Buscar

Romayne TCC Feminicídio prévia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 53 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 53 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 53 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

52
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
FEMINICÍDIO – Uma análise sociojurídica sobre a violência e o assassinato de mulheres no Brasil 
Romaynne Lima 
Muriaé – MG 
24
2019
ROMAYNNE LIMA 
FEMINICÍDIO – Uma análise sociojurídica sobre a violência e o assassinato de mulheres no Brasil 
Monografia apresentada como requisito parcial para a Conclusão do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário UNIFAMINAS.
Orientador: Prof. Esp. ________________
Muriaé – MG 
24
2019
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
EPÍGRAFE
LIMA, Romaynne. Feminicídio _______. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Bacharelado em Direito. Centro Universitário UNIFAMINAS, 2019.
RESUMo
Este artigo acadêmico, apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, tem como principal objetivo dissertar sobre um crime que existe há tempos, mas que nos últimos anos vem ganhando notoriedade a ponto de figurar cotidianamente nos jornais impresos e televisivos, na rede mundial de computadores e nos demais veículos de informação. A violência doméstica contra a mulher que muitas vezes acaba em feminicídio – assassinato de mulher pela condição do sexo. Os casos acontecem dentro do próprio lar da vítima, ou em lugares que ela costuma frequentar, como casas de familiares e amigos, escolas, lugares de lazer, encontros religiosos etc. O feminicídio é crime extremamente covarde, que acontece com muita frequência nas diversas localidades do país, motivados por sentimentos que podem ser considerados doentios, sem distinguir classe social, grau de instrução, profissão nem nenhum outro critério, além de ser determinado pelo fato de a vítima ser do sexo feminino e ter sido morta em função disso. Serão analisadas as circunstâncias da violência doméstica, seus agravantes, bem como o referencial teórico relacionado. Fundamentada em uma revisão bibliográfica, que conta com a detalhada leitura das leis vigentes; livros e artigos de autores expertos no assunto, assim como em reportagens colhidas de fontes confiáveis. Este estudo pretende lançar luz ao crime de feminicídio, perpassando o caminho que, geralmente, leva a esse crime, que requer máxima atenção da sociedade, dos agentes da segurança pública e dos profissionais da saúde.
Palavras-chave: Feminicídio. Violência contra a mulher. Relacionamento abusivo. Violência de gênero. Direito Penal.
LIMA, Romaynne. Femicide _______. Completion of course work. Bachelor Degree in Law. UNIFAMINAS University center, 2019.
ABSTRACT
This academic article, presented as a Work of Completion of the Law Course, has as main objective to resume about a crime that has existed for a long time, but that in recent years has gained notoriety to the point of appearing daily in the newspapers inprisons and television, the global computer network and other information vehicles. Domestic violence against women who often end up in feminicide – murder of a woman by the condition of sex. Cases take place within the victim's own home, or in places she usually attends, such as family and friends' homes, schools, places of leisure, religious gatherings, etc. Feminicide is an extremely cowardly crime, which happens very often in the various locations of the country, motivated by feelings that can be considered sick, without distinguishing social class, degree of education, profession or any other criteria, besides being determined by the fact that the victim is female and was killed because of this. The circumstances of domestic violence, its aggravating factors, as well as the related theoretical framework will be analyzed. Based on a bibliographic review, which has the detailed reading of the current laws; books and articles by authors who are expert on the subject, as well as in reports gathered from reliable sources. This study aims to shed light on the crime of feminicide, going through the path that usually leads to this crime, which requires maximum attention from society, public safety agents and health professionals.
Keywords: Feminicide. Violence against women. Abusive relationship. Gender violence. Criminal law.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8
2. INFERIORIDADE DAS MULHERES: uma construção histórica e sociocultural ........................................................................................................................ 10
3. TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .............................................. 16
4. O PERFIL DE PROVÁVEIS AGRESSORES DE MULHERES E OS INDÍCIOS DE RELACIONAMENTO ABUSIVO ............................................................... 25
5. LEI MARIA DA PENHA: contextualização e análise sob a ótica sociojurídica ........................................................................................................................ 30
6. TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO ................................................................... 41
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 47
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 48
1 INTRODUÇÃO 
O feminicídio é um crime recorrente não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Nos últimos anos, no entanto, as ocorrências neste país vêm ganhando cada vez mais espaço nas mídias, o que, por um lado, pode ser explicado pela globalização, que ‘ignora’ fronteiras entre os diversos locais do mundo, tornando o compartilhamento de informações em tempo real, o que dá maior visibilidade aos diversos fatos sociais; mas também representa um considerável amento nos casos de mulheres mortas covardemente por homens, que, aproveitando-se do fato de serem mais fortes na maioria das vezes, usam essa força para torturar e matar suas esposas, namoradas, amantes e até parentes de primeiro grau, como primas, irmãs e mães.
Sabe-se, historicamente, que a sociedade tradicional brasileira é fundamentada pelo patriacarlismo, pelo machismo e pela submissão feminina aos homens, e ainda hoje carrega muitas das crenças vigentes nos séculos passados. Por mais que uma série de fortes revoluções tenham ocorrido em combate a tais comportamentos, buscando a igualdade entre os sexos, é inegável que boa parte das mulheres ainda vivem sob a dominação masculina. 
Nos tempos atuais, a quantidade de casos de violência contra a mulher que resultam em feminicídio no Brasil vem tomando proporções exacerbadas. É possível afimar que o número de casos aumenta gradativamente, e as circunstâncias em que acontecem, seja pelo grau de violência, seja pela motivação torpe ou outra característica excêntrica, assustam cada vez mais e evidenciam o quão vulneráveis as mulheres estão. 
Os casos variam bastante, sendo que muitos dos criminosos são do convívio familiar ou amistoso da vítima – na maior parte dos casos, companheiros afetivos. Isso não significa que pessoas desconhecidas são isentas de cometerem o crime de feminicídio.
Os tipos de violência contra a mulher são muitos e motivados por diversas razões, que geralmente têm a ver com o sentimento de superioridade que o homem geralmente tem em relação às mulheres. 
Pode-se afirmar que os casos de violência contra a mulher somente acabam em duas circuntâncias: término da relação e total afastamento entre as partes do antigo casal ou feminicídio. 
Observa-se que o Ordenamento Jurídico Brasileiro vem evoluindo no sentido de mudança e criação de leis que assegurem a integridade geral da mulher, como a tipificação do feminicídio, diferenciando-o do homicídio e propondo penas mais rigorosas para os agressores. 
Este trabalho está dividido em 6 capítulos, além da Introdução (1) e das Considerações finais. O segundo capítulo trata da inferioridade das mulheres que é uma construção histórica e sociocultural que persisteainda hoje na sociedade brasileira. O terceiro aborda o perfil de prováveis agressores de mulheres e os indícios de relacionamento abusivo; o quarto abrange os tipos de violência que a mulher pode vir a sofrer em consequência de uma relacionamento abusivo. No capítulo seguinte, faz-se uma contextualização e análise sob a ótica sociojurídica da lei Maria da Penha. por fim, o feminicídio é posto em evidência no sexto capítulo, que cuida da tipificação do feminicídio.
Essa linha de raciocínio foi pensada para traçar os diversos caminhos que podem levar ao feminicídio, na busca de elaborar um material que possa servir de embasamento para futuras pesquisas, além de esclarecer e orientar a sociedade como um todo sobre esse grave problema que cresce cada dia mais.
2 INFERIORIDADE DAS MULHERES: uma construção histórica e sociocultural
Chacham e Jayme (2016) defendem a ideia de que as relações desiguais entre os gêneros afetam negativamente as vidas, principalmente, das mulheres nos mais variados aspectos, tais como sexualidade, afirmação de poder, identidades, dominação, hierarquia, decisões pessoais, relações profissionais, familiares e afetivas, dentre outros.
Essa abordagem de gênero, que, de maneira geral, inferioriza a mulher, deixando-a numa posição social submissa ao homem, evidencia o fato de que tais diferenças 
são produzidas e possuem historicidade, variando de acordo com contextos culturais distintos. Além disso, possui um caráter relacional, ou seja, diz respeito a outras distinções sociais, não apenas aqueles referentes aos sujeitos concretos. Assim, numa perspectiva relacional de gênero, não se pode pensar em uma identidade feminina que emerja do fato de “ser mulher”. Antes, tal abordagem atenta para as assimetrias e as desigualdades não só entre masculino e feminino, mas também dentro das várias feminilidades (e masculinidades) (CHACHAM e JAYME, 2016, p. 3).
Com esse último trecho do pensamento acima, os autores se referem ao fato de cada vez existirem menos ações exclusivamente femininas ou exclusivamente masculinas. Assim, tais papéis passaram a conceber ambos os sexos para a realização das mais diversificadas funções, que agora incorporam a feminilidade nas atividades (não somente profissionais) tidas como masculinas e a masculinidade se faz presente em funções tradicionalmente exercidas por mulheres, sem que isso coloque em xeque a sexualidade da pessoa. 
Entretanto, o sentimento de soberania que impera na maioria dos homens faz com que eles se sintam hierarquicamente inferiores, menos capazes e com menos poder de dominação tanto da situação quanto da mulher, o que, em muitos casos desperta “o agir violento da masculinidade dominante [que] se torna eixo principal dessa engrenagem maior que gira em torno das relações” (CHACHAM e JAYME, 2016, p. 3).
Em muitos casos de agressões diversas a mulheres, o homem tenta se defender com base no argumento de que se sentiu menosprezado pela mulher, por ela ter melhores condições financeiras; ou por ter tido coragem de enfrentá-lo durante uma discussão mais acalorada; por ela não querer mais se relacionar com ele; por motivos de traição; dentre outros pretextos estapafúrdios, mas muitas vezes fundamentados nesse tipo de alegação marcada pelo ego masculino ferido, e que em nenhuma hipótese o isenta da culpa pelo ato violento cometido. 
Fruto de longos processos sociológicos, a violência contra a mulher está, de fato, arraigada em nossa sociedade e por muito tempo foi vista como algo normal, no literal sentido da palavra, ou seja, como sendo parte das normas socias, o pai, irmão, marido ou até mesmo desconhecidos, exercerem sua autoridade mediante força (moral e física) sobre a mulher, que sempre foi vista como objeto de posse desses homens que, numa linha patriarcal, detinham o poder tanto familiar e social. 
	Rodrigues (2018, p.1) aponta que
O problema [...] mostra ter raízes bastante profundas em nossa sociedade. Até sua mudança, em 1962, o Código Civil brasileiro, de 1916, considerava que a mulher casada era considerada incapaz do ponto de vista civil (grifo meu). 
Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer. 
A desigualdade de gênero, ainda hoje, pleno século XXI, permanece bem viva no dia a dia da sociedade. Corroborando essa observação, Carvalho et. al. ressaltam que a “a iniquidade entre os sexos existe desde os mais remotos tempos, através da violência física e psicológica, influenciado pelo patriarcado” (CARVALHO ET. AL., 2002, p.1).
	Assim, pode-se inferir que a supremacia masculina nunca se sustentou sem imposições violentas, o que leva ao entendimento de que tal superioridade inexiste, já que necessita da força bruta para ser tomada como verdade. Ora, sabe-se que a tortura leva a vítima a confessar até crimes que não cometeu, o que dizer, então da violência cotidiana que visa a coroar um ser humano pelo simples fato de ter nascido com determinado sexo, o masculino, no caso? Como na maior parte dos casos o homem é, de fato, detentor de maior força física, é disso que ele se vale para impor todas as outras “verdades” que ele quer que sejam afirmadas pela sociedade e reafirmada pelas mulheres de sua vida, seja mãe, irmã e, principalmente, a companheira afetiva.
Essa forma de organização social, que preconiza a superioridade do homem perante a mulher é, historicamente, responsável por muitas, senão por todas, consequências negativas dessa visão de mundo, pela qual a mulher ocupa um papel secundário, submisso em relação ao homem. Tal posicionamento ainda é imposto, muitas vezes, à força, a fim de garantir a supremacia masculina, mesmo que isso custe a integridade da vítima. 
Na atualidade, é raro o dia em que não nos deparamos com pelo menos uma notícia de mulheres que tenham sido agredidas, muitas vezes até a morte, por homens motivados por sentimentos possessivos e pela convicção de que sua masculinidade deve ser mantida e exercida de forma violenta, muitas vezes responsabilizando a própria mulher agredida pelo ato contra ela. 
Em consonância com esse pensamento, Guimarães e Pedroza argumentam que 
A violência doméstica contra a mulher tem sido um problema cada vez mais em pauta nas discussões e preocupações da sociedade brasileira. Apesar de sabermos que tal violência não é um fenômeno exclusivamente contemporâneo, o que se percebe é que a visibilidade política e social desta problemática tem um caráter recente, dado que apenas nos últimos 50 anos é que tem se destacado a gravidade e seriedade das situações de violências sofridas pelas mulheres em suas relações de afeto (GUIMARÃES e PEDROZA, 2015, p. 257)
Njaine et. al. (2016, p. 11) defende a necessidade de que se discuta socialmente a violência entre parceiros íntimos, o que representa uma forma de violência originada na desigualdade de gênero. E prossegue:
Esta diz respeito às relações de poder e à distinção entre as características culturais atribuídas a cada um dos sexos e suas peculiaridades biológicas. A abordagem desse tipo de violência nas relações entre homens e mulheres, entre homens e entre mulheres, pode ajudar na compreensão dos diferentes aspectos que contribuem historicamente, socialmente e culturalmente para as desigualdades de gênero.
Assim, entende-se ser possível fomentar ações que reflitam e transformem essas relações desnecessariamente desiguais. 
É inegável que muitos avanços e conquistas já resultaram da luta das mulheres pelo seu reconhecimento como pessoas autônomas e membros essenciais da sociedade, desvinculadas da obrigatoriedade de refletir as ideias e valores dos homens de sua família e, sobretudo, dignas de respeito em todos os setores da vida pessoal, social e profissional. 
Borges (2019, p.1) elenca os principais marcos legais de tais conquistas e avanços: 
o direito ao voto (1932); o Estatuto da Mulher Casada (1962), que liberou a mulher para trabalhar sem a autorização do marido; a Lei do Divórcio (1977); a Lei Maria da Penha (2006); a alteração do Código Penal para que atos libidinosos e atentadosviolentos ao pudor se configurassem como crimes de estupro (2009); as novas diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos agentes de segurança pública e pelo SUS (2013); a Lei do Feminicídio (2015), que torna hediondo o crime praticado em razão do gênero; e a Lei 13.718 (2018), que introduziu diversas modificações na seara dos crimes contra a dignidade sexual. Isso sem falar das significantes mudanças a partir da Constituição, do novo Código Civil (2002) e das decisões do STF em relação à agenda LGBTQIA (BORGES, 2019, p.1).
	Pode-se observar que muitas dessas conquistas vigoram nos dias atuais, e a proibição de direitos como o voto e o de trabalhar sem a necessidade da permissão de um homem, geralmente o marido, parecem regras impraticáveis. 
Entretanto, apesar de constarem no ordenamento jurídico brasileiro, muitas das normas que qualificam como crimes os atos de violência contra a mulher são ignoradas ou desrespeitadas, em sua maioria estimuladas pelos já mencionados sentimentos derivados da ideia da soberania masculina, e também pela sensação de impunidade, visto que, a despeito de toda legislação relacionada, muitos homens não sofrem as penas legais consequentes de seus atos violentos contra mulheres. 
Prova disso, por exemplo, são os diversos casos em que homens assassinam suas companheiras mesmo tendo medidas protetivas oficialmente expedidas contra ele. A falta de fiscalização favorece o descumprimento da ordem judicial que determina uma distância mínima que o agressor deve manter da vítima, o que asseguraria seu direito de ir e vir sem que essa ameaça a importune. Assim, homens violentos se valem dessa deficiência da segurança pública e praticam vários atos violentos contra mulheres, geralmente parceiras com quem mantém uma relação afetiva. 
Dados publicados pela Fundação Setúbal (2018) apontam que 
A desigualdade de gênero ainda permeia todos os campos da sociedade brasileira, o que leva o Brasil a atualmente ocupar a 90ª posição em um ranking do Fórum Econômico Mundial que analisa a igualdade entre homens e mulheres em 144 países, tendo caído 11 posições no último ano.  Mulheres brasileiras têm menor remuneração, sofrem mais assédio, são mais sujeitas ao desemprego e estão sub-representadas na política (FUNDAÇÃO SETÚBAL, 2018, p. 1).
Foi observado, ainda que, no que diz respeito à educação formal, as mulheres, de uma forma genérica, representam a maioria na frequência escolar, na continuidade dos estudos, porém a desigualdade de gênero no mercado de trabalho faz com que a remuneração delas seja, em média, 24% menor do que as de homens exercendo a mesma função (IBGE, 2017 apud FUNDAÇÃO SETÚBAL, 2018, p. 1). 
Pasinato (2018, p. 1) destaca que
a violência não é um infortúnio pessoal, mas tem origem na constituição desigual dos lugares de homens e mulheres nas sociedades – a desigualdade de gênero –, que tem implicações não apenas nos papéis sociais do masculino e feminino e nos comportamentos sexuais, mas também em uma relação de poder. 
Com isso, evidencia-se a raiz estrutural da desigualdade de gênero, ou seja, trata-se de um problema social, histórico e cultural que acaba por desencadear uma série de fatores que serviriam de justificativa à sociedade para as diversas formas de violência contra a mulher. Sabe-se que muitos agressores procuram se defender alegando que foram motivados por ciúme, pela forma de a mulher se vestir e se comportar e muitas outras tentativas de culpar a vítima pela agressão sofrida. 
Há também outros agentes que potencializam a violência de gênero, tais como preconceitos de raça e classe social que, quando combinados com a questão do sexismo, afeta fortemente as mulheres negras e pobres. 
A questão da desigualdade de gênero é tão importante que a ONU a prevê como uma de suas metas da Agenda 2030, que é um plano de ação que objetiva a mudança de hábitos, crenças e paradigmas a fim de que se estabeleça um padrão de vida sustentável.
Segundo a ONU Brasil (2015), nenhum país do mundo é considerado totalmente justo em relação à igualdade de direitos entre homens e mulheres, ou seja, a desigualdade de gêneros é uma constante em todas as culturas conhecidas. Daí a necessidade urgente de mecanismos de combate à desigualdade e à discriminação de meninas e mulheres de todas as nacionalidades, evitando ou diminuindo, assim, as restrições de acesso ao trabalho, à política, à saúde, segurança e demais direitos que assegurem sua integridade física, moral, financeira e emocional. 
Pode-se afirmar que as lutas das mulheres e os movimentos feministas são responsáveis por muitas das conquistas alcançadas com o intuito de diminuir a desigualdade e a discriminação sofridas por mulheres em todo o mundo, como 
conquista de novos direitos, pela constituição de organismos estatais voltados para a promoção da equidade de gênero e pela adoção de políticas públicas que colaboraram para a redução da discriminação e das desigualdades de gênero (ARAÚJO e FACCHINI, 2018, p. 1).
Contudo, tais conquistas ainda se mostram insuficientes para combater as violências geradas por essa desigualdade, o que representa a grande urgência pela revisão das medidas que garantam às mulheres a segurança que lhes é devida. 
Njaine et. al. (2016, p. 12) elucida que 
A violência de gênero se caracteriza por qualquer ato de agressão física, de relações sexuais forçadas e outras formas de coerção sexual, maus tratos psicológicos e controle de comportamento que resulte em danos físicos ou emocionais, perpetrado com abuso de poder de uma pessoa contra a outra, em uma relação marcada pela desigualdade e pela assimetria entre gêneros. Pode acontecer nas relações íntimas entre parceiros, entre colegas de trabalho e em outros espaços da sociedade.
Verifica-se, dessa maneira, que a violência não está apenas em agressões físicas, mas também esconde-se em atitudes como a provocação de sentimentos de dependência, pressão psicológica, agressividade ao falar, imposição de uma superioridade masculina que é fruto de uma crença coletiva, já obsoleta há muito tempo, dentre outras.
3. TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A palavra violência deriva do latim vis e remete ao abuso da força física para constranger outrem. Entende-se que a violência é um fenômeno variável de acordo com o contexto em que se encontra. Além disso, há os tipos de violência toleradas e as condenadas, que também variam conforme o meio. Por seu caráter mutante, a violência não pode ser definida cientificamente, já que uma série de fatores a influenciam e transformam a face com que ela se manifesta (CASIQUE e FUREGATO, 2006, p. 3).
Pode-se inferir, com isso, que a violência é tudo aquilo que é compulsoriamente imposto a outrem, sob ameaça de danos morais, emocionais e até físico. Trata-se de um fenômeno de raiz cultural, com vertentes em variadas áreas da existência humana, da qual faz parte desde os primórdios da história. 
Nas palavras de Dahlberg e Krug (2007, p. 1164)
A violência, provavelmente, sempre fez parte da experiência humana. Seu impacto pode ser mundialmente verificado de várias formas. A cada ano mais de um milhão de pessoas perdem a vida, e muitas mais sofrem ferimentos não fatais resultantes de autoagressões, de agressões interpessoais ou de violência coletiva. Em geral, estima-se que a violência seja uma das principais causas de morte de pessoas entre 15 e 44 anos em todo o mundo.
As autoras prosseguem seu pensamento apontando que há algumas causas das diversas violências que existem, sendo até, por vezes, passíveis de entendimento, respaldadas pelas crenças e culturas arraigadas no pensamento contemporâneo, mas não justificam os atos que prejudicam, em qualquer instância, outras pessoas. 
Destaca-se, ainda, que a violência não deve, jamais, ser aceita como inerente à existência humana. Diversos contextos históricos, filosóficos, religiosos etc. ajudam a compreendê-la e, portanto, preveni-la ou limitá-la. 
Madureira et al. (2014) explicam que
A violência contra a mulher compreende atos praticados em ambientepúblico ou privado e, em diversos contextos do cotidiano, porém, é no ambiente doméstico que, fundamentalmente, ela ocorre. É praticada quase sempre por homens da família que exercem relações de poder sobre as vítimas e, ao serem protegidos pelos laços afetivos, podem levar ao extremo as relações de dominação, originadas na cultura patriarcal que ainda se perpetua (MADUREIRA ET AL., 2014, p.2).
Entretanto, é rara a ideia de que pequenas agressões – como um leve empurrão, uma palavra dita de forma abrupta e humilhante, atos que baixam a autoestima, dinheiro emprestado e não devolvido, dentre outras formas de imposição masculina sobre a mulher – são ações muns, que fazem parte do relacionamento conjugal e que devem ser perdoadas em nome da manutenção da família e da continuidade do casamento. 
Entretanto, esse é um grave equívoco, pois tais atitudes, e outras, de menor ou maior gravidade, são claros sinais de covardia do homem, que se valem de um poder que imaginam ter em relação à mulher para lhes provocar danos e prejuízos de diversas ordens. 
Arruda (2019, p.1) aponta que
Quando se está envolvida num relacionamento abusivo, uma grande maioria [de mulheres] não sabe distinguir o que é abuso ou o que é verdadeiramente amor e se perde na relação. Vira comodismo e assim, vai levando o relacionamento como se aquelas atitudes fossem desaparecer com o tempo.
Dessa forma, é preciso estar alerta para os diferentes tipos de violência praticados contra mulheres, mesmo as mais sutis, sem que muitas delas sequer percebam. Não são apenas as atitudes extremamente brutais que são crimes de violência contra a mulher.
A Lei nº 11.340/06, a Lei Maria da Penha, lista as diferentes formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral, que são assim caracterizadas:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Apesar de o texto da lei apresentar as definições de cada um dos cinco tipos de violência listados, cabe aprofundar tais conceitos, a fim de esclarecer quaisquer imprecisões que sua interpretação possa gerar. É preciso que as mulheres, e mesmo a sociedade como um todo, entendam com precisão quais atos, por mais velados que sejam, configuram violência doméstica, para que possam identificá-los, se proteger e buscar ajudar.
O primeiro desses conceitos que deve ser esclarecido é o de violência doméstica. Destaca-se que essa é uma ampla esfera, onde se inserem os demais tipos de violência, não só contra a mulher, mas contra a família. 
Nas palavras de Rodrigues,
A violência doméstica é aquela compreendida no seio da família, dentro de suas casas, nas relações familiares, não sendo só entre homens e mulheres, mas também entre pais e filhos, entre jovens e idosos e outros membros (RODRIGUES, 2018, p.1).
Assim, entende-se que casos como em que filhos que maltratam os pais, irmãos que se agridem, entre outras situações abruptas que ocorrem dentro da casa de uma família ou entre seus integrantes, também são configuradas como violência doméstica, assim como a violência contra a mulher, foco deste trabalho de pesquisa.
À letra da lei, tem-se:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:  
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Evidencia-se, assim, que a violência doméstica é abrangente, não se limitando a casos que ocorrem apenas dentro de casa, entre parentes consanguíneos e independe de gênero ou orientação sexual.
Contudo, trata-se de uma lei voltada especificamente para defender mulheres de qualquer tipo de violência, portanto, o foco recai sobre casos em que elas são as vítimas.
A Lei Maria da Penha, como visto anteriormente, enumera cinco tipos de violência contra a mulher e traz uma breve explicação sobre cada um deles. Julga-se importante, no entanto, ampliar o entendimento acerca deste assunto.
A primeira violência citada pela referida Lei é a mais reconhecida pelas mulheres e pela sociedade, a violência física. De fato, essa é a mais reconhecível, pois geralmente deixa marcas no corpo, como hematomas, inchaços etc.
Damasceno abrange o entendimento de violência física contra a mulher comentando que
São os casos mais relatados nas delegacias da mulher e na maioria das vezes os agressores são os companheiros ou os próprios familiares da vítima. São exemplos desse tipo de violência:
· Tapas, socos e espancamento
· Atirar objetos, sacudir e apertar os braços
· Estrangulamento ou sufocamento
· Lesões com objetos cortantes ou perfurantes
· Ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo
· Tortura (DAMASCENO, 2018, p.1)
De fato, essa forma de agressão é a mais reconhecida tanto por quem a sofre, quanto por quem a pratica e até mesmo pela sociedade. As marcas evidentes no corpo machucado, a mudança de comportamento, medos que antes não existiam. Suas evidências são as mais proeminentes, o que leva muitas pessoas a acreditarem que somente esse tipo de violência é criminoso e passível de punição legal. Por isso, é preciso desmistificar esse pensamento, além de elucidar e disseminar ao máximo cada um dos tipos de violência existentes, para que a vítima as reconheça e possa tomar as providências cabíveis. 
Sobre a violência psicológica, mencionada no segundo inciso da Lei Maria da Penha, é explicado que
É uma das violências mais comuns e mais difíceis de serem detectadas pelas vítimas, porém o dano psicológico costuma ser devastador. Muitas mulheres não denunciam seus companheiros simplesmente porque não acreditam que estejam sofrendo algum tipo de violência.
As agressões podem acontecer em forma de xingamentose que ferem diretamente a moral da vítima. “Porca”, “vagabunda”, “gorda” são apenas algumas das palavras constantemente usadas pelos agressores como forma de rebaixar a mulher, que muitas vezes também são proibidas de usar determinadas roupas, de estudar, trabalhar ou ter amigos. [...] São exemplos desse tipo de violência:
· Ameaças
· Perseguição
· Constrangimento
· Humilhação
· Manipulação
· Isolamento (proibir de sair de casa, estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes)
· Vigilância constante
· Insultos
· Chantagem
· Exploração
· Limitação do direito de ir e vir
· Ridicularização
· Tirar a liberdade de crença (DAMASCENO, 2018, p.1). 
Vê-se que se trata de mais uma forma de covardia extremamente cruel, talvez uma das mais sórdidas, por ser das mais veladas. Controlar a os sentimentos, as vontades, as crenças, os valores, os princípios de uma pessoa por meio de artifícios tão estrategicamente calculados para derrubar a autoestima, desacreditar a pessoa de si própria e fazer dela sua marionete, com quem o ‘titereiro’ pode fazer o que bem entender por puro prazer e diversão. Realmente é preciso que se lance luz sobre esses casos, pois os danos internos tendem a ser irreversíveis. 
No que tange à violência sexual, Damasceno esclarece:
Apesar de ser normalmente associado ao estupro, o termo violência sexual é muito mais amplo e abrange uma série de situações que as mulheres sofrem atualmente, seja com desconhecidos, parentes, namorados ou companheiros.
Infelizmente ainda é uma violência comum, principalmente devido ao pensamento machista de posse e de domínio que o homem acredita que tem sobre a mulher e sobre a incapacidade de alguns homens de ouvirem um não como resposta. A culpabilização da vítima (ela estava com roupa curta, ela estava pedindo, ela estava bêbada) também é um grande fator responsável pelo aumento desse tipo de violência. São exemplos da violência sexual:
· Estupro (inclusive quando ocorre dentro do casamento, quando o marido obriga a esposa a ter relações sexuais)
· Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa (fetiches)
· Impedir o uso de anticoncepcionais ou forçar a mulher a abortar
· Forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação
· Limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher
· Obrigar a mulher a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade (exploração sexual) (DAMASCENO, 2018, p.1).
Torna-se evidente, com isso, que qualquer ato forçado que obrigue uma mulher a ter sua sexualidade usada de forma não consensual é considerado violência sexual, independentemente de quem seja o agressor. Para muitos pode parecer paradoxal um estupro, por exemplo, ocorrer em um casamento, em que o ato sexual é, geralmente, parte da rotina. Todavia, muitos homens veem isso como uma obrigação da mulher; pensam que ela deve estar disponível para o sexo sempre que ele demonstrar interesse. E não se trata apenas do ato sexual ‘tradicional’, aquele que faz (ou fazia) parte da intimidade rotineira do casal, mas há também casos em que os homens colocam suas parceiras sexuais em situações completamente vexatórias, que somente dão prazer ao agressor e fazem a vítima se sentir devastada. Também há ocorrências em que os maridos obrigam suas esposas a fazerem sexo com outros homens, seja por prazer ou até por dinheiro, dentre diversas outras formas de violentar a sexualidade de uma mulher. 
A respeito da violência patrimonial, Damasceno explica que se trata de
Qualquer ação ou conduta que possa configurar retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos da mulher. Esses bens podem ser instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades da mulher. São exemplos de violência patrimonial:
· Furto, extorsão ou dano
· Controlar o dinheiro
· Deixar de pagar pensão alimentícia
· Destruição de documentos pessoais
· Estelionato
· Privar de bens, valores ou recursos econômicos
· Causar danos de propósito a objetos da mulher ou dos quais ela goste (DAMASCENO, 2018, p.1).
É uma situação muito comum: a mulher tem seu emprego, seja formal ou não, geralmente trabalha em várias jornadas, incluindo os cuidados com a casa e os filhos, o trabalho fora e muitas outras atividades diárias. Apesar de tanto esforço para conseguir o seu dinheiro, muitas mulheres são obrigadas por seus companheiros a lhes dar todo o valor recebido, para que eles controlem tanto o dinheiro quanto as próprias mulheres, pois sem dinheiro, é mais fácil controlá-las e elas ficam sem muitas opções para fazer coisas que eles desaprovariam. 
Outro caso bastante comum também é o homem colocar seus bens em nome de outra pessoa de sua confiança para que a mulher não tenha direito a eles em caso de separação ou outras situações que lhe confeririam tal direito. 
Há, ainda, homens que fazem altas dívidas no nome de suas mulheres e nunca cumprem a responsabilidade de pagar o débito, dando o chamado calote na parceira e deixando-a em grave situação financeira. 
Muitas mulheres não sabem, mas essas também são formas de violência, passíveis de punições legais.
Finalmente, sobre a violência moral, explica-se que
É uma violência pouco comentada, porém é mais comum do que você imagina. Podemos dizer que é qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. É quando o agressor dá uma opinião contra a reputação moral da mulher e faz críticas mentirosas. Esse tipo de violência também pode acontecer pela Internet. São exemplos:
· Rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole
· Tentar manchar a reputação da mulher
· Emitir juízos morais sobre a conduta
· Fazer críticas mentirosas
· Expor a vida íntima
· Distorcer e omitir fatos para pôr em dúvida a memória e sanidade da mulher
· Afirmar falsamente que a mulher praticou crime que ela não cometeu (DAMASCENO, 2018, p.1).
A Lei Maria da Penha menciona os crimes de calúnia, difamação ou injúria como determinantes da violência moral contra a mulher. Destarte, convém minuciar cada um desses conceitos.
Corrêa corrobora esta informação e a complementa informando que se tratam de “crimes contra a honra e estão previstos legalmente no Código Penal” (CORRÊA, 2018, p.1). 
O Código Penal Brasileiro (2017), em seu Capítulo V, trata “Dos Crimes contra a Honra”, sendo que os Artigos 138, 139 e 140 abordam a Calúnia, a Difamação e a Injúria, respectivamente, as abordo da seguinte forma:
CAPÍTULO V – Dos Crimes contra a Honra Calúnia 
Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. 
§ 1o Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. 
§ 2o É punível a calúnia contra os mortos. 
Exceção da verdade 
§ 3o Admite-se a prova da verdade, salvo: 
I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; 
II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no no I do art. 141; 
III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
Difamação 
Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. 
Exceção da verdade 
Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. 
Injúria 
Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: 
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. 
§ 1o O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. 
§ 2o Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: 
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: 
Pena – reclusão de um a três anos e multa (BRASIL, 2017-2018)
Com isso, ficam bem esclarecidos cada um dos incisos do Art. 7º da Lei 11.340/06, a popular Lei Maria da Penha, que tratam dos diferentes tipos de violência contra a mulher.
Dessa maneira, pretende-se que as mulheres vítimas de crimes dos quais elas sequer têm conhecimento, entendam que elas têm direitos assegurados por força de Lei e que existem dispositivos legais específicos para garantir sua segurança, sua integridade física e moral e sua dignidade enquanto pessoa humana, guardada pelo Direito brasileiro.
O conhecimento sobre aquilo que fere seus direitos é a chave para que a mulher em situação de violência doméstica se reconheça como tal e possa ter facilidade de acesso aos meios de proteção para que esse cenário carregado de sofrimento, dor, humilhação e medo cesse. 
4. O PERFIL DE PROVÁVEIS AGRESSORES DE MULHERES E OS INDÍCIOS DE RELACIONAMENTO ABUSIVO 
Observa-se que é comum que mulheres vítimas de violência doméstica permaneçam em seus relacionamentos afetivos com o agressor. Por maior que seja a estranheza que esse fato provoca em quem está fora da situação, o julgamento social é uma das piores barreiras ques essas mulheres enfrentam nesse, no mínimo, triste episódio de suas vidas. 
Os motivos para tal comportamento variam. Para umas, é a dependência financeira e/ ou emocional; para outras, pode ter a ver com questões religiosasou sociais, acreditar que o matrimônio é algo tão sagrado que, não importam as circunstâncias, ele deve ser mantido na base do amor ‘que tudo supera’ e do perdão a todo comportamento que fuja daquilo que se espera de uma relação afetiva. 
Para Silva (2017, p.1), 
existem diversas razões pelas quais as mulheres vítimas dos seus companheiros agem dessa forma: Risco de romper a relação: Muitas mulheres sentem-se amedrontadas para romper o relacionamento, devido ameaças de morte diante da separação. O agressor, ao perceber que perdeu o controle sobre a mulher, passa a atentar contra a vida dela ou dos filhos como mecanismo de retomar o controle. Vergonha e medo: não é fácil pra mulher denunciar seu próprio marido e muitas vezes o pai dos seus filhos, sem falar ainda, na vergonha em ter que reconhecer que seu relacionamento fracassou. Esperança de mudança de comportamento do agressor: Durante o ciclo da violência, na fase da lua-de-mel, o homem demonstra arrependimento e promete a vítima que não mais agirá de forma violenta, gerando assim na mulher, a esperança de mudança. Isolamento: Diante de um companheiro agressor, a mulher passa a ser controlada e ter os passos monitorados e restritos, causando assim, um afastamento social, principalmente da família e amigos. Despreparo Social: A intolerância social ainda é predominante. Quando a mulher busca ajuda, muitas vezes é incompreendida devido ao despreparo das autoridades que deveriam prestar o socorro. Dependência Econômica: Em muitos casos, por machismo, a mulher é proibida pelo companheiro de exercer atividade profissional ou devido a tantas agressões, a mesma não tem capacidade para tal (SILVA, 2017, p. 1).
Mas, sobretudo, muitas mulheres que estão em relacionamentos abusivos não percebem, não entendem, muitas vezes, sequer sabem as características desse tipo de agressor, ou se, realmente, estão vivendo esse tipo de relacionamento. 
Secco (2016, p.1) explica que 
os agressores tem um 'feeling', uma sensibilidade para perceber a mulher que tem uma fragilidade maior emocional, e a permanência na relação tem a ver com isso [...]  destaca, porém, que essa questão não deve ser interpretada como se a mulher tivesse culpa pela relação ou pela violência que sofre, mas somente que a sua fragilidade emocional faz parte de um perfil geralmente escolhido pelos agressores (SECCO, 2016, p.1). 
Assim sendo, julga-se relevante para a continuidade desta pesquisa fazer um levantamento dos traços tanto da relação abusiva quanto do agressor de mulheres. 
Rodrigues e Teixeira (2019) destacam a dificuldade em reconhecer um agressor de mulheres, devido ao fato de que, na maioria das vezes, esses homens não aparentam ser pessoas violentas. Ao contrário, geralmente se comportam em público de forma amistosa, agradável, positiva. É muito comum que se valham disso para construir uma relação de confiança com suas vítimas antes de atacá-las, o que faz com que essas mulheres sintam-se confusas em relação ao agressor, levando-as a acreditarem que são muito amadas e que o comportamento agressivo do parceiro são casos isolados, motivados pelo amor que ele sente por ela.
Nota-se, assim, que o agressor trama toda uma situação romântica para que quando suas vítimas forem atacadas, não percebam a violência, não se sintam envolvidas em um relacionamento abusivo, acreditem que o ato foi motivado por amor e, dassa forma, cria-se uma relação de dependência emocional que faz com que as vítimas pordoem seus algozes e se mantenham próximas a ele. 
Rodrigues e Teixeira (2019) elencam cinco comportamentos de homens que os caracterizam como possíveis violentadores de mulheres, a saber:
1. Interferir no modo de vestir da companheira;
2. Hábito de controlar as redes sociais dela;
3. Humilha e tem costume de xingar a companheira;
4. Possessividade, ele determina sempre o que o casal vai fazer;
5. Interfere nas relações sociais (RODRIGUES e TEIXEIRA, p. 1)
Tais atitudes revelam a insegurança do homem e a sensação de posse que ele tem de sua companheira. Ao regular as roupas e as relações dela, ele passa para vítima a ideia de que o ciúme excessivo é uma forma de proteger a mulher e o relacionamento ‘de amor’ do casal. As humilhações e xingamentos já são formas mais desveladas de agressão, mas ainda assim, demoram a serem percebidos como formas de violência. Ao decidir o que vão fazer em uma saída, por exemplo, o provável agressor mantém o controle da relação, o que pode fortalecer, na vítima, o errôneo sentimento de estar sendo protegida por quem a ‘ama’.
A insegurança masculina que gera a violência de gênero vem do fato de que
o homem no contexto social vem provando uma considerável perda de poder e prestígio social, onde muitos deles vêem seus sonhos, material e profissional frustrado e o relacionamento afetivo torna-se um “escape” onde o homem compensará essa perda de poder, sentindo-se novamente forte e importante (SILVA, 2017, p. 1).
É notório, que aos poucos, as mulheres vêm ganhando espaço em áreas que tradicionalmente era ocupadas de forma exclusiva por homens. Com toda carga do patriarcado arraigada em si, o homem não suporta ver sua ‘superioridade’ posta em xeque e responde a esse acontecimento social agredindo a mulher que está mais próxima dele, como se esse ato representasse um ‘freio’ ao crescimento feminino que vem se tornando cada vez mais proeminente, e um caminho sem volta, na sociedade contemporânea. 
Por outro lado, Secco (2016) entende que assim como tais homens podem, como expresso anteriormente, na maior parte dos casos, aparentar ser boas pessoas, também há casos em que eles manifestam a personalidade violenta em outros âmbitos da sua vida, como no trabalho, na relação com os próprios familiares, ou quando bebem, por exemplo. 
A estudiosa destaca, ainda, outro comportamento muito comum na personalidade de homes agressores de mulheres, que é acusar a companheira de traição: “se ela não quer mais ter relação sexual, ele nem para pensar que ela pode não sentir mais prazer por uma pessoa que lhe bate. Ele começa a ligar isso ao fato de que ela está com algum homem fora de casa” (SECCO, 2016, p.1).
É relevante ressaltar que existe um ‘Ciclo da violência doméstica’, o que pode ajudar mulheres vítimas de agressões machistas a se identificarem na situação de um relacionamento abusivo.
Sobre isso, Silva (2016, p. 1) orienta que as violências domésticas
não ocorrem de uma só vez, é um ciclo vicioso de comportamento quese dá em três etapas, podendo variar no tempo e na intensidade. Verificou-se que, apesar da mulher viver num “inferno particular”, num misto de violência, dor e esperança, ela permanece muito tempo convivendo com seu próprio agressor. Essa mulher enfrenta um constante dilema entre denunciar o próprio companheiro, em muitos casos, o pai dos seus filhos, se separar ou continuar sofrendo.
Conforme Soares (2015), o ciclo da violência doméstica é formado por três fases: 1) Construção da atmosfera de tensão no relacionamento; 2) a violência em si; 3) a ‘lua de mel’ resultante do arrependimento (pouco duradouro) do homem. 
Segundo a pesquisadora, na primeira fase, 
podem ocorrer incidentes menores, como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objetos etc. Nesse período de duração indefinida, a mulher geralmente tenta acalmar seu agressor, mostrando-se dócil, prestativa, capaz de antecipar cada um de seus caprichos ou buscando sair do seu caminho. Ela acredita que pode fazer algo para impedir que a raiva dele se torne cada vez maior. Sente-se responsável pelos atos do marido ou companeiro e pensa que se fizer as coisas corretamente os incidentes podem terminar. Se ele explode, ela assume a culpa. Ela nega sua própria raiva e tenta se convencer de que “... talvez ele esteja mesmo cansado ou bebendo demais”.
A segunda fase 
fase é marcada por agressões agudas, quando a tensão atinge seu ponto máximo e acontecem os ataques mais graves. A relação se torna inadministrável e tudo se transforma em descontrole e destruição. Algumas vezes a mulher percebe a aproximação da segunda fase e acaba provocando os incidentes violentos, por não suportar mais o medo, a raiva e a ansiedade. A experiência já lhe ensinou, por outro lado, que essa é a fase mais curta e que será seguida pela fase 3, da lua-de-mel.
E com relação à terceira fase, explica-se que
Terminado o período da violência física, o agressor demonstra remorso e medo de perder a companheira. Ele pode prometer qualquer coisa, implorar por perdão, comprar presentes para a parceira e demonstrar efusivamente sua culpa e sua paixão. Jura que jamais voltará a agir de forma violenta. Ele será novamente o homem por quem um dia ela se apaixonou.
Por se tratar de um ciclo, é evidente que tais fases voltam a se repetir com frequência. A autora, entretanto ressalva que não se trata de uma ‘receita de bolo’, ou seja, nem sempre as situações de violência se darão exata ou similarmente como descrito. Tais indícios foram destacados como recorrentes em diversos casos, o que não significa que sempre será assim. “Mas é importante conhecer o ciclo da violência para ajudar as mulheres a identificá-lo, quando for o caso, e a impedir que ele se reproduza” (SOARES, 2005, p. 23). 
Sobre a identificação desse ciclo por parte das vítimas, Soares (2005) aponta que há alguns sinais que podem servir de alerta, ressalvando que eles podem variar, devido à personalidade individual e à história pessoal de cada homem que usa da violência como forma de se impor sobre a mulher. Tais sinais seriam: 
1) O primeiro sinal de perigo é o comportamento controlador. Sob o pretexto de proteger comportamento controlador ou oferecer segurança, a pessoa potencialmente violenta passa a monitorar os passos da vítima e a controlar suas decisões, seus atos e relações. 2) O rápido envolvimento amoroso pode também sinalizar o rápido envolvimento amoroso perigoso. Em pouco tempo a relação se torna tão intensa, tão insubstituível, que a futura vítima se sente culpada por tentar diminuir o ritmo do envolvimento. Nas palavras do(a) agressor(a) “a futura vítima é a única pessoa que pode entendê-lo(a)! Ele(a) nunca amou ninguém daquela forma e estará destruído(a) se ela(e) o(a) abandonar...”. 3) A pessoa tipicamente violenta, geralmente, desenvolve expectativas irrealistas com relação à parceira. Espera que ela preencha todas as suas necessidad a es, exigindo que a mulher seja perfeita como mãe, esposa, amante e amiga. Acaba por colocá-la em posição de isolamento, criticando e acusando amigos e familiares e procurando impedir, das mais variadas formas, que ela circule livremente, trabalhe ou estude. 4) O homem ou mulher violento(a), por outro lado, revela uma hipersensibilidade, mostrando-se hipersensibilidade facilmente insultado(a), ferido(a) em seus sentimentos ou enfurecido(a) com o que considera injustiças contra si. 5) O(a) autor(a) de violência também pode revelar crueldade com animais e crianças, e gostar de crueldade com animais e crianças desempenhar papéis violentos na relação sexual, fantasiando estupros, desconsiderando o desejo da parceira ou exigindo disponibilidade sexual em ocasiões impróprias. 6) O abuso verbal é também um sinal que pode preceder a v abuso verba iolência física. O(a) agressor(a) poderá ser cruel, depreciativo, grosseiro. Tentará convencer sua parceira de que ela é estúpida, inútil e incapaz de fazer qualquer coisa sem ele(a). 7) Se houver outros abusos no passado, ele(a) tentará negar, resp outros abusos no passado onsabilizando suas vítimas anteriores (SOARES, 2005, p. 39-40).
Contudo, ainda segundo SOARES (2005, p.40), “esses sinais não devem servir para condenar ninguém, mas exigem que fiquemos atentos: eles podem indicar que o caminho para a violência está sendo pavimentado”.
Diante o exposto, evidencia-se a complexidade que envolve a violência contra a mulher em relacionamentos afetivos abusivos. É de fundamental importância que todas as mulheres conheçam os aspectos apresentados neste capítulo, a fim de serem capazes de identificar e saibam como proceceder ao notar que seu relacionamento está colocando em risco sua integridade física, emocional e mental. De posse desses conhecimentos, também é possível ajudar outras mulheres que possam estar sofrendo esse tipo de violência. 
5. LEI MARIA DA PENHA: contextualização e análise sob a ótica sociojurídica 
 A Lei 11.340/06, a Lei Maria da Penha, passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2006. Cabe o destaque de que o nome popular da Lei em questão foi dado em reconhecimento à Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que, por anos, foi vítima de graves violências domésticas cometidas por seu então marido e lutou bravamente por sua punição. 
Segue uma breve biografia de Maria da Penha e um resumo do seu caso, a fim de contextualizar o surgimento desta importante lei.
Maria da Penha é biofarmacêutica cearense, e foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que a família tinha sido atacada por assaltantes. Desta primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocuta-la no chuveiro.
Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado há dez anos de reclusão, mas conseguiu recorrer.
Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão.
O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então reuniu-se para definir um anteprojetode lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.
Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.
 (FONSECA, 2018).
Pode-se observar, a partir dessa narrativa, todo o ciclo da violência doméstica. 
Maria da Penha é uma mulher estudada, graduada em curso de nível superior, já na época das agressões. 
Apesar de não constar no relato acima, é bastante claro que a primeira tentativa de assassinato não foi a primeira agressão sofrida por ela. É possível deduzir que antes desse episódio, a relação conjugal já se encontrava em decadência. E, mesmo após uma violência tão grave, ela permaneceu casada, como acontece, ainda nos dias de hoje, com muitas mulheres em situações semelhantes. 
Logo em seguida covardia do então marido tomou proporções ainda maiores, na segunda tentativa de homicídio (na época não existia o crime de feminicídio no Direito brasileiro), o que também é comum em casos correlatos. Dessa vez, o homem atentou contra a vida da então esposa, quando esta já se encontrava em condição de deficiente física, paraplégica, em consequência do tiro que ele mesmo desferiu contra sua companheira dias antes. 
Somente então, Maria da Penha decidiu se separar e, a partir daí, travou uma forte batalha que envolveu até mesmo o Direito internacional, para que seu algoz fosse preso e para que se efetivassem as leis e políticas públicas específicas para a proteção da mulher. 
Machado e Elias (2018) destacam o contexto histórico Lei Maria da Penha, bem como o sancionamento da Lei 13.104/15, que estabeleceu as circunstâncias que caracterizam o crime de feminicídio. 
Esta Lei, instaurada em março de 2015,
Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos (BRASIL, 2015).
 
Machado e Elias (2018) salientam que à época da elaboração da Lei Maria da Penha os índices de violência contra a mulher eram alarmantes no Brasil: a cada 15 segundos, uma vítima era agredida. Uma década após esse registro, o índice diminuiu, mas continuou alto e bastante grave: um caso de violência doméstica a cada 40 segundos. 
Para Moreno (2014, p.1),
Assim, a Lei Maria da Penha representou uma verdadeira guinada na história da impunidade. Por meio dela, vidas que seriam perdidas passaram a ser preservadas; mulheres em situação de violência ganharam direito e proteção; fortaleceu-se a autonomia das mulheres. Com isso, a lei cria meios de atendimento humanizado às mulheres, agrega valores de direitos humanos à política pública e contribui para educar toda a sociedade.
Cabe citar marcos e convenções ocorridas em todo o mundo que foram organizadas para debater assuntos relacionados à proteção da mulher. 
Em 1975, na Cidade do México, foi realizada a Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher. A Segunda Conferência Mundial sobre a Mulher aconteceu em Copenhagen, na Suíça, em 1980. Cinco anos depois, o Quênia sediou a terceira Conferência. Em 1994, no Brasil, em Belém do Pará, foi realizada a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, cujas decisões foram incorporadas ao Ordenamento Jurídico pátrio pelo Decreto 1973/96, que “Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994” (BRASIL, 1996).
Pacelli (2019) considera que as diversas reuniões internacionais ocorridas nos últimos anos, como Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, além das supramencionadas, até mesmo a promulgação, no Brasil, da Lei Maria da Penha, são marcos que comprovam a preocupação mundial em proteger a mulher da violência doméstica. O autor argumenta que 
Como não poderia deixar de ser, já que a ideia era (e é) a de ampliação normativa da proteção da mulher, a citada Lei	desce a detalhes em relação ao rol de direitos a serem atribuídos a ela. Serão asseguradas às mulheres as condições para o efetivo exercício dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à Justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (art. 3º, Lei nº 11.340/06 apud PACELLI, 2019, p. 944-945).
A Lei Maria da Penha possui um caráter multidisciplinar. De acordo com Granja (2018), isso quer dizer que a referida Lei surgiu e vem se desenvolvendo ao longo do tempo, buscando acompanhar as transformações sociais e se valendo de medidas além das punitivas, mas também das preventivas, educativas e conscientizadoras, adotando métodos e estratégias de diversas áreas do conhecimento para enfrentar o problema da violência contra a mulher. Enfatiza-se a questão de a violência de gênero ser uma construção sociocultural e, por essa razão, demanda olhares e atitudes de diversas ordens, de modo a envolver toda sua abrangência, na constante tentativa de amenizar o máximo possível esse grave problema social. 
Em pensamento concernente, Pacelli (2019) entende que
A Lei [Maria da Penha], para além do fato de cuidar de questões de inegável interesse público, é quase uma petição de princípios, consoante se vê de seus longos dispositivos. Veja-se, por exemplo, que a previsão de uma política pública a ser desenvolvida por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, terá entre suas diretrizes, 
VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, e IX – o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos	aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 8º)” [grifos nossos] (PACELLI, 2019, p. 944). 
Assim sendo, confirma-se a multidisciplinaridade da Lei nº 11.340/06, pois fica entendido que dentre as medidas que ela abarca a fim de proteger a mulher da violência de gênero, estão tanto penas como ordens de afastamento, prisão etc. quanto atividades que visam a conscientizar o agressor da gravidade de seus atos violentos, numa tentativa de modificar seu comportamento agressivo e evitar que ele cometa, novamente, crimes relacionado à Lei Maria da Penha. Nesta empreitada, estão envolvidos profissionais da segurança pública, da saúde, da psicologia, da pedagogia, da sociologia e tantos outros. 
Contudo, é consensualmente sabido que raramente o agressor se reeduca. Em muitos dos casos, a violência volta a ser praticada e, na maior parte das vezes, em um grau mais elevado que o anterior. Muitos são os casos em que mulheres que acionaram a polícia para denunciar seu agressor e buscar os meios de proteção de sua integridade física e moral, previstos em lei específica, e do seu constitucional direito à vida, voltaram a sofrer graves violências do mesmo agressor, sendo que muitas morreram nessas circunstâncias. 
São requisitos para uma denúncia com base na Lei Maria da Penha:
1. Sujeito passivo sempre será uma mulher 
1. Que ocorra uma das formas previstas no Artigo 7 da Lei
1. Que ocorra no contexto art. 5
1. Esses três quesitos são cumulativos
Com relação ao primeiro requisito, Gullino (2019) versa que neste ano, foi aprovado o projeto de lei que incluimulheres transgêneros e transexuais na proteção da Lei Maria da Penha. 
A proposta altera um artigo da lei que diz que "toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião" não pode sofrer violência, incluindo o termo "identidade de gênero" (GULLINO, 2019, p.1).
 
O projeto ainda precisa passar pelo Senado e pela Câmara para entrar em vigor. 
Pode-se afirmar que Lei Maria da Penha possui três finalidades, a saber:
1. Criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher;
1. Criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher;
1. Estabelecer medidas de assistência e proteção de mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 
Quanto aos mecanismos de coibição e prevenção, pode-se mencionar as medidas protetivas de urgência, que, de acordo com Cardoso (2017), são
mecanismos criados pela lei [Maria da Penha] para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, assegurando que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e tenha oportunidades e facilidades para viver sem violência, com a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Recentemente, no ordenamento jurídico pátrio, a Lei 13.827/19 alterou a Lei Maria da Penha 
para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial [grifo nosso], à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2019).
No destaque acima, reside a importante modificação em relação à Lei 11.340/06, que exigia que as medidas protetivas passassem por um longo (considerando as circunstâncias) processo, que envolvia uma série de profissionais e etapas especificadas, até serem efetivamente emitidas, como determinou o legislador da versão original da Lei Maria da Penha: 
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; [grifos nossos]
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);            (Incluído pela Lei nº13.880, de 2019)
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
IV - informação sobre a condição de a ofendida ser pessoa com deficiência e se da violência sofrida resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente.         (Incluído pela Lei nº 13.836, de 2019)
§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.
§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
Para Cunha, essas
São medidas preliminares que possibilitam à autoridade reunir elementos que possam demonstrar os indícios de crime e que justifiquem a tomada de outras providências, como a concessão de medidas protetivas de urgência (CUNHA, 2019, p.1).
Sobre o grifo, no inciso III, do Art. 12 da Lei 11.340/06, é explícito que o pedido de medida protetiva devia passar por um juiz. Tal condição, além do demorado e burocrático processo desse pedido, tardava a ser deferido, o que deixava a vítima em estado de alta vulnerabilidade, podendo o agressor surpreender-lhe a qualquer momento. É fato público que muitas mulheres vítimas de violência de gênero foram assassinadas por seus agressores nesse intervalo de tempo. 
O inciso IV passou a ter a seguinte redação: “determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.” (BRASIL, 2019).
É importante destacar também o Inciso VI A do mesmo artigo da referida Lei. 
O Estatuto do desarmamento, Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, por meio da recém-promulgada Lei nº13.880, de 2019, determina que a autoridade policial, ao lavrar a ocorrência de agressão contra a mulher e determinar a medida protetiva, deve também
verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte (BRASIL, 2019)
Conforme a ementa da nova lei, esta “prevê a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, na forma em que especifica”, como pode ser corroborado no inciso IV, que assim versa: “IV - determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.” (BRASIL, 2019). 
Assim, com relação a qualquer arma de fogo que esteja em posse do agressor, esta(s) deve(m) ser imediatamente recolhidas, o que representa um risco a menos para a vítima. 
Cunha ressalta que
uma vez praticada uma infração penal que se insira no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, além das medidas de praxe para viabilizar a investigação a autoridade policial deve pesquisar a existência de registro de arma de fogo em nome do agressor e, uma vez identificado o registro, a mesma autoridade deve notificar a Polícia Federal (CUNHA, 2019, p. 1).
Dessa forma, entende-se que não é o policial que atendeu à ocorrência ou o delegado que a recebeu que fazem o recolhimento da arma de fogo do agressor. Esses profissionais devem remeter a situação à Polícia Federal, para que esta notifique o Judiciário para que, esse sim, determine a apreensão. 
De fato, esse detalhe – que mantém a burocracia da redação anterior – é atestado por Cunha:
Uma vez juntada a informação a respeito do registro da arma e adotadas as demais medidas cabíveis na forma do art. 12, os autos são remetidos ao juiz, que, conforme dispõe o novo inciso IV do art. 18 – também inserido pela Lei 13.880/19 – deve determinar a apreensão imediata de arma de fogo que estiver sob a posse do agressor. Não é, portanto, a autoridade policial a legitimada para determinar a apreensão; a ela cabe apenas adotar as providências iniciais para apurar se existe o registro (CUNHA, 2019, p.1).
Foureaux faz a ressalva de que, buscando garantir a vida e a integridade da vítima,
a única medida protetiva de urgência que pode ser concedida pelas autoridades policiais é o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. As demais medidas, como proibição de manter contato com a ofendida e de se aproximar da vítima continuam sendo de exclusividade do juiz (FOUREAUX, 2019, p.1).Outra Lei recém-promulgada, a 13.882/19, determina que os filhos das vítimas de violência doméstica sejam matriculados na escola pública mais próxima de sua residência, principalmente nos casos em que a família se vê obrigada a se mudarem , para fugir do agressor. 
Sobre isso, Foureaux explica que 
a vítima de violência doméstica e familiar tem prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou para transferi-los para essa instituição, mediante a apresentação dos documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial ou do processo de violência doméstica e familiar em curso.
A medida tem em consideração situações em que a vítima de violência doméstica é obrigada a se afastar de seu domicílio para garantir maior segurança a ela mesma e à sua família. Nesses casos, é importante a implementação de medidas para garantir uma transição menos traumática e evitar a imposição de obstáculos que, somados à violência já sofrida, tornem ainda mais penosa a retomada da vida cotidiana.
Os artigos 29, 30, 31 e 32, no Título V da Lei Maria da Penha, versam sobre a equipe de atendimento multidisciplinar às vítimas
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias [grifos nossos] (BRASIL, 2006).
Nota-se, pelos termos destacados, que o texto da lei gera interpretações que podem prejudicar a defesa da mulher vítima de agressão. Ao registar que ‘juizados poderão ser criados’, que o juiz poderá determinar’ e que ‘poderá prever recursos’, o documento legal deixa sua real intenção, ao menos nesse trecho, com diversas leituras possíveis. 
Soares Neto (2019) reconhece que a Lei Maria da Penha vem evoluindo e tentando acompanhar os acontecimentos sociais em relação à violência contra a Mulher, porém há ainda muitas falhas que a tornam ineficaz em diversos aspectos. 
É inegável que o Brasil tem mostrado evolução no quadro de desigualdade de gênero, com medidas afirmativas e protetivas. Ocorre que, a situação ideal para garantir uma proteção justa e satisfativa das mulheres na sociedade ainda se encontra distante.
[...]
Mesmo diante da rigidez da legislação processual e penal regulando o problema, isso não foi suficiente, e dentre os motivos desse fato podemos citar o descumprimento das medidas protetivas, uma vez que o suspeito não era regulado por sanções maiores caso as descumprisse. Prova disso é que de no ano de 2016, por exemplo, foram registradas 4.606 mortes violentas de mulheres, ou seja, 1 mulher assassinada a cada 2 horas no Brasil (SOARES NETO, 2019, p.1)
É consensual que a mera sanção de leis e documentos normativos não basta para regular toda uma sociedade. É preciso que haja comprometimento nas medidas necessárias para que tais leis sejam efetivamente cumpridas, protegendo, realmente, no caso abordado nesta pesquisa, as mulheres vítimas de violência doméstica. 
Soares Neto (2019) defende a tese de que o Poder Judiciário e o Estado não são suficientemente capazes para proteger a vida e a integridade das mulheres no Brasil. A autora informa que
	
A recente alteração da Lei Maria da Penha publicada em 04 de abril de 2018, a Lei nº 13.641, buscou trazer um novo panorama para o conflito da violência de gênero, e a ineficácia das medidas vigentes. Assim, os indivíduos que desobedecem a medida protetiva de urgência respondem pelo crime de desobediência (SOARES NETO, 2019, p.1).
Fácil inferir que o crime de desobediência consiste em desobedecer a uma ordem legal, dada por um funcionário público designado para tal. 
À letra da lei, tem-se que:
Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa (BRASIL, 1940).
Soares Neto (2019) destaca que anteriormente, a pena e detenção de 15 a seis meses, e multa, o que foi alterado numa modificação do texto legal no ano de 2018, aumentando assim, segundo a autora, a ineficácia da Lei Maria da Penha.
Quanto à impotência do Estado e do Poder Público no que tange à defesa da mulher contra a violência doméstica, pode-se entender que tal fato se deve à baixa representatividade feminina no Congresso Nacional. 
Pains (2019) verifica que no Brasil apenas 10,5% dos parlamentares são mulheres. E informa que “De um total de 192 países, o Brasil ocupa a 152ª posição no ranking de representatividade feminina na Câmara dos Deputados, ficando atrás de países como Senegal, Etiópia e Equador” (PAINS, 2019, p.1). 
Realmente, sabe-se que a total imparcialidade na maioria dos atos humanos é quase sempre impossível; em praticamente tudo o que pensamos, falamos ou fazemos, está imbuído um quê daquilo que mais nos toca, positiva ou negativamente. Assim sendo, deduz-se que um parlamento com tamanho desequilíbrio na questão de gênero como o brasileiro, tende a pesar a balança para temas que impactam mais diretamente os homens, que são a esmagadora maioria, tanto no Congresso quanto no Senado. 
O Novo Congresso Nacional em Números (2019-2023), documento que reúne dados e estatísticas sobre as mudanças no Congresso após as eleições de 2018 que geraram consideráveis alterações em sua formação em 2019, aponta que 
· Os eleitos possuem média de idade de 49 anos; estão entre 2º a 3º mandatos consecutivos; 77 são mulheres e 436 homens [grifo nosso]; e 27 foram eleitos com os votos próprios, portanto, alcançaram o quociente eleitoral;
· 77 eleitas para a Câmara são mulheres, o que representa 15% da composição. 
Dessa forma, entende-se um dos diversos porquês de o Estado Brasileiro não se capaz de proteger suas cidadãs da violência doméstica e de gênero.
É mais que urgente que se reverta o cenário relacionado no Brasil. Medidas efetivas precisam ser tomadas para que as mulheres deixem de ser vítimas dessa covardia sem razão e sem limites e, principalmente, para que as mulheres agredidas que conseguem escapar do seu agressor deixem de ser mortas por eles próprios, mesmo depois de a vítima acionar os meios legais que deveriam assegurar sua proteção, sua integridade física e moral, bem como sua vida. 
A Lei Maria da Penha vem evoluindo bastante desde sua criação, todavia, como já mencionado, não basta que se sancionem as leis; são necessários atos legais que, de fato, protegem as mulheres brasileiras da violência de gênero e, principalmente, do feminicídio, sobre o que este trabalho de pesquisa discorrerá no próximo capítulo. 
6. TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO
O feminicídio é a máxima expressão da violência contra a mulher, isto é, considera-se que a morte de mulheres provocada por homens em razão da ‘fragilidade’ da vítima
A tipificação do feminicídio – Lei 13.104/15 – é uma evolução do Código Penal Brasileiro (Lei 2.848/70) que buscou diferenciar, nas circunstâncias e nas implicações legais, o homicídio do feminicídio. Ao aumentar as qualificadoras do homicídio, diferenciando-o, assim, do assassinato de mulheres em razão de seu sexo, o ordenamento jurídico brasileiro evoluiu positivamente no sentido de garantir

Outros materiais