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SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 1. OS ALIMENTOS PODEM TRAZER RISCOS PARA QUEM OS CONSOME? Daniel Mansur Rabelo INICIAR Introdução Neste capítulo, você irá entender como os alimentos, que são imprescindíveis à vida, também podem gerar riscos a quem os consome. Vamos conhecer os principais agentes causadores de contaminação em alimentos, os micro- organismos, estudar a legislação brasileira, no que diz respeito à segurança do alimento, e aprender sobre o papel do manipulador, um dos principais causadores da contaminação dos alimentos, discutindo formas de evitar que isso aconteça. Você já fez uma reflexão sobre as causas e as consequências da contaminação dos alimentos? Saberia citar os fatores que interferem na multiplicação dos micro- organismos nos alimentos? Conseguiria identificar e reconhecer um surto alimentar? Poderia dizer o que pode ser feito, de forma geral, para evitarmos uma contaminação de alimentos e as doenças que podem advir dela? Saberia apontar como o manipulador de alimentos interfere neste processo e como é possível controlar a contaminação a partir dele? Partindo destes questionamentos vamos compreender o que é segurança do alimento e entender quais são os riscos na alimentação, além de descobrir como podemos diminui-los. Assim, vamos estudar a importância de manter práticas voltadas à segurança do alimento. Afinal, uma produção responsável e focada na segurança do alimento trará ao consumidor final uma redução dos riscos, e, basicamente, a oportunidade de consumir um produto apenas para sua saúde e bem-estar. Clique aqui para assistir o video: 0:00 / 4:09 1.1 Microbiologia básica dos alimentos Quando falamos em segurança do alimento a primeira coisa que devemos discutir diz respeito aos riscos. Os alimentos estão submetidos a vários perigos, sendo eles físicos, químicos ou biológicos, mas os micro-organismos são os principais agentes causadores de doenças de origem alimentar, e a presença deles nos alimentos depende de vários fatores. Basicamente, os micro-organismos utilizam os componentes nutricionais dos alimentos para produzirem sua energia e se multiplicarem, podendo também, quando ingeridos junto com os alimentos, utilizar as estruturas corporais do SAIBA MAIS! OMS: Dia Mundial da Saúde 2015, Segurança AlimenOMS: Dia Mundial da Saúde 2015, Segurança AlimenOMS: Dia Mundial da Saúde 2015, Segurança Alimen……… https://www.youtube.com/watch?v=q4XPf4ui4Yc indivíduo, alterando o equilíbrio do organismo e, consequentemente, produzindo doenças. Os micro-organismos podem ainda produzir toxinas, trazendo, desta forma, riscos à saúde do consumidor. Entretanto, é importante destacar que nem todos os micro-organismos presentes nos alimentos são prejudiciais ou podem causar doença. Para saber diferenciá-los e ter ferramentas para evitar sua proliferação precisamos conhecer um pouco de microbiologia básica, pois assim poderemos classificá-los e avaliar quais fatores contribuem para seu crescimento e sua infestação nos alimentos. 1.1.1 Micro-organismos: definição e classificação Os micro-organismos são seres microscópicos, mas com todas as características dos seres vivos, ou seja, eles nascem, crescem, geram descendentes e morrem. Eles são formados por células, às vezes uma só, se alimentam e realizam funções vitais, como respiração e digestão. Mas, para se manterem vivos, necessitam de nutrientes, e isso eles vão encontrar em diversas fontes, dependendo do tipo de micro-organismo. Os micro-organismos podem ser classificados em diversas formas. Neste momento, vamos nos ater àqueles com importância dentro da área de alimentos. De acordo com a sua estrutura celular, conforme Brinques (2015b), confira a classificação dos micro-organismos a seguir. Vírus Não conseguem viver ou se multiplicar sozinhos. Precisam parasitar outras células. Não possuem uma estrutura celular, apenas um ácido nucléico (DNA ou RNA) envolto em uma cápsula. Bactérias Seres unicelulares, de estrutura bem simples, com poucas organelas. Seu DNA fica espalhado no citoplasma e, por isso, são mais sensíveis às mutações. São os maiores causadores de doenças de origem alimentar. Fungos Seres que podem ser unicelulares ou multicelulares. Possuem estrutura celular mais complexa, têm o DNA envolto em uma membrana e organelas que se assemelham mais às células animais. Assim, podemos dizer que os vírus, as bactérias ou os fungos estão presentes em alimentos e podem infectar as pessoas, trazendo diferentes efeitos, que não dependem, necessariamente, da sua complexidade estrutural, mas da quantidade de micro-organismos ingerida no alimento e também da vulnerabilidade de quem os consome. Entretanto, conhecer as características destes micro-organismos é importante para melhor definirmos, posteriormente, os fatores que influenciarão seu crescimento.Outra forma de classificarmos os micro-organismos é a partir da sua função, em relação aos alimentos, conforme figura a seguir. Podemos ainda classificar os micro-organismos usando outros critérios, como temperatura e pH, necessidade de oxigênio e forma de nutrição, por exemplo. SAIBA MAIS! Figura 1 - Tipos de micro-organismos em relação à função. Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em BRINQUES, 2015b. Deslize sobre a imagem para Zoom Agora que você já sabe identificar os micro-organismos e aprendeu como classificá-los, vamos discutir como eles podem contaminar os alimentos. 1.1.2 Fontes de contaminação dos alimentos por micro-organismos De acordo com as suas características e necessidades nutricionais, os micro- organismos encontram nos alimentos uma situação favorável para se desenvolverem. É importante perceber que cada micro-organismo tem um tipo de necessidade, que pode ser satisfeita a partir das condições oferecidas pelo alimento. Afinal, o micro-organismo se instala nos alimentos porque encontra ali circunstâncias de sobrevivência e multiplicação. Mas, de onde vêm os micro- organismos e como eles se instalam no alimento? Os micro-organismos, em decorrência de sua grande variedade, estão espalhados em quase todos os lugares do planeta, habitando o solo, a água, o ar e também os seres vivos. Em geral, usamos o termo contaminação para nos referirmos à proliferação dos micro-organismos em locais em que eles não estavam inicialmente. Desta forma, perceba que a presença de micro-organismos presentes, naturalmente, nos alimentos não é considerada uma contaminação. Mas, quando temos a passagem de um micro-organismo do solo, ar ou água para um alimento, ou de um tipo de alimento para outro, e este se multiplica neste novo local, consideramos, então, que houve uma contaminação.A seguir, observe a figura sobre as principais fontes de contaminação microbiológica dos alimentos. O médico maranhense e professor da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Rachid Trabulsi é uma das principais autoridades brasileiras em enterobactérias. Ele é responsável por conduzir diversas pesquisas na área, em especial com a bactéria Escherichia coli, causadora de diarreia. Trabulsi é um dos microbiologistas brasileiros mais citados em trabalhos científicos e recebeu, como homenagem, a inclusão de seu sobrenome em um gênero de enterobactérias, a Trabulsionella. Figura 2 - Fontes de contaminação microbiológica dos alimentos. Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em BRINQUES, 2015b. VOCÊ O CONHECE? Deslize sobre a imagem para Zoom Assim, a partir dessas e de diversas outras fontes, os micro-organismos podem se instalar nos alimentos e, então, se multiplicar. Como vimos, para que isso ocorra, eles precisam dos nutrientes contidos nestes alimentos. Mas, não é só isso! Existem também outros fatores, intrínsecos e extrínsecos ao alimento, que irão influenciar a multiplicação dos micro-organismos, e este é o tema que discutiremos a seguir. 1.1.3 Fatores que influenciam a multiplicação dos micro- organismos Como estudamos, os micro-organismos precisam de condições favoráveis para se instalarem e se multiplicarem nos alimentos. Se, de alguma maneira,eles se instalam, mas não conseguem se multiplicar, provavelmente não provocarão danos ao alimento, nem em relação à deterioração ou à transmissão de doenças. Assim, é fundamental conhecermos os fatores que influenciam na multiplicação dos micro-organismos, pois eles servirão de pontos de controle para evitarmos a contaminação dos alimentos. De acordo com Brinques (2015b), estes fatores podem ser classificados em dois tipos: intrínsecos, aqueles relativos à composição ou condição do alimento; e extrínsecos, são os fatores que não estão relacionados com os alimentos, mas, em geral, com o ambiente em que o micro-organismo está presente.Começaremos falando dos fatores intrínsecos. Acompanhe a seguir Atividade de água Os micro-organismos precisam de água para se desenvolverem e se multiplicarem. Essa água, porém, deve estar livre de ligações químicas, que a prendem à estrutura química do alimento, pois assim ela pode ser utilizada pelo micro-organismo em seu metabolismo. O parâmetro atividade de água (Aa) é responsável por medir a quantidade de água livre e disponível para o crescimento microbiano e/ou para realizar as reações químicas na estrutura de um alimento. O valor de Aa pode variar entre 0 e 1, sendo 0 o valor para nenhuma água disponível e 1 o valor para a água pura, totalmente disponível. Cada tipo de micro-organismo suporta mais ou menos os efeitos da baixa Aa. Bactérias, em geral, necessitam de Aa mais alta, pois a maioria não cresce em Aa menor que 0,90; já a maioria dos fungos toleram Aa um pouco mais baixa, de até 0,80. Podemos considerar que o valor de 0,60 impede a multiplicação de qualquer tipo de micro- organismo.Observe no quadro, a seguir, os valores de Aa em alguns alimentos comuns. Quadro 1 - Atividade de água em alimentos. Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em BRINQUES, 2015b. SAIBA MAIS! Me Salva! INO09 - pH : Potencial HidrogeniônicoMe Salva! INO09 - pH : Potencial HidrogeniônicoMe Salva! INO09 - pH : Potencial Hidrogeniônico Deslize sobre a imagem para Zoom https://www.youtube.com/watch?v=IwHmoHfWj60 pH O potencial hidrogeniônico (pH) do alimento também influencia no metabolismo dos micro-organismos e, assim, na sua multiplicação. Cada tipo de micro- organismo tem um pH ótimo para crescimento. Em geral, o pH das bactérias é mais elevado, variando entre 5,0 a 7,0. Já os fungos sobrevivem em pHs menores, entre 4,0 e 5,5. É possível afirmar que os micro-organismos deteriorantes e patogênicos são mais sensíveis e, dificilmente, eles conseguem se multiplicar em pH abaixo de 4,0. De acordo com o pH, podemos dividir os alimentos em três grupos: baixa acidez (acima de 4,5), média acidez (4,0 a 4,5) e alimentos ácidos (abaixo de 4,0). Note que alimentos de baixa acidez, caso das carnes, pescados e laticínios não fermentados, como o leite, necessitam de maior cuidado com a conservação, já que há risco de desenvolvimento de micro-organismos patogênicos. Já nos alimentos ácidos, como a azeitona, esse risco é considerado menor. Potencial de oxi-redução (Eh) Trata-se da capacidade das moléculas, presentes nos alimentos, ganhar ou perder elétrons. O Eh pode ser positivo ou negativo. Em geral, micro-organismos aeróbios, que necessitam de oxigênio, crescem em alimentos com Eh positivo; enquanto os micro-organismos anaeróbios, que necessitam da ausência de oxigênio, surgem em alimentos com Eh negativo. Composição química do alimento (nutrientes) Cada tipo de micro-organismo necessita de substâncias químicas específicas para realizar seu metabolismo, dependendo das enzimas que possui. Em geral, é necessário uma fonte de carbono, uma fonte de nitrogênio e outros elementos importantes. Quanto mais rico em nutrientes específicos, para um tipo de micro- organismo, for o alimento, mais facilmente ele se multiplicará naquele alimento. Os alimentos ricos em proteínas são os mais afetados. Agentes antimicrobianos – naturais ou adicionados Nos alimentos há diversos tipos de substâncias químicas capazes de eliminar ou inibir a multiplicação de micro-organismos. Algumas das substâncias, naturalmente presentes, que possuem atividade antimicrobiana são o eugenol, presente no cravo e na canela; a lisozima, da clara de ovo; e os taninos, nas frutas. Agentes químicos conservadores, como o benzoato de sódio, podem ser adicionados aos alimentos para evitar a contaminação microbiana e aumentar a vida útil do produto. Interação entre micro-organismos no alimento Vários tipos de micro-organismos podem se instalar e se multiplicar em certo tipo de alimento, e haverá influência entre eles. As substâncias produzidas durante o metabolismo influenciarão a capacidade de outro tipo de micro-organismo se adaptar aquele ambiente. Por exemplo, as bactérias lácticas do leite produzem ácido láctico durante seu metabolismo, diminuindo o pH e impedindo o crescimento de outras bactérias deteriorantes ou patogênicas. Agora que já estudamos os fatores intrínsecos, que influenciam a multiplicação microbiana, vamos aprender sobre os fatores extrínsecos, geralmente relacionados aos locais onde o alimento está exposto ou armazenado. Confira a seguir. Temperatura Temperaturas muito elevadas provocam a morte celular de micro-organismos, e temperaturas baixas paralisam suas funções vitais, deixando-os em estado latente, situação que pode ser revertida se a temperatura aumentar. Entretanto, é importante entender que o conceito de alta ou baixa temperatura depende da temperatura ótima de crescimento do micro-organismo, ou seja, aquela em que as suas funções vitais estão mais adaptadas e a multiplicação é máxima. Desta forma, podemos dividir os micro-organismos conforme o quadro a seguir. Podemos dizer que a temperatura é considerada o principal agente de controle de micro-organismos. Tanto as temperaturas baixas quanto as altas são importantes estratégias para aumentar a vida útil dos alimentos. Umidade relativa do ar De acordo com a umidade relativa do ar, o alimento pode ganhar ou perder água, influenciando diretamente sua Aa, e, assim, a multiplicação microbiana. Se o alimento for armazenado em local com umidade alta, por exemplo, pode ganhar água e se tornar mais susceptível à contaminação. Mas, se armazenado em ambiente de baixa umidade, ele perde água e se torna menos susceptível. Composição gasosa do ambiente A composição gasosa também é capaz de influenciar a multiplicação microbiana, mas isso depende das necessidades gasosas de cada tipo de micro-organismo, principalmente em relação ao oxigênio. Assim, é possível manipular a composição gasosa do ambiente para aumentarmos a vida útil dos produtos alimentícios, principalmente em embalagens. Quadro 2 - Classificação dos micro-organismos, conforme a temperatura ótima de crescimento. Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em BRINQUES, 2015b. Deslize sobre a imagem para Zoom CASO Suponha que estamos em uma cozinha industrial, responsável por preparar mais de 500 refeições por dia. A empresa nunca teve nenhum problema com a Vigilância Sanitária, mas, ao realizar uma análise microbiológica em seus produtos, verificou que a contagem de micro- organismos estava acima do permitido. Assim, o sinal de alerta foi acionado, pois havia risco de contaminação dos alimentos. O que fazer para diminuir a incidência de micro-organismos neste caso? A melhor forma é analisar os fatores que influenciam a multiplicação destes micro- organismos. Em relação aos fatores intrínsecos, é necessário conhecer as características de cada produto, para saber como lidar com eles. Aqueles com alta atividade de água, pH pouco ácido e abundantes em nutrientes, com as carnes, precisam de maior cuidado. Já a farinha de mandioca, por exemplo, que apresenta Aa baixa, não exige tanta preocupação. Se não é possível controlar os fatores intrínsecos, podemos manipular os extrínsecos: é possível regular a temperatura de cozimento, acima de 70 C para matar os micro-organismos patogênicos; armazenar produtos em baixas temperaturas e com umidade baixa, para inibi-los;além de evitar o contato dos produtos com o oxigênio, deixando as embalagens tampadas. É preciso estar atento, pois, enquanto os fatores intrínsecos favorecem a multiplicação, maior deve ser a necessidade de controlar os extrínsecos. Assim, analisando os fatores de risco do crescimento microbiano é possível tomar providências que irão controlar o crescimento ou a multiplicação microbiana e até reduzi-la. Conhecer os micro-organismos, as formas como eles podem contaminar os alimentos e os fatores que influenciam sua multiplicação é fundamental para combatermos e controlarmos a sua infestação nos alimentos. No próximo tópico, discutiremos como eles podem causar doenças. o 1.2 Perigos dos alimentos e doenças de origem alimentar Agora que já conhecemos os micro-organismos, vamos estudar como eles podem causar doenças nos seres humanos por meio dos alimentos. Você sabia que o processo de causar doenças é semelhante ao processo de contaminar alimentos? Para infectar o organismo humano, o micro-organismo precisa encontrar condições favoráveis à sua multiplicação, e, de fato, o organismo humano reúne essas condições: temperatura adequada, pH próximo à neutralidade na maior parte do organismo, abundância de compostos orgânicos que servirão de nutrientes, entre outras. Assim, perceba que, facilmente, o micro-organismo, que já estava presente no alimento e foi ingerido pelo indivíduo, consegue se instalar e se multiplicar no organismo, causando-lhe danos. Sabemos, entretanto, que existem diversos tipos de micro-organismos, com diferentes comportamentos e em diferentes ambientes. Por isso, é importante prestar atenção, pois somente alguns tipos de micro-organismos são, realmente, infectantes de humanos, os patogênicos. Nesse tópico vamos estudar os principais micro-organismos patogênicos, que transmitem doenças de origem alimentar, e aprenderemos a reconhecer surtos alimentares, as manifestações das doenças em grupos de pessoas. 1.2.1 Os perigos na produção de alimentos Quando falamos em perigos estamos falando dos riscos de algo causar danos. Devido à possível presença de micro-organismos, quando nos alimentamos, corremos este risco. De acordo com Germano e Germano (2015), podemos dividir os perigos, ou riscos, em físicos, químicos e biológicos, sendo que esta classificação não é restrita à produção e consumo de alimentos, mas às atividades humanas em geral, conforme podemos observar no quadro a seguir. Lembre-se que todos os perigos devem ser controlados durante a produção dos alimentos, para que eles se manifestem na menor proporção possível e assim sejam produzidos de forma segura. Quando falamos sobre os alimentos, os perigos biológicos são os mais frequentes, devido à contaminação por micro-organismos patogênicos. Entretanto, conforme afirma Germano e Germano (2015), é muito difícil comprovarmos que a infecção ocorreu por via alimentar, já que existem várias manifestações de doenças com sintomas semelhantes transmitidas de outras formas. Uma maneira de identificarmos uma doença de origem alimentar é a ocorrência de um surto alimentar. Mas, como veremos a seguir, não é fácil reconhecer um surto. 1.2.2 Os surtos alimentares: como reconhecer De acordo com Germano e Germano (2015), quando uma pessoa apresenta manifestações clínicas de um dano no organismo, causadas pela ingestão de um alimento, dizemos que ocorreu um caso de doença de origem alimentar. Quando duas ou mais pessoas, porém, apresentam manifestações clínicas semelhantes, Quadro 3 - Tipos de perigos encontrados na produção de alimentos. Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em GERMANO e GERMANO, 2015. Deslize sobre a imagem para Zoom referentes ao consumo de um mesmo alimento, em um mesmo local e tempo, estamos falando de uma série de casos relacionados, e chamamos de surto alimentar. São inúmeras as doenças que podem ser contraídas, e relacioná-las ao consumo de um alimento, e não a qualquer outro tipo de transmissão, não é, portanto, uma tarefa fácil. Nestes casos, é importante identificarmos o processo de transmissão, com o máximo de detalhes, para que o tratamento adequado seja aplicado às pessoas doentes, evitando que um surto aconteça novamente. Mas, como podemos reconhecer e investigar os surtos alimentares? Segundo Germano e Germano (2015), para isso, é importante conhecermos: o alimento responsável pelo surto; o agente etiológico, ou seja, o micro-organismo causador; os fatores determinantes; o quadro clínico (sintomas) predominante. VOCÊ SABIA? Você sabia que existe um banco de dados que compila e divulga informação sobre os surtos de intoxicação alimentar no Brasil? É baseado nos critérios estabelecidos pelo Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) e divulgado no portal do Ministério da Saúde anualmente (BRASIL, 2017). Neste link você pode acessar os dados históricos até o ano de 2017: <http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/maio/29/Apresentacao- Surtos-DTA-2017 (http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/maio/29/Apresentacao- Surtos-DTA-2017)>. Germano e Germano (2015) descrevem quatro passos para a realização de uma investigação de surto alimentar. Acompanhe. SAIBA MAIS! http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/maio/29/Apresentacao-Surtos-DTA-2017 Conhecimento da ocorrência A primeira coisa que deve ser feita é descobrirmos se a ocorrência é proveniente de uma doença de origem alimentar e se está mesmo ocorrendo um surto. Não é simples relacionar pessoas com sintomas semelhantes ao consumir o mesmo alimento. Quando o alimento que causou a intoxicação veio de um restaurante, por exemplo, e várias pessoas procuram diferentes serviços médicos, com sintomas clínicos parecidos, nem sempre é possível estabelecermos uma relação. Além disso, há pessoas que não procuram o serviço médico, e outras que têm os mesmos sintomas, mas relacionados a doenças diferentes, o que dificulta o reconhecimento do surto, fazendo com que cada afecção seja tratada como um caso isolado. Quando é possível identificar o surto realizamos uma notificação, para que ele possa ser investigado com a ajuda da vigilância sanitária e epidemiológica. Se não é caracterizado um surto, em geral, a investigação não é feita, com exceção de casos de natureza grave, como a cólera e o botulismo, cuja ocorrência de um único caso já caracteriza um surto. Tipos de Contaminação AlimentarTipos de Contaminação AlimentarTipos de Contaminação Alimentar https://www.youtube.com/watch?v=XIngNAjomTU Investigação de campo Outro passo importante é a coleta de informações para identificação das circunstâncias nas quais o surto ocorreu. Neste caso, é preciso realizar uma visita ao local de preparação dos alimentos e verificar as condições higiênico-sanitárias, assim como a conduta e a saúde dos manipuladores. É importante coletar também, sempre que possível, amostras dos alimentos envolvidos, para posteriores análises. Outra medida que pode ajudar, a traçar o perfil do surto, é entrevistar os responsáveis, nos serviços médicos, pelo atendimento dos pacientes envolvidos, assim como outras pessoas que consumiram os alimentos, mas não ficaram doentes. Processamento e análise de dados Depois de organizar os dados da investigação de campo, é hora de gerar conclusões preliminares, como o tempo médio de incubação e o quadro clínico preponderante. Acompanhamento A partir da evolução clínica dos pacientes e dos resultados das análises, nesta última fase são realizadas as conclusões finais. A seguir, vamos conhecer as doenças de origem alimentar mais comuns. 1.2.3 Principais doenças de origem alimentar De acordo com Brinques (2015b), uma doença de origem alimentar é caracterizada por um conjunto de danos, causados por um agente etiológico presente em um alimento, que infecta um indivíduo. Existem dois tipos de doenças de origem alimentar: as infecções, que ocorrem quando o micro-organismo se adapta e se multiplica dentro do corpo do indivíduo infectado, e essa multiplicação causa danos de diferentesnaturezas; e as intoxicações, presentes quando uma substância química, que pode ou não ser produzida por um micro-organismo, provoca o dano. Muitas vezes essas substâncias químicas são toxinas produzidas pelos próprios micro-organismos. A diferença é que nas intoxicações não é necessária a presença do agente etiológico no alimento no momento da ingestão, se a toxina for consumida há a manifestação da doença, independentemente da presença do micro- organismo. Conforme descrito por Brinques (2015b), existem inúmeras doenças de origem alimentar, com diferentes características e agentes etiológicos. A seguir, vamos listar as mais frequentes. Toxinfecções gastrointestinais bacterianas: diferentes tipos de bactérias podem causar estas manifestações que, geralmente, estão relacionadas à diarreia e ao desconforto abdominal, além de náusea e vômitos. Para cada tipo de doença, variam os agentes etiológicos e, assim, os alimentos veiculadores. No quadro a seguir, confira a lista dos principais agentes etiológicos e as características da doença. Botulismo: é uma doença de baixa incidência, mas muito grave. O Clostridium botulinum é um micro-organismo de solo, eventualmente contamina vegetais. É um mesófilo bastante termossensível e anaeróbio, que só cresce em pH acima de 4,5. Assim, alimentos pouco ácidos, como os enlatados e embutidos (anaerobiose), são os principais envolvidos. O C. botulinum produz uma toxina neurotóxica com efeito paralisante muscular, e pode ser letal quando ingerida. Micotoxicoses: são causadas por toxinas de fungos. Um exemplo é a aflatoxina, produzida pelo fungo Aspergillus flavus, muito presente em Quadro 4 - Principais agentes causadores de toxinfecções gastrointestinais. Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em GERMANO e GERMANO, 2015. Deslize sobre a imagem para Zoom oleaginosas, como o amendoim, que possui efeito hepático grave e pode ser letal. Gastroenterites virais: conhecidas, popularmente, como viroses, são muito comuns. Seu modo de transmissão, assim como os alimentos nos quais os vírus estão mais presentes, são informações difíceis de serem levantadas, pois há pouco conhecimento sobre as condições de multiplicação dos vírus. Os métodos de controle, utilizados para agentes etiológicos bacterianos ou fúngicos, nem sempre são eficientes, pois os vírus são viáveis em amplas faixas de temperatura e pH. Para conhecer mais sobre as principais doenças de origem alimentar, leia o artigo de Oliveira et al (2010) sobre os agentes etiológicos, os alimentos envolvidos e os fatores causais mais comuns nos surtos de doença alimentar no Brasil e no mundo. Acesse: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/157808/000837055.pdf?sequence=1 (http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/157808/000837055.pdf?sequence=1)>.. Assim, podemos perceber que uma grande quantidade de doenças e afecções podem ser veiculadas pelos alimentos. Desta forma, evitar a instalação e a proliferação dos micro-organismos nos alimentos é fundamental para garantir a segurança alimentar. A partir do próximo tópico, vamos estudar como práticas adequadas na produção dos alimentos podem contribuir para essa tarefa, e como a legislação brasileira se comporta neste aspecto. VOCÊ QUER LER? 1.3 Boas Práticas: conceito e legislação brasileira http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/157808/000837055.pdf?sequence=1 Agora, vamos aprender o que pode ser feito para diminuirmos os riscos relacionados aos alimentos. Como garantir que a contaminação e a proliferação microbiana nos alimentos não ocorram? Como se trata de um assunto de segurança, uma vez que uma infecção ou intoxicação alimentar pode atingir várias pessoas, a esfera governamental também participa desta discussão, publicando instrumentos normativos. Nesse tópico, vamos apresentar algumas destas leis e, principalmente, discutir um dos conceitos mais importantes para garantir a segurança alimentar: as Boas Práticas. 1.3.1 As Boas Práticas de Fabricação - BPF As Boas Práticas de Fabricação (BPF) ou de Manipulação de Alimentos são um conjunto de princípios básicos, ou seja, requisitos mínimos, que devem ser cumpridos pelos fabricantes, ou manipuladores, com o objetivo de controlar a contaminação e a proliferação microbiana nos alimentos. As BPF são focadas na diminuição máxima dos riscos, ou seja, na saúde do consumidor. Por serem consideradas requisitos mínimos, as BPF são uma espécie de “mínimo aceitável”. Assim, se a legislação estabelece as BPF, nenhum estabelecimento produtivo poderá operar abaixo desses requisitos, pois estará cometendo infração sanitária. As BPF brasileiras são baseadas nas diretrizes estabelecidas pelo órgão internacional Codex Alimentarius, da Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) e Organização Mundial de Saúde (OMS), do qual participam diversos países, inclusive o Brasil, e tem o objetivo de harmonizar normas e padrões para a produção e comercialização de alimentos. O Codex não tem força normativa, mas é a partir dele que, adaptando-se à realidade do país, se constrói todo o arcabouço legal referente à produção alimentícia. VOCÊ SABIA? Você sabia que o Brasil é parte atuante do Codex Alimentarius (BRASIL, 2016)? Nosso país já presidiu diversos comitês, representando os países da América Latina dentro do órgão, e chefiou uma força-tarefa para normalização de sucos de frutas, entre 2005 e 2009. Você pode saber mais sobre o Codex e a participação brasileira no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Acesse: <http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388701/Codex+Alimentarius/10d27 http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388701/Codex+Alimentarius/10d276cf-99d0-47c1-80a5-14de564aa6d3 6cf-99d0-47c1-80a5-14de564aa6d3 (http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388701/Codex+Alimentarius/10d276 cf-99d0-47c1-80a5-14de564aa6d3)>. No Brasil, a principal preocupação das BPF é minimizar a contaminação biológica. No entanto, os perigos físicos e químicos também estão na mira do órgão. Para alcançar este objetivo, um conjunto de ações deve ser colocado em prática e vários aspectos devem ser considerados, como a higiene e a conduta do manipulador, as condições das instalações e dos equipamentos, o controle do ambiente e dos processos, a higiene geral do estabelecimento, entre outros. Em geral, as BPF já são estabelecidas por legislações e devem ser cumpridas. Entretanto, não basta simplesmente seguir o conjunto de normas para garantir a segurança do alimento. É preciso encontrar uma forma de avaliar sua eficácia e tornar efetiva sua implementação. A seguir, vamos estudar estes desafios. Neste vídeo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresenta as primeiras noções sobre as Boas Práticas na Fabricação de Alimentos. Embora estejam focados na fabricação de alimentos, os requisitos explorados também atendem os serviços de alimentação. Assista em: https://www.youtube.com/watch?v=6Ss6hP7M038 t=47s (https://www.youtube.com/watch? v=6Ss6hP7M038&t=47s). 1.3.2 Desafios para a implementação das BPF Embora seja um conjunto de requisitos mínimos, está longe de ser fácil implementar as BPF, pois o conjunto de normas é bastante extenso e detalhado, e nem poderia ser diferente, já que são inúmeras as formas de contaminação dos alimentos que devem ser controladas. O fato é que não basta seguir a legislação. Para implementar as BPF, eficientemente, é necessário vencer uma série de desafios. VOCÊ QUER VER? http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388701/Codex+Alimentarius/10d276cf-99d0-47c1-80a5-14de564aa6d3 https://www.youtube.com/watch?v=6Ss6hP7M038&t=47s Primeiramente, as BPF, embora estabelecidas pela legislação, não são aplicáveis a todos os tipos de produção, e nem são totalmente completas para garantir a segurança do alimento. Como sabemos, cada empresa tem uma realidade de produção, além de instalações, processos e produtos diferentes. Assim, as empresas precisam, além de seguir os requisitos propostos na legislação, estabelecer tambémnormas adicionais, que se aplicam exclusivamente a elas, para construir o que chamamos de Manual de Boas Práticas. Este manual é individual e deve ser inserido dentro de um complexo Sistema de Gestão da Qualidade, para a avaliação da eficácia de seu cumprimento. Para que funcione, o sistema deve garantir o comprometimento da alta direção, com a provisão de recursos. Por fim, é necessária também a existência de responsáveis devidamente qualificados, assim como treinamentos constantes e muita atenção com a documentação e os registros que vão garantir esta implementação, além da garantia de um constante monitoramento e atualização. Ou seja, uma complexa rede de ações integradas deve ser construída. A seguir, vamos discutir o que a legislação brasileira estabelece sobre as BPF e as condições higiênico-sanitárias para a produção de alimentos. 1.3.3 Legislação brasileira aplicada a serviços de alimentação Agora que já aprendemos sobre o conceito de BPF, vamos conhecer um pouco sobre a legislação brasileira que as estabelece. Mas antes, precisamos indicar a diferença entre indústria de alimentos e serviços de alimentação. É importante perceber que na indústria de alimentos o foco é a produção de alimentos que serão consumidos longe do estabelecimento. A indústria transforma matérias-primas, como o leite, em produtos acabados e embalados, como o queijo. Sua produção, em geral, é em larga escala e organizada em lotes. Já os serviços de alimentação não têm a função de somente produzir, mas também manipular, preparar, fracionar, armazenar, transportar, expor à venda ou entregar os alimentos. Os serviços de alimentação, geralmente, fazem a venda direta ao cliente e têm relação próxima a ele. Muitas vezes, o cliente consome o alimento no próprio estabelecimento. É o caso de restaurantes, lanchonetes, buffets, padarias, entre outros. Percebeu como a produção dos alimentos nas indústrias de alimentos é diferente dos serviços de alimentação? Mas a legislação nem sempre foi diferente. O primeiro instrumento legal que tratava de BPF em alimentos foi a Portaria 1.428, do Ministério da Saúde, de 26 de novembro de 1993 (BRASIL, 1993), que estabelecia diretrizes para boas práticas de produção e prestação de serviços na área de alimentos. Após a criação do Mercosul, em 1995, as legislações brasileiras foram atualizadas, para se harmonizarem ao bloco de países que o compõem. Neste momento, foram publicadas as Portarias 326, do Ministério da Saúde, de 30 de julho de 1997 (BRASIL, 1997b); e 368, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de 4 de setembro de 1997 (BRASIL, 1997a). As duas portarias estabeleceram as condições higiênico-sanitárias e de BPF para estabelecimentos industrializadores de alimentos. Assim, os serviços de alimentação continuavam sob a batuta da Portaria 1.428 (BRASIL, 1993), mas já havia a ideia de que as indústrias precisavam de uma legislação diferente. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só ganhou status de agência independente em 1999, e somente em 2004 foi publicada a legislação específica a ser aplicada em serviços de alimentação: a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 216, de 15 de setembro de 2004 (BRASIL, 2004), que estabeleceu e harmonizou as BPF para serviços de alimentação em todo o território nacional. Essa ainda é a legislação vigente na esfera federal. Além da RDC 216, é importante destacar que existem legislações específicas para alguns tipos de alimentos, como, por exemplo, a RDC 172, de 2003 (BRASIL, 2003), que estabelece diretrizes para a produção de amendoins processados e derivados. Note que esta publicação foi necessária devido ao grande risco de contaminação dos produtos de amendoim por aflatoxina. Vale ainda destacar que, nas esferas estadual e municipal, estão disponíveis outros instrumentos normativos, mas com aplicação restrita à sua área de atuação. VOCÊ QUER LER? É fundamental acessar o website da Anvisa para se manter atualizado em relação às legislações (BRASIL, s/d). Para consultar a legislação referente a alimentos, acesse o link: <http://portal.anvisa.gov.br/legislacao2 (http://portal.anvisa.gov.br/legislacao2)>. Agora que conhecemos a legislação, vamos discutir os requisitos encontrados nela, começando com o maior agente causador de contaminação nos estabelecimentos alimentícios: o manipulador. 1.4 Boas práticas: higiene e saúde do manipulador Já discutimos o papel dos micro-organismos como causadores de doenças, e sabemos que eles necessitam de uma fonte de contaminação para chegar ao alimento. Uma das fontes, como estudamos, é o manipulador. O manipulador é a pessoa que está em contato direto ou indireto com o alimento. Seja munido de um utensílio ou operando um equipamento, o manipulador é o responsável direto pelo preparo e transformação de uma matéria-prima em um produto acabado. Sendo assim, como evitar que o manipulador contamine o alimento? Muitas das possíveis respostas para esta pergunta estão explícitas nas legislações que falam sobre BPF. Se o manipulador está com boa saúde, tem higiene e conduta adequada e é, constantemente, treinado, conseguimos diminuir muito as chances de a contaminação ocorrer. Vamos discutir como e por que fazer isso. 1.4.1 O manipulador como alvo constante de treinamento Conforme afirma Carelle e Candido (2014), a boa conduta do manipulador é um elemento fundamental para garantir a segurança do alimento produzido, visto que eles são os principais causadores de contaminação dos alimentos. Não é possível produzir o alimento sem o manipulador, mas ao mesmo tempo ele pode ser responsável por sua contaminação. Assim, o manipulador é, ao mesmo tempo, a solução e o problema. Desta forma, é fundamental que o manipulador saiba as consequências das más condutas, e que conheça quais são os procedimentos corretos a serem seguidos, devendo ter conhecimento das BPF. http://portal.anvisa.gov.br/legislacao2 Porém, a responsabilidade de garantir o conhecimento dos manipuladores sobre BPF é da empresa. Embora realize o trabalho de manipulação do alimento, o manipulador deve ter constante supervisão de um responsável qualificado, conhecer os processos da empresa e o Manual de Boas Práticas. É função desse responsável, por exemplo, preparar capacitações e treinamentos para manter o manipulador sempre atualizado sobre BPF e as rotinas da empresa. O treinamento do manipulador deve ser planejado e registrado. São muitos os assuntos que o manipulador de alimentos deve ter conhecimento. Os temas obrigatórios são: contaminantes alimentares, doenças transmitidas por alimentos, manipulação higiênica dos alimentos e Boas Práticas. Como as informações são numerosas, para garantir que o manipulador absorva todo o conteúdo, deve ser elaborado, estrategicamente, um Programa de Treinamento, que é o planejamento estratégico dos treinamentos do manipulador. Tão importante quanto o Programa de Treinamento é o Registro de Treinamento. Assim, toda vez que um treinamento é realizado, o registro, assinado pelo manipulador, garante que o manipulador está ciente das normas repassadas e que ele se compromete a cumpri-las. Assim, grave bem: manter o manipulador ciente da conduta esperada pela empresa é o primeiro passo para garantir que ele não será um agente causador de contaminação. 1.4.2 Segurança e saúde do manipulador A preocupação com a saúde e a segurança do manipulador é fundamental para a segurança do alimento e está entre as condutas que devem ser levadas em conta em relação ao manipulador. Quando falamos em segurança no trabalho vários conceitos estão envolvidos. Por exemplo, a empresa tem obrigação de fornecer um ambiente seguro de trabalho, evitando que o trabalhador sofra lesões de qualquer natureza. Considerando que o manipulador é um reservatório de micro-organismos, a ocorrência de lesões no trabalho pode facilitar a contaminação dos alimentos. Assim, medidas de segurança para garantir a prevenção de acidentes são um importante item para a gestão da segurança alimentar. Entre as providênciasque devem ser tomadas, podemos destacar: aquisição e manutenção de equipamentos com dispositivos de segurança, treinamento contínuo em segurança no trabalho e instalações adequadas à segurança do trabalhador. Você consegue perceber que investir na segurança do trabalhador é uma medida que atende tanto à gestão da segurança alimentar como também à gestão de recursos humanos? Outra medida focada em segurança é o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). O objetivo dos EPIs é proteger o trabalhador, mas, indiretamente, eles também protegem o produto, que está sendo manipulado, da contaminação. Nas indústrias de alimentos e serviços de alimentação, os EPIs correspondem ao avental (ou jaleco), os sapatos de proteção antiderrapantes e as luvas de proteção para calor ou para aplicação de substâncias corrosivas (na higienização). Ainda há acessórios, não considerados EPIs, que protegem o alimento da contaminação, como touca, máscaras e luvas. Note que o uso de máscaras e luvas não é mais obrigatório em serviços de alimentação, se houver uma higienização eficiente das mãos e uma conduta adequada de higiene do manipulador no trabalho, porém, quando estes acessórios são utilizados, é necessário ter evidência de troca regularmente. Já a touca é de uso obrigatório, uma vez que constitui importante perigo físico. Em relação à saúde do manipulador, o foco da segurança do alimento é evitar que os micro-organismos que estão causando doença no manipulador possam se instalar no alimento. Assim, trabalhadores que apresentam doença infecciosa deverão ser encaminhados ao médico e se afastar do trabalho. Mesmo os trabalhadores que não apresentam doença diagnosticada devem evitar espirrar, tossir e falar, demasiadamente, sobre os alimentos, pois podem ser portadores sadios de micro-organismos patogênicos. Pessoas com feridas abertas, principalmente nas mãos, devem ser avaliadas e usar luvas para manipular os alimentos, ou, dependendo da gravidade do ferimento, devem ser impedidas de manipulá-los. Monitorar a saúde e a segurança dos manipuladores é obrigação da gestão da segurança alimentar do estabelecimento. Em conformidade com as leis do Ministério do Trabalho, os estabelecimentos devem possuir o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO), os dois são também considerados uma exigência sanitária, assim como informar a frequência de realização de exames regulares e adicionais. 1.4.3 Higiene e comportamento pessoal O manipulador de alimentos, além de ser constantemente treinado e ter suas condições de segurança e saúde controladas, deve adotar uma série de condutas para reduzir o risco de contaminação dos alimentos manipulados. A melhor forma de evitar a proliferação dos micro-organismos é adotando condutas de higiene pessoal adequadas. Sabe-se que grande parte das doenças de origem alimentar são decorrentes de contaminação por fezes ou secreções de pessoas doentes, assim quando o manipulador cuida bem da sua higiene corporal e bucal conseguimos diminuir os riscos. As mãos do manipulador, especialmente, são um grande foco de contaminação. Muitas pessoas são portadoras sadias de micro-organismos, como é o caso do Staphyloccoccus aureus, além de haver o risco da contaminação das mãos via utensílios e até a partir de outros alimentos. Assim, a lavagem constante das mãos, periodicamente, é fundamental quando se entra e sai do ambiente de manipulação, após usar o banheiro e na troca de tarefas dentro do ambiente produtivo. As mãos devem ser lavadas, de preferência, com sabonete antisséptico, até a altura do antebraço e em todos os pontos (dorso, palma e entre os dedos), como mostra a figura a seguir. É imprescindível haver um treinamento específico para a lavagem de mãos, tamanha a importância desse procedimento. Figura 3 - Lavagem correta das mãos. Fonte: Blamb, Shutterstock, 2018. Uma história sobre lavar as mãosUma história sobre lavar as mãosUma história sobre lavar as mãos Deslize sobre a imagem para Zoom https://www.youtube.com/watch?v=lTncWRdbpa0 Outras condutas do manipulador também devem ser cobradas. O manipulador não deve fazer refeições no ambiente produtivo, nem fumar no local. Se for necessário experimentar o alimento, deve utilizar utensílios limpos, e não utilizá-lo novamente sem higienização. Não deve se coçar, nem fazer nenhum movimento brusco que possa liberar contaminação para o ambiente, e deve manter seu uniforme limpo. É fundamental a presença da supervisão para garantir que isso ocorra. Assim, podemos perceber que o manipulador é o ponto-chave na segurança do alimento, e sua conduta deve ser tratada como prioridade. A adequação do manipulador às condutas adequadas é pré-requisito para que ele trabalhe no estabelecimento. SAIBA MAIS! (/bbcswebdav/institution/laureate/conteudos/seguranca_alimentar/game/unidade_1 /story.html) Síntese Neste capítulo, estudamos as principais fontes de contaminação dos alimentos, as doenças que podem ser transmitidas por eles e começamos a discutir como a adoção de Boas Práticas de Fabricação (BPF), estabelecida pela legislação brasileira, pode ajudar a evitar que essa contaminação aconteça, focando inicialmente na conduta do manipulador. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: aprender a classificar os micro-organismos, de acordo com a sua estrutura celular e a sua função nos alimentos; descobrir que a contaminação dos alimentos pode ocorrer a partir de diversas fontes; estudar os principais fatores, intrínsecos e extrínsecos, que influenciam na multiplicação dos micro-organismos nos alimentos; entender como o consumidor de alimentos está exposto a diversos perigos, sendo eles físicos, químicos, e, principalmente, biológicos; identificar um surto alimentar; conhecer as principais doenças de origem alimentar e seus respectivos agentes etiológicos; estudar os requisitos mínimos para a garantia da segurança dos alimentos, as Boas Práticas de Fabricação (BPF), e os desafios para sua implantação em um estabelecimento alimentício; https://anhembi.blackboard.com/bbcswebdav/institution/laureate/conteudos/seguranca_alimentar/game/unidade_1/story.html conhecer a legislação brasileira que trata das BPF, em indústrias de alimentos e serviços de alimentação; aprender que o manipulador deve ser foco de uma série de condutas, como ser constantemente treinado e monitorado. 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Portaria n. 1428, de 26 de novembro de 1993. Aprova, na forma dos textos anexos, o "Regulamento Técnico para Inspeção Sanitária de Alimentos", as "Diretrizes para o Estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de Prestação de Serviços na Área de Alimentos" e o "Regulamento Técnico para o Estabelecimento de Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ´s) para Serviços e Produtos na Área de Alimentos". Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1993. _______. _______. Portaria n. 326 de 30 de julho de 1997. Aprova o Regulamento Técnico; "Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos". Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1997b. BRINQUES, G. B. Higiene e Vigilância Sanitaria. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015a. _______, G. B. Microbiologia dos Alimentos. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015b. CARELLE, A. C.; CANDIDO, C. C. Manipulação e Higiene dos Alimentos. São Paulo: Saraiva, 2014. EMBRAPA. 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