloqueando potenciais diante de estratégias pedagógicas que não levam em conta a natureza do responsável pelo aprendizado: o cérebro18, p.14. ATENÇÃO * Esse texto utiliza a indicação das referências bibliográficas por meio do sistema numérico: pequenos números sobrescritos indicam a referência que pode ser consultada ao final do documento. Quando mais de um número for indicado, cada um deles remeterá a uma obra diferente. No caso de citações, o número indica a obra e é seguido da indicação da(s) página(s). No exemplo acima, no último trecho (18, p.14), temos a indicação do livro 18 nas referências, com a página 14, de onde foi extraída a citação. É nesse contexto que os conhecimentos e as práticas da Neuroeducação e da Neuropsicopedagogia podem ser muito importantes. Ainda mais quando considerarmos as crianças com necessidades educacionais especiais (NEE), as quais devem ser atendidas preferencialmente nas escolas regulares18. A Neuroeducação considera os conhecimentos das neurociências, aplicando-os ao processo de ensino-aprendizagem. As neurociências reúnem um 04 conjunto de disciplinas de diferentes áreas (ex. biológicas, humanas, exatas, saúde, entre outras) que estudam o sistema nervoso, seja no nível molecular, celular, sistêmico ou integrado, comportamental e cognitivo20, 21. A neuroeducação é uma área interdisciplinar, que integra a educação, psicologia e neurociência. Desenvolveu-se muito nos últimos anos e tem como principal foco otimizar o processo de ensino-aprendizagem, que inclui compreender os distúrbios e doenças que podem afetá-lo. A Neuropsicopedagogia inspira-se na Neuroeducação. É conhecimento, pesquisa e ação. Foca-se no processo de ensino-aprendizagem, buscando avaliá-lo e otimizá-lo (intervenção)14. Como pode ser percebido, a presente disciplina tem muito a oferecer ao seu processo de formação em Educação Inclusiva. Tenha uma ótima aventura! TEMA 1 – SISTEMA NERVOSO, NEURÔNIO E NEUROTRANSMISSÃO, SINAPSE & NEUROTRANSMISSORES Para sobreviver, os seres vivos precisam perceber, interpretar e interagir com o ambiente onde vivem. Na busca de alimentos ou de parceiros sexuais, protegendo-se de perigos e estabelecendo e mantendo vínculos sociais que vão mais facilmente suprir essas necessidades, os seres precisam emitir comportamentos adaptativos eficazes. No reino animal é o sistema nervoso que estabelece a comunicação entre o organismo e seu meio e também entre as diversas partes internas desse mesmo organismo. E é pelo cérebro, o órgão mais importante do sistema nervoso, que percebemos conscientemente estímulos ambientais que nos chegam pelos sentidos sensoriais, os processamos e elaboramos respostas adaptativas. E o mais interessante: ele trabalha em silêncio – a maior parte de sua atividade ocorre fora de nossa consciência ou controle; percebemos seu produto, mas não seu trabalho1, 2, 4. 1.1 Neurônio e neurotransmissão O Sistema Nervoso (SN) é um sistema de comunicação e as suas unidades básicas são os neurônios, células especializadas nesta finalidade, as quais se espalham por todo o corpo formando redes informacionais. Os neurônios se comunicam por meio de impulsos bioelétricos e sinais químicos. Eles recebem informações de neurônios vizinhos, integram e avaliam esses sinais e os repassam para outros neurônios, formando assim circuitos e redes de curta e longa distância1, 2, 3. 05 Eles têm formatos e tamanhos variados, conforme sua funcionalidade e localização. Em geral são compostos de 4 regiões, um corpo celular ou soma, dois tipos de prolongamentos – os dendritos e o axônio – e os botões terminais, como pode ser visto na Figura 1. Figura 1 – Neurônio Este é o modelo clássico, porém, existem outros tipos de neurônios3,8. Os dendritos, são pequenos prolongamentos ramificados junto do corpo celular, aumentando o campo receptivo do neurônio; são voltados a receber informações de outras células nervosas e repassar para o corpo celular. O maior desses prolongamentos tem pequenas saliências – as espinhas dentríticas – que são os receptores dos sinais que vêm de outros neurônios. O corpo celular é onde a informação de milhares de outros neurônios é recebida e integrada. É também onde fica a programação genética do neurônio3,10. O axônio é um prolongamento que conduz os impulsos nervosos, repassando-os para outras células, por ramificações ao seu final, os botões terminais. Osaxônios têm diferentes tamanhos; os menores medem apenas milímetros enquanto que os maiores podem medir mais de um metro, como aqueles que vão da medula espinhal até o dedão do pé. A maioria dos axônios é revestida pela bainha de mielina que acelera sua condutividade3,6,7. 06 Figura 2 - Exemplo de sinalização eletroquímica de um neurônio de dopamina Fonte: 10, p. 47 1.2 Sinapse É o local onde as células nervosas se comunicam umas com as outras. A maior parte das sinapses é química (envolvendo os neurotransmissores), no entanto algumas são apenas elétricas; nesses casos, as membranas das células estão em contato1,3,8,9. As sinapses são os locais de regulação do fluxo do impulso nervoso, de natureza elétrica, e dependem de trocas iônicas nas membranas plasmáticas dos neurônios1,6,10. Nesse local, o sinal elétrico que chega pelo axônio (pré-sináptico) é transformado em sinal químico (nas sinapses químicas), na forma de neurotransmissores, os quais são liberados na fenda sináptica para os receptores dos dendritos pós-sinápticos. Como resultado o sinal poderá ser transmitido adiante (excitado) ou impedido de seguir (inibido). 07 TEMA 2 – NEUROTRANSMISSORES E CÉLULAS NERVOSAS 2.1 Neurotransmissores Como indicado acima, as sinapses químicas implicam na presença de neurotransmissores – substâncias que são armazenadas no neurônio pré- sináptico e liberadas na fenda sináptica pela excitação desse neurônio, podendo excitar ou inibir o impulso eletroquímico. Algumas drogas podem aumentar ou diminuir a ação dos neurotransmissores, sendo chamadas de agonistas e antagonistas, respectivamente3. Quadro 1 – Principais neurotransmissores Neurotransmissor Funções Observações complementares Acetilcolina - ACh Controle motor na junção entre nervos e músculos. Também envolvida em processos mentais como aprender, memorizar, dormir e sonhar. Nicotina é agonista da ACh, podendo estimular sonhos vívidos, aumentar a atenção, melhorar a resolução de problemas e facilitar a memória. Isso ocorre em fumantes, tornando mais difícil o abandono do vício, que tanto mal faz à saúde Monoaminas Regular os estados de excitação e afeto (sentimento) e motivar o comportamento. Adrenalina Produz uma explosão de energia no corpo, envolvida na reação de luta/fuga. Presente principalmente no resto do corpo, que não no cérebro. Noradrenalina Inibir potenciais de ação, sendo importante para manter a atenção. Envolvida na excitação e vigilância (vigília), também no comportamento de comer e de buscar alimentos. Encontrada principalmente no cérebro. Produzida no lócus cerúleo, lesões nessa estrutura reduzem a capacidade de ignorar estímulos distrativos. Dopamina Recompensa e motivação para comportamentos importantes, como a sobrevivência (adaptativos). Controle motor sobre os movimentos voluntários. Ligada ao vício - muitas drogas são agonistas da dopamina (ex. cocaína bloqueia a reabsorção da dopamina, produzindo excitação e euforia prolongados). A falta de dopamina é relacionada a doença de Parkinson. Serotonina Estados mentais e controle dos impulsos Envolvida também no sonhar. Baixos níveis de serotonina produzem humor triste e ansioso, desejo incontrolável de comer e comportamentos agressivos LSD é estruturalmente semelhante a serotonina e se unindo aos receptores ligados ao sonhar, produz alucinações Aminoácidos Transmissores e inibitórios e excitatórios gerais no cérebro GABA ↓ Ácido gama- aminobutírico Inibição dos potenciais de ação para manter equilíbrio sináptico. Ansiedade e intoxicação. Inibidor primário do SN – hiperpolariza as membranas pós-sinápticas. Sem sua ação inibidora haveria descontrole da excitação sináptica, gerando, por exemplo, crises epiléticas. Drogas que afetam sistema GABA são usadas para transtornos de ansiedade, insônia e estresse. O álcool estimula o sistema GABA, produzindo efeito relaxante e coordenação motora alterada. 08 Glutamato ↑ Intensifica os potenciais de ação, sendo importante na aprendizagem e memória. Representa mais da metade dos neurônios excitatórios, importante para iniciar e manter o funcionamento cerebral. Peptídeos moduladores Modulam a neurotransmissão, atuam junto com outros neurotransmissores CCK Colecistocinina Importantes na aprendizagem e memória, na transmissão da dor e no comportamento de exploração social. No sistema gastrointestinal produz saciedade alimentar. Drogas antagonistas produzem maior interação social, enquanto que drogas agonistas reduzem a fome, aumentam a saciedade e reduzem a interação social. Endorfinas Associadas ao humor eufórico e a redução da dor. Recompensa. Defesa natural do corpo contra a dor, para permitir o organismo se envolver em atividades adaptativas importantes, mas que podem ser dolorosas, como o comer, competir, acasalar. Podem explicar efeito placebo sobre a dor. Humor eufórico pode ser produzido por certas atividades arriscadas como a queda livre ou o estremo cansaço dos corredores (barato do corredor) e outros perigos. Substância P Percepção da dor Pimentas picantes contém capsaisina, que libera a substância P. Fonte: 3, p.104-111; 10, p.52 2.2 Tipos de neurônios e células da glia Podemos considerar três tipos básicos de neurônios: os sensoriais trazem as informações ou estímulos sensoriais, percebidas pelos receptores periféricos, para o Sistema Nervoso Central (SNC), chamados de aferentes, visto que transmitem as informações do corpo para o cérebro. O contrário dos neurônios motores (eferentes) que levam informações para fora do SNC que, como sugere o nome, geram o movimento. Os neurônios de associação fazem conexões entre os neurônios, integrando a atividade neural dentro de uma área restrita2,3. Além dos neurônios, outras células que compõem o sistema nervoso central, são chamadas de células da glia ou gliais. Nove vezes mais numerosas que os neurônios, servem de apoio aos neurônios e atuam na comunicação, modulando as sinapses. Existem três tipos de células gliais10: micróglias – quando ocorrem lesões elas aumentam sua quantidade para remover os detritos celulares da região que foi lesionada; oligodendrócitos – produzem e envolvem os axônios em uma camada isolante elétrica – bainha de mielina – que aumenta sua velocidade de transmissão do potencial de ação; e astrócitos – que preenchem os espaços entre os neurônios com várias funções: a. mantêm a barreira hematoencefálica, ligada à permeabilidade seletiva das células; b. regulam quimicamente o líquido extracelular; 09 c. apoiam a estrutura neuronal; d. levam nutrientes aos neurônios; e. modulam atividade elétrica na sinapse. TEMA 3 – DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO Conforme a localização e funcionalidade, o SN pode ser dividido em Sistema Nervoso Central (SNC), composto pelo encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco encefálico) e medula espinhal, e Sistema Nervoso Periférico que inclui as demais células nervosas. Os dois sistemas funcionam de forma integrada e interdependente. O SNP envia ao SNC informações do meio interno do organismo (nesse caso é chamado de Sistema Nervoso Autônomo) e dos receptores que fazem contato do organismo com o seu meio ambiente (denominado Sistema Nervoso Somático). O SNC recebe, organiza e avalia tais informações e sinaliza ajustes e comportamentos que devem ser feitos pelo SNP3,7. A maioria das funções do SNC são de responsabilidade do cérebro, que por meio de regiões específicas produz praticamente tudo o que somos e fazemos. Suas estruturase funções serão descritas adiante neste texto3. Outra parte do SNC é a medula espinal, que é um cilindro nervoso no interior do canal vertebral, onde se conectam 31 pares de nervos, responsáveis pela recepção de informações sensoriais periféricas e por enviar impulsos nervosos aos órgãos efetuadores. As informações sensitivas chegam pelas raízes posteriores, enquanto que os impulsos motores saem pelas raízes anteriores. Assim, os nervos espinhais são funcionalmente mistos. Pela via da medula espinal o cérebro controla todo o corpo, como os músculos e os movimentos gerados por eles, as glândulas e os órgãos internos. Assim, se a medula for lesionada, o cérebro perderá o contato com o corpo, não recebendo sinais dele e nem podendo controlá-lo. A amplitude dessa perda de contato (sensação) e controle (movimento) dependerá da altura da lesão, anestesias e paralisias, que ocorrem abaixo do ponto de lesão; porém, os reflexos medulares permanecem intactos3,6. O Sistema Nervoso Periférico é formado por nervos cranianos e espinhais que conectam o SNC. Também possui gânglios nervosos, que são estruturas periféricas, contendo aglomerado de células nervosas, com função sensorial ou motora. Nervos sensitivos possuem um gânglio com neurônios ligados a receptores periféricos. Existem gânglios formados por neurônios que inervam 010 órgãos viscerais e fazem parte do SNA, como será visto em item próximo3,6. O sistema nervoso periférico possui duas divisões. Sistema Nervoso Somático (SNS) – por meio de receptores específicos na pele, músculos e articulações, esse sistema recebe e envia informações sensoriais do corpo para o cérebro (sentido aferente), via medula espinal. Isso é feito por feixes de axônios que formam os nervos. No sentido contrário (eferente), recebe sinais do SNC no sentido de iniciar, modular ou inibir movimentos nos músculos, articulações e pele3. Sistema Nervoso Autônomo (SNA) – controla de forma automática o ambiente interno do organismo, mantendo-o em equilíbrio (homeostase) face às variações de estímulos internos e externos2,3. Controla também glândulas, como as sudoríparas, e os órgãos viscerais, como o coração, estômago, pulmões, bexiga. Os nervos do SNA levam informações somatossensoriais do meio interno para o SNC; este, por sua vez pode responder com dois tipos de sinais: de alerta, que repara o corpo para ação, e de relaxamento, que reconduz o corpo ao repouso. Por exemplo, se subitamente soa o alarme de incêndio no local onde você se encontra, em segundos seu corpo estará pronto para a ação. [..] o sangue flui para os músculos esqueléticos, a adrenalina é liberada para aumentar os batimentos cardíacos e o açúcar no sangue, seu corpo absorve mais oxigênio, você para de digerir alimento, suas pupilas se dilatam para maximizar a sensibilidade visual, e você começa a transpirar para se manter calmo. 3, p. 113 Esses efeitos foram produzidos pela divisão simpática do SNA, que prepara o corpo de prontidão para reagir a eventos significativos, como alguma situação que exija luta ou fuga. Ou seja, aumenta o nível de excitação do corpo, o que implica em gasto extra de energia. Porém, passada a situação estressante, o organismo precisa retornar ao seu estado anterior, visto que não é possível permanecer neste estado de prontidão e tensão por muito tempo, pois isso levaria a um colapso corporal. Imagine então que o alarme de incêndio era falso e logo você descobre isso. Poderá relaxar aliviado(a) então. Seu coração voltará aos batimentos normais, sua respiração se acalma, sua transpiração cessa e seu sistema gastrointestinal volta a trabalhar. Esse efeito restaurador é produzido pela divisão parassimpática do SNA, que busca assimilar e conservar a energia e recuperar o metabolismo após uma ação simpática, produzindo repouso, relaxamento e digestão. A maioria dos órgãos internos estão conectados e são 011 controlados pelos sistemas simpáticos e parassimpáticos, como pode ser visto na Figura 3, conforme 3, p.113. Alarmes simpáticos não disparam apenas quando existe a possibilidade de incêndio, ou outras situações perigosas, como um assalto, um acidente etc. Situações positivas também podem acioná-lo, como é o exemplo da atração sexual, ou uma notícia muito boa. Também é importante mencionar que um fato que possa ser considerado estressante ou negativo para uma pessoa pode ser relaxante e positivo para outra, ou seja, há uma boa dose de subjetividade na avaliação das situações, isto é, se elas representam uma ameaça ou um benefício ao organismo. Em adição à manutenção de estados simpáticos por longos períodos trazem consequências graves para o organismo2,3. O sistema nervoso simpático também pode ser ativado por estados psicológicos, como ansiedade ou inferioridade. As pessoas que se preocupam muito ou que não conseguem lidar com o estresse têm o corpo em constante estado de excitação. A ativação crônica do sistema nervoso simpático está associada a problemas médicos que incluem úlceras, doenças cardíacas e asma. 3. p. 114 TEMA 4 – NEUROANATOMIA FUNCIONAL Como vimos acima, o sistema nervoso central é composto pela medula e encéfalo, e este composto pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico ou tronco cerebral (Figura 3). Agora vamos observar melhor essas estruturas e suas funções2,7,11. Figura 3 – Tronco encefálico Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Tronco_cerebral>. 012 4.1 Tronco encefálico ou cerebral Liga a medula espinhal ao restante do encéfalo. É composto de três regiões: o bulbo, que é a continuação da medula espinhal e contém núcleos nervosos responsáveis pela manutenção da respiração, deglutição, sudorese, batimentos cardíacos, atividade vasomotora e secreção gástrica. A ponte é a região intermediária que, com suas vias aferentes e eferentes, conecta diferentes áreas da medula e encéfalo; e o mesencéfalo, que faz a conexão com o cérebro, mediando informações sensoriais e corticais e auxiliando no controle motor11. Por meio de fibras grossas, o tronco encefálico liga-se ao cerebelo, que fica atrás dele (local posterior). Os últimos doze pares de nervos cranianos conectam-se com o tronco encefálico, levando informações sensitivas da cabeça e pescoço ao SNC e trazendo impulsos nervosos aos órgãos efetuadores dessa região6. Em síntese, tem como função11: 1. Receber aferências de diferentes regiões do corpo e controlar efetores por meio de neurônios presentes nos núcleos dos pares de nervos cranianos; 2. Atuar como região de passagem de informações sensoriais e motoras para o encéfalo; 3. Participar da regulação de nosso estado atencional e do ciclo de sono- vigília. Em complemento, o tronco encefálico contém programas básicos para a sobrevivência, incluindo funções como respirar, engolir, vomitar, urinar e ter orgasmo3, p.129. A disposição da substância cinzenta e branca é semelhante à da medula espinhal, porém, a substância cinzenta é fragmentada em núcleos, sendo alguns sensitivos e outros motores6. Alguns núcleos servem como interruptores, que podem ligar ou desligar a passagem de informações, de vias que passam pelo tronco encefálico. Um destes núcleos, a substância negra, contém neurônios escuros (daí o nome) que utilizam a dopamina como neurotransmissor e são muito importantes no controle motor, sendo que sua disfunção produz sintomas de Parkinson. O tronco encefálico integra reflexos da cabeça e serve de ponte para vias motoras e sensitivas. É uma estrutura complexa, e suas lesões desativam funções específicas; algumas podem ser fatais, visto que nele estão os centros de controle da frequência cardíacae da respiração6. 013 4.2 Formação reticular No tronco cerebral encontra-se a formação reticular, que ocupa toda parte central do tronco encefálico, possuindo grande quantidade de fibras nervosas dispostas em rede. Não é homogênea, possuindo vários núcleos com características e conexões próprias. Possui conexão com todo sistema nervoso, recebendo informações de todas as vias sensoriais, repassando-as ao tálamo e ao córtex. Atua na ativação deste e na manutenção do estado de vigília, bem como na regulação dos estágios do sono. Participa também no controle da motricidade com importância na manutenção do tônus postural. Afeta ainda processos sensoriais, podendo impedir inputs de dor, produzindo analgesia6. Uma característica importante do tronco cerebral é sua autonomia, a qual pode ser observada quando o tronco cerebral de um animal é dividido do cérebro acima dele, por meio de um corte. Por exemplo, um gato que recebe esse procedimento continua a caminhar e pode atacar se orientado por barulhos. Quando percebe que há um alimento próximo, vai comê-lo. Bebês nascidos sem o córtex vão expressar comportamentos extremamente básicos e reflexos, originados no tronco cerebral3. 4.3 Cerebelo Localiza-se atrás do tronco encefálico, ligando-se a este por fibras nervosas. Similar ao cérebro, possui um córtex formado por substância cinzenta, e um interior com fibras nervosas, onde se localizam seus núcleos centrais6. O cerebelo tem uma quantidade impressionante de células, cerca de 1/3 de todos os neurônios do SNC, o que contrasta com o resto dessa estrutura, visto ser o local que possui mais neurônios do que qualquer outra parte do cérebro. Contém circuitos complexos e rápidos, que controlam a motricidade e equilíbrio corporal. Pela medula espinhal, recebe aferências sensoriais e cinestésicas de todo corpo; do córtex recebe informações motoras e ainda integra inputs dos órgãos vestibulares. Isso lhe permite papel importante no controle dos movimentos, da postura e do equilíbrio corporal. Possui dois hemisférios, sendo que cada um deles controla a musculatura do seu mesmo lado (ipselateral), oposto do que ocorre com os hemisférios cerebrais. Ele também participa dos movimentos delicados (motricidade fina) 6,10. 014 Lesões cerebelares não impedem a realização de movimentos, mas podem comprometer seriamente o equilíbrio corporal, provocar alterações no tônus postural ou dar origem a distúrbios de coordenação motora, caracterizados pela presença de tremores, ataxia e dismetria.11 Existem ainda evidências de que esteja envolvido em várias outras atividades, como processos cognitivos, memória, controle de impulso e também aparece relacionado à fisiopatia do autismo, TDAH e esquizofrenia10. Ainda que seu papel mais óbvio esteja relacionado ao aprendizado motor não consciente, e talvez até na atividade psicológica automática, é curioso notar que quando o cerebelo é completamente removido, em especial em jovens, estes conseguem retomar seu funcionamento quase normal, o que sugere que essa misteriosa estrutura pode ter se desenvolvido como apoio ao restante do cérebro3,10. 4.4 Cérebro Dividido em duas estruturas, o diencéfalo, com suas subestruturas, e o telencéfalo ou prosencéfalo, composto por estruturas mais externas, o córtex cerebral (casca) e internas ou subcorticais2,7,11. Iniciemos pelo diencéfalo – que tem como principais estruturas o tálamo e hipotálamo. O tálamo, mede cerca de 1 centímetro; ele recebe, processa e retransmite praticamente todas as informações sensoriais e motoras que circulam para o córtex e núcleos profundos11. Como um portão de entrada, ele controla o fluxo dessas informações; por exemplo, durante o sono ele se fecha, impedindo a passagem de informações para permitir que o cérebro descanse. O sentido do olfato é o único que não passa por esse portão, visto ser mais antigo e fundamental dos sentidos, tendo direção direta para o córtex3,11. O hipotálamo é bem menor que o tálamo, algo como o tamanho de um grão de ervilha. Ele “é a estrutura reguladora mais importante do cérebro e é indispensável para sobrevivência do organismo”. 3, p.131 Ele é responsável por regular as funções vitais – temperatura corporal, ritmos circadianos, pressão sanguínea e nível de glicose – e, para esses fins, impele o organismo por meio de impulsos fundamentais como sede, fome, agressão e sensualidade. 3, p.131 Sua principal função é a manutenção da homeostase, recebendo informações sobre as condições dos órgãos internos do corpo e também do meio externo. Baseado nelas, atua por conexões com o sistema nervoso visceral periférico (parassimpático e simpático), com o sistema límbico e com o sistema 015 endócrino. Constitui-se no principal centro regulador das atividades viscerais, podendo gerar respostas simpáticas ou parassimpáticas. Muito importante para a regulação das emoções, é região nodal do sistema límbico, relacionando-se com as amígdalas, com o septo e o hipocampo. Nele ocorre a interação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino, principais reguladores do organismo3,6. O hipotálamo produz ainda os hormônios ocitoxina, vasopressina (antidiurético) e polipeptídios, liberando-os na pituitária, para controlá-la. A pituitária é considera a “glândula chefe”, visto que libera hormônios que controlam as demais glândulas endócrinas do organismo e ainda determina os processos de desenvolvimento, ovulação e lactação. Dessa forma o hipotálamo influencia todo o sistema endócrino. No entanto, essa influência é regulada pelas informações que recebe sobre os níveis sanguíneos dos hormônios produzidos pelas glândulas3,6. O hipotálamo regula a temperatura corporal, a ingestão de alimentos e a ingestão e eliminação de água. Pelo seu núcleo supraquiasmático – o relógio do organismo – e as informações que obtém da retina, também controla os ritmos circadianos do corpo, integrando-os aos ciclos de claro e escuro da natureza. Ele é ainda um centro importante na interação neuroimunológica, ou seja, entre o sistema nervoso e o sistema imune6. O hipotálamo governa o desenvolvimento sexual e reprodutivo e o comportamento. Ele é um dos únicos lugares no cérebro humano onde existem claras diferenças entre homens e mulheres, devido às influências hormonais precoces durante o desenvolvimento do sistema nervoso. Ratas fêmeas expostas a altos níveis de testosterona ainda dentro do útero desenvolvem uma organização hipotalâmica mais típica de ratos machos – a chamada masculinização fetal. Diferenças nas estruturas hipotalâmica podem influenciar a orientação sexual. Utilizando métodos post mortem, LeVay (1991) descobriu que o hipotálamo anterior tinha apenas a metade do tamanho nos homens homossexuais se comparados aos heterossexuais. De fato, o tamanho dessa área nos homens homossexuais era comparável ao seu tamanho nas mulheres heterossexuais. 3, p.131 O telencéfalo ou prosencéfalo é composto por uma porção mais externa, o córtex cerebral, ligado às funções mentais, e por estruturas mais internas, ditas subcorticais (abaixo do córtex), tais como o hipocampo – relacionado à memória – e a amígdala, crucial à emoção; essa estrutura é tão importante para o organismo que aparece organizada no que se chamou de sistema límbico. Temos ainda os núcleos de base, ligados aos movimentos. Iniciemos por eles. Os núcleos ou gânglios de base localizam-se na base do cérebro; são essenciais no planejamento voluntário dos movimentos corporais, visto estarem 016 ligados às regiões motoras do córtex frontal. Os núcleos de base recebem comandos dessas regiões e as enviam aos centros de movimentodo tronco encefálico. Simultaneamente, por meio do tálamo, têm retroalimentação daquelas regiões de comando. Incluem o corpo estriado, núcleo subtalâmico e a substância negra. O núcleo acumbente (ou acumbens) e pálido ventral são extensões do corpo estriado, o qual é importante no planejamento e controle corporal. A doença de Parkinson tem sido relacionada à falta do neurotransmissor dopamina, relacionada ao corpo estriado e ao núcleo accumbens3,6,11. O sistema límbico (Figura 4) é localizado na borda do hemisfério cerebral (limbo = margem), é composto por [...] várias regiões corticais (giros cingulado e para-hipocampal, córtex entorrinal e algumas áreas pré-frontais), subcorticais telencefálicas (hipocampo, complexo amigdaloide, septo), diencefálicas (hipotálamo e algumas áreas talâmicas) e do tronco encefálico (área tegmental ventral) [...] 11, p. 855-856 Figura 4 – Sistema límbico Fonte: <http://www.escoladepostura.com.br/main.asp?link=noticia&id=303>. Suas funções incluem processamento e regulação emocional e motivacional, memória, aprendizagem e interesse sexual6,11,12. Suas alterações estão relacionadas a transtornos psiquiátricos12. Apesar de amplamente utilizada, a expressão sistema límbico é questionável e tem sido crescentemente abandonada, visto não haver consenso sobre quais estruturas pertencem a esse sistema e se elas estão exclusivamente relacionadas ao sistema das emoções, que é a expressão que tem sido usada para substituir a anterior1,10,12,13. Algumas das regiões desse sistema, como o tálamo e o hipotálamo foram descritas acima. Passamos então a descrever outros componentes baixos (hipocampo, amigdala, 017 giro cíngulo e insula). As áreas pré-frontais, também relacionadas às emoções, serão descritas adiante. O hipocampo é uma antiga região bilateral, que tem papel crucial no armazenamento de novas memórias declarativas, recentes e de longo prazo, elaborando novas conexões (sinapses) a cada experiência3,6,12. Está relacionado à orientação espacial, sendo que sua lesão bilateral produz desorientação e falhas na memória declarativa (amnésia anterógrada global)1,12. Tem amplas conexões com as áreas corticais, recebendo e enviando informações para essas áreas. Também se conecta a regiões relacionadas ao controle das emoções como o septo, a amígdala, partes do tálamo e do hipotálamo, o corpo estriado e a formação reticular. Sua porção posterior parece relacionada com processos cognitivos de aprendizagem e memória, em particular aqueles ligados à navegação, exploração e locomoção. Em complemento, sua região anterior envolve-se na emoção e comportamentos motivados1. Essa região parece estar relacionada a transtornos com o estresse pós-traumático, depressão e Alzheimer10,12. Como visto, o hipocampo é importante para o processo das emoções, mas é a amígdala ou complexo amigdaloide a estrutura mais crucial desse processo. A amígdala (complexo amigdaloide) é formada por um conjunto de núcleos, localizados internamente ao lobo temporal e anteriormente ao hipocampo, recebendo aferências sensoriais indiretas, oriundas do córtex cerebral, do diencéfalo e do tronco encefálico, as quais trazem informações sensoriais (como olfato, dor) e viscerais, entre outras. As aferências recebidas via tálamo são responsáveis pela gênese de respostas rápidas e primitivas (como os condicionamentos), enquanto aquelas vindas do córtex pré-frontal estão relacionadas às respostas mais lentas e sujeitas a intervenção consciente 11, p. 864-868. Envolvida no processamento das emoções – como o medo, no aprendizado, no sistema de recompensa (prazer) e nas reações de luta e fuga ante situações de aparente ameaça, quando produz respostas viscerais e endócrinas (aprendizado de situações), resultado da ativação do hipotálamo e centros do tronco encefálico, o que prepara o organismo para situações futuras semelhantes, graças à memória emocional das experiências (6, 12). Se lesionada, produz descontrole emocional, dificuldades na memória de curto prazo e incapacidade de reconhecer as emoções das outras pessoas (avaliação das expressões faciais). Suas disfunções e alterações têm sido relacionadas a vários transtornos, como transtorno bipolar, estresse pós-traumático, demência, autismo, personalidade borderline e esquizofrenia1,6,12. 018 Ela participa também de processos cognitivos, como a atenção, a percepção e a memória e seria importante na atribuição do significado emocional dos estímulos externos. Projeções da amígdala que chegam ao hipocampo podem reforçar a memória de eventos com conteúdo emocional. Lesões na amígdala, assim como sua desconexão, provocam uma dissociação entre os processos sensoriais e emocionais. [...] Em síntese, a amígdala participa de circuitos em que ocorre uma interação entre as informações vindas do meio externo, configurando a realidade ambiental, e as informações vindas do meio interno, configurando as necessidades do organismo em determinado momento. O processamento dessas informações permite o desencadear de respostas autonômica e comportamentais, bem como a interferência nos processos ideacionais. 1, p.41-42 Conectado com a amígdala e o hipocampo e também envolvido com o processamento emocional, o giro do cíngulo ou cingulado circunda o corpo caloso e está ligado com outras estruturas também, tal como o tálamo, regiões pré-frontais e os córtices pré-motor e motor. Participa dos processos de atenção, seleção de ações motoras motivadas, memória, emoção, dor, função visceral e processamento visoespacial1,6. Também é importante na monitoração de conflito e é uma parte importante do sistema de atenção (mudar o foco da atenção), mudar de ideia e perceber opções, flexibilidade (mental) de adaptação às mudanças do meio, enfrentamento de problemas/conflitos, previsão de eventos negativos (insegurança) e atividades cooperativas (empatia social)15. Suas lesões podem provocar apatia, mutismo e mudanças de personalidade. Alzheimer, esquizofrenia, depressão e transtorno obsessivo compulsivo também parecem estar relacionados com o giro cíngulo1. Tal como as estruturas anteriores, a ínsula (Figura 5) mantém íntimo contato com regiões do sistema límbico, estando também envolvida na coordenação dos processos emocionais. Ela se localiza no sulco lateral, sendo coberta por parte dos lobos temporal frontal e parietal. De fato, é um dos lobos corticais, e tem importante papel no processamento de informações visoperceptivas, tornando-as conscientes, como são as sensações intestinais, respiratórias e cardiovasculares. É também crucial na percepção da gustação (paladar), temperatura, cócegas, estimulação sexual e toque sensual, dor e seus aspectos emocionais (1, 12). É uma espécie de intérprete do cérebro ao traduzir sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, desejo, orgulho, arrependimento, culpa ou empatia. Experiências sensoriais são transformadas em emoções e sentimentos. Ela registra estímulos aversivos e tem sido implicada na previsão de resultados aversivos ou negativos15. 019 Figura 5 – Ínsula Fonte: <http://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/telencefalo/>. Após termos considerado as estruturas mais internas e filogeneticamente mais antigas, passemos à porção mais nova e externa, o córtex cerebral, responsável por processos mentais que nos caracterizam como humanos2,11. TEMA 5 – CÓRTEX CEREBRAL E UNIDADES FUNCIONAIS DE LURIA 5.1 Córtex cerebral O córtex cerebral contém dois tipos de substância, a branca e a cinzenta. Esta, mais externa, é composta pelos corpos dos neurônios, enquanto que a substânciabranca, interna, é composta pelos axônios dos neurônios, levando as informações da parte superior para parte inferior do cérebro10. As células do córtex, ou neocórtex, como é chamado, são diferentes daquelas das estruturas anteriormente estudadas, visto que são organizadas em seis camadas de substância cinzenta, assentadas sobre uma camada de substância branca. A camada média (4), é aferente, representando o local de entrada das informações sensoriais. As camadas mais inferiores (5) e (6), são eferentes, possibilitando a saída para outras partes do cérebro. Já as camadas (1), (2) e (3) têm menor especificidade modal, ou seja, são compostas por maior número de neurônios associativos, permitindo a combinação ou integração das informações (6, 7 e 16). As células dessas camadas foram estudadas pelo neurologista alemão Korbinian Brodmann, que dividiu o neocórtex em 52 áreas (Figura 6), que ficaram conhecidas como áreas de Brodmann7,10. O córtex é composto por dois hemisférios, cada um deles com 4 lobos, frontal, parietal, occipital e temporal. Os hemisférios cerebrais estão conectados pelo corpo caloso, uma estrutura compacta de milhões de axônios3. 020 Figura 6 – As 52 áreas de Brodmann Quadro 2 – Lobos cerebrais e uma síntese de suas funções Parietal Processamento de informações táteis e integração sensorial multimodal. Temporal Processamento de informações auditivas, gustativas e olfatórias, além de integração multimodal e de linguagem (percepção linguística). Occipital Processamento de informações visuais e integração sensorial multimodal. Frontal Planejamento e processamento motor voluntário, integração de funções superiores, como expressão da linguagem, consciência, raciocínio e tomada de decisão. Fonte: 11, p.772-780 Uma forma pragmática de compreender o funcionamento cerebral foi proposta por um discípulo de Vygotsky, Alexander Romanovich Luria (1902-1977), o qual considera os quatro lobos cerebrais (frontal, parietal, occipital e temporal) e as regiões subcorticais orquestrados em unidades funcionais, as quais se organizam em áreas corticais, como veremos agora14,16. 5.2 Modelo das unidades funcionais de Luria Para Luria, sob um prisma funcional, o córtex pode ser dividido em três tipos de áreas: primárias, secundárias e terciárias. As áreas primárias ou de projeção, são ligadas ao processamento de informação sensorial e a motricidade. Células de elevada diferenciação e especificidade e outras com caráter multimodal. Ainda há células de manutenção não específica do tono (não respondem a nenhum tipo específico de estímulo). Em síntese elas recebem e 021 enviam informações para a periferia14,16. As áreas secundárias, de projeção- associação ou associativas unimodais, ou, ainda, gnósticas. São menos diferenciadas e mais associativas, permitindo que as informações sejam recebidas, processadas, integradas ou combinadas umas com as outras e ainda armazenadas6,14,16. Já as áreas terciárias ou multimodais ou ainda as zonas de superposição têm funções integrativas das “informações que chegam de diferentes analisadores”. A maioria dos neurônios são multimodais, respondendo às características gerais do estímulo16, p.55. Dessa forma atuam nas funções executivas, como a atenção, motivação, percepção, memória, raciocínio, cognição e planejamento). Como pode ser visto, essas áreas são as mais importantes e foram as últimas a se desenvolverem. Elas precisam da participação em concerto de várias áreas e, em certa medida, elas regem a orquestra cerebral11,14,16. Quadro 3 – Regiões dos três tipos de áreas, representadas pela numeração de Brodmann e suas funções Tipo de área Localização pelas Áreas de Brodmann Descrição funcional da(s) área(s) 1ª 3, 1 e 2 Área somatossensorial primária (somestésica) (S1) 1ª 4 Área motora primária (M1) 2ª 5 e 7 Áreas associativas somatossensoriais 2ª 6 Áreas pré-motora (PMA) e motora suplementar (SMA) 2ª 8 Área relacionada ao controle dos movimentos oculares (campos oculares frontais) 3ª 9 Área associada a cálculos e lógica 3ª 10 Área associada à atenção e alerta 3ª 11 e 12 Áreas associadas à decisão e comportamentos éticos 13 e 14 Áreas associadas à memória verbal, motivação e informações somatossensoriais 15 e 16 Córtex da ínsula 1ª 17 Área visual primária (V1) 2ª 18 Área visual secundária (V2) 2ª 19 Área visual associativa (V3, V4 e V5) 2ª 20, 21 e 37 Áreas sensoriais associativas 2ª 22 Área de Wernicke (percepção linguística) 23, 24, 25, 26, 27 Córtex associativo límbico (relacionado com as emoções) 28 Área olfatória e córtex associativo límbico 29, 30, 31, 32, 33 Córtex associativo límbico (relacionado com as emoções) 34 e 35 Córtices entorrinal e perrinal (giro para-hipocampal) 36 Córtex hipocampal (memória verbal, memória espacial) 3ª 37, 39 e 40 Áreas heteromodais temporoparietais (reconhecimento de faces, objetos e vozes) 38 Área olfatória e córtex associativo límbico 1ª 41 e 42 Áreas auditivas primária e associativa 43 Área gustativa e córtex associativo sensoriomotor 3ª 44 e 45 Área de Broca (expressão linguística) 3ª 46 e 47 Córtex associativo pré-frontal e dorsolateral (funções executivas, pensamento, cognição e comportamento) Fonte: 11, p. 796-829 022 Além da divisão dos tipos de áreas, Luria considera três unidades funcionais. A primeira unidade regula o tônus cortical, a vigília e o filtro de estímulos. É formada pelo tronco encefálico, com ênfase para a formação ou sistema reticular, e por regiões subcorticais como o hipotálamo, a amígdala e o hipocampo, relacionadas ao sistema límbico. Seu slogan é manter “o cérebro desperto”! 14,16 O nível de excitação ou tono cortical é essencial para o recebimento e processamento de todas as informações que chegam, bem como para a programação e controle de execução de atividades dirigidas às metas. O sistema reticular regula o tono cortical (em nível ascendente) e é influenciado por ele (em nível descendente), e assim faz uma organização vertical de todas as atividades cerebrais, visto que todas precisam de energia para funcionar14,16. Em nível ascendente, o sistema reticular é ativado por processos de manutenção da homeostase – ou equilíbrio interno do organismo – como as funções respiratórias, digestivas etc., que são reguladas principalmente pelo hipotálamo. A chegada de estímulos do meio exterior também ativa o sistema reticular, visto que o organismo precisa avaliar as informações (reflexo de orientação) para se adaptar ao meio. Aqui temos a participação das estruturas subcorticais límbicas, com destaque para a amígdala e o hipocampo. A vigilância às mudanças do meio e às surpresas, é essencial para a sobrevivência16. Já na direção oposta, de cima para baixo, ou no nível ascendente, o sistema reticular é ativado por intenções e planos, previsões e programas, para os quais o córtex pré-frontal entra em cena, influenciando as estruturas do tronco cerebral para obter a energia de que precisa para suas atividades. Aqui temos a participação da fala (tanto interna quanto externa) e a consequente influência social em termos de motivação; aliás, quando falamos de motivação, temos também o sistema límbico em seu papel crucial de valoração emocional das memórias16. Essa unidade também é responsável pelo filtro de informações sensoriais (visuais, auditivas, gustativas e tácteis), sendo que todos os receptores sensoriais (com exceção do olfato) têm fibras conectadas nesse sistema, o qual seleciona que informações avançarão em direção ao córtex16. Em síntese, ela controla o estado dealerta do córtex, filtra informações e também é importante na capacidade de focalizar a atenção16. A segunda unidade recebe, processa e armazena informações sensoriais; é composta pelos lobos parietal, occipital e temporal. Sua chave é o “cérebro informado”; essa unidade recebe os estímulos que chegam ao cérebro a partir dos receptores periféricos e por meio dos três tipos de áreas descritas acima, os decompõe e analisa, transformando-os de dados brutos, recebidos nas 023 áreas primárias (que distingue os dados visuais, auditivos e táteis), em dados processados e sintetizados na segunda, e integrados de forma simultânea em sínteses intermodais abstratas nas áreas terciárias14,16. A terceira unidade funcional programa, regula e verifica a atividade mental, composta pelo lobo frontal, com destaque pela a parte pré-frontal. Ela é o “cérebro programador”. 16 O ser humano não é passivo diante de seu ambiente: este aprendeu a agir de forma ativa, criar intenções, planos e programas para ação. E, após se envolver nessas ações, modelando os comportamentos para executá-los corretamente, é necessário verificar se os resultados apresentados são coerentes com aqueles esperados e, se não o forem, o comportamento precisa ser corrigido para que as intenções originais sejam alcançadas16. FINALIZANDO Parabéns por ter chegado a esse ponto do nosso estudo! Nesse momento, vamos retomar alguns conteúdos e conectá-los ao ensino-aprendizagem. Em primeiro lugar: quão complexo é o funcionamento do sistema nervoso e, em particular, o do cérebro? E o processo de ensino-aprendizagem? E, além de complexo, esse sistema é silencioso, ou seja, a maior parte de seu funcionamento é autônomo e ocorre longe da nossa percepção consciente. Exercemos voluntária e conscientemente algumas funções cerebrais, como a vontade, a atenção e até mesmo a memória, porém esses e outros processos funcionam também amplamente de forma não consciente, por vezes dificultando o aprendizado. Considerando o sistema nervoso autônomo e suas divisões simpática e parassimpática, perceberemos que um equilíbrio se faz necessário. O aprendizado necessita de um certo grau de alerta ou excitação, porém se o sistema nervoso simpático estiver ativado, como em situações de perigo, de medo ou de conflito emocional (entre professores e alunos, ou entre ambos), dificilmente teremos um aprendizado em condições ótimas. Um clima de tranquilidade e de proteção afetiva é importante para que as regiões mais nobres do cérebro, em particular o córtex pré-frontal, possam funcionar de forma adequada e conduzir o aprendizado. Práticas de relaxamento em sala de aula têm sido utilizadas com benefícios para o aprendizado. Considerando as regiões do tronco encefálico e, em particular, da formação reticular, vemos a importância do filtro de informações 024 no sentido de manter a atenção nas informações necessárias ao aprendizado, inibindo estímulos distrativos e também na manutenção de um nível de alerta suficiente para que o aprendizado possa ocorrer, sendo que o funcionamento dessa estrutura basicamente autônoma, de acordo com o nível de excitação é o filtro/passagem dessas informações, que será mais de responsabilidade dos professores do que dos aprendizes. Por exemplo, a formação reticular é ativada com a chegada de informações novas que precisam ser avaliadas; se os professores tiverem um padrão de comportamento com pouca novidade, não prenderão a atenção de seus alunos, podendo, ao contrário, ser induzidos ao sono. Chegamos então ao cérebro; que informações serão suficientemente importantes para adentrarem no portão do tálamo? E, tão ou mais importante que ele, temos o centro do estresse, que é o hipotálamo que, com seu controle sobre a pituitária, comanda o sistema endócrino e as respostas simpáticas e parassimpáticas. Ele age também em parceria com a amígdala e o hipocampo, chaves de um complexo sistema complexo chamado límbico, praticamente responsável pela maior parte do aprendizado do cérebro. O sistema das emoções define o que é importante para o organismo, ou seja, que informações devem receber atenção e quais não precisam ser percebidas. Sendo a atenção um dos elementos mais importantes da aprendizagem, o sistema das emoções é um elemento crucial para esse processo, e é também crucial para a memorização e evocação de informações; amígdala e hipocampo são estruturas contíguas que funcionam em mútua colaboração. Lembrando que o hipocampo é a estrutura relacionada ao processo de armazenamento de memória de longo prazo, crucial ao processo de aprendizagem. Além da atenção e da memória, o sistema das emoções também participa de forma crucial dos processos de motivação, sem a qual aprendizados conscientes são muito difíceis. Ascendendo um pouco mais, dentro do cérebro, vemos a importância do giro cíngulo, que participa dos processos de atenção, da seleção de ações motivadas, da memória e do processamento visuoespacial. Atua ainda na monitoração de conflitos, e é essencial ao sistema de atenção, quando é necessário mudar o foco da atenção, ou, ainda, na flexibilidade mental para adaptação às mudanças do meio e enfrentamento de conflitos. Todos esses processos são importantes na aprendizagem e, em complemento, tem função na percepção da empatia social e atividades cooperativas, igualmente essenciais ao aprendizado. E, se pensarmos no modelo das unidades funcionais proposto por Luria, já comentamos acima da 025 primeira unidade (ligada à ativação e alerta do córtex). A segunda unidade é a receptora. Podemos citar a área secundária 22 de Brodmann, conhecida como área de Wernicke, crucial na compreensão linguística; e a área terciária de expressão da linguagem, área de Broca, 44 e 45 de Brodmann, ambas essenciais ao processo da linguagem verbal, sendo que seu mau funcionamento ou dificuldades na interconexão entre elas, produzirá problemas na compreensão e expressão linguística. Por fim, chegamos à terceira unidade de Luria, última estrutura filogeneticamente desenvolvida, os lobos frontais, em especial o córtex pré-frontal. Essa unidade deve ser o alvo da educação, porque tem a capacidade de resolver problemas, criar soluções e inovar. No entanto, se os métodos de ensino estiverem baseados em comandos, pouco dessa estrutura será utilizada. Por outro lado, se os alunos estiverem focados na resolução de problemas, então estamos no ápice das capacidades humanas, que coincide com autonomia do aprendiz. Esperamos que tenha apreciado nossa primeiras incursões e reflexões sobre o funcionamento cerebral e sua conexão com a aprendizagem. 026 REFERÊNCIAS 1. COSENGA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação. Porto Alegre: Artmed, 2011. 2. FERREIRA, M. G. R. Neuropsicologia e aprendizagem. Curitiba: InterSaberes, 2014. 3. GAZZANIGA, M. S.; HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005. 4. CALLEGARO, M. M. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artmed. 2011. 5. COQUEREL, P. R. S. Neuropsicologia. Curitiba: InterSaberes, 2013. 6. SANTOS, F. H. dos; BUENO, O. F. A.; ANDRADE, V. M. (Orgs.). Neuropsicologia hoje. Porto Alegre: Artmed, 2010. 7. KOLB B., WHISHAW, I. Q. Neurociência do comportamento. Barueri: Manole, 2002. 8. GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; & MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 9. KANDEL, E. E. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. 10. 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