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116 FISIOLOGIA DO SISTEMA DIGESTÓRIO A manutenção de vida requer que os animais obtenham os nutrientes essenciais (carboidratos, proteínas e lipídios) para os processos orgânicos consumindo alimentos. Para o metabolismo normal, as células necessitam as três fontes de nutrientes que são transportados pelo sangue em suas formas mais simples: monossacarídeos (carboidratos), aminoácidos (proteínas) e ácidos graxos (lipídios). Os animais consomem os alimentos que contêm estes nutrientes nas formas químicas e físicas mais complexas. É função do trato gastrointestinal reduzir os alimentos consumidos em moléculas simples que possam ser absorvidas e, por meio do sangue, sejam liberadas nas células e tecidos do organismo para o metabolismo celular. O alimento atinge o organismo após sua apreensão e ingestão, mas como o trato digestivo é um canal, de estrutura semelhante a um tubo, que se estende da boca ao ânus, o material localizado no interior de seu lúmen fica sujeito aos processos de digestão. Portanto, a aquisição de alimento é seguida por processos que dividem este material em porções por meios físicos e químicos, de forma que as unidades estruturais ou outros componentes químicos simples possam finalmente penetrar o organismo através das barreiras intestinais. O processo associado a essa divisão (frequentemente definido como degradação do alimento em unidades mais básicas) é chamado digestão e o processo de atravessar o epitélio intestinal e penetrar na corrente sanguínea é chamado absorção. Os processos de degradação dos alimentos podem ser físicos ou químicos, denominados digestão mecânica e química, respectivamente. No processo de absorção, os alimentos derivados da digestão atravessam o epitélio na forma de monossacarídeos, aminoácidos e ácidos graxos, além dos outros nutrientes essenciais (ex. minerais, vitaminas). 7.1. Estrutura e Função do Sistema Digestivo O Sistema Digestório (SD) dos mamíferos apresenta um maior grau de diversidade estrutural e funcional do que qualquer outro sistema orgânico. Esta diversidade deriva das diferentes dietas e hábitos alimentares das espécies animais. De acordo com o comportamento alimentar, os animais classificam-se em: a) Herbívoros - são aqueles animais cuja alimentação é de origem vegetal. Os herbívoros podem ser ruminantes (bovino, ovino, caprino, camelo, etc.) e não ruminantes (cavalo, coelho, elefante etc). Os herbívoros apresentam no tubo digestivo segmentos ampliados (estômago, intestino grosso) para efetuar a fermentação microbiana, como o rúmen, ceco e colo, que são particularmente importantes para a decomposição da celulose e hemicelulose pelos microrganismos. Existem adaptações do sistema digestório dos herbívoros para facilitar a digestão da fibra (ceco, cólon e rúmen) e o trato gastrintestinal tende a ser longo, permitindo menor taxa de passagem de alimento fibroso pelo sistema digestivo, facilitando assim, a ação da população microbiana celulolítica. b) Onívoros - os onívoros são colocados em posição intermediária, pois sua alimentação pode ser de origem tanto vegetal como animal. Os onívoros incluem os humanos e os suínos, com estágio intermediário de alimentação e tamanho do trato gastrointestinal. Os 117 animais onívoros apresentam um intestino relativamente longo, um estômago um pouco mais complexo e um ceco relativamente mais desenvolvido do que os carnívoros. c) Carnívoros - são aqueles animais cuja alimentação é de origem animal. O cão e o gato são carnívoros por excelência. O trato gastrintestinal é proporcionalmente curto em relação ao comprimento do corpo (relação 1:5). A alimentação desses animais consiste basicamente de alimentos ricos em nutrientes de alta digestibilidade. Figura 1 - Sistema digestivo de herbívoro ruminante (bovinos, ovinos e caprinos), herbívoro não ruminante - equinos); onívoro - suínos; e carnívoro - cão (adaptado de Van Soest, 1994, p. 60 e 61). Outras formas de classificarmos os animais é quanto a anatomia do sistema digestivo, que permite agrupá-los em animais não ruminantes, aves e ruminantes. Os animais não ruminantes são subdivididos em dois grupos, de acordo com a funcionalidade do ceco e do cólon: 1) monogástricos (porco, cachorro, peixe, macaco e homem), devido aos sistemas digestivos serem mais simples, consistindo de: boca, glândulas salivares, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, pâncreas e fígado, e apresentarem limitada ação microbiana e digestão de fibra; e 2) Monogástricos com ceco funcional (cavalo e coelho), sendo o ceco e o cólon de grande tamanho e com população de microrganismos capazes de digerir a fibra e sintetizar vitaminas do complexo B e vitamina K. 118 Os suínos e outros animais onívoros possuem a enzima α-amilase na saliva; o volume dos três compartimentos digestivos (estômago, intestino delgado e intestino grosso) são semelhantes; ocorre alta atividade de absorção no intestino delgado; e o ceco apresenta pouca função. Os eqüinos possuem saliva com ausência de enzimas digestivas e a secreção ocorre por ação mecânica do alimento; o estômago é menor em relação a outros animais, necessitando ingerir alimentos várias vezes ao dia; e o intestino grosso é desenvolvido (60% do trato gastrintestinal), com intensa ação microbiana. As aves possuem trato gastrintestinal com características anatômicas diferentes dos outros monogástricos, pela presença de bico, papo, pró-ventrículo, moela, ceco bifurcado e cloaca, órgão este comum aos sistemas digestivo, urinário e reprodutor. Podemos destacar algumas características que diferem os animais ruminantes dos monogástricos: a) Boca com a seguinte dentição permanente: incisivos (0/4), caninos (O/O), pré- molares (3/3) e molares (3/3), em que o numerador representa os dentes da arcada superior e o denominador os dentes da arcada inferior. Os ruminantes não têm os incisivos superiores e caninos, sendo a preensão do alimento realizada com os incisivos inferiores, superfície superior, lábios e língua. b)Saliva com produção contínua, sem enzimas em sua composição, com presença de fonte de minerais (P, Na) e nitrogênio para os microrganismos e com ação tamponante. anti-timpânica e anti-espumante. c)Estômago com quatro compartimentos: rúmen, retículo, omaso e abomaso, sendo os três primeiros aglandulares. O desenvolvimento do rúmen ocorre normalmente nos ovinos aos dois meses e nos bovinos aos cinco a seis meses, quando os animais lactentes seguem a mãe em pastagens. O desenvolvimento do rúmen pode ser antecipado durante o processo de desmama precoce, em que os animais lactentes são forçados a consumirem dietas sólidas em substituição ao leite em idade mais jovem, podendo a desmama precoce, ou remoção total do leite da dieta dos bezerros, ocorrer por volta de um mês, quando os mesmos já estão consumindo em torno de 600 gramas de concentrado/anima/dia em adição a alimentos volumosos. As vacas têm nove vezes mais porcentagem do trato gastrintestinal em relação ao peso vivo do que os humanos. O rúmen-retículo apresenta mais de 50% da capacidade digestiva, propiciando mais espaço para armazenamento e digestão do alimento fibroso pela ação da população microbiana, constituída de 10 10 bactérias, 10 6 protozoários e 10 4 fungos por mililitro de conteúdo ruminal. Tabela 1 – Capacidade do aparelho digestivo (litros – L e porcentagem do trato gastrintestinal - %TGI) de algumas espécies de mamíferos 1 Estômago Intestino delgado Ceco Cólon + reto L %TGI L %TGI L %TGI L %TGI Bovinos 252 71 66 18 10 3 28 8 Equinos 18 9 64 30 33 16 95 45Suínos 8 29 9 33 1,5 6 9 32 1 Adaptado de Swenson, M.J. Ed.: Duke´s Physiology of Domestic Animals, citado por Ensminger ET al., 1990, p. 53. 119 A população microbiana tem três importantes funções nutricionais para os animais: 1) a digestão e a fermentação dos carboidratos, como celulose e amido, com conseqüente produção de ácidos graxos voláteis (AGV), que após absorvidos, principalmente pelo epitélio ruminal, serão utilizados para várias funções, dentre elas o suprimento de 60 a 80% da energia disponível ao animal; 2) a síntese de aminoácidos a partir de nitrogênio não protéico (NNP) proveniente da dieta ou de reciclagem via saliva ou difusão ruminal e a partir da proteína dietética degradável no rúmen; e 3) a síntese de vitaminas do complexo B e K No caso de aminoácidos e vitaminas, estes são disponíveis com o fluxo de microrganismos junto com a digesta para o abomaso e intestino delgado, onde sofrem os processos de digestão e absorção. Os aminoácidos de origem microbiana suprem de 40 a 80% do total de proteína metabolizável absorvida no intestino delgado, sendo os 20 a 60% restantes de origem dietética. As desvantagens da população microbiana no processo fermentativo são a perda de energia por fermentação e mastigação e a perda de aminoácidos dietéticos por fermentação, embora estas desvantagens sejam menos importantes que as vantagens. d) Outras: presença de goteira esofágica nos bezerros, pela formação de um canal, impedindo a ida do leite ao rúmen, e sim diretamente ao abomaso; ruminação ou regurgitação da digesta ruminal à boca para sofrer um processo mais minucioso de mastigação, reduzindo, assim, o tamanho das partículas alimentares e favorecendo a ação microbiana após a redeglutição; eructação ou eliminação dos gases de fermentação ruminal via esôfago, indo em direção à faringe e aos pulmões e sendo eliminados pela expiração; passagem da digesta é lenta e contínua pelo abomaso, após permanecer armazenada por tempo prolongado no rúmen-retículo; o açúcar é quase inexistente no abomaso, devido à rápida atividade de fermentação ruminal dos mesmos; ausência da enzima glicolítica no intestino; e produção da enzima ribonuclease no intestino delgado, para degradar os ácidos nucléicos microbianos, permitindo a absorção e posterior excreção via urina, sob a forma de purinas, como o ácido - alantóico. O sistema digestivo está constituído pelo: (i) Trato Gastrintestinal (todos os órgãos, desde a boca até o ânus) e (ii) algumas glândulas acessórias: glândulas salivares, fígado e pâncreas (as quais secretam fluidos que atuam nos processos digestivos) que tem como função principal efetuar a digestão (preparação dos alimentos para absorção) e a absorção dos alimentos (passagem das partículas alimentares através das membranas do TGI), bem como a excreção de produtos residuais (ex. fezes). Funções do Sistema Digestório A principal função do sistema digestório consiste na digestão e absorção dos nutrientes e excreção dos produtos não utilizados. As funções gerais de sistema digestivo são: a) Fornecer ao organismo, de forma contínua, nutrientes, água e eletrólitos; b) Armazenar alimentos por um determinado período de tempo e liberá-los parcialmente para sofrerem digestão; c) Preparar o alimento para absorção; d) Assimilar (absorver) os produtos da digestão; e) Eliminar os resíduos alimentares (produtos não digeridos). 120 As funções primárias do TGI e seus órgãos acessórios são a digestão e a absorção de nutrientes essenciais para os processos metabólicos. Além disso, a mucosa deve discriminar a absorção de substâncias que poderiam ser tóxicas se elas tiverem acesso ao corpo. O lúmen do trato pode ser considerado como "exterior" ao corpo. As células epiteliais que revestem o lúmen do intestino constituem a única barreira entre este ambiente interno e o sangue. Essas células, contudo, desempenham uma variedade de funções, incluindo digestão, absorção e secreção; elas são dotadas de enzimas capazes de digerir açúcares e peptídeos e, dentro delas, ocorrem processos de transporte que promovem a captação de conteúdos luminais específicos. As membranas celulares constituem uma eficiente barreira que requer um processo de transporte específico para muitas substâncias hidrossolúveis. Embora as funções possam ser similares, o SD difere notoriamente nas diversas espécies segundo o tipo de alimentação, assim, cada espécie apresenta uma estrutura específica relacionada ao grau de desenvolvimento de certas características anatômicas conforme o tipo de alimentação. Nos carnívoros, por exemplo, o TGI é relativamente curto e simples. A maioria dos animais carnívoros e onívoros possui estômago relativamente simples, denominados monogástricos, que contém diversas glândulas que secretam substancias para efetuar a digestão (ex. ácido clorídrico e pepsinogênio). Nestes animais, a digestão é basicamente química (enzimática). O suíno adulto, em condições de campo, pode ter um pouco de digestão microbiana. Nas espécies herbívoras, o estômago e/ou intestinos apresentam modificações que permitem a utilização da celulose e outros polissacarídeos como a hemicelulose, sendo a digestão de natureza microbiana e enzimática. Na maioria das plantas, a celulose é a base da estrutura dos carboidratos e constitui um dos componentes orgânicos mais abundante que dispõem os animais na natureza. A utilização dessa grande fonte potencial de energia, somente é possível pela ação de enzimas celulolíticas capazes de hidrolisar a celulose e transformá-la em moléculas de glicose. Por razões desconhecidas, durante a sua evolução, os animais vertebrados não desenvolveram a capacidade de produzir no TGI. enzimas celulolíticas. Como existem diversas bactérias, protozoários e fungos capazes de hidrolisar a celulose em celobiose ou glicose, os animais herbívoros desenvolveram mecanismos para servir como hospedeiros dos referidos microrganismos, numa forma de relação simbiótica. Assim, o estômago dos ruminantes evoluiu num órgão que permite uma grande fermentação microbiana pré-gástrica, o qual é uma característica destes animais, enquanto nos restantes animais herbívoros a fermentação microbiana acontece nos intestinos, principalmente no colo (suínos) e no ceco (eqüinos, coelhos), a qual é similar ao do rúmen. Algumas espécies herbívoras, tais como o coelho e o rato, costumam ingerir suas próprias fezes (coprofagia), obtendo assim benefícios adicionais da fermentação no ceco e intestino grosso pela reciclagem de alguns nutrientes que normalmente não são absorvidos nesta parte do TGI (particularmente vitaminas). Os processos digestivos também diferem entre as espécies. Assim por exemplo, as condições fisiológicas necessárias para a digestão da celulose são diferentes daquelas necessárias para a digestão da carne. Algumas das funções podem modificar-se quando a dieta dos mamíferos muda de leite para alimentos sólidos durante o desmame. A digestão no intestino delgado dos mamíferos é realizada por enzimas capazes de digerir carboidratos solúveis, gordura e proteína, não ocorrendo digestão de celulose no intestino delgado. 121 7.2. – Digestão O processo de digestão compreende a ingestão e degradação dos alimentos no trato gastrintestinal, além das atividades das glândulas acessórias e a excreção dos resíduos não absorvidos. Um grande número de processos químicos e físicos estreitamente relacionados e sob o controle dos sistemas nervoso e hormonal, faz parte da digestão. A maioria dos nutrientes ingeridos está numa forma muito complexa e insolúvel para serem absorvidos pelosangue e linfa. Porém, a glicose, os sais solúveis, a água e outros poucos nutrientes não requerem digestão. Por outro lado, a maioria dos alimentos deve sofrer mais ou menos “trabalhosas” alterações antes da absorção. Na digestão são quatro os processos envolvidos: (i) Secreção: envolve a elaboração de fluidos especializados contendo enzimas, eletrólitos e outras substâncias como suco pancreático, bílis, fluido intestinal e hormônios produzidos por células que revestem várias porções do trato gastrintestinal; (ii) Digestão: envolve as reações que ocorrem no lúmen do trato gastrintestinal que hidrolisam nutrientes complexos transformando-os em substâncias simples como monossacarídeos, aminoácidos e ácidos graxos; (iii) Absorção: ocorre em certas porções do trato gastrintestinal, a partir das quais as substâncias simples passarão para a corrente sanguínea a fim de serem metabolizadas. (iv) Excreção: é a eliminação dos resíduos não absorvidos pelo organismo, derivados do processo da digestão dos alimentos no trato gastrintestinal. Antes de serem absorvidos através do epitélio, os alimentos têm que ser degradados no lúmen intestinal (digestão luminal), transformando-se em substâncias que possam interagir com as enzimas das células intestinais ou com os carreadores. Para efetuar-se a digestão luminal se requer a participação das secreções dos órgãos acessórios e da mucosa intestinal. As glândulas salivares, pâncreas e fígado fornecem secreções de eletrólitos, água, enzimas digestivas e sais biliares, todos necessários para a digestão luminal. A mucosa intestinal também é capaz de secretar ácido ou base no lúmen e, desse modo, estabelecer um pH ótimo para as enzimas digestivas. Essa função secretora, que fornece o meio químico para a digestão luminal, é um processo que requer energia e está sob o controle do sistema neuroendócrino. O "trânsito" dos alimentos é regulado pela função motora do intestino para facilitar os processos digestivos, auxiliando o contato dos alimentos ingeridos com as secreções digestivas e permitindo que os produtos digestivos sejam expostos o maior tempo possível à superfície epitelial dos intestinos para poder serem absorvidos. Os grandes volumes de água e eletrólitos secretados no lúmen intestinal, principalmente nos herbívoros, são reabsorvidos pelo epitélio e transferidos para a circulação, retornando ao líquido extracelular. Assim, a função do TGI inclui a absorção de nutrientes e a reabsorção de secreções endógenas, constituindo o processo mais crítico do SD Uma falha na reabsorção, por exemplo, pode resultar em poucas horas, em desidratação e colapso circulatório. A absorção dos alimentos está favorecida pela organização morfológica dos intestinos que aumenta a área superficial de absorção em milhares de vezes. Assim, por exemplo, um intestino de aproximadamente 4 cm de diâmetro e 280 cm de comprimento pode apresentar uma superfície para digestão e absorção em torno de 200m 2 . Isto se deve a que o intestino é um órgão muito alongado e sua superfície interna está muito aumentada devido à formação de pregas ou dobras da mucosa, visíveis sem o auxílio do microscópio; essas pregas, por sua vez, estão revestidas por vilosidades e cada célula da vilosidade é revestida por milhares de microvilosidades que apresentam uma forma de borda em escova e 122 são responsáveis pela maior ampliação da área superficial. A assimilação total do alimento inclui, além da fase de mucosa, uma fase de transporte para a liberação dos produtos finais nos vasos linfáticos ou na circulação porta. O epitélio entérico tem a mais alta taxa metabólica de todos os tecidos normais do corpo e, portanto, uma alta capacidade de regeneração. Fatores responsáveis pela digestão Na digestão dos alimentos participam fenômenos de natureza química e física. Os processos físicos compreendem a atividade motora do trato gastrintestinal, bem como o umidecimento e mistura do conteúdo, enquanto os processos químicos são efetuados pelas secreções digestivas. Os seguintes fatores são responsáveis pela digestão: a) Fatores mecânicos (Digestão mecânica)- compreendem a mastigação, deglutição, regurgitação, motilidade gástrica e intestinal e defecação. b) Fatores secretórios (Digestão química)- compreendem a atividades das glândulas digestivas, sejam as do trato gastrintestinal e/ou glândulas acessórias, como as substâncias químicas produzida pela mucosa gástrica (ex: HCl). c) Fatores químicos (Digestão enzimática)- compreendem as enzimas, tanto as produzidas pelas glândulas como as ingeridas nos alimentos (menos importante). d) Fatores microbianos (Digestão microbiana)- compreendem as atividades secretoras dos microrganismos (bactérias, protozoários, fungos e leveduras) presentes no estômago e intestino dos animais ruminantes e no intestino dos herbívoros monogástricos. Nos processos digestivos, a maior parte das modificações químicas que acontecem são atribuíveis à ação de enzimas, que são substâncias protéicas que atuam como catalizadores orgânicos, isto é, atuam na síntese ou no desdobramento de substâncias orgânicas. As enzimas estão presentes nas secreções das glândulas acessórias e da mucosa intestinal e dentro das células epiteliais. As principais enzimas e os substratos que atacam o alimento são apresentadas na Tabela 18. Tabela 18. Principais enzimas e substratos que atacam o alimento Enzima Substrato Produto final Aquelas que desdobram carboidratos Amilase salivar Amidos Glicose Amilase pancreática Glicogênio Glicose Amilase intestinal Glicogênio Glicose Sacarase intestinal Sacarose Frutose Lactase intestinal Lactose Galactose Aquelas que desdobram proteínas Pepsina gástrica Pepsina Aminoácidos Tripsina pancreática Tripsina Aminoácidos Peptidase intestinal Peptideos Aminoácidos Aquelas que desdobram lipídios Lipase gástrica Triglicerídeos Glicerídeos + ac. graxos Lipase pancreática Triglicerídeos Glicerídeos + ac. graxos Lipase intestinal Triglicerídeos Glicerídeos + ac. graxos 123 O grau de atividade das enzimas varia nas diferentes espécies e, dentro delas, segundo a idade. Assim, por exemplo, nas espécies não ruminantes (exceção do cavalo), grandes quantidades de amilase pancreática são liberadas no duodeno para a digestão completa do amido; nos ruminantes, o aproveitamento da amilase é reduzido (35-40%) pelos baixos níveis da enzima. Outras, como a lactose, apresentam grande atividade durante as primeiras semanas de vida, após declina rapidamente. Ao contrário, as atividades da sacarase e da maltase são baixos ao nascimento e aumentam com a idade (aspectos importantes a considerar na composição da dieta dos animais). Antes que a digestão possa iniciar-se, o alimento precisa ser dirigido através dos processos de apreensão, mastigação e deglutição. 7.3.- Apreensão dos alimentos O ato de trazer o alimento à boca (captação) é a preensão. Os dentes, os lábios e a língua são utilizados como órgãos de preensão pelos animais. O processo de digestão se inicia com a introdução dos alimentos na cavidade oral. A apreensão é um processo altamente coordenado pelo SNC. Os nervos cranianos (facial, glossofaríngeo) controlam os músculos de apreensão. Anormalidade de dentes, mandíbula e músculos de língua pode prejudicar a apreensão. O processo de apreensão dos alimentos varia de acordo com a espécie de animal, podendo ser utilizado, em vários graus, os dentes, lábios, língua, cabeça e as extremidades dos membros anteriores. Nos bovinos, a língua longa e móvel, é o principal órgão de apreensão sem utilizar os lábios. Os alimentos são apanhadosatravés de movimentos da língua, introduzidos na boca e cortados pela compressão dos dentes incisivos inferiores contra o palato duro superior. O processo é auxiliado por movimento da cabeça, na direção posterior. A aspereza da superfície da língua, com suas papilas, impedem o retrocesso do alimento. Os ovinos e caprinos utilizam, principalmente, os dentes incisivos inferiores e a língua para apreensão, mas em grau menor que os bovinos. Os ovinos apanham também os alimentos pelos movimentos do lábio superior. Os ruminantes ao ingerirem alimento líquido, colocam apenas a porção média da fenda labial sobre o líquido. Através da retração da mandíbula e da língua, produz-se uma pressão negativa que aspira o líquido para o interior da cavidade oral. 7.4.- Mastigação A mastigação representa o primeiro ato da digestão e tem por finalidade reduzir o tamanho dos componentes do alimento a partículas menores, e misturá-las com a saliva, facilitando a deglutição. A importância da mastigação reside no fato de que o alimento, finamente dividido, apresenta uma superfície maior para a ação dos sucos digestivos, facilitando a digestão. Os ruminantes utilizam os dentes e o palato duro no processo da mastigação. A mastigação é um fenômeno reflexo que pode ser interrompida voluntariamente, permitindo que partículas indesejáveis possam ser retiradas da cavidade oral. A intensidade da mastigação e sua importância variam nas diferentes espécies. Nos ruminantes ocorre a “moagem” do alimento, devido à natureza grosseira de sua dieta. Os herbívoros não ruminantes (ex. cavalo) mastigam demoradamente o alimento, obtendo uma redução suficiente do seu tamanho já ao ingerir. Nos ruminantes, deve-se distinguir entre a mastigação fugaz, após a ingestão dos alimentos, e aquela após a regurgitação do conteúdo 124 do rúmen. No primeiro processo, os movimentos mastigatórios não ocorrem com a mesma intensidade que durante a ruminação e, mesmos os movimentos laterais, são pouco pronunciados. O tempo necessário para mastigar uma determinada quantidade de alimento, depende da intensidade dos movimentos mastigatórios e das características do alimento. Alimentos ricos em água requerem menos movimentos mastigatórios, portanto, menos tempo que os alimentos secos. Para mastigar 1 kg de feno uma vaca gasta oito minutos e o número de movimentos mastigatórios é de 78 a 94/minuto. Este animal, alimentando-se somente de feno realiza em média 47.000 movimentos por dia e alimentando-se de concentrado e silagem, é de 10.700 movimentos por dia. 7.5.- Saliva A saliva é a mistura da secreção das glândulas salivares, secretada dentro da cavidade oral, sendo a primeira secreção do aparelho digestivo. Funções da saliva a) A saliva, devido ao seu alto teor de umidade facilita a mastigação e a deglutição. Durante a mastigação, ocorrem umidificação e entumecimento dos alimentos e desprendimento de nutrientes essenciais e substâncias que estimulam a sensibilidade gustativa e a secreção de saliva e suco gástrico. b) Nos ruminantes, existe a lipase salivar que vai atuar na hidrólise de molécula dos triglicerídeos. c) Apresenta uma ação lubrificante, principalmente devido à presença de mucina (complexo altamente lubrificante composto de ácido neuroamínico e N acetil galactosamina), facilitando o “deslizamento” do alimento, na deglutição e na ruminação. d) Possui uma pequena atividade antibacteriana, que em parte evitaria a cárie. e) Devido ao conteúdo de íons alcalinos na saliva, são neutralizados principalmente os ácidos íons formados no rúmen, evitando a acidez crescente do rúmen. Através da neutralização, o pH do rúmen mantém-se dentro de limites estreitos. f) Fornece micronutrientes aos microrganismos do rúmen. g) Apresenta uma propriedade antiespumante que ajuda na prevenção do timpanismo, que pode ocorrer em diferentes ruminantes. h) Sob determinadas condições, possui função excretora, eliminando substâncias ingeridas em excesso, como o mercúrio e o potássio. Secreção das glândulas salivares Nas glândulas salivares existem dois tipos de células secretoras, denominadas de células serosas e mucosas. De acordo com a secreção destas células, temos três tipos de saliva: a) Saliva tipo serosa - secretada pelas células serosas e caracteriza-se pela presença de eletrólitos e uma quantidade de água, não tendo mucina. b) Saliva tipo mucosa - secretada pelas células mucosas, caracteriza-se pelo alto teor de mucina, tendo muito pouco eletrólitos e água. c) Saliva tipo mista - secretada por ambas as células. É uma mistura da secreção serosa e mucosa. Tipos de glândulas e secreções Os monogástricos se caracterizam por possuir três pares de glândulas espalhada pela mucosa da boca. Nos ruminantes, existem seis pares de glândulas e duas simples, conforme se observa na Tabela 19. 125 Tabela 19. Características das glândulas salivares dos ruminantes (*) Glândulas Novilhos Carneiros Tipo de célula Volume (litros/ 24 h) Peso (g) % do total Peso (g) % do total Parótida 63,5 32,2 23,5 29,3 serosa 3 - 8 Mandibular 64,0 31,6 18,2 22,6 mista 0,4 - 0,8 Sublingual 11,3 5,6 1,3 1,6 mista 0,1 Labial 8,9 4,4 10,9 13,5 mista ? Bucal Ventral 13,5 6,7 5,9 7,3 serosa 0,7 - 2,0 Bucal Medial 13,1 6,5 6,0 7,5 mucosa 2 - 6 Bucal Dorsal 16,2 8,5 8,8 10,9 mucosa 2 - 6 Faringeal 9,1 4,5 5,9 7,3 mucosa 2 - 6 Figura 3 – Localização das principais glândulas salivares (adaptação de Ensminger et al., 1990, p. 57) Quantidade de saliva A quantidade de saliva secretada, diariamente, varia com a espécie animal e o tipo de alimentação (quantidade de alimento, teor de umidade e teor de fibra). Nos ruminantes é produzida diariamente uma grande quantidade de saliva alcalina, com grande poder tampão, que provem, na sua maioria das glândulas parótidas. Na Tabela 20 é apresentada a produção de saliva de algumas espécies de bovinos consumindo diferentes tipos de alimentos. 126 Tabela 20. Quantidade média de saliva produzida por dia segundo a espécie animal Espécie Quantidade Vaca 98 - 190 litros Ovelha 6 - 16 litros Cavalo 40 litros Suíno 15 litros Homem 1,5 litros Galinha 25 gramas Composição da saliva A saliva é uma solução incolor, inodora e insípida, constituída por quase sua totalidade por água, e seu teor de líquido varia de acordo com a espécie animal. A matéria seca compreende diversos compostos orgânicos, leucócitos, microrganismos e células epiteliais descamadas. Como componente inorgânico, tem principalmente cloreto, fosfato e bicarbonato de potássio, sódio e cálcio. Na saliva dos ruminantes, a concentração de sódio e potássio, é a mesma do soro, enquanto que a de bicarbonato e a de fosfato são respectivamente 4 a 10 vezes mais altas, e por isso de alto poder tampão. Na vaca, chegam ao rúmen diariamente 250 gramas de (Na2HPO4) e 1 a 2 kg de (NaHCO3) com a saliva. Dos componentes orgânicos, cerca de 70% da matéria seca da saliva é composta por albumina, globulinas e glicoproteínas. Ocorre também uma atividade enzimática (ptialina e amilase salivar) que está presente no homem, macaco, suíno, rato e aves e não ocorre no cavalo, cão, gato e ruminantes. Estas enzimas atuam particularmente na molécula de amido. Na saliva dos ruminantes, existe uma lipase, que atua hidrolizando os triglicerídeos da dieta, principalmente, nas moléculas de ácidos graxos de cadeia curta (Ex: ácido butírico do leite). Esta enzima teria certa importância para bezerros, durante a fase de amamentação, estimando-se que eladecompõem cerca de 20% das ligações ésteres da gordura do leite. O alto teor de nitrogênio da saliva dos ruminantes é importante, sendo que sua concentração varia entre 9 a 36 mg/100 ml. Cerca de 70% deste total corresponde a uréia. Formação e secreção da saliva Com exceção dos ruminantes, as glândulas salivares dos animais secretam apenas durante a ingestão dos alimentos. Normalmente, a composição da saliva se modifica com o tempo de secreção. O estímulo da glândula para que ocorra a secreção tem que ser muito rápido, pois a permanência do alimento na boca é curta. O desencadeamento da secreção salivar, ocorre por via reflexa. A ingestão do alimento origina estímulos químicos, mecânicos e térmicos sobre os receptores da mucosa oral, que seguem pelos nervos lingual, glossofaríngeo e vago e desencadeiam a secreção da saliva. Fatores que afetam a secreção de saliva Diversos fatores inerentes à espécie animal e ao alimento, afetam a secreção salivar: - Mastigação - a mastigação (ou ruminação) aumenta a secreção de saliva; 127 - Alimentos - os alimentos fibrosos e secos, estimulam o aumento na produção de saliva. O contato dos alimentos com a parede do rúmen causa um aumento na produção de saliva. O alimento concentrado (grãos) estimula a produção de saliva em maior quantidade que determinados volumosos. - Distensão - a distensão da parede esofágica e ruminal estimulam aumento na produção de saliva. - Olfato - o olfato parece estimular o aumento na produção de saliva. Figura 4 – Concentração dos principais íons no plasma e na saliva – em função da secreção salivar (adaptado de Johnson, 1991, p.62) 7.6.- Características da Parede do Trato Gastrointestinal (TGI) O trato gastrintestinal é essencialmente um tubo muscular liso longo que se estende da boca ao ânus. A parede do TGI é muito similar, e consiste basicamente de três membranas: uma interna (mucosa), outra mediana (muscular) e uma externa (serosa). Estas membranas são responsáveis pela execução das funções de movimentação, digestão e absorção dos alimentos. A membrana mucosa apresenta um epitélio, que é um tecido conectivo com uma pequena camada de fibra muscular, que reveste o TGI e funciona como barreira seletiva entre o lúmen e os líquidos do corpo. Na membrana da mucosa são alojados muitos vasos sangüíneos e numerosas glândulas. As mucosas esofágica, gástrica e intestinal estão separadas da camada muscular por uma submucosa de tecido conectivo. As características anatômicas e funcionais da mucosa e seu epitélio variam muito entre os segmentos do intestino (Fig. 32). Substâncias ou itens indigeríveis (como uma moeda) podem passar pelo trato gastrintestinal sem ser alterados e sem acometer o animal amenos que forem grandes o suficiente para prejudicar o movimento de outros conteúdos. O músculo liso da parede do trato digestivo fornece a força para mover os alimentos ao longo do trato, sendo a motilidade gastrointestinal o termo geral usado para descrever a atividade deste músculo liso. A motilidade gastrointestinal é primariamente regulada por três 128 mecanismos: (1) sistema nervoso autônomo, (2) hormônios gastrointestinais e (3) sistema nervoso entérico. A maior parte da membrana muscular do trato gastrintestinal está constituída de uma camada interna, com fibras musculares circulares, e de uma camada externa formada por fibras musculares longitudinais. A parede da faringe, da parte superior do esôfago, a língua e o palato mole, além do tecido liso, contém também tecido muscular estriado. Qualquer estímulo é rapidamente distribuído à musculatura, promovendo as contrações do trato gastrointestinal. Estas contrações são de dois tipos: - Contrações tônicas (contínuas): controla a pressão constante de cada porção do trato gastrointestinal e dos esfíncteres. - Contrações rítmicas (fásicas): são contrações tipo ondas, podendo ser freqüentes ou não, sendo responsáveis pela peristalse, movimentos gástricos e movimentos intestinais. Mesentérica Serosa Musculatura longitudinal Nódulo linfático Musculatura circular Submucosa Plexus mesentérico Mucosa muscular Lâmina própria mucosa Epitélio Plexus da submucosa de Meissner Lúmen Vilo Glândula na submucosa Glândula fora do TGI Figura 32. Diagrama apresentando as características da parede do Trato Gastrointestinal Motilidade do trato digestivo (TGI) Os movimentos dos músculos do TGI possuem ações diretas sobre a luz intestinal, permitindo as seguintes funções: 1 - Empurrar a ingestão de um local para diante; 2 - Reter a ingestão em determinado local para a digestão, absorção ou estocagem; 3 - Quebrar fisicamente as partículas, matéria alimentar e misturá-las a secreções digestivas; 4 - Movimentar circularmente a ingestão de forma que todas as porções entrem em contato com as superfícies absortivas. O movimento da parede intestinal é conhecido como motilidade, e esta pode ser de natureza: (i) retentora; (ii) mistura; (iii) propulsiva. O alimento é empurrado por movimentos propulsivos conhecidos como “peristaltismos” que consiste de uma contração circular superior ao bolo alimentar e relaxamento da parte abaixo do bolo. Esta onda contrátil percorre o conduto levando o bolo adiante com auxilio também da contração das fibras longitudinais. 129 O padrão não propulsivo é conhecido como segmentação, que são contrações dos músculos circulares em geral a cada 3 a 4 cm de comprimento dividindo o intestino em segmentos de lúmen construído e dilatado. Logo em seguida a porção construída se dilata (relaxam) e novas áreas se contraem. Estes movimentos são importantes para mistura do bolo alimentar com os sucos digestivos e circulando-os pela superfície absortiva da mucosa. O tempo que o bolo alimentar leva para ir da boca ao ânus é denominado tempo de trânsito e a velocidade taxa de passagem. 7.7. Esôfago: Deglutição e Motilidade A passagem dos alimentos através do trato gastrointestinal começa com a ingestão oral. Pequena digestão e absorção ocorrem em parte na cavidade oral, faringe e esôfago. As atividades dessas estruturas são coordenadas primeiramente para preparar o alimento para deglutição e o transporte de alimentos e líquidos através do esôfago. 7.7.1. Deglutição Os líquidos, a não ser que sejam saboreados, são imediatamente propelidos da boca para dentro da faringe. As partículas sólidas são reduzidas em tamanho e misturadas com a saliva, através da mastigação, para poder serdeglutido sem dificuldade. A porção a ser deglutida é separada do outro material na boca, pela colocação da extremidade da língua contra o palato duro. A porção a ser deglutida é propelida pela elevação e retração da língua contra o palato. Simultaneamente, a respiração é inibida e a contração dos músculos da faringe fecha a glote e abre a faringe. A propulsão do bolo através da faringe acontece por uma contração peristáltica que começa na parte superior e progride através do músculo constritor da faringe. Essas contrações, juntamente com o relaxamento do esfíncter esofágico superior, propele o bolo para o esôfago. A deglutição envolve estágios voluntários e involuntários e ocorre após o alimento ter sido mastigado. A fase voluntária envolve a uniformização do alimento sob a forma de bolo pela língua e é empurrado para a faringe. Ao chegar à faringe, terminações nervosas são estimuladas detectando a presença do alimento e se inicia a fase involuntária. As fases oral e faringeal da deglutição são extremamente rápidas. A deglutição pode ser iniciada voluntariamente, porém, uma vez iniciada é processada como um reflexo involuntário coordenado pelo “centro da deglutição”, localizado na base do cérebro. O centro também parece interagir com outras áreas do cérebro envolvidas com respiração e fala. A fase oral da deglutição pode ser visto na Figura 33 Figura 33. Diagrama representando o processo de deglutição 130 Figura 1 – Disposição da boca, faringe, laringe e esôfago durante a respiração normal e deglutição (adaptado de Frandson, 1981, p. 313) O esôfago propele o material da faringe para o estômago, visto que um grande segmento deste é localizado no tórax, onde a pressão é menor do que na faringe e estômago. pode opor-se à entrada de ar e conteúdos gástricos. 7.7.2. Motilidade do esôfago Empurra o alimento da faringe para o estômago. O esôfago possui uma camada muscular longitudinal externa e uma circular interna. A função de propulsão do esôfago é realizada por contrações coordenadas pelas camadas musculares da parede do esôfago e pode opor-se a entrada de ar e conteúdo gástrico. O corpo do esôfago apresenta uma contração peristáltica que começa abaixo do esfíncter esofagiano e ocorre seqüencialmente dando a aparência de um movimento de contração ondular em direção ao estômago. Os movimentos da deglutição são voluntários apenas no primeiro estágio. No segundo e terceiro estágios, o processo é involuntário (reflexo), desencadeado pela estimulação de regiões reflexas na mucosa da faringe, laringe, palato mole e epiglote. Quando não há deglutição os dois esfíncteres permanecem contraídos e o corpo do esôfago relaxado. Se os esfíncteres não estiverem fechados no momento da inspiração, haveria refluxo do conteúdo estomacal para o corpo do esôfago. 131 Figura 5 – Enervação eferente no corpo do esôfago (adaptado de Johnson, 1991, p. 28) Goteira esofágica A passagem do leite diretamente ao abomaso ocorre devido à presença da goteira esofágica, o qual o reflexo do ato da sucção faz com que a camada muscular da goteira esofágica se feche formando a calha do leite. Assim, a goteira fica contraída mantida pelo ato reflexo da sucção e as golfadas de leite passam o leite do esôfago à cárdia. Para a digestão do leite existem no abomaso as enzimas pepsina e renina (que desaparecem gradativamente). 7.8. Estômago As funções do estômago são de armazenamento e digestão dos alimentos, dando-lhe consistência líquida e liberando-o de forma controlada para o intestino delgado. Assim, o estômago funciona, tanto como reservatório, controlando a passagem do alimento para o duodeno, como triturador do material preparado para digestão no ID. O estômago também é um órgão secretor, onde células secretoras da mucosa gástrica são responsáveis pela atividade deste compartimento. A mucosa estomacal de acordo com sua função no processo digestivo é “dividida” em quatro regiões: Região Esofágica: região da mucosa inicial do estômago próximo ao esfíncter cárdia, onde a mucosa apresenta uma estrutura semelhante à estrutura da mucosa esofágica. Região Cárdia: região localizada após a região esofágica, com estrutura da mucosa já diferenciada, e apresentando células que secretam substância mucosa. Região Fúndica: principal região do estômago, onde a mucosa apresenta grande número de células secretoras de suco gástrico. A mucosa fúndica secreta HCL, enzimas e muco. Região Pilórica: região próxima ao esfíncter pilórico, apresenta a estrutura da parede com bastante musculatura, tendo como função primordial a mistura e diluição do alimento com o suco gástrico. A região do piloro tem também uma função de trituração e esmagamento do material, para que passe em partículas mais finas possíveis ao ID. 132 As variações anatômicas e a motilidade gástrica diferenciam entre as espécies. Nos animais monogástricos, o estômago se divide em duas regiões fisiologicamente diferentes: uma parte anterior, que funciona como local de armazenagem e, uma parte posterior, que funciona como triturador quebrando as partículas. Na parte anterior, a atividade muscular funciona como propulsão suave do material para a parte distal do estômago e há pouca ação de mistura nesta região. À medida que o alimento entra no estômago, os músculos da porção anterior se relaxam facilmente, tendo a função de armazenamento dos alimentos. A atividade muscular de parte posterior do estômago e do piloro contrastam com aquela da parte anterior, com freqüentes contrações musculares. As ondas musculares (contrações peristálticas) começam no corpo do estômago e seguem em direção ao piloro. A medida que as ondas contrateis se aproximam do piloro este se contrai, bloqueando a saída de partículas ainda não bem solubilizadas neste local. As partículas que deixam o estômago tem menos de 2 mm de diâmetro. Nos animais ruminantes, o estômago compreende quatro compartimentos: os pré- estômagos (contendo o rúmen, retículo e omaso), e o estômago verdadeiro, o abomaso. A estrutura da mucosa dos compartimentos do rúmen, retículo e omaso é semelhante à estrutura da mucosa da região esofágica do estômago dos monogástricos e da primeira parte do abomaso. Nestes compartimentos, não existem secreções, e predomina a presença de microrganismos (bactérias, fungos, leveduras e micoplasma) responsáveis pela “digestão microbiana”, fundamental no suprimento de nutrientes para o animal, especialmente substrato para produção de energia. Controle da motilidade gástrica A motilidade do estômago está sob controle tanto do sistema nervoso como do sistema endócrino. O controle nervoso da motilidade gástrica é dado pelas fibras do nervo vago, a qual é estimulada por eventos que ocorrem dentro do estômago e dentro do intestino. A expectativa de consumo de alimento já provoca estimulo vagal do estômago preparando-o para receber o alimento. Essa atividade vagal aumenta quando o alimento entra no estômago onde as terminações nervosas são estimuladas e via vaga sensorial os estímulos chegam ao sistema nervoso central. O papel exato dos hormônios não está bem claro. A gastrina, secretada pelas células principais da região fúndica, parece facilitar a motilidade gástrica. Velocidade de esvaziamento gástrico O esvaziamento do estômago deve igualar-se à velocidade de digestão e absorção no intestino delgado. Tendo em vista a digestão mais ou menos rápida dos alimentos(dependendo de sua constituição), a velocidade de esvaziamento do estômago é regulada pelo conteúdo intestinal (ID), através de receptores aferentes no ID que captam os estímulos de alteração de pH (baixo pH), alta osmolaridade e presença de gordura do alimento, que provocam a inibição das contrações estomacais. Este mecanismo constitui um arco reflexo inibitório entero- gástrico, reflexo que atua como mediador para o intestino e para a parte posterior do estômago, através de fibras nervosas aferentes e eferentes . O material líquido deixa o estômago mais rapidamente que a parte sólida. Este último teria uma velocidade de saída dependendo do tamanho da partícula e da intensidade de contrações da parte central do estômago. Como há pouca motilidade na parte proximal do estômago há separação da parte líquida da sólida logo na entrada do estômago. Os líquidos normalmente tendem a se dirigir para a região periférica do estômago e a parte sólida para o 133 centro. Alimentação com altos níveis de gordura diminui a taxa de passagem do estômago ao intestino delgado. Vômito É uma atividade reflexa complexa coordenada pelo SNC e que envolve a ação de diversos grupos musculares e de estruturas fora do TGI. No vômito acontecem as seguintes atividades: (i) relaxamento dos músculos do estômago e do esfíncter esofágico inferior e fechamento do piloro; (ii) contração de musculatura abdominal, criando um aumento de pressão intra-abdominal; (iii) expansão da cavidade torácica enquanto a glote permanece fechada - esta ação reduz a pressão intratorácica; (iv) abertura do esfíncter esofágico superior. O estímulo do reflexo do vômito provém de receptores (mecanoreceptores) na faringe e a de quimioreceptores na mucosa gástrica que enviam sinais ao centro do vômito no tronco cerebral. A irritação da mucosa gástrica não é o único estímulo para o vômito, pois o centro do vômito recebe estímulos aferentes de outros órgãos. Uma estrutura fora do TGI que fornece estímulos aferentes ao centro do vômito é a zona quimiorreceptora do tronco cerebral sensível a toxinas e drogas presentes no sangue. Doenças inflamatórias, mesmo fora do TGI que liberam substâncias no sangue, podem levar a vômito. 7.8. 1. Aspectos Gerais do Estômago dos Ruminantes O estômago se divide em quatro (4) compartimentos: rúmen, retículo, omaso e abomaso. Esse fato provoca uma grande diferenciação na digestão quando comparado aos monogástricos. O volume e a capacidade relativa do estômago, intestino delgado e grosso de alguns ruminantes e monogástricos ilustra muito bem a diferença entre esses animais conforme é mostrado na Tabela 21. Tabela 21. Volume e capacidade relativa do estômago de algumas espécies Animais Estômago Intestino Delgado Intestino Grosso L % L % Ceco Cólon Bovinos 2 52 71 6 6 18 10 3 28 2 Eqüinos 1 8 9 6 4 30 33 16 9 4 5 Suínos 8 29 9 33 15 6 87 3 2 Nos ruminantes, devemos diferenciar os processos que ocorrem nos pré-estômago e no estômago verdadeiro: nos pré-estômagos, ocorre o armazenamento do alimento, a digestão microbiana (fermentação) e absorção de determinados produtos; no abomaso, ocorre o processo de digestão química e enzimática. A degradação física do alimento é a principal função da primeira parte do trato digestivo dos ruminantes, que vai desde os lábios até a ligação omaso-abomasal. Esta degradação, contínua e efetiva, é dividida em dois processos principais: a mastigação, que ocorre durante a ingestão do alimento e, a ruminação e fermentação microbiana, favorecida pela maceração através do atrito no rúmen-retículo. A digestão dos ruminantes, quando comparada a dos monogástricos, apresenta as seguintes diferenças funcionais: (i) mecanismo da ruminação; (ii) a passagem da digesta nos ruminantes é lenta e contínua. As vantagens dos ruminantes em relação aos monogástricos 134 são: (i) digestão da fibra; (ii) síntese de vitaminas K e do complexo B (nesse caso em pouca quantidade, exceto para a B12 que praticamente satisfaz as necessidades do animal em exigências nutricionais); (iii) síntese de proteína a partir de nitrogênio não protéico. As desvantagens são: (i) perda de energia na forma de metano (gás); (ii) perda de aminoácidos. Particularidades do estômago dos ruminantes Rúmen O rúmen é dividido em sacos que são separados por pregas musculares que estão na parte interna, e, externamente, são visualizados como sulcos. O rúmen se liga ao retículo por uma abertura grande que permite a livre passagem do bolo alimentar. A fístula do rúmen vai direto ao saco cego-caudo-dorsal. A parede do rúmen apresenta um epitélio compacto, denominado epitélio estratificado pavimentoso e queratinizado, que se constitui de várias camadas que protege a mucosa contra materiais que possam vir a ferir a parede do rúmen. O epitélio ruminal se diferencia daquele do esôfago por possuir alguns espaços onde há vascularização, tendo por esse motivo e pela presença de um grande número de papilas, a função absortiva. Já o epitélio do esôfago apresenta um espaço muito pequeno entre as células, não tendo, portanto, a função de absorção que está presente no epitélio ruminal. Retículo É um compartimento único (sem divisões) e tem uma parede em que as células se dispõem como se fossem favos de mel, tendo funções semelhantes às do rúmen. Omaso Há a presença de folhas (folhas do omaso) com um número grande (em bovinos cerca de 150 – 152) e nas folhas encontramos papilas menores que as do rúmen. Funções principais: maceração por compressão e absorção. Abomaso Tem forma alongada com um estreitamento na região pilórica, tem função de digestão semelhante às do estômago de monogástricos. É muito desenvolvido quando o animal nasce, estando do lado direito da cavidade abdominal. O estômago é extremamente irrigado podendo visualizar nas paredes externas do rúmen os vasos sangüíneos com grandes ramificações. As veias se projetam em direção ao fígado, compondo o sistema porta. 135 Figura 6 – Estômago da vaca, visto do lado direito do animal. 1. Saco cego caudal dorsal; 2. Saco cego caudal ventral; 3. Sulco longitudinal; 4. Esôfago; 5. Piloro; e 6. Duodeno (adaptado de sisson e Grossman, citados por Bath et al., 1985, p. 128) Desenvolvimento do Estômago O tecido inicial do estômago nos ruminantes está formado no embrião com cerca de 28 dias da vida, estando bem delimitado aos 56 dias. Pós-nascimento, ocorrem variações na capacidade dos compartimentos, como pode ser observado na Tabela 22. Quando os animais atingem total desenvolvimento os compartimentos representam: rúmen = 81%; retículo = 5%; omaso = 6-7% e abomaso = 7 – 8%. A partir de 3 a 4 meses o bovino é considerado ruminante, sendo essa idade de 5 a 6 semanas para ovinos. Tabela 22. Porcentagem dos compartimentos de ruminantes em diferentes idades Idade Compartimento Ru - Re Omaso - Abomaso Nascimento 30 70 4 semanas 34 66 8 semanas 50 50 4 meses 84 16 Fonte Coelho da Silva & Leão (1979) 136 Figura 7- Estômago do bezerro lactente (adaptado de Sisson e Grossman, citados por Barth et al., 1985, p. 128) Característicasdo rúmen O rúmen pode ser considerado como uma grande câmara de fermentação que fornece um ambiente favorável ao desenvolvimento contínuo da população microbiana. Estas condições constantes no rúmen são mantidas por diversos fatores fisiológicos que influenciam no processo fermentativo, como ser: fornecimento contínuo de substrato temperatura mantida entre 38 a 420 (a média é de 390) condições de anaerobiose: muito pouco oxigênio é encontrado no conteúdo do rúmen, embora algum O2 livre possa ser encontrado oriundo do alimento ou da água ingeridos pH do rúmen varia entre os limites fisiológicos entre 5,4 a 7,0: vários fatores influenciam o pH ruminal, como: a produção de AGV - quanto mais intenso o processo fermentativo maior é formação dos AGV e mais pronunciada é a redução do pH (máxima acidez de 2 a 3 horas após alimentação) e a quantidade de saliva secretada (caráter alcalino, pH 8,1 a 8,3) Presença e microrganismos: a taxa de remoção dos microrganismos deve ser compatível com o período de regeneração dos micróbios mais favoráveis. O alimento quando está sendo metabolizado no rúmen, vai para o retículo e outros compartimentos ou volta à cavidade bucal para ruminação. O timpanismo pode ocorrer pela mudança brusca da alimentação, alterando a ação microbiana, modificando a forma de movimentação do bolo pelo acúmulo de gases. 137 Ruminação e movimentação do rúmen A ruminação é dividida basicamente em 4 fases: (i) regurgitação – ato da digesta voltar à cavidade bucal; (ii) remastigação – 2º mastigação; (iii) re-ensalivação; (iv) Redeglutição. Para que haja ruminação é necessário que a movimentação do rúmen esteja normal. Os movimentos do rúmen são coordenados desde o retículo até os sacos dorsal e ventral. As contrações se espalham primeiramente na direção dorsal e posteriormente ventral. O tempo que se leva para ocorrer essa movimentação é de ± 50 segundos no animal com o rúmen completamente cheio e de ± 25 a 27 segundos com o rúmen vazio. A movimentação do rúmen é estimulada por: (i) presença da digesta; (ii) ação de certas substâncias como os ácidos graxos; (iii) estimulação nervosa. O sinal de que a seqüência de movimentações chegou ao final é com a ocorrência do fenômeno da eructação. O alimento que chega ao retículo tem tendência de voltar ao rúmen pela ação dos movimentos de contração do retículo. Regurgitação: A área do cárdia geralmente está cheia de digesta, estando misturado aquela que vai ao retículo e depois para omaso e abomaso, bem como aquela que volta para a remastigação. A regurgitação ocorre por ação de uma pressão negativa intratorácica que força a volta do alimento, pelo esôfago à cavidade bucal para remastigação. O esôfago contribui pelo relaxamento, principalmente da musculatura lisa e ação de movimentos antiperistálticos da musculatura estriada que está presente na parte distal do esôfago. A faringe apresenta como reflexos o fechamento da cavidade nasal e da epiglote, evitando a entrada da digesta nas cavidades do aparelho respiratório. Remastigação, Re-ensalivação e Redeglutição A 2º mastigação é bem mais demorada com grande produção de saliva ocorrendo uma nova deglutição. O alimento está então mais bem triturado e tende a cair no retículo por possuir maior densidade, entrando no orifício retículo-omasal. Pode haver então uma nova ruminação desse alimento. O animal passa cerca de 8 horas ruminando, geralmente à noite ou nas horas do dia no qual o animal está mais tranqüilo. O fornecimento de forragens para animais nas primeiras semanas de vida visa o desenvolvimento das paredes do estômago, bom como estimular o mecanismo de ruminação. O processo de ruminação é estimulado em bezerros pela distensão do abomaso e também pela distensão do rúmen mesmo por líquidos, no caso do leite ou água. A estimulação nervosa da contração do rúmen se dá pelo nervo vago. O acúmulo de gases no rumen provoca o timpanismo que pelo grande volume de gases provoca uma distensão externa das paredes, causando a cessação do mecanismo da movimentação. 7.8.2. Eructação É a expulsão de gases do rúmen através do esôfago cavidade bucal e fossas nasais; estando associado à fase secundária de contração. Os gases provenientes da fermentação dos alimentos, que ao chegar ao estômago podem tomar 3 caminhos: (i) Serem absorvidos em nível de parede, sofrendo ação de 138 fermentação microbiana; (ii) Passar para o retículo, omaso e abomaso, (iii) Ruminação (eructação) Os gases da região do cárdia passam para o esôfago pro meio de movimentos antiperistálticos indo até a faringe. Quando ocorre a eructação, a traquéia está totalmente fechada e o que ocorre é que pelo fato de que os lábios estando cerrados no momento da eructação, os gases passam para a traquéia, voltando então para serem expulsos para o exterior. Isso ocorre porque o fechamento da epiglote pré-parcial, ao contrário do que ocorre na passagem da digesta. Os gases da eructação podem atingir o pulmão. A eructação é estimulada por ação dos gases sobre os receptores presentes na área do cárdia e parte dorsal do saco dorsal. Importância: A eructação propicia a eliminação de produtos resultantes da fermentação, pois o acúmulo de gases altera o mecanismo de movimentação do rúmen na ruminação. Figura 9 – Movimentos do rúmen-retículo. 1. Esôfago; 2. Retículo; 3. Saco dorsal anterior; 4. Rúmen; 5. Camada de gases; 6. Orifício retículo-omasal Tabela 3 – Comparação entre protozoários e bactérias1 Protozoários Bactérias Tamanho 20 a 200 µm 0,5 a 5,0 µm Número 0 a 10 6 /mL 10 10 a 10 11 /mL Tempo para duplicação > 18 horas > 20 minutos Tipo de célula Eucariótico Procariótico 139 Figura 12 – Interrelação entre bactérias em função de subprodutos de seu metabolismo 7.9. Intestino Delgado O intestino delgado pode ser considerado como a parte mais importante do aparelho digestivo devido a que quase todo o processo absortivo ocorrer neste segmento o TGI. O intestino compreende o duodeno, jejuno e o íleo, que apresentam diferenças de tamanho e capacidade entre as espécies. O intestino delgado apresenta a estrutura geral do aparelho digestivo, mas a mucosa se caracteriza por possuir vilosidades e microvilosidades, em toda a extensão. O tamanho das vilosidades é entre 0,5 a 1,5 milímetros, com uma densidade de 10 a 40/mm 2 . Cada uma destas vilosidades possui as microvilosidades, que apresentam uma densidade de 20.000/mm 2 . A presença na mucosa das vilosidades e microvilosidades aumenta muito a superfície do intestino delgado; no homem é de 300/m 2 e no suíno, 9.000/m 2 e nos ruminantes variando de 6.000 a 12.000/m 2 . 7.9.1. Estrutura intestinal e função das vilosidades A superfície da mucosa intestinal é intensamente pregueada o que aumenta consideravelmente a sua área de absorção, apresentando numerosas vilosidades. O aumento da área de superfície do intestino ocorre em três níveis: (i) Pela presença de pregas circulares (dobras grandes na mucosa) também chamadas de ondas coniventes, presentes em algumas espécies. Estas pregas são encontradas na primeira metade do intestino delgado; (ii) A presença de vilosidades (projeções digitiformes) que aumentam a superfície interna do intestino em 10 a 14 vezes. Estas projeções se encontram recobertas por uma camada de células denominadas de células epiteliais ou enterócitosou ainda células absortivas. Na base das vilosidades ocorrem estruturas semelhantes a glândulas, conhecidas como criptas de Lieberkuhn; (iii) Por sua vez as vilosidades são recobertas por microvilosidades (projeções filamentosas) formando a borda em escova. Quanto menor for a capacidade absortiva de um determinado segmento intestinal, mais desenvolvido é o sistema de vilosidade. As vilosidades mais bem desenvolvidas e 140 maiores ocorrem, nos carnívoros e no cavalo; no suíno, são menores e nos bovinos muito pouco desenvolvidas. Um diagrama da parede do intestino delgado mostrando uma vilosidade pode ser visto na Figura 34 Figura 34. Características da parede do intestino delgado. Cada vilosidade é envolvida por um epitélio cujas células apresentam na sua superfície livre, um grande número de microvilosidades em forma de bastões que se apresentam como “cutícula epitelial”. Células ou glândulas do intestino delgado O intestino de todos os animais mostra a presença de vários tipos de glândulas, ou células, que apresentam diferentes funções no processo digestivo/absortivo. As células descritas abaixo são encontradas no intestino delgado dos ruminantes. (i) Glândulas intestinais ou Criptas de Lieberkuhn: são glândulas tubulares que se encontram por todo o intestino delgado estando limitadas à mucosa. Estas criptas encontra-se na base de cada vilosidade e em número de 3/vilosidade e são responsáveis pela síntese de novas células, por mitose, para compensar a descamação das células da mucosa, que em média está na ordem de 1 célula/hora, mantendo-se o equilíbrio. As células presentes na região apical das criptas são as que apresentam maior capacidade de absorção. A descamação das células da mucosa é muito grande: estima-se que no homem, ocorre uma perda de 20 a 50.000.000 células/minutos. (ii) Células de Goblet: Em todo o intestino, existem as células de Goblet, espalhadas por toda a vilosidade. A função destas células é secretar muco, com a finalidade de proteger a mucosa intestinal contra ação das enzimas e sucos digestivos. (iii) Glândulas duodenais ou de “Brunner”: são encontradas exclusivamente no duodeno e os condutos excretores das glândulas se abrem geralmente na superfície da mucosa entre as vilosidades, e às vezes também nas glândulas de Lieberkuhn. (iii) Células absortivas: as células absortivas formam o envoltório próprio das vilosidades. As bordas laterais das membranas celulares são fortemente unidas com as células vizinhas de tal maneira que a absorção do substrato só é possível na região apical da membrana celular. As células absortivas apresentam uma borda em “escova”, conforme se observa na Figura 35. A borda em escova é a região de diferentes enzimas que, entre outras funções, garantem o processo digestivo da membrana. Através dos poros da borda, são transportados aminoácidos, açúcares e íons. Devido a diferentes tamanhos de poros, existe uma seletividade na absorção dos substratos. . 141 Figura 35. Estrutura da célula absortiva (adaptado de MOOG, 1981). Suco intestinal ou suco entérico As secreções das glândulas duodenais são conhecidas como suco intestinal ou suco entérico. A secreção proveniente das glândulas duodenais é designada suco duodenal. O suco duodenal (proveniente do duodeno superior) é um líquido claro, rico em muco, contendo apenas pequenas quantidades de constituintes; o valor do pH varia entre os limites de 6,7 a 9,3. O suco intestinal (proveniente do duodeno posterior, jejuno e íleo) é um líquido amarelo claro. O suco entérico, de uma maneira geral, além de sais inorgânicos (abundante em cloreto e bicarbonato de sódio, potássio e cálcio) contém mucina e enzimas: enteroquinase, maltase, sacarase, dextrinase, aminopeptidase, dipeptidase, fosfatase, polinucleotidase, nucleosidase, lecitinase e lactase. 7.9.2. Motilidade do intestino delgado O fluxo estomacal está ligado à atividade cíclica sobreposta ao longo do intestino delgado em fluxo de intervalos de 90 a 120 min. A duração das contrações regula a passagem da digesta. A motilidade do intestino delgado ocorre em duas fases distintas: (i) uma durante o período digestivo (após a ingestão do alimento); (ii) outra durante o período de jejum (interdigestivo) quando pouco alimento está presente no ID. A motilidade migratória que percorre o intestino se inicia no duodeno e possui uma função de limpeza do TGI, empurrando o material não digerido para fora do intestino delgado. Também é importante no controle da população microbiana na porção superior do ID. Normalmente o duodeno apresenta pequena população de microrganismo, que vai aumentando à medida que se aproxima o intestino grosso e a motilidade ajuda a impedir a migração de bactérias do íleo ao duodeno. Um diagrama mostrando a peristalse intestinal pode ser visto na Figura 36. Figura 36. Motilidade intestinal - peristalse. 142 7.10. Intestino Grosso O intestino grosso compreende o ceco, cólon (ou colo) e reto. Existe grande variação entre as espécies animais em relação ao desenvolvimento anatômico e fisiológico do intestino grosso. Fisiologicamente, os processos digestivos que ocorrem no intestino grosso são dependentes do seu desenvolvimento. A função principal do intestino grosso consiste na absorção de água e eletrólitos. O suco entérico secretado pela mucosa (células de Goblet) do ceco e cólon é fluído, mucoso e desprovido de enzimas, fazendo com que o meio seja levemente alcalino (pH variando de 6,5 a 7,5) e anaeróbico, favorecendo o desenvolvimento de uma flora bastante heterogênea, dependendo do tipo de alimentação ingerida. A degradação da proteína alimentar, de substâncias protéicas provenientes dos diferentes sucos digestivos e células descamadas pelas bactérias intestinais resulta na produção final de aminoácidos, ácidos graxos voláteis, indol, aminas e gases (ácido sulfúrico, amônia e hidrogênio). O indol e o escatol resultante da ação bacteriana sobre o triptofano no intestino grosso são responsáveis pelo odor característicos das fezes, mais acentuada nos animais carnívoros e onívoros que nos ruminantes. A estrutura da mucosa do intestino grosso não apresenta vilos ou vilosidades, como acontece no intestino delgado. 7.10.1. Motilidade do intestino grosso A função homeostática do intestino grosso envolvendo eletrólitos e fluído cria um ambiente para o desenvolvimento de microrganismos e um depósito temporário para excreção, até sua eliminação. A grande variação na anatomia do intestino grosso parece não estar relacionado à formação de fezes peletizadas em ovinos e caprinos. A indicação de uma função do colo espiral na formação de peletes é dada pelo tempo médio de retenção (20 horas em ovinos e 8 horas em bovinos) devido a presença em ovinos e cabras do colo espiral de segmentação ou divisão do lúmen no interior segmentado normalmente por contrações rítmicas uniformes. Estas contrações propulsionam as fezes a pequenas distâncias e em ambas as direções, ocorrendo a formação dos “peletes”. Esfíncter ileo-cólon-cecal Consiste em um anel bem desenvolvido de músculo circular, que permanece contraído a maior parte do tempo e tem como função impedir o movimento retrógrado do material do cólon e ceco para dentro do íleo. Durante períodos de atividade peristáltica no íleo, o esfíncter se relaxa permitindo a passagem de material do íleo para o cólon. Em algumas espécies, além do esfíncter, há uma dobra de mucosa que age como uma válvula bloqueando ainda mais o movimento do conteúdo para dentro do íleo. Funções do cólon O cólon atua: (i) na absorção de água e eletrólitos; (ii) na estocagem de fezes; (iii)na fermentação de matéria orgânica que escapa da digestão e da absorção no intestino delgado. A importância relativa dessas funções varia com a espécie. O tamanho do cólon varia de acordo com a importância da fermentação colônica. O coelho e o “cavalo” fazem amplo uso do cólon e por isso possuem um cólon complexo. Já o cachorro e o gato não fazem uso do cólon e por isso é simples e pequeno. Embora haja variações no tamanho e importância do cólon entre as espécies, a motilidade do cólon entre os animais é bastante semelhante. A atividade de mistura do conteúdo do cólon, dado pela motilidade intestinal, é importante tanto para a função absortiva como fermentativa. Uma característica particular da motilidade do cólon é a retropulsão ou antiperistalse, que estão sob controle do sistema nervoso intrínseco, que representam locais de elevada resistência à passagem do fluxo alimentar. 143 Cólon de carnívoros O cólon de cachorro e gato é um órgão simples consistindo em um ceco curto: parte ascendente; parte transversa; parte descendente. O material que entra no cólon e ceco de carnívoro tem consistência líquida. E misturado no ceco-cólon ascendente e no transversal onde muita água e eletrólitos são absorvidos. No momento que atinge o ceco-cólon descendente, o material está semi-sólido e começa a ter aspecto de fezes. 7.10.2. Defecação A defecação (excreção final) é definida como a eliminação dos resíduos (fezes) excremento do trato gastrointestinal. Após a passagem através do intestino grosso, os resíduos alimentares do aparelho digestivo, são acumulados no cólon, e através de movimentos peristálticos são levados até o reto. Os esfíncteres anais interno e externo, contraídos, impedem a saída das fezes através do ânus. A distensão do reto, provocada pela presença das fezes, dá origem à sensação da necessidade de evacuar, desencadeando o reflexo da defecação. Devido à contração da musculatura longitudinal do cólon, seguido por uma onda peristáltica intensa, as fezes são excretadas através dos esfíncteres relaxados. As fezes constituem-se de materiais de origem exógena (dieta) e endógena. O fator que mais afeta a quantidade de matéria seca fecal excretada é a quantidade de matéria seca indigerível consumida pelo animal. A digestão nos ruminantes tem sido descrita como contínua sendo caracterizada por uma elevada freqüência de defecação. A freqüência de defecação é determinada pela digestibilidade do alimento e pela quantidade de fezes presentes no cólon, e normalmente, é maior nos herbívoros do que nos onívoros e carnívoros. Em média, a freqüência de defecação no bovino é de 10 a 24. Excreção fecal nos ruminantes Pesquisas mostram que a excreção de fezes e urina nos ovinos ocorre em intervalos de duas horas durante o dia, comum à quantidade máxima excretada de 2 a 6 horas após a alimentação e os animais defecam no mínimo, doze horas diariamente. A freqüência de defecação em bovinos varia de 7 a 15 vezes ao dia. O conteúdo da matéria seca das fezes é cerca de 30 a 50% em ovinos e caprinos e de 15 a 30% em bovinos. A matéria seca fecal contém material indigerido da dieta, paredes celulares de bactérias do rúmen, células microbianas do ceco e intestino grosso, resíduos de muitas substâncias endógenas (incluindo enzimas digestivas, mucos e outras secreções) e células epiteliais desprendidas da parede do trato gastrointestinal dentro do lúmen. As fezes também servem como um caminho para a excreção de alguns resíduos de produto endógeno, em particular a bilirrubina e biliverdina. O motilinogênio produzido pela conversão microbiana destes compostos no intestino grosso é o composto que da às fezes uma característica de coloração marrom. O odor das fezes é devido à presença de certos compostos aromáticos principalmente indol e escatol produzidos pela degradação microbiana do triptofano. 7.11. Fígado O fígado é um dos maiores órgãos do organismo, e do ponto de vista metabólico, o mais complexo. Contêm o canal biliar e os ramos terminais dos vasos da circulação: veia porta, artéria hepática e linfáticos. O fígado tem como função básica no processo de digestão, a formação e excreção da bile a partir de produtos provenientes das células do parênquima hepático, como por exemplo, conjugados da bilirrubina, colesterol, ácido cólico sob formas de sais biliares e excreção de substâncias removidas do sangue pela atividade hepática, como metais pesados e corantes (bromosulfoleina e a fosfatase alcalina). 144 Nos ruminantes, a bile é armazenada na vesícula biliar que quando estimulada, libera o conteúdo dentro do intestino delgado, fundamental no processo de digestão e absorção das gorduras, colesterol, vitaminas lipossolúveis e outros compostos. 7.11.1. Bílis Além das muitas funções no metabolismo intermediário, o fígado desempenha um papel importante na digestão através da produção da bile (ou bílis). A bile é uma complexa mistura de componentes orgânicos e inorgânicos secretada pelas células no ducto hepático e que, em muitas espécies animais, é armazenada na vesícula biliar, órgão saciforme ligado ao ducto hepático. A secreção da bile é necessária para a digestão e absorção de lipídeos e para a eliminação normal de vários produtos endógenos (colesterol, pigmentos biliares) e produtos químicos administrados aos animais. Os ácidos biliares são os maiores constituintes da bile (aproximadamente 50% dos sólidos totais), sendo os mais comuns os ácidos cólico, quenodioxicólico e dioxicólico. O segundo grupo de componentes orgânicos mais importantes na bile são os fosfolipídeos. O terceiro componente orgânico é o colesterol que está presente em pequena quantidade, mas apesar disso é importante desde que possa ser excretado. O quarto maior grupo de componentes orgânicos é o dos pigmentos biliares, sendo a bilirrubina o mais importante deles. Estes componentes são responsáveis pela coloração normal da bile e das fezes. Muitos íons inorgânicos são também encontrados na bile. Os cátions e ânions predominantes são Na + , K + e Ca ++ ; Cl = e HCO3 = , respectivamente. Secreção da bile A secreção da bile é muito dependente da secreção de ácidos biliares pelo fígado. Após secretados, os ácidos biliares podem ser armazenados na vesícula biliar e então serem propelidos para dentro do intestino delgado onde participam da digestão e absorção de lipídeos. No intestino, os ácidos biliares são ativamente absorvidos e levados novamente, via sangue portal, para o fígado, onde são secretadas novamente. Este processo é chamado “circulação enterohepática”. Os ácidos biliares são secretados continuamente pelo fígado, porém o ritmo de secreção varia com o montante de ácidos biliares que retornam ao fígado. O pigmento biliar primário em humanos, a bilirrubina, é derivado da hemoglobina pela habilidade das células hepáticas (hepatócitos) de extrair bilirrubina do sangue, conjugá-la com ácidos glucorônicos e secretar a produção conjugada para a bile. A maioria da secreção de bile ocorre durante a digestão. O estímulo para a secreção parece ser inicialmente pelo hormônio colecistoquinina (CCK), da mucosa do duodeno. Esse hormônio é levado no sangue para a vesícula biliar, onde estimula a contração muscular. Outros hormônios como secretina e gastrina também parecem afetar a contração da musculatura vesicular. A bile desenvolve um papel importante no processo digestivo que ocorre em nível de intestino delgado no processo da excreção do organismo: (i) Emulsificação: Os sais biliares têm uma grande capacidade de reduzir a tensão superficial da água, sendo capazes de atuar nas gorduras que chegam ao intestino dissolvendo
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