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Curitiba 2019 Educacao cidadã, diversidade e meio ambiente çã Faculdade Educacional da Lapa (Org.) Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. E24 Educação cidadã, diversidade e meio ambiente / organização Faculdade Educacional da Lapa – Curitiba: Fael, 2019. 1. Diversidade e inclusão 2. Sustentabilidade CDD 306 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Edição Aline CabralMariela Castro Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/Macrovector Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Responsabilidade social e ética | 7 2. Educação ambiental | 23 3. Sustentabilidade | 33 4. Cultura e diversidade | 41 5. Educação e cidadania | 63 6. Políticas públicas para a inclusão | 79 7. Libras como linguagem | 93 Prezado(a) aluno(a), A vida em sociedade no século XXI nos pede uma nova maneira de encarar nossas relações com o outro e com o trabalho, como também exige das empresas novas posturas, mais respon- sáveis e cuidadosas. Mais do que palavras de ordem ou inspiração para leis, termos como sustentabilidade, cidadania, inclusão e respeito à diversidade são anseios presentes entre todas as pessoas. Neste livro, você vai encontrar reflexões e análises impor- tantes acerca de assuntos que compõem uma das partes mais sen- síveis do nosso país. São conteúdos que discutem nossa história, e também o que se deseja para uma nação democrática, equili- brada e justa. Carta ao Aluno – 6 – Educação cidadã, diversidade e meio ambiente Você vai saber mais sobre a força da herança histórica na formação do povo brasileiro, compreendendo como a miscigenação e a escravidão de indígenas e africanos afetou profundamente o que é o Brasil hoje, como nação. Vai conhecer o que empresas estão fazendo para garantir o tripé da sustentabilidade - ter lucro, mas cuidando das pessoas e do meio ambiente – e implantar ações e atitudes éticas e efetivas de responsabilidade social, no dia a dia dos negócios. A educação ambiental, tão importante para compreendermos a exten- são das nossas pegadas no planeta, também é um componente para a for- mação de cidadãos conscientes. Nessa leitura, você também vai perceber que o respeito às diferenças se conquista não só com políticas públicas que garantam os direitos de minorias, mas muito com uma cultura de valorização da diversidade e da igualdade social. E isso passa pela criação de oportunidades que acompa- nhem as necessidades de grupos específicos. Essas necessidades podem ser educacionais, sociais, psicológicas – mas todas devem operar em torno da inclusão, aceitando o outro como diferente e ajudando-o em seus processos cognitivos e de socialização, sem deixa-lo à margem da sociedade da qual ele faz parte. Que esse livro possa servir de inspiração e alento para a construção de um Brasil com mais qualidade de vida, respeito às pessoas e ao meio ambiente, e busca coletiva de soluções para os problemas cotidianos. 1 Responsabilidade social e ética Responsabilidade social é um termo que surgiu na década de 1950 e ganhou notoriedade a partir da década de 1970, mas que nem sempre é explicado de maneira adequada ou compre- endido por todos. Para entender a questão, é preciso considerar que toda empresa possui uma área de atuação que, de alguma forma, impacta a sociedade e a comunidade em que está inse- rida. Empregos gerados, mudança na qualidade de vida das pes- soas, influência que o produto ou serviço exerce e consequências ambientais são alguns exemplos dos impactos inevitáveis que uma organização produz. Por isso, algumas empresas buscam adotar posturas e com- portamentos que possam gerar impactos positivos na sociedade. A esse compromisso, voluntário e não prescrito em lei, dá-se o nome de responsabilidade social e ética. Ela se caracteriza, de modo geral, pela criação de iniciativas que realizam atividades e ações positivas ou promovem a divulgação de ideias cujo resul- tado é algo interessante para a coletividade. Uma destinação Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 8 – consciente do lixo, com parcerias com cooperativas de reciclagem e que promova boas condições de trabalho para os envolvidos, é um exemplo de ação de responsabilidade social e ética. Por isso, as atividades e processos da empresa precisam conciliar três elementos: o exercício da profissão e o escopo da empresa; os princípios de responsabilidade ética e social; e as áreas do conhecimento envolvidas na questão. 1.1 Áreas de conhecimento e públicos de interesse Para entender a relação entre os três elementos, é necessário con- siderar que uma empresa tem sempre dois públicos principais, os cha- mados grupos de interesse ou stakeholders: o interno, que envolve a empresa em si, e o externo, que são outros grupos que se relacionam com a organização de alguma forma. Cada um desses grupos irá interagir com cada área do conhecimento de uma determinada maneira, gerando um resultado específico. A área administrativa relaciona-se diretamente com os programas que serão desenvolvidos. Esses programas, por sua vez, estarão ligados aos funcionários (público interno), porque serão executados por eles e terão suas normativas criadas a partir das possibilidades e necessidades deles. Em relação ao público externo, a área administrativa precisa se conectar com fornecedores e parceiros para descobrir formas mais ino- vadoras de executar seus processos e garantir que esses públicos também cumpram suas responsabilidades, assim como estar alinhada com o poder público para cumprir a legislação que proteja os direitos dos trabalhadores e o meio ambiente. Todos esses processos, se cumpridos de acordo com os princípios éticos e socioambientais, geram produtos positivos para a sociedade e para todos os envolvidos em cada um desses públicos. Já as Ciências Contábeis envolvem a redução de custos e aumento de lucros dentro de uma perspectiva sustentável. Por exemplo: a utilização de mão de obra com custos baixíssimos não é uma aplicação adequada, já que se vale da exploração da força de trabalho de outra classe. Insumos, – 9 – Responsabilidade social e ética matérias-primas e processos também devem passar por esse crivo, sendo produzidos ou executados a partir de princípios éticos. Gerir tudo isso em conformidade com os aspectos legais e adminis- trativos, bem como dos órgãos regulamentadores apropriados, é a área que se conecta com a Gestão Pública. Basicamente, trata-se de uma adminis- tração privada com foco nos moldes públicos e que se empenhe em evitar erros já cometidos antes ou em empresas do setor. Nada disso adianta se os funcionários da empresa trabalharem em más condições ou desmotivados, sem os devidos planos de carreira e incentivos gerais, não é mesmo? Por isso, os Recursos Humanos devem ser conduzidos sob uma perspectiva humanizada e que seja orientada com a intenção da valorizar o funcionário e manter o seu bem-estar. Qual é a diferença entre Recursos Humanos e Departamento de Pessoal? Durante muitos anos, as empresas tinham somente departa- mentos de pessoal e nem sempre setores de recursos huma- nos. No entanto, cada um tem características específicas. O departamento de pessoal lida com questões burocráticas, ligadas aos processos administrativos, e as providências referen- tes ao pagamento dos salários, controle de férias e afins. O setor de recursos humanos, por sua vez, busca promover uma relação saudável entre a empresa e seus funcionários, bem como o enga- jamento dos colaboradores com a atividade da empresa e bom relacionamento entre os departamentos e os parceiros externos. Fonte: https://www.catho.com.br/educacao/blog/departa- mento-pessoal-e-recursos-humanos-sao-a-mesma-coisa/ Todos esses dados e processos, no entanto, precisam estar sistemati- zadosem bancos de dados digitais e manejados em softwares adequados - isso aciona a área do conhecimento relacionada à Gestão de Tecnologia e Informação. Uma visão baseada na responsabilidade social refere-se à divulgação dos dados para a criação de uma comunicação efetiva com os públicos. Essa comunicação precisa ser feita internamente, para deixar setores inteirados das atividades correntes e que estão por vir; e externa- Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 10 – mente, informando a comunidade daquilo que a empresa se dedica a fazer e que irá impactá-la de alguma maneira. Ou seja, cada área do conhecimento aplica-se a todos os processos e setores da gestão empresarial. Consequentemente, relacionam-se a todos os processos e produtos socioambientais que serão gerados. Resumindo: toda a gestão e todas as atividades da empresa devem ser realizadas com base na responsabilidade social; não é possível descolar algum segmento dessa perspectiva e tampouco isentar-se dessa preocupação em determina- dos momentos da atividade empresarial. Também é preciso considerar que cada um desses públicos tem suas próprias demandas e que a empresa deve se adequar a elas. Trabalhadores estão em busca constante por melhores condições; a sociedade precisa de todos os incentivos e ações positivas possíveis que a empresa possa ofere- cer e assim por diante. Ou seja, a responsabilidade social deve integrar as ações que já existem na empresa com as necessidades de cada envolvido. Como vimos, isso só pode acontecer com a aplicação de cada área do conhecimento. Assim, a gestão do conhecimento será inevitavelmente responsável pela gestão da responsabilidade social. 1.2 Gestão do conhecimento na empresa O que significa gerir o conhecimento? Antes de mais nada, perceba que não se trata de um processo de produção, mas sim de administrar o conhecimento que cada setor e colaborador tem a oferecer para a empresa. Um funcionário que chega para ocupar um determinado cargo de analista de sistemas, por exemplo, já tem um conhecimento prévio sobre os computadores, dispositivos e programas com que irá trabalhar. Con- tudo, ele precisa saber das necessidades da empresa e de suas especifici- dades para poder exercer o trabalho corretamente. Assim, cabe a seu chefe orientá-lo e oferecer os treinamentos necessários para que isso aconteça de maneira adequada. Ou seja: o responsável não está atuando na produção de conhecimento, mas sim em sua gestão. Para entender melhor essa questão, é preciso considerar que existem dois tipos de conhecimento: o tácito e o explícito. – 11 – Responsabilidade social e ética 2 Conhecimento tácito: trata-se de saberes subjetivos, das ideias e experiências da pessoa. É um conhecimento inerente a cada um, que é difícil de ser transmitido – andar de bicicleta é um exem- plo clássico de conhecimento tácito (SILVA, 2004). 2 Conhecimento explícito: é aquele que pode ser sistematizado e transmitido com facilidade. O conhecimento teórico ou acadê- mico é um exemplo de conhecimento explícito (SILVA, 2004). A gestão do conhecimento, dessa maneira, envolve o manejo dessas duas modalidades. Elas são igualmente importantes e, por isso, precisam ser trocadas com outras pessoas ou transformadas em outro tipo para que isso aconteça. A esse processo, dá-se o nome de conversão do conhecimento, que é essencial para a transmissão. No caso da gestão de organizações com foco na responsabilidade social, é preciso que todos os processos de con- versão sejam bem analisados e adaptados para as necessidades específicas. Os processos de conversão de conhecimento foram sistematizados em um modelo conhecido como SECI (socialização, externalização, combinação e internalização). Desenvolvido por Nonaka (2000) e Takeuchi (1997), tornou-se referência nos estudos de conversão do conhecimento e aplicação empresarial. Figura 1 - Diagrama SECI Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 12 – 1. Socialização A socialização é o processo de conversão do conhecimento tácito de um indivíduo para o conhecimento tácito de outro indi- víduo. Ensinar uma criança a andar de bicicleta, demonstrando os fundamentos básicos do processo e auxiliando a experiência é um processo de socialização. O diálogo cara a cara e o compartilhamento de experiências são formas de realizar a socialização. Em ambientes institucionais, reuniões de equipe e brainstorming (reuniões de lançamento de ideias e troca de conhecimentos) podem ser boas maneiras de proporcionar a socialização empresarial. 2. Externalização O processo de externalização é a conversão do conhecimento tácito para o explícito. A descrição, a contação de histórias ou criação de obras narrativas (como filmes ou metáforas) são ferra- mentas dessa conversão, assim como a representação simbólica por imagens ou esquemas também podem dar conta do recado. Ensinar modelos de conduta entre colegas de trabalho, por exem- plo, pode ser um processo bastante abstrato aos olhos de quem recebe as informações. Por isso, elaborar um manual lúdico com exemplos de situações problemáticas e maneira de lidar com isso ou simplesmente formas de ser mais gentil no dia a dia é um exemplo de externalização. 3. Combinação A troca de conhecimentos explícitos recebe o nome de combina- ção. Se você sabe o passo a passo necessário para executar um determinado software, por exemplo, e cria uma lista dos itens que precisam ser feitos para isso, tem-se aí um processo de com- binação de conhecimento. Em nível mais pessoal, a combinação pode ser feita por meio de diálogos, reflexões e discussões sobre a questão. Dois profissio- nais de tecnologia da informação podem reunir-se para conversar sobre os métodos que usam para fazer o processo de execução – 13 – Responsabilidade social e ética do software e, assim, converter tudo isso em um conhecimento explícito combinado. 4. Internalização Sabe quando um processo complexo torna-se tão comum e cor- riqueiro que é praticamente feito sem pensar? Isso é fruto de um processo de internalização, em que um conhecimento explícito é convertido em tácito. Aprender a dirigir em aulas de direção, quando cada movimento é guiado pelos processos corretos é um conhecimento explícito que torna-se tácito à medida em que são feitos quase que de forma automática. A internalização é o nome do processo conhecido popularmente como “aprender fazendo” após receber o conhecimento neces- sário para fazer isso com as normativas corretas. Perceba que não se trata só da aplicação, mas sim da adaptação individual ou ressignificação daquilo que foi aprendido explicitamente. O potencial de produção de uma empresa depende de seu conheci- mento e de sua capacidade de convertê-lo. Como todas as atividades ligadas a isso devem ser feitas tendo como norte a responsabilidade ética e social, assim como a sustentabilidade, isso significa que a gestão do conhecimento é um processo que deve ser feito com a mesma preocupação. O balanço social é um exemplo. A chamada contabilidade socioambien- tal ressalta os investimentos e retornos em ações de sustentabilidade e respon- sabilidade social, que têm impacto nos resultados financeiros de uma empresa. Isso significa que a gestão do conhecimento é uma parte essencial da responsabilidade social, já que representa a criação de informações quali- ficadas e das possíveis maneiras de transmissão desse conhecimento. Produção de Conhecimento: envolve as eta- pas de investigação, intervenção e avaliação. Gestão do Conhecimento: envolve o processo de ges- tão das etapas SECI: socialização, externalização, com- binação e internalização dos conhecimentos. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 14 – É somente a execução adequada dessa gestão que irá permitir a des- coberta de alternativas positivas e social e ambientalmente interessantes para a sociedade. Com a realização da conversão e do compartilhamento de conhecimento, o produto obtido é o caminho necessário para a geraçãoda sustentabilidade e da responsabilidade social precisa para as empresas. O que isso significa na prática? Imagine uma fábrica de camisetas. A compra dos insumos necessários para a produção precisa ser feita para priorizar o máximo possível de itens sustentáveis, como algodão eco- lógico, e certificando-se de que os fornecedores fazem uso de trabalho digno, com salários apropriados e dentro das normas da lei. O armaze- namento deve ser adequado, sem utilizar galpões construídos em áreas proibidas, como regiões de proteção ambiental. O processo de produção deve evitar compostos químicos poluentes e, caso isso seja preciso, garan- tir que há uma destinação adequada aos resíduos e que isso não gera a contaminação do solo ou da água. O regime de trabalho deve ser cons- ciente, evitando jornadas extensas, utilizando os equipamentos de prote- ção necessários e garantindo que todos os funcionários estão a salvo de danos causados por possíveis acidentes de trabalho. Parcerias com centros de apoio podem resultar na utilização de estampas criadas por artistas de comunidades em situação de risco, por exemplo. A distribuição deve ser bem pensada, se possível valorizando pequenos lojistas em detrimento a grandes cadeias varejistas. A propaganda e a divulgação devem ter bons princípios, incluindo grupos minoritários e não disseminando preconcei- tos e estereótipos. Linhas específicas podem ter parte da renda destinada a organizações sem fins lucrativos ou mesmo realizar parcerias de divulga- ção com instituições de bem estar social. Nesse exemplo, vemos que o conhecimento da empresa está voltado para uma produção que mantenha os ideais de lucratividade necessários, mas que reduza ao mínimo possível os danos e ofereça possibilidades de retorno para a comunidade em que a empresa está inserida. Para avaliar o quanto a responsabilidade socioambiental e ética está mediada pela gestão do conhecimento em uma empresa pública ou pri- vada, o World Bank Institute (WBI) concebeu o método OKA (Organi- zational Knowledge Assessment), que considera as várias dimensões do conhecimento organizacional. – 15 – Responsabilidade social e ética Figura 2 - Dimensões da Gestão do Conhecimento para Responsabilidade Social Programa de Gestão do Conhecimento Métricas e Monitoramento Operacionalização do Conhecimento Alin ham ent o Flu xo s d e C on he cim en to Li de ra nç a e Es tra té gi ca Te cn olo gia Apr end izad o CoPs - Comunidades de Prática e Times de Conhecimento Compartilhamento de Conhecimento de Conhecim ento Incentivos Culturais Ac es so a o Co nh ec im en to Conteúdo de Conhecim ento SISTEMAS PR O CE SS OS PESSOAS Informações demográficas Fonte: World Bank Institute 1.3 O homem como ser moral A moral diz respeito ao modo como uma pessoa vive e conduz suas atividades, idealmente seguindo os princípios éticos. Assim, enquanto a ética conduz as suas ideias e valores, a moral é o modo como se coloca isso em prática. A moral é influenciada por diversos fatores. Religiões costumam ofe- recer preceitos e modelos de conduta a seus fieis, indicando qual a moral esperada deles. A razão e a filosofia também trabalham em cima desse conceito, criando modelos de condução de pensamento para lidar com situações cotidianas. Buscar a utilização de princípios éticos em situações adversas e complexas é uma atividade constante dos filósofos e, tal qual as religiões, suas concep- ções variam bastante de acordo com seu pensamento ou linha ideológica. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 16 – O Dilema do Bonde, idealizado pela filósofa britânica Philippa Foot (FOOT, 1967), é um exemplo clássico da filosofia em questões morais. A questão proposta pela pensadora, que teve inúmeras variações ao longo de estudos posteriores, é a seguinte: um bonde sobre trilhos perde o con- trole, tendo a bordo cinco pessoas – que vão morrer caso o vagão não pare. A única maneira de parar é apertando um botão que irá desviar o vagão para outro curso, só que atropelando e matando uma pessoa que está trabalhando nestes trilhos. Ou seja: é preciso escolher entre causar a morte de cinco pessoas por omissão ou a de uma pessoa por intenção. O dilema é um experimento, mas estamos diante de situações desse tipo o tempo todo. Fornecedores podem oferecer propinas para a compra de insumos, órgãos oficiais podem negociar resultados positivos para a empresa, clientes podem inserir vantagens ilícitas na hora de fechar negó- cio com certas empresas. Tudo isso acontece no dia a dia e é preciso guiar a moral rumo a princípios éticos para lidar com isso. Definir o que é eticamente correto pode nem sempre ser fácil. Às vezes, um esquema pode aparentemente beneficiar todas as partes sem prejudicar ninguém. É aí que a responsabilidade social entra em ação! Ao favorecer um determinado fornecedor, por exemplo, estou sendo justo com os concorrentes? Isso prejudica a concorrência de mercado para quem age de forma correta? Nesse caso, vale-se do conceito de ética humanista para entender e explicar a situação. A ética humanista é aquela que considera todos os ele- mentos da situação e não somente o modelo fixo do que seria certo ou errado. Ética humanista e ética social Seguir uma regra geral ou avaliar cada situação: o que é correto? A resposta depende da perspectiva ética que será adotada. A ética social considera que existem preceitos que sempre Figura 3 - Dilema do Bonde – 17 – Responsabilidade social e ética devem ser seguidos, mas que podem ser corrompidos de maneira escondida por serem condenados. Nesse caso, seria preciso encontrar maneiras de legitimar seu acontecimento e torná-lo viável na sociedade. A legalização da venda de drogas, que já ocorre como forma de tráfico, seria um exemplo. Já a ética humanista pensa que as atitudes imorais são malé- ficas e que devem ser extintas. No entanto, só aconteceria com a tomada de consciência por parte dos indivíduos, que passariam a achar certos atos inadequados e, por isso, não os praticariam. No exemplo anterior, a solução seria a polí- tica de combate ao uso de drogas, e não comprar produtos oriundos de uma atividade que causa conflitos e problemas como o tráfico. 1.4 Ética e responsabilidade social na prática Em qualquer empresa, é importante que todos os seus colaboradores atuem de acordo com princípios éticos e corretos, em relação a todos os públicos de interesse (stakeholders) da organização. O quadro abaixo traz algumas dessas práticas. Quadro 1 - Princípios éticos das organizações junto a seus públicos 2 atendimento para resolver problemas; 2 publicidade honesta; 2 produtos e serviços para vários tipos de clientes; 2 promoções e eventos; 2 recusa de benefícios ou “agrados” para favorecer clientes 2 cumprir acordos, pactos e legislações sobre a livre concorrência; 2 atuar de maneira lícita e ética no mercado; Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 18 – 2 resolver conflitos sobre propriedade intelectual, autoral e industrial, ou espionagem; 2 boas práticas em transações, fusões e incorpora- ções de empresas. 2 seleção justa de fornecedores e avaliação isenta de propostas técnicas; 2 cumprimento de contratos e prazos; 2 licenciamento de direitos de propriedade intelec- tual e industrial; 2 boas relações com acionistas, bancos e agências de financiamento. FUNCIONÁRIOS 2 respeito à diversidade e proibição de preconceitos; 2 combate ao assédio moral e sexual, ao abuso de poder e ao bullying; 2 boas condições de higiene, saúde e segurança do trabalho; 2 respeito à privacidade; 2 gestão de conflitos na equipe. 2 boas relações com os poderes Executivo, Legisla- tivo e Judiciário; 2 participação em licitações e concorrências públicas de maneira ética; 2 combate à corrupção, suborno ou busca de vantagens; 2 pagamento de impostos;2 atendimento a normas de fiscalização e documentação.. 2 promoção de projetos sociais em benefício da comu- nidade; 2 ações de filantropia e responsabilidade social; 2 cuidados para minimizar impactos ambientais nas suas atividades. – 19 – Responsabilidade social e ética 1.5 Código de ética Seguir preceitos moralmente corretos é, como já vimos, uma tarefa que pode se tornar bastante subjetiva quando se pensa na quantidade de atores envolvidos em cada processo de uma empresa. Por isso, pode ser interessante reunir todos os modelos de conduta e seu embasamento em um documento oficial. Esse documento recebe o nome de Código de Ética, definido pelo Instituto Ethos (2000), como “um instrumento de realização da visão e missão da empresa, que orienta suas ações e explicita sua pos- tura social a todos com quem mantém relações”. O documento deve ser elaborado pela empresa, mas isso não é o sufi- ciente. Ele deve passar pelo ciclo PDCA (planejar, decidir, corrigir e agir), que diz respeito à sua implantação efetiva. É importante destaca que o Código de Ética é algo particular da empresa e deve estar alinhado com sua missão, visão e valores. Já existem no Brasil normativas específicas sobre responsabi- lidade social, como o que é descrito pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e pela norma brasileira NBR 26000. No entanto, o código de ética difere desses documentos por ser específico para cada empresa. Seu objetivo é captar elementos gerais e adaptá- -los para o contexto da empresa, sendo mais direcionado e aplicado ao escopo da organização. 1.6 O papel do gestor Todas as iniciativas que apresentamos acontecem em setores de empresas, mas nada disso é possível sem o aval e o empenho da gestão principal. Afinal de contas, é preciso que tudo isso seja unificado e que tenha as diretrizes corretas para seu desenvolvimento. Por isso, o papel do gestor é essencial em todas as etapas desse processo. Não é só internamente que o gestor tem papel de destaque. Cabe a ele relacionar-se com as instituições e pessoas ligadas à empresa - gover- nantes, concorrentes e personalidades de influência pública, por exemplo, costumam interagir diretamente com a alta cúpula das empresas. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 20 – Cabe ao gestor ainda perceber o significado que a responsabilidade social possui no período e no contexto em que se insere. É ele que está de frente para a atividade que desempenha e sabe daquilo que é produzido, de como a empresa pode contribuir com a sociedade. Ou seja, ele exerce então uma espécie de mediação entre a organização e seus públicos exter- nos e fornece para eles as informações necessárias para a construção de um modelo cognitivo pertinente. O modelo cognitivo pode ser entendido como uma “estrutura particular de conceitos e significados desenvolvida e transmitida por uma comunidade, em determinado local, onde atua uma empresa/instituição” (SILVA, 2013). Você sabe a diferença de “aspecto” e “impacto”? Aspecto é o agente que irá causar um impacto. O impacto é resultado da ação de um aspecto. A construção de um modelo cognitivo integra: a história pessoal e comunitária com conceitos e significados; a formação dos conjuntos de relações que definem formas de pensar, agir e se comportar diante das diferentes relações que se estabelecem diariamente com as coisas, os outros, o mundo, os objetos. Consequentemente, esse modelo influencia as possibilidades que a empresa tem ao decidir implantar programas de responsabilidade social. O que isso significa na prática? Que, ao pensar nas ações de respon- sabilidade que irá implantar, o gestor deve entender o modelo cognitivo da comunidade em que os projetos irão acontecer. Para entender isso, o gestor deve considerar, segundo Silva (2013), as seguintes variáveis: 2 Variáveis culturais: a cultura nem sempre é levada em considera- ção, pois a legislação não privilegia projetos nessa área; 2 Variáveis ambientais: o gestor deve questionar qual é variável capaz de realmente provocar impactos ambientais; – 21 – Responsabilidade social e ética 2 Variáveis sociais: a empresa deve buscar a integração de seus espaços e colaboradores com a comunidade que irá impactar; 2 Variáveis políticas: a comunidade impactada sabe exatamente o projeto do qual participará? Levar essa informação é essencial para evitar reações negativas à iniciativa; 2 Variáveis econômicas: engloba tudo o que faz referência a sis- temas econômicos e comportamento do mercado. São elas: pre- ços, quantidades transacionadas no mercado, riqueza produzida, taxas de juros e câmbio, taxas de desemprego, entre outras. 2 Variáveis financeiras: relacionam-se aos valores e ao orçamento de capital, à avaliação do retorno e do risco financeiro, à análise da estrutura de capital, às possibilidades de financiamentos de longo ou curto prazo e à administração de caixa do empreendi- mento em desenvolvimento. Uma vez que compreende esse cenário, o gestor é capaz de mediar a relação da empresa com a comunidade. A partir disso, ele consegue incor- porar a estrutura cognitiva no projeto e, assim, pensar nas possibilidades de apropriação e reelaboração dessa estrutura. 1.7 A ética no cotidiano É muito comum ouvir dizer que políticos ou pessoas corruptas não têm ética. A expressão refere-se a quem tem moral duvidosa e que não parece seguir modelos éticos. No entanto, é complexo afirmar que a conduta moral de alguém é errada. Não estamos falando do cumprimento de leis: obedecer leis e nor- mas é algo exigido por lei e passível de punição. Ou seja, trata-se do cum- primento de uma ordem e não de um dilema ético. Furar filas, não cumprir promessas, fazer atos não recomendáveis quando está sozinho. Todas essas ações são exemplos de atitudes que podem ser feitas de maneiras opostas e que não geram sanções legais. Ou seja, cabe ao indivíduo decidir como agir. Sua decisão será influenciada por seus parâmetros éticos que, por sua vez, determinarão sua conduta. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 22 – Para refletir... Julgamentos de Nuremberg Figura 4 - Memorial dos Julgamentos de Nuremberg, Alemanha. Fonte: Shutterstock.com/chrisdorney Após a Segunda Guerra Mundial, foi criado um tribu- nal internacional para julgar os crimes de guerra cometi- dos pelo exército alemão nazista e seus colaboradores. Esses julgamentos despertaram uma questão ética debatida até hoje: membros do exército que cometem assassinatos e prisões durante uma guerra, sob ordens diretas ou indiretas, devem ser penalizados por elas depois? As respostas apresentam os seguintes problemas: se sim, isso implicaria que é justo prender soldados por cumprirem ordens; se não, estaríamos ignorando assassinatos e outros crimes. Para refletir sobre esse dilema, o texto A banalidade do mal e as possibilidades da educação moral: con- tribuições arendtianas traz mais detalhes. 2 Educação ambiental É muito comum que as preocupações ambientais apareçam como questões relacionadas à natureza e a grandes mudanças globais, mas não em atos do dia a dia. E, mesmo quando são aplicadas para o cotidiano, costumam ser ligadas a temas específicos, como coleta seletiva de lixo e economia de água, por exemplo. O que há de errado nisso? Vivemos no planeta Terra, utilizando seus recursos e deposi- tando aqui tudo o que é descartado. Ou seja, tudo o que fazemos e vivemos está inevitavelmente relacionado com o meio ambiente. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 24 – Essa percepção pode parecer óbvia, mas não é observada com essa clareza no pensamento da sociedade de modo geral. Faltam ainda elemen- tos informacionais, educacionais e de comportamento para garantir que essa visão seja compartilhada coletivamente e colocada em prática. As consequências desse tipo de comportamento, no entanto, já são visíveis há algum tempo. A noção de que o uso indiscriminado dos recur- sos planeta pode afetar a vidaterrestre em proporções difíceis de imaginar tem crescido e, com ela, os primeiros passos da educação ambiental no Brasil e no mundo. 2.1 A temática ambiental ganha visibilidade A Revolução Industrial aconteceu por volta de 1820 e, com ela, os processos produtivos da sociedade foram modificados significativamente. A produção em massa passou a exigir uma extração de recursos muito maior do que se praticava até então. Para funcionarem, máquinas e fábri- cas precisavam, por exemplo, de energia – que vinha de combustíveis fós- seis. E toda a cadeia produtiva, da fabricação à logística de distribuição, começou a exigir recursos de toda ordem, em níveis mais altos. No entanto, naquele período ainda não se tem indícios de que a popula- ção parecia perceber o impacto da mudança que estava sendo vivida. A urba- nização foi outro fator que contribuiu para essas modificações -- vivendo em cidades, as pessoas passaram a ocupar desordenadamente o espaço, sem recursos adequados de saneamento, descarte de lixo e transporte. Com isso, foram adotadas soluções imediatas, mas que causariam danos futuros (lixões e descarte de esgoto em áreas de nascentes, por exemplo). O século XX trouxe consigo uma visão mais clara sobre o tema. A percepção de que o meio ambiente está integrado foi crucial para essa tomada de consciência - a emissão de poluentes por um país afeta outro, assim como a extração de recursos naturais. Ou seja, a necessidade de um pensamento global passou a ser percebida e educação ambiental (EA) começou a tomar contornos. Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, foi o primeiro evento mundial para discutir o – 25 – Educação ambiental meio ambiente e suas relações com o ser humano. A conferência foi essen- cial para o estabelecimento de uma visão coerente com o contexto obser- vado e com o papel da sociedade nele. A Declaração de Estocolmo, fruto do evento, tem como primeira proclamação: “O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece opor- tunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiri- tualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de trans- formar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.” (Extraído de: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio- -Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html) Afirmar, pública e oficialmente, que o homem exercia modificações sobre o espaço natural e que isso era motivo de atenção é de extrema rele- vância, já que é a partir dessa admissão que se pode desenvolver todos os demais estudos e pensamentos ligados ao tema. Três anos depois, em 1975, aconteceu o Encontro de Belgrado (capi- tal da antiga Iugoslávia), que gerou A Carta de Belgrado (1994), assinada por 65 países. Esse documento é marcante por apresentar não só constata- ções sobre o meio ambiente, mas também preceitos éticos de orientação. Como dissemos, o meio ambiente não está descolado dos outros aspectos da vida humana. Pense que cadeias produtivas que visam lucro precisam de insumos baratos para conseguir preços competitivos, por exemplo; isso significa que as matérias-primas precisam ter preços bai- xos. Para que isso seja possível, a extração deve ser barata, com salários baixos para seus trabalhadores e, na maioria as vezes, sob condições de trabalho precárias. Ou seja, a questão ambiental também está relacionada à pobreza, à exploração, à fome e a outros aspectos. Essa percepção está presente da Carta de Belgrado e aumenta a importância desse documento para a EA, já que oferece a visão abrangente do meio ambiente. Ela também sugeriu Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 26 – a criação de um Programa Internacional de Educação Ambiental, que foi efetivamente criado pela Unesco e divulgado em diversos idiomas. As ações da Unesco sobre a questão ambiental intensificaram-se e, em 1977, foi realizada a Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi (Geórgia). Já com um pano de fundo positivo, criado pelos eventos anteriores, a Conferência trouxe a discussão de planos, objetivos e temas necessários para a EA. Seus principais apon- tamentos giravam em torno do desenvolvimento igualitário dos países e das práticas e princípios adequados que devem ser seguidas por eles. Pedrini (2002, p. 28) ressalta alguns pontos fundamentais dessa conferência: Deveria a EA basear-se na ciência e na tecnologia para a cons- ciência e adequada apreensão dos problemas ambientais, fomen- tando uma nova conduta quanto à utilização dos recursos ambien- tais. Deveria se dirigir tanto pela educação formal como informal a pessoas de todas as idades. E, também despertar o indivíduo a participar ativamente na solução de problemas ambientais em seu cotidiano. Teria que ser permanente, global e sustentada numa base interdisciplinar, demonstrando a dependência entre as comunida- des nacionais, estimulando a solidariedade entre os povos da Terra. Dez anos depois, ocorreu a Conferência de Moscou (Rússia), reu- nindo mais de 300 pessoas de cem países, com o objetivo de avaliar o desenvolvimento da educação ambiental desde o evento de Tbilisi. Além disso, a conferência propôs as metas para a década de 1990, que basica- mente afirmavam: desenvolvimento de um modelo curricular; intercâm- bio de informações; desenvolvimento de recursos instrucionais; promo- ção de avaliações de currículos; capacitação de docentes e licenciados em EA; melhora nas mensagens ambientais veiculadas pela mídia ao grande público, entre outras. A Conferência de Cúpula da Terra (Rio 92), evento das Nações Uni- das que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992 e reuniu 103 chefes de estado e 182 países, já inseriu a questão de acordos e protocolos a serem seguidos pelos países participantes. Esse posicionamento é essencial, já que é a partir desses acordos que se pode cobrar e fiscalizar o comporta- mento de cada nação sobre suas atividades ambientais. – 27 – Educação ambiental Outro ponto chave dessa conferência foi a participação da sociedade civil e de organizações não governamentais (ONGs). Essa presença foi essencial no debate das questões ambientais porque permitiu a apresenta- ção de diversas perspectivas e necessidades, o que subsidiou a discussão e elaboração do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Susten- táveis e de Responsabilidade Global, publicado na Conferência e um guia importante para a atuação de empresas e entidades diversas. Uma década após a Rio 92, a Cidade do Cabo, na África do Sul, chan- celou a Agenda 21 e aumentou seu impacto na sociedade mundial. Agenda 21 “Agenda 21 é um plano de ação formulado internacionalmente para ser adotado em escala global, nacional e localmente por organizações do sistema das Nações Unidas, pelos governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente. Reflete um consenso mundial e com- promisso político, que estabelece um diálogo permanente e construtivo inspirado na necessidade de atingir uma economia em nível mundial mais eficiente e equitativa. Constitui a mais abrangente tentativa já realizada de orientação para um novo padrão de desenvolvimento no século 21, cujo alicerce é a siner- gia da sustentabilidade ambiental, social e econômica, perpas- sando em todas as suas ações propostas. A Agenda 21 segue o princípio de “Pensar globalmente, agir localmente”. (...) A Agenda 21 está voltada para os problemas prementes de hoje e visa ainda preparar o mundo para os desafios do pró- ximo século. O documento apresenta 40 capítulos quese divi- dem em quatro seções: Seção I: Dimensões Econômicas e Sociais (capítulo 2 a 8) - de que forma os problemas e soluções ambientais são interde- pendentes daqueles da pobreza, saúde, comércio, dívida, con- sumo e população. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 28 – Seção II: Conservação e gerenciamento de recursos para o desenvolvimento (capítulos 9 a 22) - de que forma os recur- sos físicos, incluindo terra, mares, energia e lixo precisam ser gerenciados para assegurar o desenvolvimento sustentável. Seção III: Fortalecimento do papel dos grupos principais (capítulos 23 a 32) - inclusive os minoritários, no trabalho em direção ao desenvolvimento sustentável. Seção IV: Meios de implementação (capítulos 33 a 40) - inclu- sive financiamento e o papel das diversas atividades governa- mentais e não-governamentais”. Extraído de: Agenda 21, Compêndio para a sustentabi- lidade. Disponível: http://www.institutoatkwhh.org.br/ compendio/?q=node/21 Em 2009, a cidade de Copenhague (Dinamarca) sediou a Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP 15). Pela primeira vez, participaram os 193 países do mundo. A assinatura de acordos e protocolos aconteceu, mas as metas estabelecidas foram vistas por muitos como modes- tas e limitadas. A discussão do tema também pareceu fraca diante dos exem- plos anteriores e os avanços não foram tão bem sucedidos quanto o esperado. COP A Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática é, atualmente, um dos mais importantes eventos ambientais do mundo. Seu foco é nas mudan- ças climáticas, mas inclui outros elementos variados e essenciais para a educação ambiental. É realizada anualmente e também tem como objetivo verificar o cumprimento dos acordos firmados. Um dos maiores avanços proporcionados pela COP foi a criação do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 e que sela um acordo de redução de emissão de gases poluentes para a camada de ozônio. – 29 – Educação ambiental Figura 1 - Conferências 2.2 Educação ambiental no Brasil A década de 1970 viu surgirem os primeiros movimentos em rela- ção à educação ambiental. Até então, durante os primeiros anos do regime militar, o governo brasileiro pouco se preocupou com o tema, seja em políticas públicas, seja em iniciativas empresariais, seja na edu- cação pública. A quantidade de ações e conferências apontadas anteriormente, no entanto, exerceu pressões até mesmo nos países mais resistentes, como era o caso do Brasil. Por isso, costuma-se afirmar que a inserção da EA no contexto nacional aconteceu muito mais pela força de pressões interna- cionais do que por movimentos sociais de cunho ambiental nacionalmente consolidados (LOUREIRO, 2004). A década seguinte teve movimentos mais expressivos nesse sentido, com a emergência do tema de maneira mais pública. Contudo, as inicia- tivas permaneceram bastante discretas, sem que se trabalhasse muito a dinâmica internacional e essencial da EA. Essa visão começou a mudar a partir da Rio 92, que trouxe para a realidade do país um panorama do que acontecia internacionalmente. A demanda passou a ser percebida com mais facilidade e percebeu-se que lideranças de todo o mundo estavam preocupadas com o tema. O Ministério do Meio Ambiente foi criado ainda em 1992 e dedicou- -se, em parceria com o Ministério da Educação, a desenvolver medidas Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 30 – práticas sobre a EA. O Programa Nacional de Educação Ambiental (1994) é um exemplo disso e pode ser considerado o primeiro documento oficial do país sobre a questão. Dois anos depois, um grande marco na história da EA brasileira foi alcançado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n. 9.394/96) prevê a EA como conteúdo curricular na educação básica, que deve ser ensinada de forma multidisciplinar e integrada em todos os níveis. Na prática, isso significa uma garantia legal para que as escolas trabalhem a EA obrigatoriamente e não como escolhas individuais. A multidisciplinaridade é outro elemento chave. A criação de uma disciplina própria eliminaria o caráter transversal do tema - afinal, o meio ambiente está presente em tudo o que é feito e, consequentemente, em todas as áreas do conhecimento. Por isso, ele deve aparecer em todas as disciplinas escolares e ser visto como um elemento maior e mais amplo que perpassa todos os outros. Outro avanço importante foi a criação da Lei 9.795/99, conhecida como Lei da Educação Ambiental. Ela dispõe sobre as boas práticas liga- das à EA e traz um enfoque humanista, que relaciona o tema com todas as questões sociais e democráticas a que se conecta. Seu Art. 2o decreta: “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”. Toda a implantação da educação ambiental no Brasil foi o resultado de lutas internacionais muito mais antigas e complexas do que se pode imagi- nar. Internamente, as riquezas naturais do país e a importância inigualável da Amazônia criam um protagonismo que não deve ser questionado. Valorizar a EA é reconhecer todo esse processo histórico e ser coerente com fatos há décadas já aceitos por todo o mundo. Quase meio século depois da primeira conferência mundial sobre o tema, é impossível negar todo o avanço informacional que aconteceu e suas consequências para o mundo. 2.3 O que é a educação ambiental? No senso comum, educação ambiental costuma ser vista como o estudo do meio ambiente e de suas relações - o que é, na verdade, a ecolo- – 31 – Educação ambiental gia. Por isso, é muito importante desmistificar essa visão e entender a EA como uma ciência em si mesma e como um conteúdo escolar. Historicamente, ela está muito atrelada à conferência de Tbilisi, já que é lá que foi discutida pela primeira vez de forma concreta e definitiva, descrita como um processo de reconhecimento de valores e clarificação de con- ceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modifi- cando atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre humanos, suas culturas e seus meios biofísi- cos. A educação ambiental também está relacionada à prática das tomadas de decisão e a ética que conduzem para a melhoria na qualidade de vida (CONFERÊNCIA INTERGOVERNAMEN- TAL DE TBILISI apud SATO, 2003, p. 23). Na prática, ela enfrenta dificuldades de ser vista de tal maneira. Infor- mações equivocadas e pouco apoio do ensino formal são variáveis que afetam a EA, fazendo com que ela seja vista por muitos como uma tendên- cia em vez de uma ciência. Além disso, é comum que as pessoas pensem que está ligada somente à Biologia ou Geografia, por exemplo, e não a todas as áreas do conhecimento. 2.4 As novas tecnologias e a educação ambiental O avanço das tecnologias de informação e comunicação (TICs) nas últimas décadas tem influenciado significativamente a dinâmica das rela- ções humanas. Com a internet, o acesso à informação cresceu exponen- cialmente, e a produção, organização e divulgação de conhecimento alte- ram nossa percepção de mundo. No entanto, o excesso de informações gera a necessidade de uma aná- lise crítica, e o discernimento para diferenciar informações falsas e erradas daquelas que são corretas e pertinentes. O consumo de informações deve vir acompanhado de interpretação e bom senso, filtrando as fontes e com- parando diferentes versões de um mesmo assunto. Outro ponto relevante é perceber as conexões entre ideias, conceitos, acontecimentos e ecossistemas ao redor do mundo, especialmente na área ambiental. Se a fumaça de queimadas na Floresta Amazônica alcança a Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 32 – cidade de São Paulo, se um vulcão que entra em erupção na Islândia preju- dica o tráfego aéreo na França, ou se a pesca descontrolada de atum no Japão afeta a cadeiaalimentícia nas ilhas do Oceano Pacífico, tudo isso é porque o que acontece em um canto do mundo sempre terá reflexos em outro. As novas tecnologias, que estão sendo incorporadas aos processos educativos, permitem uma formação continuada, trocas de experiências bem-sucedidas e também uma reflexão sobre o conhecimento no mundo real. Além da informação, a comunicação ganha espaço nesse novo cená- rio, as diferentes linguagens facilitam a discussão. O conhecimento, que antes ficava restrito ao meio acadêmico, técnico, agora é veiculado pela mídia. Como resultado dessa democratização, temos uma reflexão maior, principalmente em relação aos problemas ambientais (GOUVÊA, 2006). Vale lembrar que a tecnologia oferece ferramentas interessantes para a educação ambiental, favorecendo grandes avanços no processo de ensino e aprendizagem. O Google Earth, por exemplo, permite ver o mundo todo de maneira rápida e dinâmica, operando com base em imagens de satélite. O que se almeja, com as tecnologias, é facilitar o acesso à informação e interligar os saberes na busca por uma compreensão maior desta com- plexa relação entre homem-natureza-sociedade, dentro de um processo de autonomia, liberdade e respeito ao ambiente. 3 Sustentabilidade Muito usado hoje em dia, o termo sustentabilidade surgiu no contexto ambiental ainda na década de 1980. Nas conferências realizadas no período, estabeleceu-se a necessidade de promover o desenvolvimento sustentável, que seria “compatibilizar as ati- vidades econômicas e a sua própria existência com a capacidade da natureza repor os recursos naturais dela retirados ou utilizados e com a preservação do que resta do patrimônio natural do Pla- neta” (JÚNIOR, 2002). Imagine que você tem uma poupança no banco e recebe um salário mensal. Se você gastar mais do que ganhou, pode recorrer à poupança para pagar suas contas naquele mês. No entanto, se fizer isso todos os meses, irá gastar todo o dinheiro e ficar sem a reserva no futuro. É exatamente isso o que acontece com o planeta. Os recur- sos naturais não-renováveis estão sendo gastos em uma veloci- dade muito alta e tendem a se esgotar se isso não mudar. Água e florestas também estão tendo um uso indiscriminado, que pode levar à escassez no futuro. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 34 – A sustentabilidade, contudo, é mais ampla do que isso. A Organiza- ção das Nações Unidas (ONU) define três pilares para um desenvolvi- mento sustentável efetivo: ambiental, econômico e social. O que isso significa? Que melhorar o uso do meio ambiente não é sustentável se recorrer à exploração econômica. Da mesma forma, não basta melhorar a renda de uma população às custas de perdas em sua qua- lidade de vida. Esses exemplos mostram que as três variáveis estão ligadas e que é impossível criar um contexto favorável quando uma delas está em desvantagem. É por isso que esse conjunto ficou conhecido como triple bottom line, ou tripé da sustentabilidade. 3.1 Objetivos do Milênio e pactos internacionais No ano 2000, durante a Cúpula do Milênio das Nações Unidas, foram definidos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que deveriam estar implantados até 2015. Eram eles: 1. Erradicar a pobreza extrema e a fome; 2. Alcançar o ensino primário universal; 3. Promover a igualdade de gênero e empoderar as mulheres; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde materna; 6. Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7. Garantir a sustentabilidade ambiental; 8. Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento. Depois de 2015, com o não atingimento integral dessas metas, foi preciso refazer os pactos. Permanecem em discussão os esforços para que o desenvolvimento sustentável seja efetivo, real e concreto, ou que pelo menos as ideias nessa direção ganhem corpo e ações. Em setembro de 2019, a Cúpula do Clima, realizada na sede da ONU, ganhou alta visibilidade com o discurso da adolescente sueca Greta Thun- berg. Em sua fala, a jovem ativista questionou a preocupação exacerbada – 35 – Sustentabilidade dos líderes mundiais com os aspectos econômicos, em detrimento do meio ambiente. Ou, em outras palavras, um rompimento com os pilares da sus- tentabilidade descritos pela ONU (ambiental, social, econômico). 3.2 Caracterização da sustentabilidade empresarial Para as empresas, ter atitudes sustentáveis não é apenas uma postura adequada em relação à sociedade, mas também uma necessidade do ponto de vista de sucesso do negócio. Os consumidores estão cada vez mais aten- tos a posturas empresariais em relação a destinação correta de resíduos, contratação de mão de obra por valores justos e ações que gerem benefício à sociedade. Assim, acabam preferindo comprar produtos de marcas que sigam um comportamento sustentável. Marcas que destoem dessas ati- tudes podem até ser boicotadas ou receber severas críticas (mídias, redes sociais), causando grande prejuízo à sua reputação e credibilidade. Os gestores devem ter isso em mente. Para que se possa caracterizar a sustentabilidade como fenômeno social, econômico e ambiental, é necessário ter uma compreensão integral desta em termos do que ocorre (investigação); do que fazer (intervenção); e dos resultados atingidos (avaliação). Então, é preciso olhar para um problema e efetuar os passos acima com base nas atividades que minha equipe realiza? Errado! Não se con- segue desenvolver uma ação sustentável de maneira individual, porque ela é ampla e complexa. Por isso, a iniciativa não pode ser de apenas um departamento da empresa, mas sim partir de uma diretriz da alta direção e envolver a empresa de maneira integral. Por exemplo: o departamento de marketing não consegue manter uma campanha de destinação inteligente de resíduos se o setor administrativo não reservar verbas para a compra de lixeiras de coleta seletiva, ou se os processos internos exigirem o arquivamento de documentos impressos. Ou seja, o planejamento da ação exige a consideração de todos os departamentos da empresa. Isso pode parecer complexo, mas é na verdade uma grande vantagem! Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 36 – Figura 1 - Os processos da ciência Crítica de Resultados Teoria e Metodologia I - Investigação II - Intervenção Os Processos da Ciência (A Racionalidade) Constatações no Fenômeno Crítica de Resultados Alterações no Fenômeno Intervenções Técnicas e Instrumentos Estratégicas Hipóteses de Trabalho Problema das Variáveis Demarcação Descrição Investigações Técnicas e Instrumentos Estratégias Hipóteses de Pesquisa Problema das Variáveis Demarcação Descrição Teoria e Metodologia Teoria e Metodologia Instrumentos CA M PO IN TE RD IS CI PL IN A R CA M PO IN TE RD IS CI PL IN A R CA M PO D IS CI PL IN A R CA M PO IN TERD ISCIPLIN A R CA M PO IN TERD ISCIPLIN A R CA M PO D ISCIPLIN A R Teoria e Instrumentos Relatório Avaliação Execução Plano de Atuação Planejamento Equação Elaboração Fenômeno Observação Conjunto de ocorrências objetivas ou transcendentes ao sujeito que investiga Para que isso seja possível, é preciso começar com uma avaliação interna da empresa. É essencial considerar a estrutura organizacional da – 37 – Sustentabilidade empresa/instituição; modelagem cognitiva dos processos decisórios; e processos de investigação, intervenção e avaliação. No capítulo 1, falamos sobre sobre modelos cognitivos, que dizem respeito aos conceitos e significados utilizados na gestão da empresa. Esse modelo deve estar presente em todas as ações reali- zadas internamente e, caso isso não aconteça, e aí que a primeira mudança deve ocorrer. Em seguida, é preciso avaliar a estrutura organizacional da empresa. Se todos sabem as atividades e premissas da empresa, eles também sabem como podem agir para tirar isso do papel? 3.3 Na prática Uma vez feita a análise interna, é hora de começar a definir as ações concretas que serão realizadas.Para quem vai começar a implantar algo, a dica é verificar uma ideia que pode ser implantada e usá-la como base para planejar sua aplicação de fato. Por exemplo: uma empresa decide implantar uma política de papel zero, para eliminar totalmente seus impressos e reduzir o consumo de papel. A ideia é ótima, mas quais as etapas necessárias para sua realiza- ção? É preciso um trabalho de digitalização de arquivos -- isso seria viá- vel? Qual o procedimento com contratos e correspondências recebidas? Arquivos antigos também serão digitalizados? Perceba que essas questões são apenas algumas das que precisam ser feitas, mas ilustram bem a maneira como exigem a integração dos trabalhos. O gestor é a pessoa que deve compreender todos os setores e ativida- des da empresa. Por isso, ele deve atribuir a cada equipe as suas funções. Não se pode esperar que um funcionário identifique sozinho como suas ações impactam outras áreas; isso foge de sua formação e é impossível de ser feito sem comunicação. Por isso, é preciso explicar a cada segmento de onde vem os processos que realizam e para onde vão, deixando claro o fluxo produtivo e seu significado. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 38 – 3.4 Indicadores de sustentabilidade Em uma perspectiva de gestão, existem elementos fundamentais em uma empresa: processos, procedimentos, monitoramento e indicadores são alguns deles. Os processos são os fluxos necessários para a realização das ativida- des necessárias e envolve os produtos resultantes (ex.: uma revista institu- cional é resultado de um processo de comunicação). Esses processos são operacionalizados em procedimentos, que des- crevem exatamente os passos necessários para aquela tarefa. O monitoramento diz respeito à observação dos resultados, para veri- ficar se tudo está indo bem ou se pode melhorar. Esses itens que são moni- torados são variáveis do setor (publicações mensais, objetos produzidos). O monitoramento das variáveis utiliza números e metas como base de avaliação, que são os indicadores. Esses indicadores são índices calculados sobre variáveis. A relação entre produção e horas trabalhadas gera um indicador de produtividade; a relação do quanto pode ser produzido em certo período de tempo e com certos recursos, por sua vez, é indicador de capacidade. Tendo isso como base, perguntamos: como criar indicadores de sus- tentabilidade para monitorar e medir os resultados de seus projetos? Lembrando dos três pilares da sustentabilidade (ambiental, econô- mico e social), seria preciso criar um indicador geral que englobasse todos os três. Além disso, a sustentabilidade é geral e não setorial, o que implica que seu indicador deveria ser compartilhado. Isso pode ser bastante difícil de ser colocado em prática. Por isso, é possível criar indicadores de ações específicas. No exemplo da ação de papel 0, os indicadores poderiam ser: taxa de digitalização de arquivos obsoletos; redução da emissão de papeis; redução no volume utilizado, entre outros. No entanto, é preciso perceber uma coisa: os indicadores aqui apre- sentados não são da sustentabilidade em si, mas das ações criadas para sua implantação. Ou seja, eles indicam bem o andamento das atividades, – 39 – Sustentabilidade mas precisam ser avaliados em conjunto e de uma perspectiva macro para poder gerar conclusões sobre o desenvolvimento sustentável em si. 3.5 Modelos de abordagem No âmbito das tecnologias e dos processos produtivos, as políticas públicas sustentáveis seguem modelos de avaliação ambiental estraté- gica (AAE), que devem caminhar em duas direções, conforme Partidario (1996). São elas: o modelo de abordagem política e o modelo de aborda- gem de projetos. O modelo de abordagem política é baseado no no sistema de desen- volvimento e avaliação de decisões estratégicas (políticas, planos e pro- gramas). Ele tem uma abordagem de cima para baixo (top-down), que significa que os processos são vistos da perspectiva geral e, a partir dela, é visto cada componente. Ou seja, é criado um mecanismo abrangente de ação que se desdobra em estratégias variadas. Por isso, esse modelo gera uma AAE estratégica e contínua, que permite que os processos se inte- grem à decisão e ao planejamento. Já o modelo de abordagem de projetos se apoia nos procedimentos de avaliação de impacto ambiental de projetos. Ele ocorre de baixo para cima (bottom-up) e usa a experiência de um projeto já executado para estabele- cer as diretrizes dos próximos. Ele pode ser considerado mais discreto do que o anterior, já que requer a existência de iniciativas e resultados prévios para traçar planos de ação futuros. Avaliando globalmente a aplicação desses modelos, é possível afirmar que o modelo de abordagem de política é evidente em países com um forte sistema de planejamento e avaliação de políticas (por exemplo, o Reino Unido e a Dinamarca). Já o modelo de abordagem de projeto tem sido apli- cado mais em países onde a avaliação de impacto ambiental de projetos está bem institucionalizada (por exemplo, a Holanda e os Estados Unidos). Isso pode se aplicar a uma empresa. Se ela tem foco maior no plane- jamento e avaliação de políticas, pode valer a pena optar por esse modelo. Se ela tende a avaliar mais os projetos em si, é melhor investir no modelo de abordagem de projeto. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 40 – É claro que tudo vai depender do contexto específico, mas é preciso avaliar os prós e contras que cada abordagem pode trazer. As oportuni- dades de cada um e as restrições que podem oferecer também são crité- rios importantes. Em resumo, somente uma avaliação cautelosa das abordagens, em conjunto com a análise do contexto individual, irá permitir a escolha cor- reta da maneira como o projeto de sustentabilidade irá acontecer. Ao final das contas, todas as discussões acabam por se consolidar em torno das três dimensões: (a) econômica, com a criação de empreendimen- tos viáveis, atraentes para os investidores; (b) ambiental, com a interação de processos com o meio ambiente sem causar-lhe danos permanentes; e (c) social, com o estabelecimento de ações justas para trabalhadores, parceiros e sociedade. 4 Cultura e diversidade Embora seja utilizado cotidianamente, o termo cultura é ainda bastante difícil de definir. Remontando a tempos em que seu significado era somente ligado à atividade agrícola, com a palavra sendo usada como sinônimo de plantação ou cultivo, ela implica em tudo aquilo que é cultivado e compartilhado entre pessoas e povos. Nos séculos XVIII e XIX, o termo começou a ser utilizado em sentido metafórico - tudo aquilo que era produzido e culti- vado por um povo poderia ser visto como sua cultura. Ou seja, ela se firmou como o conhecimento, valores e modelos que gru- pos e povos possuem e perpetuam. No entanto, filósofos iluministas passaram a utilizar o termo para descrever o conhecimento formal, vendo a cultura como “a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade, ao longo de sua história” (Cuche, 2002, p.21). Daí vem uma percepção, ainda comum nos dias de hoje, de que cultura é sinônimo de elevados saberes teóricos ou se expressa sob um conceito de artisticamente elegante. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 42 – Por outro lado, também fazem parte da cultura de um povo as mani- festações artísticas oriundas de aprendizado não formal, muito mais liga- das à prática, às tradições locais e ao cotidiano. A isso convencionou-se chamar de “cultura popular”. Atrelar a cultura somente ao conhecimento formal e às belas-artes é simplificar seu caráter e ajudar a disseminar preconceitos decorrentes disso -- afinal, isso implicaria que alguns povos e grupos teriam mais ou menos cultura do que outros. E não se pode julgar a “qualidade” de uma cultura. O termo é bastante complexo e defini-lo significa fazer uma grande revisão de literatura sobre o tema. Para simplificar o conceito,Canedo (2009) estabelece que ele contém três dimensões: “modos de vida que caracterizam uma coletividade; obras e práticas da arte, da atividade inte- lectual e do entretenimento; e fator de desenvolvimento humano”. Ou seja, povos e grupos variados possuem culturas próprias, que se manifestam em sua ação coletiva, em suas expressões artísticas e em seu desenvolvimento. Logo, é possível afirmar que existem múltiplas formas de cultura e que a diversidade cultural é algo inegável em nossa sociedade. O respeito a essa diversidade é uma faceta da igualdade entre as pes- soas, garantida internacionalmente pela Declaração Universal dos Direi- tos Humanos (1948): Artigo I: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas as outras com espírito de fraternidade. Artigo II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, política, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (ONU, 1948). 4.1 Gênero, uma construção social O estudo de gênero no Brasil, assim como no resto do mundo, é muito recente, e poderíamos dizer que, por muito tempo, foi sinônimo de estudos sobre a mulher. Sem dúvida, os estudos sobre mulheres foram fun- damentais para se entender o “sexismo” (discriminação de um dos sexos), – 43 – Cultura e diversidade como as relações de gênero em nossa sociedade são assimétricas e como a mulher é oprimida, por conta da construção social e subordinada do feminino. No entanto, embora esses trabalhos ajudem a dar visibilidade às mulheres, são teorias a partir da pura oposição masculino/feminino. Assim, muitos estudos de gênero deixam de falar de sistemas de relações sociais ou entre os sexos. Antes de mais nada, é preciso entender os conceitos de sexo e de gênero e as diferenças entre eles. 2 Sexo De modo geral, sexo é a característica biológica que determina a classificação dos indivíduos como homens ou mulheres. No entanto, isso não significa que ele seja somente um elemento biológico! De acordo com a filósofa Judith Butler, uma das prin- cipais teóricas contemporâneas da questão de gênero, o sexo não é anterior ao discurso (BUTLER, 2003). O que isso quer dizer? Logo que se descobre se um bebê ainda por nascer será menino ou menina, associa-se a ele uma série de elementos pré-estabe- lecidos. Nomes, tipos e cores de roupas, decoração de quarto e brinquedos são alguns exemplos. Perceba que não se trata de um comportamento específico do bebê ou mesmo dos pais, mas sim de um conjunto de elementos compartilhados, aceitos e até impostos por toda a sociedade. Ou seja, o sexo de cada indivíduo, além de ser algo biológico, car- rega o que a sociedade convenciona como “adequado” em termos de discurso e de características de comportamento “esperado”. 2 Gênero O gênero diz respeito aos elementos socialmente construídos. Para Butler, é um conjunto de normas e modelos que deve ser seguido por pessoas que se identificam como homens ou mulhe- res. Esse modelo comportamental é determinante na criação, no desenvolvimento e na vida das pessoas. Historicamente, o gênero sempre foi considerado binário: mas- culino ou feminino, e a um deles a pessoa é associada ao nascer. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 44 – Apresentam-lhe modelos de conduta e elementos simbólicos que irão determinar seus comportamentos em sociedade. Esses comportamentos são apreendidos socialmente, pois tanto o masculino como o feminino são criações culturais, e é no processo de socialização que as pessoas vão se conformando, de forma dife- renciada, a cumprir funções específicas, a modelos que significam um conjunto de atitudes, normas e expectativas que definem a mas- culinidade e a feminilidade. Romper com essa lógica de raciocínio bipolar, além de não ser nada fácil, é um desafio que está ligado a todas as áreas do conhecimento, bem como às práticas cotidianas. Mais recentemente, a própria classificação de gênero passou a ser reexaminada: o gênero não necessariamente precisa ser biná- rio. Existem milhares de formas de expressão ligada ao gênero, que captam elementos de ambos. Todas elas são válidas e corro- boram o fato de que todos esses aspectos são construções sociais e, portanto, não podem ser definidos rigidamente. Em um mundo sem determinismo de gênero, elementos que são atrelados ao feminino e ao masculino poderiam ser compartilhados por todos sem problemas ou preconceitos. A transição de gênero é outro ponto de discussão. É cada vez mais comum ver pessoas que fazem esse processo, que consiste na incor- poração de elementos do gênero oposto para seu cotidiano. Vestir-se e agir dessa forma são exemplos da transição, mas é garantido por lei o direito de que a transição seja reconhecida socialmente e que o nome social seja respeitado em empresas, escolas e órgãos insti- tucionais. Assim, tem-se pessoas que se identificam com o gênero com que nasceram (cisgênero) ou com o oposto (transgênero). 4.1.1 Movimentos feministas Uma das máximas dos estudos feministas é o pensamento de Simone de Beauvoir (1970) que afirma que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. A autora afirma que o gênero feminino é construído ao longo do tempo, por meio das pequenas atitudes que permeiam o cotidiano da mulher. As reproduções de atitudes machistas constroem-se sobre esse pilar, baseado – 45 – Cultura e diversidade em preconceitos socialmente aceitos (mulheres são mais frágeis, são pio- res em ciências exatas, entre outras) e que devem ser questionados. Desde a década de 1980, tem-se utilizado o conceito de gênero para sugerir que “[...] a informação sobre mulheres é necessariamente informa- ção sobre homens, que um implica o estudo do outro” (SCOTT, 1990, p. 7). O que isso quer dizer? Embora em muitos casos seja comum usar gênero como sinônimo para mulher, muitas correntes do feminismo defendem que o conceito de gênero é muito mais amplo do que a simples referência às mulhe- res. Ele serve, na verdade, para compreender as relações humanas, seja entre homens e mulheres, mulheres e mulheres, ou homens e homens. Ou, em outras palavras: os estudos feministas não são uma oposição ao masculino, mas sim uma tentativa de criar contextos harmônicos e efe- tivamente igualitários entre ambos. No entanto, o senso comum, exacerbado pelo machismo, tende a acreditar que o feminismo luta pela supremacia das mulheres sobre os homens, mas essa visão é completamente equivocada. Para entender essa questão, precisamos recorrer ao conceito de poder de Michel Foucault. Para o filósofo, o poder não é um conceito abstrato e unilateral (como o poder do governo sobre um povo oprimido, por exemplo), mas sim algo composto por uma rede de micro-poderes (FOUCAULT, 1979). Isso significa que o poder é exercido concretamente e em pequenos momentos. Quando uma mulher sente medo de andar sozinha à noite, o homem exerce um poder sobre ela capaz de causar medo. Quando uma menina é advertida na escola por ter ido de saia e um colega ter olhado por baixo, é o exercício do poder masculino sobre o feminino. Quando lemos que as mulheres brasileiras ganham 20%1 menos do que os homens em todas as funções, notamos o poder econômico do homem sobre a mulher. Perceba que nada disso tem a ver com elementos biológicos, mas sim com o que foi socialmente construído. É por isso que o feminismo se pre- ocupa tanto com esses estudos, já que é a partir deles que se pode entender a raiz do problema. 1 Dados do IBGE: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-ib- ge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas-ocupacoes Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 46 – A educação ligada à cultura e ao gênero tem como objetivo levar essa visão à sociedade. Ao longo da história, utilizou-se dediferenças biológicas para justificar desigualdades sociais, e o cerne da questão é o entendimento de que homens e mulheres devem ser tratados de maneira igualitária porque são efetivamente iguais. A conquista de igualdade de direitos já aconteceu institucionalmente, mas isso nem sempre se verifica na prática. Feminicídio, comentários sexistas, assédio na rua e no trabalho, salá- rios mais baixos, profissões “de homem” e “de mulher”, e divisão desequi- librada das tarefas e responsabilidades domésticas são alguns dos exem- plos de diferenças de tratamento entre gêneros. Esses comportamentos influenciam a vida e o trabalho de muitas mulheres. Historicamente, a entrada massiva da mulher no mercado de trabalho foi um marco para o surgimento e o fortalecimento de demandas feminis- tas. Quando as mulheres começaram a ganhar sua independência finan- ceira e a ocupar posições tipicamente masculinas, como cargos de chefia e liderança, deu-se uma ruptura com o histórico de submissão. A luta das mulheres por igualdade de direitos, de oportunidades, de escolher seus companheiros afetivos, sexuais, casar ou não, ter ou não filhos, ir a qualquer parte, quebra a noção de domínio que sempre foi reservado ao homem. Na maioria das sociedades ocidentais, começa apaga-se pouco a pouco a linha que separa os campos da masculinidade e da feminilidade, da maternidade e da paternidade. É claro que isso não ocorre de maneira efetiva ou abrangente. Questões socieconômicas influenciam isso de maneira direta: mulheres com baixa renda têm menos recursos financeiros e sociais a seu dispor, o que limita seu poten- cial de ação. Adicionalmente, em muitos lares ainda há a típica “dupla jor- nada”, já que a mulher ainda carrega a responsabilidade, supostamente atribu- ída somente a ela, de cuidar dos afazeres domésticos, alimentação, filhos etc. Por isso, não se pode jamais esquecer que as questões culturais não acontecem de forma independente. Todos os elementos da sociedade - econômicos, geográficos, religiosos, etnográficos e outros - estão relacio- nados e afetam-se mutuamente. Essa intersecção, porém, é complexa, e não nos cabe aqui destrinchar esse tema. – 47 – Cultura e diversidade 4.1.2 Representações de gênero Como vimos, o gênero é construído a partir de elementos simbólicos associados ao masculino e ao feminino. Tudo isso, porém, são representa- ções - ou seja, referem-se a elementos que não são concretos. Isso nos leva a pensar na pluralidade social e na existência não de uma única feminili- dade ou masculinidade, mas, sim, de várias e múltiplas2. Não são só as mulheres que sofrem com as questões de gênero. “Meninos não choram” ou “o homem deve ganhar bem” são máximas que causam desconforto no sexo masculino e que levam a comportamen- tos desagradáveis. A necessidade de que o homem sempre demonstre sua força é uma das raízes da violência exacerbada contra a mulher e entre homens, o que prejudica a eles próprios. 4.2 Relações étnico-raciais Qual a importância de se discutir relações étnico-raciais, a identidade e a diversidade em um país como o Brasil, onde se afirma não haver dis- criminação racial? O Brasil é, de fato, um país miscigenado e isso é realmente uma grande riqueza cultural. No entanto, não se pode esquecer das condições que levaram a essa diversidade. Em primeiro lugar, estamos falando de um país que foi colonizado pelos portugueses à custa da exploração de indígenas (povos autóctones) e negros. 4.2.1 Escravização de indígenas nativos Os indígenas de diferentes grupos, povos nativos do Brasil, foram os primeiros a sofrer os impactos da colonização portuguesa. Esse contato entre colonizadores e indígenas se deu de forma violenta. Os povos indí- genas, legítimos donos da terra, foram subjugados, socialmente inferiori- zados e culturalmente desconsiderados. 2 Sobre isso ler o texto de Guacira Lopes Louro, “Gênero, história e educação: construção e desconstrução” da revista Educação e Realidade, v. 20, n. 2, Porto Alegre, 1995. Educação cidadã, diversidade e meio ambiente – 48 – O sistema de capitanias hereditárias, criado pela Corte portuguesa para povoar o novo território, loteou terras que antes eram de domínio indígena, expulsando os nativos para longe do litoral. A escravização dos indígenas para trabalhar nas fazendas durou mais de um século, por ser uma mão de obra acessível e barata, embora de baixo rendimento porque os indígenas resistiram de todas as formas. Eles só estavam acostumados a trabalhar em uma agricultura de subsistência (e não de produção de exce- dentes) e, além disso, o serviço agrícola era considerado uma atribuição feminina pelos índios, daí a maior resistência. Mais tarde, a catequização promovida pelos jesuítas, impondo a fé católica aos indígenas “pagãos”, obrigou-os a aprender a ler e escrever e a se tornarem “civilizados”. A vantagem é que os jesuítas eram contrários à escravização dos índios. O resultado dessa miscigenação forçada foi o surgimento de um novo grupo sem identidade, não aceito nem por uma origem nem pela outra. Até hoje, vemos os reflexos dessa falta de identidade e da expulsão dos indígenas de seu chão. 4.2.2 Escravização de negros africanos Com a percepção de que o trabalho dos indígenas “não rendia”, e a exigência de mais mão de obra para atender o crescimento da atividade agrícola, a Coroa portuguesa decidiu investir no tráfico de escravos da África para o Brasil, que por si só já era um negócio altamente rentável. Estima-se que, ao longo de três séculos, quase 5 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil em navios negreiros, depois de sequestra- dos e vendidos por outros africanos, sob forte estímulo dos portugueses. Assim, foram arrastados, de forma compulsória, negros de vários países da África, com línguas, costumes e tradições diferentes. Condições de vida degradantes, jornadas de trabalho extenuantes, doenças, punições cruéis e toda sorte de explorações perduraram até 1888, quando foi promulgada a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil. Abandonados à própria sorte, porém, os escravizados agora libertos não tinham acesso a educação, saúde, moradia ou emprego. Criou-se um grupo de pessoas marginalizadas, que se instalaram em comunidades peri- – 49 – Cultura e diversidade féricas e sem infraestrutura. Conflitos sociais, desigualdade e preconceito acompanharam os africanos, e até hoje a parcela negra da população bra- sileira enfrenta esses mesmos problemas. 4.2.3 Imigrantes europeus e de outros continentes Com a abolição da escravatura, era preciso suprir a mão de obra para a agricultura que se expandia em área e tipos de cultivo. O final do século XIX e primeiros anos do século XX foram períodos de intensa imigração europeia para o Brasil, sobretudo de italianos e alemães. A chegada dos europeus eliminou de vez as chances de emprego para os africanos e seus descendentes, e acabou com a falsa analogia entre os dois grupos, uma vez que as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes nada tinham a ver com escravidão e exclusão. Ciganos, asiáticos (especialmente japoneses) e outros povos também tiveram processos de integração particulares e é igualmente importante analisá-los. Porém, a categoria étnico-racial que será tomada como refe- rência neste texto é a negra. O termo étnico na expressão étnico-racial está sendo usado para marcar que as relações raciais tensas na sociedade brasileira não dizem respeito somente a diferenças de cor de pele e traços fisionômicos, mas também se referem à raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que difere da visão de mundo, valores e princípios dos de origem indígena e asiática (BRASIL, 2009). Entender esse processo de formação da população brasileira é essencial para compreender o contexto étnico-racial do país e suas consequências atuais. 4.3 Populações historicamente marginalizadas De modo geral, o povo brasileiro é oriundo de quatro continentes: Amé- rica, Europa, África e Ásia. Todos
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