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Montes Claros/MG - 2014 Alysson Luiz Freitas de Jesus História do Brasil Colônia ii 1ª EDIÇÃO ATUALIZADA 2014 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Humberto Velloso Reis EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Antônio Alvimar Souza César Henrique de Queiroz Porto Duarte Nuno Pessoa Vieira Fernando Lolas Stepke Fernando Verdú Pascoal Hercílio Mertelli Júnior Humberto Guido José Geraldo de Freitas Drumond Luis Jobim Maisa Tavares de Souza Leite Manuel Sarmento Maria Geralda Almeida Rita de Cássia Silva Dionísio Sílvio Fernando Guimarães Carvalho Siomara Aparecida Silva CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Jânio Marques Dias Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Karen Torres C. Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camila Pereira Guimarães Camilla Maria Silva Rodrigues Fernando Guilherme Veloso Queiroz Magda Lima de Oliveira Sanzio Mendonça Henriiques Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner Veloso Rocha Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Mariléia de Souza Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Andréa Lafetá de Melo Franco Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes Rogério Othon Teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Ângela Cristina Borges Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do Departamento de História/Unimontes Francisco Oliveira Silva Jânio Marques dias Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Helena Murta Moraes Souto Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da Educação José Henrique Paim Fernandes Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior narcio Rodrigues da Silveira Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Maria ivete Soares de Almeida Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício Rodrigues neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Jânio Marques dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autor Alysson Luiz Freitas de Jesus Doutor em História Social – USP. Mestre em História Social e Cultural – UFMG. Departamento de História – Unimontes. E-mail: alflu- iz@yahoo.com.br Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 A sociedade colonial: trabalho, cultura e economia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 A estrutura da sociedade: um panorama geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 A colônia no mundo rural e no mundo urbano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 1.4 As dinâmicas, o “antigo regime nos trópicos” e as diferenças regionais . . . . . . . . . . . .21 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 A mineração e o sistema colonial no século XVIII. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 2.2 A economia mineratória, as relações sociais e o papel de Minas Gerais . . . . . . . . . . . .27 2.3 O ouro e a sociedade escravista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32 2.4 O ouro, a administração colonial portuguesa e o início das contradições do sistema colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 A crise do antigo sistema colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.2 Liberdade, liberdade, liberdade... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.3 As revoltas nativistas e o sistema colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.4 As conjurações, a crise do sistema colonial e os exemplos da Inconfidência Mineira e da conjuração baiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.5 Tiradentes: uma liberdade, ainda que tardia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51 Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 A crise do estado português e a falência dosistema colonial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 4.2 Portugal, Inglaterra, Brasil, Napoleão... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 4.3 A famíliareal no Brasil: burocracia, poder, história e ficção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 4.4 O significado da independência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .62 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .65 Atividades de Aprendizagem- AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 9 História - História do Brasil Colônia II Apresentação Prezado(a) Acadêmico(a): A disciplina História do Brasil Colônia II é um dos principais temas para a formação do pes- quisador e professor de História. A disciplina História tem as suas particularidades e suas sub- divisões. É a partir destas que você poderá compreender a disciplina em sua totalidade, pois a separação em diversas etapas da história permite compreender os processos sociais, políticos, econômicos e culturais que caracterizam a História em seus diversos tempos. Você, enquanto historiador e professor, perceberá que a disciplina História do Brasil Colônia II será de suma importância para a compreensão não apenas da História do Brasil, como também da formação de toda a era moderna. Além disso, o estudo do período colonial brasileiro é uma oportunidade temática de repen- sar valores, culturas e práticas políticas dos homens do passado, neste caso, do passado colonial. Essa é, indiscutivelmente, uma das grandes questões que você deve ter em mente enquanto his- toriador e professor de História, já que ela norteia a teoria e a prática da sua formação acadêmica, conforme você observou desde o início do seu curso. Os objetivos desta disciplina são muito claros, e podem ser pensados a partir dos seguintes aspectos: • Analisar as relações sociais que se deram na colônia, bem como a estruturação da sociedade nos trópicos; • Repensar a dinâmica na economia mineratória e o papel de Minas Gerais no sistema colo- nial; • Compreender a crise do antigo regime e as contradições vivenciadas na colônia; • Avaliar as revoltas sociais e políticas que se deram na América Portuguesa, culminando na efetivação da crise do sistema colonial; • Analisar a chegada da família real no Brasil como elemento de desgaste final das relações Brasil-Portugal. Tendo isso em mente, este material foi produzido e Dividido em quatro grandes unidades. Na primeira unidade, intitulada “A sociedade colonial: trabalho, cultura e economia”, procu- ra-se fazer o panorama geral das relações sociais e culturais que se passaram na colônia, ao longo dos três séculos. A unidade 2 analisa as relações sociais, políticas e econômicas da região das Minas, procu- rando compreender como a região foi, ao mesmo tempo, um dos momentos de fortalecimento da administração portuguesa e, por conseguinte, espaço propício para os desgastes e contradi- ções do sistema colonial. A terceira unidade, “A crise do antigo sistema Colonial”, objetiva analisar como o final do sé- culo XVIII foi responsável por revelar as maiores contradições externas e internas do regime colo- nial, culminado em eventos como a Inconfidência Mineira. Por fim, a última unidade procura relacionar a vinda da família real para o Brasil com o efeti- vo desgaste do poder de Portugal sobre a colônia, buscando compreender como se deu o nosso processo de independência. Você perceberá, portanto, que esta disciplina será fundamental para todo o seu curso. Nas demais disciplinas de História do Brasil, é imprescindível que você identifique criteriosamente como se deu o nosso passado colonial, bem como as metodologias para o ensino de História do Brasil Colônia II. O texto está estruturado a partir do desenvolvimento das unidades e subunidades. Você de- verá perceber que as questões para discussão e reflexão são muito importantes e acompanham o texto, bem como as sugestões para transitar do ambiente de aprendizagem aos sites, para acessar bibliotecas virtuais na web, etc. As sugestões e dicas estão localizadas junto ao texto, aparecendo com os respectivos íco- nes. A leitura dos textos complementares indicados, também, é importante, pois eles indicam os possíveis desenvolvimentos e ampliações para o estudo e a discussão. São recursos que você pode explorar de maneira eficaz, pois buscam promover atividades de observação e de investigação que permitem desenvolver habilidades próprias da análise so- ciológica e exercitar a leitura e a interpretação de fenômenos sociais e culturais. 10 UAB/Unimontes - 3º Período Ao planejar esta disciplina, consideramos que essas questões e sugestões seriam fundamen- tais, de forma a familiarizar o acadêmico, gradativamente, com a visão e procedimentos próprios da disciplina. Agora é com você. Explore tudo, abra espaços para a interação com os colegas, para o questionamento, para a leitura crítica do texto, bem como para as atividades e leituras comple- mentares. Bom estudo! Alysson Luiz Freitas de Jesus 11 História - História do Brasil Colônia II UnidAde 1 A sociedade colonial: trabalho, cultura e economia 1.1 Introdução O estudo das relações sociais na América Portuguesa permite compreender parte da nossa formação colonial. O Brasil foi, sem sombra de dúvida, uma das maiores empreitadas coloniais da história, constituindo-se na principal colônia portuguesa até o final do século XVII. As relações de trabalho, as manifestações culturais e as formas político-econômicas que se deram na sociedade colonial são os principais objetivos desta unidade inicial. A colônia se estruturou a partir de várias dinâmicas, entre as quais o universo rural e o uni- verso urbano, bem como as inúmeras diferenças regionais que se deram em todo o território co- lonial. Analisar essas dinâmicas e estruturas sociais é o nosso objetivo central neste momento. Nesse sentido, esta unidade está dividida nos seguintes tópicos: • A estrutura da sociedade: um panorama geral; • A colônia no mundo rural e no mundo urbano; • As dinâmicas, o “antigo regime nos trópicos” e as diferenças regionais. 1.2 A estrutura da sociedade: um panorama geral Os objetivos da colonização, que privilegiavam a grande propriedade, implicaram, também, na outorga de autoridade delegada para comandar os moradores, ficando a seu cargo a ocupa- ção e a defesa da terra. O povoamento frágil não criou condições para a ação comunitária de famílias ou grupos em projetos comuns. Os grandes proprietá- rios, com os parentes indígenas de suas concubinas, seus bastardos e alguns aventureiros europeus foram, então, os responsáveis pela expansão do povoa- mento. A posterior formação de família legal pelo proprietário não resultou no desaparecimento ou exclusão daquela família parentela, constituída pelas con- cubinas indígenas, seus bastardos e pa- rentes que constituíram o clã rural, ao qual se devem acrescentar os escravos negros. A endogamia, quase uma neces- sidade na fase inicial, tornou-se um costume consagrado, fosse por razões econômicas, como o desejo de não di- vidir a propriedade, fosse por precon- GLOSSÁRiO endogamia: casamen- to entre indivíduos do mesmo grupo,seja este definido com base em parentesco, residência, território, classe, casta, etnia, língua, seja por qualquer outro critério. Família patriarcal: relativo à concentração de poder e de prestígio na figura do patriarca. ◄ Figura 1: Senhor de engenho e família Fonte: Disponível em http://www.azza.blo- gspot.com. Acesso em: 01/07/2009 12 UAB/Unimontes - 3º Período ceito racial. Ela é o elemento fundamental para a consolidação dos chamados “clãs parentais”,em que grandes famílias dominavam uma de- terminada região, sob a chefia inconteste do patriarca (VIANA, 1974, p. 207). O fato de que, no âmbito geral da socieda- de, principalmente nas camadas inferiores de agregados, moradores, jornaleiros, pequenos lavradores, vaqueiros, o casamento foi uma ra- ridade, predominando as uniões transitórias ou mesmo permanentes, mas não legitimadas, representava mais um elemento de superiori- dade social do grande proprietário. Ainda que este fosse o cúmplice e agente da desagrega- ção familiar de seus escravos e dependentes, pela exploração sexual que fazia na pessoa de suas filhas e companheiras, a estabilidade do- méstica que ostentava lhe dava, ainda, aquela superioridade moral advinda do cumprimento das exigências do cristianismo. Se, por um lado, os bastardos eram margi- nalizados e discriminados; por outro, a tradição ibérica, acentuada pelas contingências locais, tendia à aceitação bastante comum daqueles bas- tardos que, reconhecidos ou não, recebessem a proteção de seus pais ou parentes. A falta de pre- conceitos para com a bastardia, em si, fica evidenciada no caso dos filhos de padres que foram uma ocorrência comum na sociedade brasileira. Enquanto uns disfarçavam seus rebentos sob o título de “afilhados”, outros os criavam às claras, em sua companhia, recebendo muitas vezes cui- dadosa educação e bens herdados, que lhes permitiam integração total na boa sociedade local (FREYRE, 1977, p. 446-7). Autores como Gilberto Freyre e Antonio Candido ressaltaram a importância da família como “organização fundamental do período colonial, produção, administração, defesa e status social do indivíduo sendo dependente disto” (FREYRE, 1977 p.181). A sociedade colonial deve ser, pois, analisada à luz dessa organização baseada na grande propriedade particular, no trabalho escravo de indígenas e africanos e na miscigenação inevitá- vel pela falta inicial de mulheres brancas e pelas tentações do poder absoluto do senhor sobre servas submissas. ATiVidAde Faça uma pesquisa na Internet sobre o pro- cesso de miscigenação entre índios, negros e portugueses no Brasil, durante o período colonial, procurando pesquisar de onde vieram os africanos que chegaram ao Brasil e as principais tribos indígenas que aqui habitavam. Figura 2: Jesuítas e padres na colônia Fonte: Disponível em maniadehistoria.word- press.com. Acesso em: 01/07/2009 ► GLOSSÁRiO estamento (ou esta- mental): Estado em que pode cada um sub- sistir ou permanecer. Assembleia, congresso, parlamento. Figura 3: Jesuítas e padres na colônia Fonte: Disponível em http://www.mundo- educacao.com.br/.../ jesuitas.htm. Acesso em: 01/07/2009 ► 13 História - História do Brasil Colônia II Por força das necessidades da colonização, o gran- de proprietário teve sua autoridade natural sobre de- pendentes e vizinhos reforçada pela legislação que lhe concedia o monopólio dos cargos municipais, as pa- tentes militares com poderes de recrutamento e polícia sobre a população local, além de cargos burocráticos de caráter lucrativo ou honorífico. A aparente simplicidade desse modelo não esgo- ta, entretanto, a complexidade e a sutileza que resul- tavam da formação de uma sociedade escravocrata, superposta sobre a ibérica de tipo estamental - que já se modificava sob o impacto das transformações da Era Moderna. Ainda é preciso não esquecer que a sociedade ibérica, apesar de suas analogias com o resto da Euro- pa, apresentava peculiaridades oriundas do processo histórico da Reconquista, da presença da escravidão africana, da miscigenação racial e da existência de dis- criminações legais contra considerável parte da popu- lação, a saber, os “cristãos novos” (judeus convertidos), negros e mulatos. Um outro grupo social de enorme importância na formação e funcionamento do sistema colonial era a nobreza. Comprovada a condição de nobreza, o indivíduo passava a gozar de seus privilégios, dos quais lembramos como principais os que os isentavam de certos tributos, da obrigação de apre- sentar soldados, de penas infamantes quando condenados, além de lhe darem melhores condi- ções de prisão, processo e julgamento. Mas qual seria a condição básica para que um colono, português ou brasileiro, pudesse as- pirar à condição de “nobre”? O autor Luis da Silva P. Oliveira inicia suas considerações a respeito com sutil ironia, o que não diminui a veracidade das suas informações quando afirma: Como os ricos ordinariamente se fazem às Dignidades da Igreja, aos Postos de Milícia, aos Empregos da República, aos casamentos nobres, e tudo o que há de mais honroso na sociedade, com razão se costuma dizer, que a riqueza pro- duz o brilhantismo da Nobreza (OLIVEIRA, 1808, p. 120). Eis aí um resumo correto dos caminhos de ascensão social na colônia. A documentação municipal e a das confrarias e irmandades está repleta de referências a indivíduos “nobres”, que “vivem nobremente” ou “vivem à lei da nobreza”. Existe uma constante preocupação com o re- conhecimento desta qualidade que, como já vimos, abria as portas para o gozo do mais elevado diCA É importante lem- brar que os próprios europeus que aqui se instalaram eram, já na Europa, um povo mis- cigenado, o que torna mais complexa a nossa miscigenação. ◄ Figura 4: Nobre Fonte: Disponível em histoblogsu.blogspot.com. Acesso em: 01/07/2009 ◄ Figura 5: Nobreza Fonte: Disponível em bloggdehistoria.blo- gspot.com. Acesso em: 24/11/2010 14 UAB/Unimontes - 3º Período status social, além de garantir as posições de mando e de influência. Mas, em primeiro lugar, era preciso enri- quecer, e de forma menos degradante possível e, por isso, era importante abandonar, quanto antes, nos primeiros estágios do processo de ascensão social, qualquer atividade que lhe trouxesse a mancha do trabalho manual ou do comércio em retalho ou, como se dizia, “em loja aberta”. As condições sociais da colônia também reservavam discriminações das mais variadas, em especial no que se refere à situação de gru- pos considerados inferiores. A discriminação racial de que eram vítimas negros, mulatos e “cristãos-novos” afastava-os das posições que eram a marca da ascensão social. Mas, por outro lado, esta existia para alguns indivíduos que, com a posse de bens consi- deráveis, a aquisição de educação universitária, a obtenção de patente militar ou com a entrada para o estado eclesiástico rompiam as barreiras e, para escândalo de muitos, ocupavam aquelas posições que, como já vimos, implicavam nobilitação (KOSTER, 1941, p. 480). Para o negro e para o mulato, assim como para o branco pobre, além do trabalho manual em ofícios mecânicos ou do pequeno comércio, atividades que, como já vimos, eram degradan- tes, só restava a vida militar onde, engajados espontaneamente à força, adquiriam pelo menos posição social reconhecida. A massa de escravos e marginalizados, formada por negros, mulatos e mamelucos ou ca- boclos formava mais de dois terços da população, e a minoria branca tinha perfeita consciência de que o seu domínio só era mantido por um delicado compromisso entre a repressão pronta e violenta e as concessões paternalistas, que tanto impressionavam os observadores da sociedade brasileira. Mesmo com todas as distinções sociais que se davam na América Portuguesa, um ele- mento se faz importante: a questão da ascensão social. O processo de ascensão social, coroado com a obtenção de ordens honoríficas ou patentes militares, poucas vezes era completado em uma vida, pois, geralmente, apenas os filhos ou ne- tos gozavam o sucesso cujas bases haviam sido lançadas pelos pais ou avós. Poderia ter come- çado pela mancebia de uma escrava negra ou mulata com um branco que a alforriasse, ou com um escravo que comprassea liberdade, ou com um artífice enriquecido, mas o mais provável é que começasse com um comerciante português que, à custa das mais implacáveis economias, conseguira um cabedal considerável. Mas todos, para serem finalmente aceitos como membros do grupo dominante, deviam adquirir terras e escravos, para se tornarem senhores de engenho, criadores de gado ou fazendeiros de café ou, pelo menos, casar-se em família de proprietários de terras. diCA Você sabia que, mesmo com todas as relações de preconceito com o negro, ainda assim era possível a escravos buscarem uma melhor colocação na socieda- de? Figura 6: Elite colonial – senhor de engenho Fonte: Disponível em http://www.portalsao- francisco.com.br. Acesso em: 01/07/2009 ► Figura 7: Negros trabalhando na colônia Fonte: Disponível em novahistorianet.blogs- pot.com. Acesso em: 01/07/2009 ► 15 História - História do Brasil Colônia II Para os letrados, formados em leis por Coimbra, em Portugal, ou para funcionários mais gra- duados que vinham de Portugal para “fazer a América”, existia o caminho bem mais fácil, o do casamento com filhas de ricos proprietários, que muitas vezes procuravam “branquear a raça”, mesmo pela união com um imigrante pobre. Para todos aqueles que, pelas regras, valores e preconceitos predominantes seriam excluí- dos, como era o caso dos cristãos-novos, negros, mestiços, oficiais mecânicos, mercadores de loja aberta eram necessárias a cumplicidade, a tolerância ou a proteção da sociedade para que pu- dessem infiltrar-se nos círculos proibidos. É interessante lembrar, por fim, o importante papel do Estado como poder que sancionava ou rompia as regras do processo da mobilidade e que, em larga medida, dirigia a evolução da sociedade colonial, segundo seus objetivos de máximo aproveitamento dos recursos locais e ma- nutenção da ordem. 1.3 A colônia no mundo rural e no mundo urbano A dinâmica do funcionamento colonial revela aspectos bem interessantes. É importante no- tarmos que, mesmo com todas as questões levantadas acima, torna-se fundamental entender que diferentes universos sociais, políticos e geográficos implicam diversas formas de relações, como foi o caso do sistema colonial brasileiro. ATiVidAde Pesquise sobre o Estado Português entre os séculos XIV e XVII, procurando compreen- der como Portugal era uma força política na época. GLOSSÁRiO Cristãos-novos: Cris- tão-novo ou converso era a designação dada em Portugal, Espanha e Brasil aos judeus e muçulmanos conver- tidos ao cristianismo, em contraposição aos cristãos-velhos. ◄ Figura 8: Letrados ou intelectuais da época Fonte: Disponível em caferepublica.blog.com. Acesso em 01/07/2009 16 UAB/Unimontes - 3º Período O Brasil é conhecido pela sua enorme condição territorial, o que nos mostra uma variedade de formações sociais, a depender das regiões que se deram. Compreendê-las é fundamental para um melhor entendimento do funcionamento da América Portuguesa, ao longo dos três séculos de colonização. No que se refere ao mundo rural, as vilas tornaram-se meros apêndices desertos e tristonhos da grande propriedade e, se não desapareceram de todo, foi apenas porque a prudente políti- ca metropolitana exerceu grande pressão no sentido de reunir os povoadores dispersos. Perce- bendo as forças que atuavam na sociedade colonial, procurou conquistar pela persuasão os que queriam viver entre os indígenas e punir com advertências ou multas os “homens-bons” que se recusavam a participar das sessões das Câmaras e das procissões régias. A largueza da hospitalidade rural, indispensável pela falta de instalações adequadas para os viajantes, era um elemento a mais para o prestígio e força do proprietário. Era outra forma de ostentar uma das qualidades estimadas pelo sentido aristocrático da vida - a capacidade de dar e até de desperdiçar. O triunfo da grande propriedade como unidade produtora e social não resultou, entretan- to, na criação de uma classe genuinamente camponesa e, com certeza, foi responsável pelo seu atrofiamento. GLOSSÁRiO Agregado: Criado, ser- viçal. Aquele que vive em fazenda ou enge- nho alheio, cultivando certa porção de terra e prestando serviço ao proprietário alguns dias por semana, mediante remuneração; morador. ATiVidAde Faça uma pesquisa sobre o jesuíta Antonil (André João Andreo- ni) e as obras que ele publicou, retratando o funcionamento do sistema colonial. Figura 9: Mapa do Brasil no século XVI Fonte: Disponível em his- torianet.com.br. Acesso em 01/07/2009 ► Figura 10: Latifúndios no período colonial Fonte: Disponível em arteyartistas.word- press.com. Acesso em 01/07/2009 ► 17 História - História do Brasil Colônia II A impossibilidade de obter terras ou de conformar-se com o trabalho assalariado levava os menos favorecidos a aceitarem a condição de agregados, categoria constantemente criticada pe- los contemporâneos como preguiçosa, errante, suscetível e violenta, mas cujo desamparo e inse- gurança foram identificados por Saint-Hilaire: O único recurso que ao pobre cabe é pedir, ao que possui léguas de terra, a permissão de arrotear um pedaço de chão. Raramente lhe é recusada tal licen- ça, mas, como pode ser cassada de um momento para o outro por capricho ou interesse, os que cultivam terreno alheio e chamam-se agregados só plantam grãos, cuja colheita pode ser feita em poucos meses, tais como o milho e o fei- jão, não fazem plantações que só dêem ao cabo de longo tempo, como o café (SAINT-HILAIRE, 1938, p. 39-40). Agregados ou moradores, além de suprirem a propriedade com algum excedente de produtos de subsistência, prestavam serviços como garantir a posse pela sua mera pre- sença, levar recados e, sobretudo, servir como homens de armas para a defesa ou vingan- ça do senhor rural. O isolamento do agregado, sem família para apoiá-lo, a inexistência de laços comu- nitários com seus iguais, a ação do paternalismo do senhor rural estorvava a formação da noção do interesse coletivo que levasse a uma atuação reivindicatória consciente. Segundo Tollenare (1957), os moradores eram em geral mestiços de mulatos, negros livres e índios que trabalhavam pouco e cujas mulheres eram vítimas da exploração se- xual dos senhores de engenho, o que, por vezes, levava às vinganças sangrentas. Certo senhor de engenho não se afastava mais de ¼ de légua de sua casa por temor aos “mora- dores” que prejudicara (TOLLENARE, 1957, p. 95-96). Enquanto os agregados ou moradores representam uma categoria social constante em toda a colônia, tanto no campo como na cidade, as áreas açucareiras apresentavam uma estratificação social mais complexa, com a presença de lavradores com diversos graus de dependência do senhor de engenho e de artífices assalariados, além da massa escrava. A mais complexa descrição da economia e sociedade açucareiras do Nordeste pode ser en- contrada na obra de Antonil, escrita na primeira década do século XVIII, mas cujas informações são confirmadas por inúmeros cronistas e viajantes que o precederam e sucederam até a primei- ra metade do XIX. Ao definir a posição do empresário rural, proprietário da unidade produtora de açúcar - o engenho - com suas terras, escravos e instalações fabris, Antonil traça uma analogia com a no- breza metropolitana, o que, como já vimos, não é descabido, dados os princípios estamentais de que gozava. Assim dizia Andreoni: O senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se fôr, qual deve ser, homem de cabedal e govêrno, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino (ANDREONI, 1967, p. 139). ATiVidAde Faça uma pesquisaso- bre as principais formas de castigo e violência sofridas por escravos negros no Brasil. Figura 12: Senhor de engenho Fonte: Disponível em enci- clopedianordeste.com.br/ no va405.php. Acesso em: 01/07/2009 ▼ ◄ Figura 11: Grandes fazendas no período colonial Fonte: Disponível empal- ma1.no.sapo.pt .Acesso em 01/07/2009 18 UAB/Unimontes - 3º Período As vantagens econômicas e sociais e o poder garantidos pela condição de senhor de enge- nho explica porque tantos insistiam em erguer seus engenhos, mesmo quando não possuíam cabedais e capacidade para mantê-los. Lavradores e comerciantes enriquecidos obtinham cré- dito junto aos fornecedores de escravos e materiais para a construção do engenho, enquanto os artífices se dispunham a erguê-lo, mediante pagamento posterior, assumindo uma dívida imensa que as primeiras safras não conse- guiam pagar. Cronistas e memorialistas são unânimes em destacar a importân- cia da capacidade administrativa do senhor de engenho, que deve- ria patentear-se numa cuidadosa economia e na habilidade diplomá- tica no trato com fornecedores de cana, vizinhos e dependentes. Elemento onipresente na so- ciedade colonial, o escravo africa- no teve sua importância ressaltada na clássica definição: Os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Bra- sil não é possível fazer conservar e aumentar a fazenda, nem ter enge- nho corrente (ANDREONI, 1967, p. 159). Desempenhando as mais di- versas funções, desde as mais sim- ples da lavoura, passando pelos trabalhos domésticos e ofícios me- cânicos até os de maior responsa- bilidade, como purgador, mestre de açúcar ou feitor, o escravo era peça fundamental na economia do engenho. Figura 14: Escravo negro Fonte: Disponível em antigasternuras.blogs- pot.com. Acesso em: 01/07/2009 ► Figura 13: Vendas no período colonial Fonte: Disponível em http://oglobo.globo.com. Acesso em: 01/07/2009 ► 19 História - História do Brasil Colônia II No entanto, os testemunhos contemporâneos são unânimes em lembrar a crueldade com que eram tratados por seus senhores, que lhes negavam até alimento e vestuário, além de lhes infligir maus tratos e castigos constantes. Mesmo o costume de permitir o plantio de roças para si mesmos nos domingos e feriados, tão exaltados por alguns viajantes e historiadores, nada mais era do que uma forma de poupar despesas com alimentos. O excesso de castigos levava à fuga, ao suicídio ou ao assassinato do senhor. Outra preocu- pação aconselhada era a de não afastar o escravo do ofício em que estivesse treinado; do contrá- rio, poderiam morrer de melancolia (ANDREONI, 1967, p. 160-2). Os mulatos eram considerados os escravos mais inteligentes e ativos, embora orgulhosos e violentos. O maior perigo era a sua capacidade de insinuar-se até dominar seus senhores, o que Antonil atribuía à parcela de sangue branco que possuíam, acrescentando: “O Brasil é o inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos e mulatas (ANDREONI, 1967, p. 160). ATiVidAde Faça uma pesqui- sa sobre o viajante Saint-Hilaire e sobre outros viajantes que vieram para o Brasil e retrataram o cotidiano colonial. ◄ Figura 15: Escrava negra Fonte: Disponível em blogtribuna.com.br. Aces- so em: 01/07/2009 ◄ Figura 16: A violência na escravidão Fonte: Disponível em http://www.vetoradm. com.br. Acesso em: 01/07/2009 20 UAB/Unimontes - 3º Período A tática de encorajar com certa consideração e, possivelmente, com algum trabalho mais es- pecializado, os escravos que aprendessem o português e cumprissem algumas práticas católicas, resultou na fervorosa adesão dos mesmos a muitas confrarias religiosas de negros e mulatos. A região açucareira, que pouco mudou até os fins do século XIX, conheceu o modelo mais estruturado de sociedade colonial e as variações regionais, ditadas por diferentes atividades pro- dutivas, tenderam sempre à sua reprodução, desde que as condições permitissem. A sociedade dos engenhos, que representa o tipo clássico mais hierarquizado e duradou- ro de nossa história, foi característica das regiões açucareiras da Bahia, Pernambuco e capitanias vizinhas. O desenvolvimento tardio da produção açucareira no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde só se intensificou no século XVIII, resultou em formas mais flexíveis e menos hierarquizadas. Entretanto, não apenas no mundo rural se deram as relações sociais na colônia. Outro im- portante universo social e político foi fundamental para a organização da América Portuguesa: o mundo urbano. Entre os grupos sociais que compunham o espaço urbano, podemos enfatizar alguns. Os co- merciantes são um exemplo importante. Acima dos artífices, achavam-se os comerciantes, cuja importância variava de acordo com o caráter e extensão das trocas que realizavam. Excluindo os escravos de ambos os sexos, que co- merciavam por conta de seus amos desde produtos agrícolas, animais, doces, salgados, refrescos, carnes, até artigos manufaturados como tecidos e bordados, temos em lugar os pequenos mer- cadores das vendas. Estas, que podiam estar instaladas também à beira das estradas, realizavam um pobre comércio de produtos alimentícios, velas, fumo, cordas e aguardente de cana, todos de origem local. ATiVidAde Faça uma pesquisa sobre a formação da pecuária na região sul do Brasil e no norte de Minas, e procure avaliar as principais diferenças dessa atividade econô- mica nas duas regiões. GLOSSÁRiO Sertão: Zona pouco povoada do interior do Brasil, em especial do interior semi-árido da parte norte-ocidental, mais seca do que a caa- tinga, onde a criação de gado prevalece sobre a agricultura, e onde perduram tradições e costumes antigos. Sertanejo: Do sertão. Que habita o sertão. Rústico, agreste, rude. Forros: Ex-escravos; aqueles escravos que conseguiam a liberda- de, deixando a antiga condição de cativo. Figura 18: As cidades na colônia Fonte: Disponível em professorataniavieira. blogspot.com. Acesso em 01/07/2009 ► Figura 17: O trabalho na economia açucareira Fonte: Disponível em http://www.mundoedu- cacao.com.br. Acesso em: 01/07/2009 ► 21 História - História do Brasil Colônia II Os comerciantes eram, geralmente, de origem portuguesa come- çando sua carreira como caixeiros de parentes ou contemporâneos que, dificilmente, aceitavam brasileiros para essas funções. Os Comerciantes começavam como humildes donos de vendas ou mascates, economizando sem tréguas, ampliavam seus negócios, em- prestavam a juro até enriquecer. Saint-Hilaire descrevia o processo: Enquanto os brasileiros dissipam negligentemente tudo quanto possuem, os europeus economizam soldo a soldo, passando por todas as privações a fim de conseguir fortuna. A primeira coisa que ar- ranjam é uma negra, que sirva ao mesmo tempo de cozinheira, amasia, lavadeira, arrumadeira e até para carregar água e lenha, trabalho que os ameri- canos só entregam a escravos homens (SAINT-HI- LAIRE, 1938, p. 113). Em meados do século XVIII, além de possuir lojas, os comerciantes faziam transações em comissão com o Reino, a África, Minas Gerais e Ín- dia, emprestavam dinheiro a juro e administravam contratos de rendas reais. José Antônio Caldas classificava os comerciantes em cinco catego- rias de acordo com suas posses, capacidade mercantil, matrícula como negociante, natureza dos negócios, origem e destino das mercadorias que enviavam (CALDAS, 1951, p. 525-533). No processo de ascensão social, passo importante para os comer- ciantes era tornar-se homem de negócio ou negociante de grosso trato, deixando de servir aos fregueses no balcão, para fazer transações por atacado e financiar atividades agrícolas ou comerciais. O grande surto comercialque acompanhava a descoberta e explo- ração do ouro reforçou, ainda mais, a posição dos negociantes em todas as partes da colônia. Ainda que os grupos urbanos continuassem em situação de inferio- ridade frente aos rurais, ao findar o período colonial, um número consi- derável de comerciantes portugueses partilhava das posições de mando e se integrava na sociedade local. 1.4 As dinâmicas, o “antigo regime nos trópicos” e as diferenças regionais O funcionamento do sistema colonial deu-se por meio de variadas dinâmicas, tendo em vis- ta que Portugal procurou estabelecer uma forte estrutura de poder sobre a colônia. Esta, por sua vez, imprimiu um ritmo próprio de funcionamento, já que algumas características colocaram a colônia em choque com a metrópole. Um dos elementos que tornava ainda mais dinâmica a relação entre Brasil e Portugal eram as diferenças regionais. A partir delas, é possível compreender como, aos poucos, o sistema colo- nial foi se tornando inviável, mesmo que ainda não fosse possível romper os laços que uniam as duas nações. Essas diferenças regionais nos permitem entender o quanto o Brasil se construiu por meio de um universo plural e dinâmico, o qual chamamos de “Brasil Colônia”. diCA É importante lembrar que as regiões do sertão no Brasil foram realmente muito utili- zadas para a pecuária, além do fato de que se tornaram espaço para variadas relações de violência. ▲ Figura 19: Comércio na colônia Fonte: Disponível em http://www.eja.org .br. Acesso em: 01/07/2009 22 UAB/Unimontes - 3º Período Além da separação entre universo rural e urbano, percebemos outras relações sociais, eco- nômicas e políticas, como foi o caso da pecuária e das relações sociais que se deram nos sertões do Brasil. Ainda que a sociedade colonial de quase todo o Brasil fosse baseada na grande propriedade e no binômio senhor-escravo, a variação das atividades econômicas e das condições locais criou, por vezes, condições para que surgissem relações de produção e estruturas sociais diferentes das já descritas. A formação social mais frequente e dispersa por todo o país, de norte a sul e pelo centro -oeste, foi a que se ligava às atividades pastoris. ATiVidAde Pesquise sobre o Qui- lombo dos Palmares e o papel de Domingos Jor- ge Velho na destruição do mesmo. Figura 20: Minas gerais na colônia – diamantina (beco do Mota) Fonte: Disponível em http://www.cmpp.com.br. Acesso em: 02/07/2009 ► Figura 21: Capitania de Pernambuco Fonte: Disponível em http://pernambuco- beat.com. Acesso em: 02/07/2009 ► Figura 22: A pecuária na colônia Fonte: Disponível em http://www.brasiles- cola.com. Acesso em: 02/07/2009 ► 23 História - História do Brasil Colônia II Desde a instalação dos primeiros núcleos coloniais, ao lado da agricultura, surgiu a criação de gado, que, encontrando condições ideais de expansão, viria a ser o suporte básico e motor do povoamento do país. Introduzido pelos donatários e governadores, o gado expandiu-se, de forma espontânea ou organizada, a partir de três núcleos principais: São Vicente, Bahia e Pernambuco. Do planalto paulista atingiu os Campos de Curitiba e os pampas do Rio Grande do Sul, onde, depois de pro- pagarem-se como gado selvagem, caçado aos milhares por índios e brancos, apenas para apro- veitamento do couro, tornou-se importante produto de subsistência no período da mineração. Mais tarde, o gado sulino chegaria, também, ao Mato Grosso, onde a atividade pastoril viria a subsistir, no fim do século colonial, à mineração decadente. A pecuária foi grande recurso dos que, não possuindo cabedal para adquirir escravos, nem influência para obter sesmarias, encontraram uma atividade que lhes permitia, em alguns anos, obter alguma estabilidade econômica ou, até mesmo, ascensão social. Ali, predominou o traba- lho livre de elementos mais ou menos marginalizados pela economia escravista que, como assa- lariados ou associados dos fazendeiros, conseguiram, por sua vez, ter sua própria fazenda, sem necessidade de capital inicial. Na fase inicial da implantação, dificilmente o fazendeiro possuía capitais para a aquisição de escravos, além do fato de que as condições de vida e trabalho no sertão, com perigo de animais ferozes, ataques indígenas, assaltos de criminosos fugidos, exigia uma participação mais interes- sada dos trabalhadores. O vaqueiro foi o tipo social básico do sertão. Os sertanejos eram, geralmente, mulatos, mamelucos, pretos forros e índios mansos, que encontravam nesta atividade um modo de vida áspero, mas livre de controles e castigos, além da esperança da ascensão social. Por isso, atraiu os marginalizados do litoral, que para lá fugiam, por razões econômicas ou para escapar à justiça por crimes cometidos. Essa circunstância, aliada às necessidades de lutas contra os índios e ao abandono a que foi relegada a região pelas autori- dades metropolitanas, por largo tempo, deu origem à violência costumeira do sistema de justiça privada. O homem do sertão aprendia a defender-se de todos os perigos e a fazer frente à justiça com as próprias mãos, criando um código de honra próprio, em que os agravos e disputas eram resolvidos no âmbito particular, com auxílio de familiares e dependentes. Na região de São Paulo e suas vilas, percebemos um grupo social de enorme importância na estrutura da vida colonial: os bandeirantes. Na capitania de São Vicente, na vila de São Paulo e adjacências, surgiu, desde o início do povoamento, uma sociedade baseada no apresamento de índios e pesquisa de metais preciosos. Premidos pela pobreza da região, onde a distância dos centros mais desenvolvidos e as dificulda- des de comunicação com o litoral impedira a agricultura comercial, seus habitantes voltaram-se para a captura de escravos indígenas. Estes foram utilizados como mão de obra na lavoura de subsistência, nas atividades artesanais, no transporte de cargas e revendidos no Rio de Janeiro e na Bahia. ◄ Figura 23: Criação de gado no sul do Brasil Fonte: Disponível em http://www.joelfmachado. blogspot.com. Acesso em: 02/07/2009 24 UAB/Unimontes - 3º Período Intensamente mesclados com a população indígena, os bandeirantes absorveram gostos e hábitos da raça materna, tornando-se os maiores exploradores do sertão. Em 1690, um informan- te anônimo, ao aconselhar o recurso aos paulistas para combater indígenas dos sertões nordesti- nos, dizia: Sua Magestade podia se valer dos homens de São Paulo, fazendo-lhes honras e mercês, que as honras e interesses facilitam os homens a todo perigo, porque são homens capazes para penetrar todos os sertões por onde andam continua- mente sem mais sustento que caças do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de vários paus, e não lhes é molesto andarem pelos sertões anos e anos, pelo hábito que têm feito aquela vida (ABREU, 1954, p. 191). A própria economia de subsistência e a pequena propriedade libertaram o bandeirante dos cuidados e exigências da lavoura açucareira. O objetivo econômico é constantemente lembrado na documentação, nos eufemismos obrigatórios, dada à proibição régia do cativeiro indígena, usados para designar suas atividades como: “Buscar o remédio para a sua pobreza”, “buscar o seu remédio”, “buscar a sua vida” ou o “seu modo de lucrar” (ELLIS, in HOLANDA, 1963, p. 281). Domingos Jorge Velho, famoso bandeirante conquistador dos sertões do Piauí, contratado para combater indígenas no nordeste e os negros do quilombo dos Palmares, assim descrevia e justificava, em 1694, suas atividades, alegando que as tropas não recebiam soldo régio e São umas agregaçoens, que fazemos alguns de nos entrando cada hã com os servos de armas que tem e juntos imos ao sertão deste continente não para ca- tivar {...} senão adquirir o Tapuia gentio brabo ecomedor de carne humana p.a o reduzir ao conhecimento da urbana, e humana sociedade. {...} e desses assyadqueridos, e reduzidos, engrossamos nossas tropas, e com el- les guerreamos a obstinados e renitentes a se reduzirem: e se ao despoiz nos servimos dellesp.a as nossas lavouras; nenhuma injustiça lhes fazemos; pois tanto he para os sustentarmos a elles e a seyus filhos como a nós e aos nossos; e terminava, alegando que se lhes ensina plantar o que não sabiam fazer por si (ENNES, 1938, p. 205). À época de Domingos Jorge Velho, o bandeirismo de apresamento (as bandeiras que busca- vam capturar índios) já estava em plena extinção, predominando a forma de contrato, na qual os paulistas eram contratados pelas autoridades coloniais para realizar tarefas específicas, como a pacificação dos índios. Realizadas as tarefas, muitos bandeirantes se estabeleceram como criado- res de gado nos sertões baianos, alagoanos e piauienses. Até meados do século XVIII, terminadas as descobertas do ciclo minerador, os bandeirantes haviam cumprido sua missão histórica de exploradores do “hinterland” brasileiro, em que desco- briram riquezas, abriram caminhos, garantiram a posse de territórios, mas, também, despovoa- ram pelo massacre e captura dos índios as regiões anexadas. Figura 24: Capitania de São Vicente Fonte: Disponível em novomilenio.inf.br/santos/ mapa17a.htm. Acesso em: 02/07/2009 ► 25 História - História do Brasil Colônia II A reconstituição da sociedade bandeiran- te revela sua pobreza e simplicidade, onde a pequena e média propriedade não proporcio- naram condições para o surgimento de gran- des diferenças de fortuna. Ao lado da agricul- tura, o paulista exercia atividades artesanais e comerciais, às quais renunciava simbolicamen- te quando assumia os cargos na Câmara. Mesmo as mulheres se adaptavam à rusticidade de costumes, não vivendo na indolência que caracterizava as senhoras de engenho, pois, enquanto os maridos percorriam o sertão, por anos seguidos, elas administravam suas propriedades. O poder dos bandeirantes era medido pelo número de índios que os seguiam, sendo conhe- cidos como “homens de muitos arcos”, o que lhes dava certo caráter guerreiro. Utilizados na cap- tura de outros indígenas, combateram também piratas, invasores franceses e holandeses, negros aquilombados e inimigos pessoais. Caso semelhante às lutas de família do nordeste foi a guerra entre os Pires e os Camargos, que perturbou a vida paulista nas décadas de 1640 e 1650, e só terminou com provisão régia que dividiu o governo da vila entre as duas facções (TAUNAY, 1927). A descoberta do ouro dispersou os bandeirantes pelos arraiais de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, nas áreas pastoris da Bahia, do Paraná e do Rio Grande do Sul, onde se tornaram minera- dores, comerciantes, agricultores ou criadores de gado. Os remanescentes voltaram-se para a agricultura de subsistência e para o comércio de gado bovino e muar que traziam do sul para Minas Gerais. Com essas atividades, acumularam o pe- queno capital com que se lançaram, a partir das últimas décadas do século XVIII, à implantação da agricultura de exportação de açúcar, mais tarde substituída pelo café. Aos velhos paulistas, juntaram-se comerciantes, militares e advogados portugueses, for- mando uma “elite” dinâmica e aberta, menos presa aos velhos preconceitos e rotinas e à qual ca- beria iniciar os primeiros passos da arrancada econômica do século XIX (HOLANDA, 1963, p. 456). ▲ Figura 26: Os bandeirantes na colônia Fonte: Disponível em http://www.portalsaofran- cisco.com.br. Acesso em: 04/07/2009 ◄ Figura 25: Os bandeirantes na colônia Fonte: Disponível em http://www.achetudoe- regiao.com.br/atr/Bandei- rantes.htm. Acesso em: 04/07/2009 26 UAB/Unimontes - 3º Período Referências ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial. 4. ed. Rio de Janeiro: Sociedade Capistra- no de Abreu/Livraria Briguiet, 1954. ANDREONI, João Antônio (André João Antonil). Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1967. CALDAS, José Antônio. notícia geral de toda esta capitania da Bahia desde seu descobri- mento até o presente ano de 1759. Salvador: Editora Fac-Similar, 1951. ELLIS, Myriam. As bandeiras na expansão geográfica do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo I. v. 1. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963. ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares. v.1. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938. FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 18. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1977. HOLANDA, Sérgio Buarque de (Dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo I. v. 1. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963. KOSTER, Henry. Viagens ao nordeste do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1941. OLIVEIRA, Luís da Silva Pereira. Privilégios da nobreza e fidalguia de Portugal. Lisboa, 1808. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e São Paulo. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938. TAUNAY, Affonso de E. Histórias seiscentistas da Vila de São Paulo. Tomo segundo. São Paulo: Typ. Ideal, 1927. TOLLENARE, L. F. notas dominicais. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957. VIANA, Oliveira. instituições políticas brasileiras. 3.ed. v. 1. Rio de Janeiro; São Paulo: Distribui- dora Record, 1974. 27 História - História do Brasil Colônia II UnidAde 2 A mineração e o sistema colonial no século XVIII 2.1 Introdução A descoberta do ouro na região centro-sul da colônia provocou importantes transformações nas relações sociais e políticas que se davam entre Brasil e Portugal. A economia mineratória aumentou o fluxo das riquezas que circulavam na região, levando Portugal a aumentar o seu interesse pela exploração e administração das Minas. Nesse sentido, a colônia viu aumentar a sua capacidade produtiva, bem como se percebeu uma maior integração entre as várias regiões da colônia, especialmente em função do abastecimento das Minas. Contudo, a região das Minas e outras regiões do Brasil, também, presenciaram um novo mo- mento histórico, que consistia no início do desgaste das relações entre a colônia e a metrópole. Aos poucos, o século XVIII foi presenciando a crise do sistema colonial, que acompanhava a crise do antigo regime europeu. Esta segunda unidade pretende compreender o papel de Minas Gerais nesses dois aspectos: no momento do auge do ouro, compreendendo, assim, o funcionamento da exploração do ouro, bem como o momento onde tais relações começam a entrar em crise, em especial pelo fato de Portugal criar um sistema administrativo específico para as Minas. Tal administração levou a re- voltas, acentuando a crise das relações coloniais. Para tal intento, esta unidade está dividida nos seguintes tópicos: • A economia mineratória e o papel de Minas Gerais; • O ouro e as relações escravistas; • O ouro e a administração colonial portuguesa; • Minas Gerais e as contradições do sistema colonial. 2.2 A economia mineratória, as relações sociais e o papel de Minas Gerais “A exploração de metais preciosos teve importantes efeitos na metrópole e na colônia. Na metrópole, a corrida do ouro provocou a primeira grande corren- te imigratória para o Brasil. Durante os primeiros sessenta anos do século XVIII, chegaram de Portugal e das ilhas do Atlântico cerca de 600 mil pessoas, em média anual de 8 a 10 mil, gente da mais variada condição, desde pequenos proprietários, padres, comerciantes, até prostitutas e aventureiros (FAUSTO, 2002, p. 98). Apesar das grandes distâncias a serem vencidas e dos obstáculos oferecidos pelo relevo, a notícia da descoberta de ouro espalhou-se rapidamente, atraindo milhares de colonos e de rei- nóis para a região. Em Portugal, a ‘febre do ouro’ atingiu tal proporção que obrigoua Coroa a limitar a emigra- ção de seus súditos, a partir de 1720. Logo surgiram povoados, roças, igrejas. A região do ouro teve um rápido crescimento, criando um polo econômico novo e dinâmico no interior da colônia. 28 UAB/Unimontes - 3º Período Deslocando o eixo econômico brasileiro do nordeste para o centro-sul, a economia minera- tória traz novas perspectivas para a metrópole portuguesa. Com a mineração, inicia-se uma ex- ploração intensa do território brasileiro, onde Portugal se dedica a extrair da colônia o máximo de lucros com metais preciosos. O estado de Minas Gerais apresenta grande destaque nessa economia; afinal, o auge da mineração na colônia se dá nessa região, revolucionando o estado, tanto no campo econômico quanto no político e cultural. A atividade primordial passa a ser, então, a extração de riquezas preciosas, relegando as outras atividades coloniais a segundo plano. Figura 27: Homens trabalhando na exploração do ouro Fonte: Disponível em http://www.cprm.gov.br. Acesso em: 04/07/2009 ► Figura 28: Mapa de Minas Gerais na Colônia Fonte: Disponível em http://www.scielo.br/ img/revistas/rbh/v27n53/ a06map1.jpg. Acesso em: 04/07/2009 ► 29 História - História do Brasil Colônia II Não foi apenas no campo econômico que se fizeram sentir as grandes mudanças na colônia com a atividade mineratória. Politicamente, percebemos algumas alterações, como a mudança da capital do país, que é transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, um centro mais próximo da área mineratória. Ao contrário da atividade açucareira, que tinha um caráter estritamente rural, no caso des- sa nova economia, percebemos que seu caráter é mais urbano, auxiliando inclusive na intensi- ficação do comércio. A sociedade também apresenta alguns caracteres distintos da economia anterior: aqui se percebe uma maior diversidade social. No ano de 1702, é criada a Intendência das Minas, com o objetivo de controlar a produção do ouro e cobrar tributos, bus- cando um controle cada vez maior para evitar o contrabando. Quando se encontrava um novo depósito de ouro, o fato deveria ser comunicado à Intendência, que mandava funcionários ao lo- cal para fazer a demarcação de terras. A forma como se procedia à cessão dos direitos de exploração do ouro revela que as autori- dades procuravam estimular a descoberta de novas jazidas. Podemos perceber, também, que a Coroa tratava de forma diferenciada os grandes mineradores, proprietários de muitos escravos, preparados para extrair da terra grandes quantidades de minério. Parte desse ouro revertia a Portugal, na forma de imposto. Já no ano de 1720, são criadas as Casas de Fundição, onde o ouro seria transferido para barras. Todo esse aparato era cria- do buscando-se acabar ou pelo menos solucionar em parte o alto índice de contrabando do ouro na colônia.O contrabando do ouro envolvia toda a sociedade: clérigos, autoridades, mine- radores e escravos. São famosas as histórias dos ‘santos de pau oco’, imagens de madeira, ocas por dentro, feitas especialmente para ocultar o metal precioso. Figura 30: Carlos Julião Fonte: Disponível em http://www.multirio. rj.gov.br Acesso em: 04/07/2009 ▼ ◄ Figura 29: Mapa da articulação econômica da Colônia em torno da mineração Fonte: Disponível em http://www.scielo.br e http://www.klepsidra.net/ klepsidra4/tropeiros.html Acesso em: 04/07/2009 30 UAB/Unimontes - 3º Período Os impostos criados por Portugal para extrair e lucrar ao máximo na atividade mineradora são diversos. O quinto é um deles, onde seria tributado um percentual de 20% sobre o ouro que passava pelas Casas de Fundição. Outros exemplos de impostos nesse setor é o finto, que esta- belecia uma quantia anual de 30 arrobas, e a capitação, que determinava um valor devido por número de escravos utilizados por determinado proprietário na região que este se propunha à extração. No ano de 1734, Portugal estabelece uma quantia anual de 100 arrobas que deveria ser co- brada à colônia; caso este piso não fosse atingido, deveria ser aplicada a derrama, onde se busca- va – inclusive através da violência – o pagamento da “dívida” dos colonos para com a metrópole. A extração de ouro e diamantes deu origem à intervenção regulamentadora mais ampla que a Coroa realizou no Brasil. O governo português fez um grande esforço para arrecadar os tributos. Tomou também várias medidas para orga- nizar a vida social nas minas e em outras partes da colônia, seja em proveito próprio , seja no sentido de evitar que a corrida do ouro resultasse em caos (FAUSTO, 2002, p. 99). A sociedade que se implantou nos núcleos auríferos de Minas Gerais, ainda que subordina- da ao modelo já existente na colônia, desenvolveu algumas características peculiares. A primeira corrida de ouro da História (Boxer, 1963, p. 58), magistralmente descrita por An- tonil, com todos os lances trágicos que resultaram da súbita chegada de milhares de aventurei- ros de todas as partes, criou de início uma sociedade anárquica, violenta e desregrada. Cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e estrangeiros, para pas- sarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos muitos dos quais não tem no Brasil convento nem casa (ANDREONI, 1967, p. 264). As peculiaridades da extração do ouro, a despeito das vantagens óbvias que beneficiavam os ricos possuidores de escravos que assim obtinham as datas auríferas, deixavam certa margem à sorte, o que abriu caminho para muitos desfavorecidos. A necessidade de abastecimento deu importância primordial às atividades comerciais, que se encarregavam de trazer gado, ali- mentos, roupas, ferramentas, e arti- gos exportados de regiões próximas e longínquas para revendê-los aos moradores. Também a agricultura de subsis- tência e, mais tarde, a do algodão e da cana para a fabricação de tecidos grosseiros e aguardente, aliada à cria- ção de porcos e aves, proporcionou grandes lucros aos que forneciam es- ses artigos indispensáveis. Na mineração, os escravos con- seguiram acumular o suficiente para a compra da liberdade, com ouro desviado ou pela concessão feita pe- los senhores do excedente das quo- tas diárias. Para as mulheres, existia ainda o caminho da prostituição forçada ou imposta pelos senhores, o que lhes permitia algumas sobras para a alforria. “O governador Manoel da Fon- seca Azevedo denunciava, em 1732, os vendeiros que, nas suas tabernas, mantinham verdadeiros bordéis dis- farçados, enquanto outros enviaram ATiVidAde Pesquise sobre as principais formas de contrabando do ouro na região das Minas. Pesquise sobre o funcionamento das Casas de Fundição e as consequências que as mesmas geraram nas Minas. diCA Você sabia que o abas- tecimento das Minas se tornou fundamental depois da descoberta do ouro? Tal questão permitiu uma maior integração da colônia depois da economia mineratória. Figura 31: Escravos trabalhando nas minas Fonte: Disponível em http://www.eb23- diogo- -cao.rcts.pt/ Trabalhos/ bra500/ouro.htm Acesso em: 04/07/2009 ► 31 História - História do Brasil Colônia II escravas às lavras com pretexto de vendas de suas quitandas” (TORRES, 1965, p. 90). A falta de mulheres brancas ocasionou intensa miscigenação e consequente surgimento de mula- tos, geralmente libertos que, graças ao exercício dos ofícios artesanais muito desenvolvidos em Minas Ge- rais, chegaram a formar uma espécie de classe média. Ainda que a tendência fosse pela sua exclusão das posiçõesnobi- litantes, no que se refere às ativida- des artesanais, tornaram-se o grupo mais expressivo. O caráter mais urbanizado, o gosto pelo luxo dos mineradores fe- lizes, a competição das irmandades religiosas organizadas segundo as barreiras de cor e classe, o orgulho das Câmaras proporcionaram excelente mercado para móveis, roupas, boas casas, igrejas belíssi- mas e música para entretenimento. A sociedade mineradora criou condições para o florescimento da criação artística no campo da arquitetura, escultura, pintura, música e literatura onde, com exceção da última, privilégio dos letrados, destacaram-se negros e mulatos. As câmaras organizavam, periodicamente, leilões públicos para o serviço de música da cida- de, que eram arrematados pelo candidato que melhor coro e orquestra apresentassem. Todas as festividades cívicas eram abrilhantadas por concertos de música de câmara ou re- ligiosa. Nesse campo, as irmandades costumavam encomendar peças novas para ocasiões sole- nes, o que estimulou a criatividade de inúmeros compositores como José Joaquim Américo Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha, Inácio Parreiras Neves, Marcos Coelho Neto, e muitos outros que ficaram anônimos. O excesso de músicos mulatos que irritava o Desembargador José João Teixeira Coelho, em 1780, foi responsável por uma tradição musical em Minas Gerais, que se prolongou muito depois da decadência das atividades mineradoras (COELHO, 1888, p. 458). A já mencionada rivalidade das irmandades, responsáveis pela construção de templos, pe- los sepultamentos e pela assistência social, dada à proibição da instalação de ordens religiosas, deu grande impulso à arquitetura e escultura, onde se destacou a obra genial do mulato Anto- nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Em sua longa vida, desenhou igrejas e esculpiu estátuas e ornamentos para os templos, sempre utilizando a plasticidade da “pedra-sabão”, deixando para os pósteros um dos mais belos exemplos da arte barroca na América. Ao findar o período colonial, se, à primeira vista, a sociedade brasileira dividia-se entre se- nhores e escravos, examinada mais de perto, revelava certa mobilidade possibilitada pelo enri- quecimento. Embora determinações legais sancionassem preconceitos sociais e estamentais, as necessidades da colonização abriram caminhos para a ascensão social dos mais empreendedo- res ou protegidos. ◄ Figura 33: O espaço urbano das minas Fonte: Disponível em http://cidademuseu. blogspot.com. Acesso em: 04/07/2009 ◄ Figura 32: Escravos nas minas Fonte: Disponível em http://www.multirio.rj.gov. br Acesso: 04/07/2009 32 UAB/Unimontes - 3º Período 2.3 O ouro e a sociedade escravista É importante acentuarmos que a presença do trabalho escravo nas minas não excluía a for- ça dos trabalhadores livres nesse campo, afinal a presença desse grupo foi sempre muito impor- tante para a exploração do ouro nessas regiões. Como aconteceu na região da lavoura de cana-de-açúcar, aqui, na mineração, percebemos a formação de uma sociedade com características próprias. Percebemos uma sociedade um pouco mais ampla e diversificada que a sociedade do açúcar, afinal aqui não existiam apenas as figuras do senhor e do escravo, apresentando também uma numerosa classe média, o que nos faz notar que a sociedade era mais móvel nesse campo econômico, com a presença de atividades como os artesãos, médicos, contadores e prostitutas. Ao contrário da sociedade do nordeste açucareiro, essencialmente rural, a sociedade da região das minas era predominantemente urbana. Nas vilas, desenvolviam-se atividades tipica- mente urbanas, como o comércio e o artesanato. As ruas estreitas e sinuosas dos núcleos esta- belecidos em regiões serranas abrigavam oficinas de alfaiates, sapateiros, carpinteiros, tanoeiros, ferreiros e outros. Figura 35: Escravos trabalhando na economia mineratória Fonte: Disponível em http://www.eb23-diogo- -cao.rcts.pt.Acesso em: 04/07/2009 ► Figura 34: Escravos trabalhando na economia açucareira Fonte: Disponível em http://www.premium. klickeducacao.com.br Acesso em: 04/07/2009 ► 33 História - História do Brasil Colônia II Na base da sociedade estavam os escravos. O trabalho mais duro era o da mi- neração, especialmente quando o ouro do leito dos rios escasseou e teve de ser buscado nas galerias subterrâneas. Doenças como a disenteria, a malária, as infecções pulmonares e as mortes por acidente foram comuns. Há estimativas de que a vida útil de um escravo minerador não passava de sete a doze anos (FAUSTO, 2002, p. 102). Em relação à sociedade que se originou em torno da mineração, pode-se dizer, comparando com a sociedade açucareira, que ela foi mais liberal e permitia certa mobilidade social, já que uma pessoa com poucos recursos e um pouco de sorte podia enriquecer achando ouro. Este fa- tor, aliás, contribuiu para ampliar a população colonial, já que mais pessoas vinham para o Brasil tentar a sorte (inclusive mulheres), fato que gerou problemas demográficos em Portugal, que se viu obrigado a criar leis para limitar a emigração. Este aumento populacional terminou por resultar numa sociedade urbana que se viu de- pendente de outros segmentos produtivos e de prestação de serviços, fato que beneficiou ou- tras regiões como o Rio Grande do Sul e o norte de Minas, bem como possibilitou o surgimento de uma classe média colonial. Nesta sociedade, até mesmo os escravos tinham tratamento distinto dos que trabalhavam na indústria açucareira. Nesse sentido, se é verdade que a mineração matava mais que os enge- nhos, nas minas um escravo com sorte podia obter sua alforria contentando seu dono com a des- coberta de um bom filão de ouro. Além disso, em meio a uma sociedade urbana, poderiam ser utilizados em outras funções que não fosse só na mineração e até serem treinados para a prática do contrabando. No caso das negras, entre outras funções, era comum utilizá-las como escravas de ganho (praticavam pequeno comércio para seus senhores), além de serem empregadas no contraban- do de ouro e diamantes. ◄ Figura 37: A mulher na região das minas. Trabalho feminino na Mina de Morro Velho. Reprodução fotográfica Fonte: Disponível em http://www.portalsaofran- cisco.com.br. Acesso em: 05/07/2009 ◄ Figura 36: A grande circulação de pessoas na região das minas. Tropeiros da época da mineração retratados por Rugendas. As tropas de burros foram um recurso vital para a ocupação do interior iniciada pelos bandeirantes Fonte: Disponível em http://www.constelar.com. br/revista/edicao68/ban- deirantes1.htm Acesso em: 05/07/2009 34 UAB/Unimontes - 3º Período Quanto ao aspecto familiar, enquanto no nordeste observava-se o patriarcalismo, na re- gião central, embora ele também fosse predo- minante, não era raro o matriarcalismo, ou seja, mulheres à frente do controle familiar. Apesar da riqueza extraída, salienta-se que a maioria da população na região minera- dora vivia na miséria, já que os lucros obtidos com a exploração do ouro e dos diamantes acabavam se destinando a poucas pessoas na colônia, contrabandistas, a fazenda real por- tuguesa e, sobretudo, aos cofres ingleses. No mais, em uma sociedade que não primava pela produção agrícola, os problemas com a alimen- tação tornavam ainda mais precárias as condi- ções de vida da maioria das pessoas. A historiadora Laura de Mello e Souza sa- lientou a questão do enorme número de “des- classificados” que a região das Minas produziu. A riqueza, que parecia a regra, não o era na verdade. Vários grupos sociais, para a autora, eram os protagonistas da miséria que se via na região, tais como: padres infratores, prostitutas, feiticeiras e bandidos (SOUZA, 2005). Em artigo recente, destaca Laura de Mello e Souza: Nos primeiros tempos, faltaram gêneros paraalimentar a gente que despen- cava sobre as lavras. Mesmo que logo se organizassem roças, se tangessem boiadas e se erguessem moendas e monjolos, não chegava para tantos. Com a escassez veio a inflação, e uma testemunha contemporânea não deve ter exa- gerado muito quando disse que vários morreram com um punhado de ouro na mão sem ter espiga de milho para matar a fome. Fortunas se fizeram no con- trole do abastecimento alimentício, e o açambarcamento de carne esteve na origem de um dos primeiros conflitos, e dos mais graves, que marcaram o nas- cimento nas Minas: a guerra dos emboabas (1707-1709). (SOUZA, 2005, p. 38). Quem não tinha dinheiro, nascimento, tradição, fortuna, ou quem, no polo oposto, não con- tasse entre os que eram escravos e carregavam a produção nas costas, sofria na carne, mais do que ninguém, as contradições de uma sociedade esquartejada entre princípios ordenadores dis- tintos entre si e, não raro, contraditórios. Eram os que tinham posição definida na estrutura so- cial, não podiam ser identificados pela cor da pele ou pela ocupação, vivendo a cavaleiro de dois mundos, descartáveis a qualquer volta do caminho. Entre eles estavam os forros: negros como os escravos, mas livres como os brancos ou como os ricos, e difíceis de classificar, sobretudo do pon- to de vista dos europeus, que não conseguiam entender a sua ambiguidade. ATiVidAde Pesquise sobre o papel da mulher no processo de exploração do ouro e na região das Minas. Uma boa dica é pesqui- sar um pouco sobre a trajetória de Chica da Silva. ▲ Figura 38: A pobreza na região das minas Fonte: Disponível em http://www.leiturasdahis- toria.uol.com.br Acesso em: 05/07/2009 Figura 39: A pobreza na região das minas Fonte: Disponível em http://leiturasdahistoria. uol.com.br Acesso em: 05/07/2009 ► 35 História - História do Brasil Colônia II Desclassificados sociais foram, portanto, parte constitutiva da sociedade das Minas do século XVIII, pondo a nu a sua natureza iníqua. O ouro que dali se ex- traiu em grandes quantidades gerou mais riqueza na Europa do que em Por- tugal, e mais em Portugal do que nas Minas, onde o que ficou concentrou-se, seguindo a fórmula ainda hoje cara às nossas elites. Como disse um autor, “em meio a tanta riqueza, começamos a ser pobres” (SOUZA, 2005, p. 41). 2.4 O ouro, a administração colonial portuguesa e o início das contradições do sistema colonial O período de exploração do ouro na colônia foi responsável por dar um novo contorno às relações entre Brasil e Portugal. Nesse processo, a colônia, ao mesmo tempo em que se tornou mais interessante para a metrópole, por outro lado, também acabou por revelar algumas das contradições do próprio sistema de exploração portuguesa. A descoberta do ouro se apresentou como uma solução imediata para a crise econômica de Portugal diante das suas colônias. Nesse sentido, o sistema administrativo desenvolvido na co- lônia brasileira, durante o período aurífero, tinha por finalidade atender aos interesses da Coroa Portuguesa, desejosa de lucros e de ver aumentado o seu poder sobre o Brasil. O período da mineração, com as grandes descobertas das jazidas auríferas, foi marcado pelo aumento da exploração colonial e pelo claro aumento do controle político e administrativo por- tuguês na região das Minas. ◄ Figura 40: Os desclassificados (mendigos) Fonte: Disponível em http://www.baudeatmos- feras.blogspot.com Acesso em: 05/07/2009 ◄ Figura 41: Mapa do Brasil Colônia (Minas Gerais) Fonte: Disponível em http://www.historianet. com.br. Acesso em: 05/07/2009 36 UAB/Unimontes - 3º Período Segundo Caio Prado Jr., em seu livro História econômica do Brasil: O que estes aspiravam para sua colônia americana é que fosse uma simples produtora e fornecedora de gêneros úteis ao comércio metropolitano e que se pudessem vender com grandes lucros nos mercados europeus. Este será o objetivo da política portuguesa até o fim da era colonial. E tal objetivo ela o alcançaria plenamente, embora mantivesse o Brasil, para isto, sob um rigoroso regime de restrições econômicas e opressão administrativa; e abafasse a maior parte das possibilidades do país (PRADO Jr., 1979, p. 55). Raymundo Faoro, em seu livro Os donos do poder, publicado em 1958, aponta que o movi- mento expansionista pelo interior do Brasil teve como um importante centro irradiador a Capi- tania de São Vicente, onde a plantação da cana-de-açúcar, produto agrícola importante para o comércio português, não se desenvolveu, tendo os paulistas tomado outro rumo que lhes asse- gurasse vantagens econômicas e remediasse a pobreza da agricultura policultora e de subsistên- cia do planalto paulista. Desta forma, para Raymundo Faoro, formava-se uma poderosa camada de potentados, cujo poder vinha da força militar. Os funcionários metropolitanos tinham dificuldades em controlar a rebeldia das camadas dominantes na colônia. A Coroa portuguesa, que muitas vezes fechou os olhos à rebeldia nos sertões, passou, então, a não tolerar a indisciplina e a atuar no fortale- cimento gradual do poder real, principalmente depois das descobertas auríferas. Sendo assim, Raymundo Faoro defende a ideia de um sucesso na imposição da ordem pública e de uma eficá- cia do aparelho burocrático repressivo e fiscalizador na região das minas (FAORO, 1987). A política seria, daqui por diante, outra: o governo metropolitano calaria a insubmissão – o rei tomaria conta, diretamente, do seu negócio, negócio seu e não dos paulistas. O ciclo do ouro, no fim do século XVII, se conjuga com as medidas centralizadoras e absolutistas do Portugal res- taurado. Os paulistas ocupam os postos civis e militares, mas sob a direta vigilância do rei, dobra- dos ao organismo hierárquico, vertical, sob o domínio direto da Coroa. Acabam as transações, a tolerância e o pedido de favores em troca de honrarias. [...] O contexto é um só, ao norte e ao sul. O agente régio, reinol de nascimento, substitui o turbulento conquistador, caudilho e potentado. Primeiro, ele o assiste, ajudado como os seus meios. Depois, o controla, para, finalmente, dominá -lo e, se necessário, garroteá-lo (FAORO, 1987, p. 162-3). Ao analisar a administração portuguesa no Brasil, este autor afirma que, no início do século XVIII, a Coroa portuguesa introduziu uma série de medidas administrativas, com vistas a deter a anarquia e instaurar uma certa estabilidade nas zonas de mineração. Eram três os principais pro- pósitos dessas medidas: promover um governo eficiente no âmbito local e regional, administrar Figura 42: Mapa das regiões com maior exploração de ouro em Minas Gerais Fonte: Disponível em http://www.historianet. com.br. Acesso em: 05/07/2009 ► 37 História - História do Brasil Colônia II a justiça e aplicar a lei e, por último, cumprir as obrigações reais de defensor da fé. O instrumento fundamental dessa política era a elevação de vários povoados à categoria de “vilas”, que repre- sentavam a estabilidade, a manutenção da justiça e a presença da Coroa. Para o autor, o padrão característico de povoamento nas minas era de núcleos isolados a considerável distância um do outro, mas, com a criação das vilas, em Minas Gerais, a presença de esferas concêntricas de influência administrativa ajudou a diminuir esse isolamento e a aumen- tar a eficiência do controle administrativo efetivo. A fundação de vilas no interior do Brasil tinha como função ajudar na aplicação da lei e na instauração da ordem. Talvez o exemplo mais espetacular do bom êxito dessa política tenha vindo da Bahia. Entre 1710 e 1721, ocorreram em Jacobina 532 mortes por arma de fogo; nos quatros anos que se se- guiram à sua elevação à categoria de vila, em 1721, houve apenas duas mortes violentas, uma por faca e outra por espada. Por esses inúmeros aspectos, o governo
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