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Livro - caso wagno - na dúvida pau no réu

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Prévia do material em texto

1
CASO WAGNO
NA DÚVIDA, “PAU” NO RÉU.
Os bastidores de um dos
maiores erros judiciários do 
Brasil.
Dino Miraglia Filho
2 3
Todos os direitos reservados sob legislação em vigor. É proibido 
reproduzir este livro, no todo ou em parte, ou transmitir seu texto 
sob qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, 
sendo especialmente interditada a sua reprodução em fotocópias, 
por gravação ou qualquer outro sistema, em antologias, livros 
didáticos etc., a não ser após autorização por escrito do autor. 
Esta autorização só não se faz necessária em caso de citação nos 
meios de comunicação com finalidade crítica.
Registro: Dino Miraglia Filho, 2007
Produção Editorial e Visual: Luciano Dias
Revisão: Álisson Campos
Bigráfica
Av. Petrolina, 823 - Sagrada Família 
Belo Horizonte
CEP: 31030-370 
Fone: [31] 3481-0688 
Fax: [31] 3482-5457
ISBN em homologação. Protocolo nº 22.539, 
de 03 de setembro de 2007.
4 5
“O livro é inédito, traz à tona um conteúdo
interessante, mescla assuntos
jurídicos com o cotidiano da violência 
contra o ser humano, aborda-os de
maneira desco licada e identifica os
personagens com o que o leitor espera. Na
minha opinião, este tipo de livro se escreve
com a alma, com os pulmões cheios de
adrenalina, com o coração vivenciando os
fatos, externando todas as emoções a pleno
vapor. Isso significa escrever de dentro
para fora. E assim o fez 
Dino Miraglia Filho.”
Álisson Campos
6 7
Com saudades do meu pai...
Em homenagem à Família Miraglia,
que enfrenta os males e as doenças
com a coragem dos guerreiros,
a altivez dos honrados e a humildade
dos vencedores.
8 9
 NESTE MOMENTO DE COMEMORAÇÕES, POR 
MAIS UMA ETAPA VENCIDA EM UM CASO DE TANTAS 
VITÓRIAS, É NECESSÁRIO RECONHECER O APOIO DAS 
PESSOAS QUE AJUDARAM A ETERNIZAR UM TRABALHO 
MEMORÁVEL.
 
 CIMCOP CONSTRUÇÕES E ENGENHARIA LTDA., 
nas pessoas de seus diretores, ACHILLES MIRAGLIA NETO 
(in memoriam) e EDMUNDO MARIANO LANNA, pelo arrojo e 
confiança, ao acreditar no trabalho de nossa equipe desde o início, 
quando ainda lutávamos por algum espaço e reconhecimento 
profissional.
 
 UBALDO DE SOUZA MARTINS E MARTA MIRAGLIA 
MARTINS, meus padrinhos-pais, que souberam ocupar as 
lacunas deixadas pelos que já se foram, de forma natural e ética, 
fazendo com que a falta deles fosse menos notada.
 
 AGÊNCIA ORGÂNICA, representada aqui por seu 
diretor Rodrigo Simões e Bruna Ladeira, que geraram e geriram, 
com dedicação e profissionalismo, um projeto embrionário e 
utópico nascido de um sonho louco.
 
 LUCIANO DIAS, fiel escudeiro de Joinville, que conseguiu 
germinar a semente deste projeto, criando seu conceito gráfico, 
bem como, a capa e a contracapa, deixando a marca da sua força 
criativa. 
10 11
Sumário 
 
1. Título 
2. Resumo do resultado do julgamento
3. Introdução 
4. Agradecimentos 
5. Família jurídica 
6. Luciano Huck 
7. Caso dos irmãos Naves 
8. Colegas do escritório 
9. Nilmário Miranda 
10. Caroline Bastos 
11. A fita 
12. Wagno 
13. Joilson 
14. As cópias do processo 
15. Leitura 
16. Convicção 
17. A falha – o início do erro 
18. Inquérito 
19. A denúncia 
20. Processo criminal 
21. A condenação 
22. Provas insuficientes – in dubio pro reo 
23. Presunção de inocência e ônus da prova 
24. Tio Nicolau e tia Glorinha 
25. O reinício das investigações 
26. A coincidência – audiência em Contagem 
27. Prova emprestada 
28. Justificação 
29. Primeira audiência – surpresa – nasce a esperança
30. A família da vítima 
31. Segunda audiência – a esperança prossegue 
32. A família de Wagno – Sr. Benedito e as meninas 
33. O papel do Juiz na Condenação 
34. O papel do Juiz na Justificação 
35. Terceira audiência – novas testemunhas – surge a 
 verdade
36. A verdade do caso vem à tona
37. O pedido revisional
38. Férias forenses
12 13
80. O encontro com a família e com a filha
81. Euforia na imprensa – o caso vira assunto nacional
82. Ana Maria Braga
83. O Brasil descobre Wagno
84. Ele descobre o filho
85. Outros programas e emissoras
86. OJuízo dos formadores de opinião 
87. Ratinho
88. A fala do Governador
89. O pedido ao Governador Aécio Neves
90. O silêncio do Governador
91. O pedido indenizatório
92. A opção jurídica
93. Dando uma satisfação à sociedade – honorários
94. Wagno visto por Waguinho
95. O tratamento de dente
96. A inglória luta pelo renascimento
97. A advocacia criminal
98. Conclusão
99. O último ato
100. Moral da história
39. O Desembargador Relator 
40. A torcida dos escreventes judiciais
41. A Procuradoria Geral do Estado
42. O parecer favorável
43. O excitamento toma conta da defesa
44. O formalismo do Relator
45. Parecer ratificado
46. A liberdade está mais próxima
47. O voto do Desembargador Relator
48. Festas de fim de ano
49. Pedido para aguardar o julgamento em liberdade
50. Não-inclusão em pauta antes do Natal
51. A liminar do filho de Pelé
52. Um habeas corpus desesperado
53. Indeferimento da liminar – desistência premeditada
54. A conclusão ao Desembargador Revisor
55. Voto célere
56. Inclusão em pauta
57. A diverticulite
58. Semanas de ansiedade – a saúde piora
59. A imprensa aperta o cerco
60. A fé de Wagno e sua certeza na absolvição
61. O julgamento
62. O voto do Relator
63. O voto do Revisor
64. O voto do presidente
65. Demais votos
66. Absolvição – unanimidade
67. Explosão de alegria no Tribunal
68. Explosão de alegria na Cadeia 
69. O assédio da mídia
70. O alvará de soltura
71. O carimbo do Setarin
72. A ida para a Penitenciária
73. O encontro com meus colegas
74. A rebelião da alegria
75. A chegada do alvará
76. O último carcereiro
77. As últimas algemas
78. A saída da Penitenciária
79. O encontro com a liberdade
14 15
1. Título
 Quando ainda me decidia por um título e uma direção 
a ser tomada, hesitando entre uma narrativa de teor jurídico 
ou factual, para contar a experiência em que estive envolvido, 
optei, para titular estas linhas, por uma expressão juridicamente 
popular, no intuito de dar um tom informal quase técnico, sem 
usar do ”juridiquês”, tão comum aos profissionais do Direito, 
quando aventuram neste tipo de incursão.
 A essência deste caso histórico é que a dúvida no processo 
penal deve e deverá ser, a todo o tempo, operada em favor do 
réu. 
 Tenho como certeza absoluta que será sempre menos 
gravoso para a sociedade, como um todo, absolver um culpado do 
que condenar um inocente, atendendo aos ditames processuais, 
em caso de dúvidas, do princípio in dubio pro reo.
 Este foi o princípio processual renegado no Caso Wagno e 
que culminou com toda a injustiça a seguir narrada e amplamente 
divulgada pela imprensa nacional.
 Por ser uma narrativa de um fato público e notório, nomes 
reais foram mantidos. 
 Justificando o título, nos meandros forenses existe um 
antagonismo em relação ao princípio traduzido da expressão 
latina, na dúvida pro réu, quando este não é aplicado, que é o 
na dúvida, “pau” no réu.
 No momento em que cláusulas e garantias constitucionais 
são desprezadas, pretendendo condenar um inocente – geralmente 
pobre e carente juridicamente – com base em provas frágeis ou 
mesmo inexistentes, nos deparamos com a aplicação do malfadado 
princípio na dúvida, “pau” no réu, título desta triste narrativa 
e espelho do ocorrido no Caso Wagno.
 Este caso é particularmente impressionante, mesmo 
tendo conhecimento de vários outros semelhantes ou tão graves 
quanto.
 Ocorreu enquanto o Brasil já se dizia democrático, 
sob a tutela do Estado Democrático de Direito, na vigência da 
Constituição Cidadã, em pleno século XXI, na época da Internet 
e do celular de última geração, em um estado geográfico que se 
situa à frente dos cenários político e econômico nacional. 
 Isso o diferencia de outros casos, ocorridos durante 
16 17
governos de exceção, locais longínquos, épocas remotas, e sem 
amparo de uma legislação pátria humanística.
 Antes de definir este caso ou outros casos comoo Maior 
Erro Judiciário do País ou não, é importante ressaltar que isso 
não tem relevância em valor de grandeza, pois toda injustiça 
dessa natureza é grandiosa por si só, cabendo tão-somente a 
quem recebe a agressão determinar o grau de intensidade da 
violência sofrida.
 Esta narrativa está colocada em ordem cronológica de 
acontecimentos, procurando preservar sentimentos e aflições 
à época, hoje amenizados pelo resultado obtido, inclusive 
apresentando as peças processuais que foram feitas em cada um 
desses momentos.
 Coincidentemente, John Grisham, internacionalmente 
famoso autor americano de livros envolvendo a advocacia 
criminal, com inúmeros best sellers nos últimos tempos, no 
mesmo ano em que os fatos ocorreram lançou um livro intitulado 
“O INOCENTE”, sobre uma história real de crime e injustiça 
ocorrida nos Estados Unidos.
 É, mais uma vez, a história do Caso Wagno se repetindo no 
maior país do mundo, demonstrando que as mazelas jurídicas e 
sociais independem da graduação econômica em que se enquadra 
o local da injustiça.
 Ele narra, na orelha do livro, que: 
“(...) Pressionada para dar uma solução ao crime que 
chocou a cidade, resolve fazer que as principais suspeitas 
recaiam sobre Ron Williamson e seu amigo Dennis 
Fritz (...). Sem nenhuma evidência concreta de culpa de 
ambos, o processo de acusação é todo construído a partir 
de comprovações científicas duvidosas e testemunhos 
repletos de contradições. (...) para traçar um retrato da 
corrupção em que está mergulhada a polícia americana, 
as falhas do sistema judiciário (...)” .
“É a desesperança daqueles que parecem ter sido 
esquecidos pela lei e pela justiça.”
2. Resumo do resultado do julgamento
REVISÃO CRIMINAL – 1.0000.05.423126-1/000 – COMARCA 
DE CONGONHAS – PETICIONÁRIO: WAGNO LÚCIO 
DA SILVA – Relator: EXMO. SR. DES. ELI LUCAS DE 
MENDONÇA.
EMENTA: REVISÃO CRIMINAL – PROVA NOVA DA 
INOCÊNCIA DO PETICIONÁRIO, OBTIDA SOB O 
CRIVO DO CONTRADITÓRIO – PEDIDO JULGADO 
PROCEDENTE – Se as novas provas obtidas sob o crivo 
do contraditório são suficientemente robustas para 
evidenciar a injusta condenação do peticionário, este 
deve ser absolvido das imputações que lhe foram feitas, 
com fulcro no art. 386, IV, do CPP.
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda o 2o GRUPO DE CÂMARAS CRIMINAIS 
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, incorporando 
neste relatório de fls. na conformidade da ata dos 
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade 
de votos, EM DEFERIR O PEDIDO REVISIONAL E 
ABSOLVER O PETICIONÁRIO, DETERMINANDO A 
EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA.
Belo Horizonte, 14 de fevereiro de 2006.
18 19
3. Introdução
 O destino nos prega peças que não podem ser 
explicadas. 
 Certo dia, ao final do ano de 2002, estava trabalhando 
no escritório e recebo um relato de minha sócia e professora de 
graduação e pós-graduação de algumas das melhores faculdades 
de Minas Gerais, Flaviane Barros, sobre o pedido de uma colega 
da PUC-MINAS, professora Cíntia Carneiro, para atuar em 
um caso criminal, atendendo a solicitação do então secretário 
nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.
 Pela credibilidade das pessoas envolvidas, aceitei de 
imediato a incumbência, mesmo sem saber dos meandros do 
caso, e jamais pensando em um dia freqüentar os maiores meios 
de comunicação de todo o Brasil. 
 O êxito e a repercussão do caso ultrapassaram as 
fronteiras do País e os benefícios dessa atuação serão colhidos 
pelo resto de nossas vidas, não só pela Flaviane e por mim, mas 
por todas as pessoas nele envolvidas, de qualquer maneira e em 
qualquer tempo.
 Estas linhas relatam uma visão personalíssima de quem 
atuou nas infindáveis diligências e etapas processuais de um dos 
mais escandalosos erros judiciários do Brasil, principalmente 
nesta fase pós-Constituição de 1988 – ironicamente, para Wagno 
Lúcio da Silva, também conhecido como Waguinho, denominada 
a Constituição Cidadã –, sob uma análise crítica, de cunho 
estritamente particular. 
 Muito mais que a vontade de escrever este texto e 
deixar registrado um fato marcante na vida do mundo jurídico 
brasileiro, queria narrar e contar uma história real de Justiça e 
injustiças, possibilitando, a cada um, adentrar nos bastidores de 
um processo criminal, sem que, com isso, pretendesse me tornar 
um escritor doutrinário, ditando regras ou ensinamentos.
 Em alguns momentos, as peças processuais foram 
transcritas, mais com o objetivo de ilustrar a fase nos seus 
detalhes do que como referência jurisprudencial, mesmo em se 
tratando de obras técnicas de inegável valor jurídico. 
4. Agradecimentos
 Escrevo este relato na primeira pessoa, como bom 
descendente de italiano que sou, lamentando não poder 
usar os braços e as expressões faciais para completar toda a 
encenação costumeira de meus patrícios, durante as tradicionais 
narrativas.
 Deverá ser entendido como EU toda uma estrutura 
advocatícia envolvendo meus sócios, estagiários, funcionários e, 
por que não, os amigos e familiares que também participaram 
indiretamente de todo o processo.
 Definitivamente, os méritos não foram somente meus, e 
sim, de nosso grupo profissional.
 Mesmo aqueles não afeitos à área criminal estiveram 
presentes todo o tempo, auxiliando, apoiando, lutando por 
jurisprudências e doutrinas, cobrindo a lacuna dos ausentes e, 
principalmente, solidários na causa e no sofrimento de um ser 
humano injustiçado.
 É assim que funciona um grande time, cada um fazendo 
a sua parte e ocupando seu espaço.
 Nada seria possível sem eles, e todos nós sabemos muito 
bem disso. 
 Esse resultado extraordinário aconteceu porque 
formamos uma equipe unida e homogênea, sem sermos iguais. 
Complementamo-nos em nossas virtudes e nos superamos em 
nossas falhas, e isso caracteriza um grupo vencedor.
 Juntos, ao final de mais de quarenta meses de trabalho, 
logramos êxito em nossa pretensão, reparando um dos maiores 
erros judiciários do País, somente comparado ao Caso dos Irmãos 
Naves, por suas coincidências e semelhanças.
 Desde a fundação de nosso escritório, nos sentimos unidos 
por nossas convicções profissionais, por nossos propósitos pessoais 
e por nossa opção societária, mas, hoje, estamos definitivamente 
atrelados por uma atuação impecável a favor do ser humano e da 
justiça, independentemente de nossos destinos e do futuro que se 
avizinha.
20 21
5. Família jurídica
 Não agradecer a minha esposa Denise Alamy Botelho 
também seria uma heresia. Sua participação data do início do 
nosso namoro, vinte e oito anos atrás, quando ela me apresentou 
seu avô materno, Dr. João Alamy Filho, coincidentemente 
advogado do Caso dos Irmãos Naves.
 Ela atravessou comigo meu período de estudos até os dias 
de hoje, onde me apóia incondicionalmente em minha carreira e 
em minha vida pessoal. 
 Neste casamento de mais de vinte anos, fomos premiados 
com a chegada e a presença de nossa filha Joana, que participou 
ativamente do Caso Wagno, não só escutando os relatos de 
maneira atenta e solidária, bem como, indo assistir ao julgamento 
no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E que, para orgulho meu 
e de toda a família, já manifesta interesse pela área jurídica.
 Revolvendo um pouco mais o passado, e dele tirando 
lições da minha trajetória profissional, segue-se que, mesmo não 
sendo originário de família jurídica, o destino me colocou ao lado 
de uma família de juristas. 
 No começo de meu namoro, descobri que meu sogro, 
Mauro Belém Botelho, além de excepcional advogado, era Juiz 
do Tribunal de Justiça Desportiva, e atleticano. Para um fanático 
e irracional cruzeirense, como eu, o fato de o Juiz do TJD ser 
atleticano e sogro era por demais danoso. Porém, com o passar 
dos anos pude comprovar que sua opção clubística não interferia 
em seus ideais de justiça. 
 Além do sogro reconhecidamente competente e talentoso, 
a família de minha esposa abrigava em si um verdadeiro mito da 
advocacia criminal, o já citado Dr. João Alamy Filho, advogado 
que participou do também anteriormente mencionado Caso dos 
IrmãosNaves, onde ocorreu o mais famoso erro judiciário do 
País.
 Contava ainda com minha cunhada, Clarice Alamy 
Botelho, bacharela em Direito e competente servidora do TJMG; 
com Ricardo Alamy, atual escrivão de uma das varas cíveis de 
Belo Horizonte; e com o estudante de Direito à época – hoje 
Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 
caminho, com certeza, das Instâncias Superiores –, Dr. Fernando 
Neto Botelho.
 Na minha adolescência, em razão de minha paixão eterna 
e desenfreada, literalmente, pelas motocicletas, estive envolvido 
em ocorrências policiais, por falta de habilitação e outras coisas 
do gênero, que foram acompanhadas pelo “bambambã” da 
advocacia criminal do Estado, Dr. Ariosvaldo de Campos Pires, 
amigo de minha família e de meu sogro. 
 Tempos depois, ele se transformaria em meu padrinho de 
casamento, meu ídolo e meu objetivo de vida, como profissional 
da área criminal.
 Portanto, o meu lado familiar jurídico “não me pertence”, 
utilizando-me, aqui, do jargão popular televisivo. Fui adotado 
por este lar, de onde se exalava saber jurídico – parafraseando 
um antigo professor de adoráveis lembranças, e outras nem 
tantas –, e através desses laços, fui recebido como integrante 
do Escritório de Advocacia Dr. Pedro Aleixo, onde iniciei minha 
carreira advocatícia com a Dra. Maria Lúcia de Freitas, e defini 
meu caminho pela área criminal, atuando ao lado dos professores 
Maurício Aleixo e Haroldo Andrade.
22 23
6. Luciano Huck
 Eu começo quase pelo fim. 
 O programa Caldeirão do Huck, por meio de seu 
comandante Luciano Huck, em um ato também humanitário, 
permitiu que esta vítima de erro judiciário grosseiro recebesse 
uma ajuda financeira concreta.
 O apoio do apresentador e de seu programa veio 
substanciar o caminho de Wagno para o seu retorno à sociedade, 
já que ele fora abandonado por um Estado prisional simplesmente 
cumpridor de ordem judicial, e que o lançou às ruas sem nenhum 
amparo após ter ficado oito anos e três meses segregado de forma 
equivocada e injusta. 
 Ele foi sacado de sua vida, de sua casa, de sua cidadania, 
de seus rendimentos, de sua família, de seus filhos, de seus pais, 
de seus sonhos e de tudo o mais que o rodeava. 
 Tamanha perda, ocasionada pelo mesmo Estado que, 
além do desencargo em compensar o injustiçado pelos danos a ele 
causados, ao reconduzi-lo de volta à sociedade deixou-o largado 
à mercê de sua histórica má-sorte, sem ajuda e sem suporte, 
“lavando as próprias mãos”.
 Assim, a oportunidade que lhe foi dada por Luciano Huck 
e sua produção, e que culminou com a conquista do prêmio no 
quadro “Agora ou Nunca”, ganha espaço de destaque em nosso 
relato, pois em nenhuma outra ambiência, estatal ou não, Wagno 
encontrou essa guarida.
 Ao término da gravação, depois da sofrida e aflitiva prova, 
fomos encaminhados ao Departamento Administrativo do Projac, 
nome do local dos estúdios da Rede Globo. O encantamento pelo 
caso e por Waguinho era visível no rosto das pessoas. Naquele 
momento, era necessário que se fornecesse um documento para 
que fosse expedido o cheque do prêmio, e a Cátia, funcionária 
responsável por essa operação, requisitou os meus dados pessoais. 
Incomodado, informei a ela que não queria aquele dinheiro na 
minha conta, pois era tudo o que as más-línguas precisavam para 
dizer que eu estava me aproveitando de um coitado. Haveria de 
ser feito um cheque em nome do Wagno, para que ele levantasse 
o valor do prêmio e gastasse da maneira que lhe conviesse. 
 Sem querer jogar confete em mim mesmo, mas tão-
somente para demonstrar como o ser humano está se sentindo 
fragilizado e descrente de seus semelhantes, ela me ponderou 
como uma pessoa realmente diferenciada. Em contrapartida, 
acredito que eu não estivesse fazendo nada além de me valer do 
bom-senso e precaução.
 Para completar, um Promotor de Justiça, então no Fórum 
Lafayette, fez-me a alusão de que eu estava sorrindo durante a 
exibição do programa porque eu pretendia lançar mão do dinheiro 
em proveito próprio.
 Em razão desses comentários tendenciosos, o programa 
trouxe uma mescla de resultados: um final empolgante, mas, 
por outro lado, trágico e desumano. Por isso, faço questão 
de esclarecer o motivo de toda a minha satisfação, quando da 
gravação do Caldeirão do Huck. 
 Foi o último programa em que gravamos, quase vinte 
dias depois da libertação do Wagno. 
 Estávamos, ele e eu, muito mais relaxados. Minha vida 
voltava à normalidade, pouco a pouco, assim como a dele. Além do 
mais, o Rio de Janeiro, por sua beleza e alegria, provoca risadas 
até no mais ranzinza dos mal-humorados.
 Quando lá cheguei, o Wagno já treinava para a prova 
havia cinco dias, e já era reconhecido por várias estrelas globais.
 Eu me encontrei com ele no camarim do estúdio e, 
enquanto aguardávamos o momento certo de gravarmos, nos 
deparamos com as meninas que dançam no Caldeirão. Eram 
seis assistentes de palco, todas elas espetaculares, ainda mais 
quando envoltas por uma aura de música, dança e tudo o mais, 
complementando um quadro quase irreal até para mim, que 
estive em liberdade a vida toda. Imagine para o Wagno, após mais 
de oito anos preso só na companhia de homens ou de “sacudos”, 
conforme sua própria expressão...
 Portanto, Dr. Promotor, o meu sorriso de felicidade se 
dava pelo momento pessoal e profissional que na ocasião estava 
sendo vivido por mim, por estar rodeado de mulheres de beleza 
fantástica, e pela vitória do Wagno, meu cliente e agora amigo, 
retomando seu caminho de volta à vida com dignidade e respeito, 
interrompido arbitrariamente com a ajuda decisiva de um de 
seus pares do órgão ministerial.
 Depois de um sufoco incrível durante a prova – para 
conseguir vencer o desafio –, ficamos aguardando a exibição do 
programa, o que ocorreu dois finais de semana após a gravação. 
24 25
 Nesse dia, já antecipadamente anunciado, a audiência do 
Caldeirão na Penitenciária Nelson Hungria atingiu a totalidade 
dos televisores ligados. A solidariedade do preso é sincera, 
assim como a raiva e o ódio, pois sentem os mesmos medos e 
têm as mesmas esperanças, e se encontram trancafiados no 
mesmo lugar e da mesma forma. Quando Waguinho atingiu os 
pontos que lhe garantiram o prêmio, houve uma explosão de 
alegria na cadeia, mais uma vez causando aflições nos agentes 
penitenciários, como será descrito a seguir. Aquele momento 
talvez fique marcado como a conclusão de um caso significativo 
de injustiça e de confiança mútua, que não pode ser esquecido.
 Assim como me disse um importante magistrado mineiro, 
se “o brasileiro não consegue guardar a história de seu próprio 
país”, quanto mais uma história de injustiças praticadas contra 
um pobre coitado. 
 Trinta dias na mídia nacional foram muito mais do que 
qualquer um poderia jamais imaginar, mas muito menos do que 
o tamanho da injustiça praticada contra ele mereceria receber.
 Esta narrativa tenta perpetuar um caso histórico, antes 
que nossa vã e ocupada memória o apague para sempre.
7. Caso dos Irmãos Naves
 As coincidências do Caso dos Irmãos Naves com o Caso 
Wagno chegam a causar espanto até mesmo naqueles que não 
crêem no sobrenatural.
 Inúmeras situações semelhantes em ambos os casos me 
fazem questionar se alguma coisa em nossas vidas ocorre por 
acaso ou estamos todos dentro de um contexto previamente 
programado.
 Considerado o mais famoso erro judiciário do Brasil, o fato 
aconteceu em Minas Gerais, na cidade de Araguari, há setenta 
anos. 
 O Caso do Wagno ocorreu em Congonhas do Campo, 
também interior de Minas Gerais.
 Joaquim Naves e Sebastião Naves eram sócios de Benedito 
Caetano, comerciante de arroz da região, e que recentemente 
havia negociado expressiva quantidade de mercadoria. Logo 
após, Benedito abandona Araguari, levando o dinheiro obtido no 
negócio. 
 Acusados pelo Delegado de Polícia como responsáveis 
pelo pretenso latrocínio de Benedito, que não ocorreu, Sebastião 
e Joaquim foram submetidos a torturas, que foram extensivas a 
suas esposas e mãe.Wagno, também acusado de ser pretensamente o autor de 
um latrocínio que efetivamente ocorreu, teve seu maxilar superior 
quebrado por uma agressão, dentro da delegacia da cidade, que 
o fez perder os dentes frontais, antes de ser submetido a mais de 
doze horas de espancamentos ininterruptos.
 Na defesa dos irmãos Naves atuou o Dr. João Alamy 
Filho, um advogado brilhante, que, com coragem e perseverança, 
jamais desistiu de provar a inocência de seus clientes. Ele, já 
falecido, é avô de minha esposa Denise e bisavô da Joana, minha 
filha. Processados e julgados, os irmãos foram absolvidos pelo 
Tribunal do Júri. A Promotoria recorreu ao Tribunal de Justiça 
de Minas Gerais, que anulou o julgamento. 
 Este mesmo Tribunal de Justiça, primeiramente, condenou 
Wagno, confirmando a sentença condenatória, e, posteriormente, 
o absolveu.
 Em novo julgamento, foram mais uma vez absolvidos. 
 O Tribunal de Justiça, de ofício, resolve alterar o resultado, 
26 27
condenando os irmãos Naves a vinte e cinco anos de reclusão, 
quantum posteriormente reformado. 
 Wagno também foi condenado a vinte e cinco anos de 
reclusão e, da mesma forma, teve o “quantum” da sua pena 
reformado pelo mesmo Tribunal.
 Joaquim Naves e Sebastião Naves cumpriram oito anos e 
três meses reclusos e saíram em livramento condicional. 
 Wagno também cumpriu oito anos e três meses, mas, 
diferentemente dos irmãos Naves, saiu absolvido.
 Com o surgimento da vítima do latrocínio, “completamente 
viva”, foi proposta a Revisão Criminal para os irmãos Naves, 
mesmo procedimento judicial utilizado por nós, da defesa de 
Wagno. Tanto os irmãos Naves quanto Wagno necessitaram de 
duas Revisões Criminais para restabelecer a verdade e para que 
a justiça fosse, finalmente, feita. 
 A imprensa, à época, tratou o caso com grande destaque, 
assim como o caso Wagno, que freqüentou todos os maiores 
programas de entrevistas e jornalismos do País.
 A revolta e a manifestação populares ocorridas em 
Araguari, setenta anos atrás, em razão de tamanha injustiça, se 
repetiram em Congonhas.
 O Caso dos Irmãos Naves ficou nacionalmente conhecido, 
passando a freqüentar o imaginário de estudantes e estudiosos 
do Direito, como exemplo clássico de erro judiciário, e todas 
essas semelhanças alçam o Caso Wagno ao mesmo patamar, 
transformando-o em um dos maiores erros judiciários do País, 
comparado ao que sofreram Sebastião Naves e Joaquim Naves.
8. Colegas do escritório
 Em uma estrutura advocatícia diversificada, a parte mais 
ativa, que necessita de procedimentos mais urgentes e imediatos, 
é, sem dúvida, a área penal. 
 Os penalistas convivem diariamente com o sofrimento do 
cliente e com o desespero da família, todos querendo o resultado 
para “ontem”. Para os familiares dos envolvidos, eles são sempre 
inocentes, e quem está errado são os outros.
 Portanto, é muito difícil para as pessoas acreditarem em 
mais um inocente preso injustamente.
 Para mim, confesso que foi mais fácil acreditar, desde o 
princípio. 
 Inicialmente, sou um amante da liberdade, um inimigo 
voraz das penas de reclusão impostas como são, para serem 
cumpridas nas condições e na forma em que são determinadas.
 Segundo, o caso vinha recomendado por pessoas sérias, de 
reputação inatacável, o que, por si só, já seria motivos suficientes 
para eu assumir tão árdua missão. 
 Desconstituir uma sentença condenatória, transitada em 
julgado, não é tarefa das mais fáceis em nosso país, e creio que 
em nenhum lugar do mundo. E demanda investimentos, não só 
intelectual e profissional, mas financeiros.
 Porém, como disse anteriormente, sou parte de uma 
estrutura advocatícia, e decidimos nossas questões de maneira 
democrática e consensual.
 Portanto, deveria, em primeiro lugar, obter o apoio de 
meus colegas, para determinar se iríamos assumir a causa, e, 
em caso afirmativo, definirmos a forma de atuação.
 Nossa reunião se desenvolveu amistosa, com todos rindo 
de minhas convicções absolutórias. 
 Para sorte de Wagno, que não sabia que isso estava 
ocorrendo, nosso escritório é composto por advogados na essência, 
que lutam por ideais de justiça, e, mesmo em dúvida, abraçaram 
imediatamente a causa, já delineando tarefas e objetivos.
 Assim, o Caso Wagno passou a ser cuidado pelos 
integrantes do Escritório Barros, Magalhães, Miraglia, Vieira, 
Advogados Associados, responsáveis diretos pelo sucesso técnico 
desta empreitada jurídica.
 A mim coube lutar muito, fazer o “trabalho braçal”, 
28 29
participar ativamente das funções intelectual e estratégica, e 
aparecer na mídia. 
 A principal integrante do Escritório, a já referida mestre 
e doutora em Processo Penal, a caminho de Roma (Itália) para 
cursar seu pós-doutorado, é a professora Flaviane Magalhães 
Barros, que trouxe ao processo a consistência jurídica e a força do 
conhecimento doutrinário, afastando de vez os vícios existentes, 
não deixando lacunas para questionamentos protelatórios. Foi 
ela quem sustentou oralmente a defesa de Wagno, no Tribunal 
de Justiça.
 Outra cabeça pensante deste time é a engenheira e 
advogada Cláudia Magalhães do Amaral, que agregou profundos 
saberes jurídico e lógico, atuando diretamente na estratégia 
escolhida, além de emprestar seus conhecimentos da língua 
materna e experiências pessoais e profissionais.
 O último, mas não menos importante componente titular 
desta esquadra, é Gustavo Vieira, um daqueles não muito afeitos 
ao Processo Penal, mas que, não só administrou os bastidores 
com perfeição, como cobriu as constantes ausências em razão dos 
trabalhos demandados.
 E não poderia deixar de citar a importância de uma 
estagiária competente. Paula Mendes, hoje ex-integrante deste 
time, à época uma estudante de futuro mais que promissor, que, 
com sua juventude, espírito de “guerra”, capacidade e obstinação, 
completou a equipe com sua alegria e entusiasmo contagiante. 
Infelizmente para nós, foi requisitada para trabalhar em Brasília, 
atuando ao lado do Ministério Público.
 Completamos nosso time com os estagiários Felipe 
Machado e Natália Guimarães, que entraram no Escritório depois 
de resolvida a questão criminal, mas em tempo de intervirem no 
procedimento cível indenizatório.
9. Nilmário Miranda
 Infelizmente, para nós, brasileiros, Direitos Humanos 
virou uma pecha de direitos de bandidos, em todo o País.
 Nada mais justo que seja aberto um espaço para dignificar 
um verdadeiro defensor dos Direitos Humanos, daqueles humanos 
que têm direitos e merecem que estes sejam defendidos.
 Conhecido por suas posturas ponderadas, seu jeito 
calmo e franco, seu passado de prisioneiro político, de vítima da 
Ditadura, e pela sua luta por justiça, Nilmário Miranda, à época 
Secretário Nacional dos Direitos Humanos, teve uma participação 
fundamental no Caso Wagno, reconhecida no próprio acórdão do 
Tribunal de Justiça.
 Foi dele a primeira convicção da inocência de Wagno 
e, a partir dela, seu vasto relacionamento político e social foi 
mobilizado. 
 Dra. Cíntia Carneiro, professora de Processo Civil na 
PUC-MINAS e sua amiga fraterna, foi convocada inicialmente. 
Sentindo-se limitada, em razão de sua área de atuação, embora 
completamente capaz de atuar na causa, ela encaminhou o caso 
para sua colega de Magistério e minha sócia, Dra. Flaviane 
Barros, professora na matéria específica que o caso requeria, ou 
seja, Processo Penal.
 Dessa forma, por intervenção direta e decisiva de Nilmário 
Miranda, o Caso Wagno chega ao meu Escritório, interferindo 
em definitivo no futuro de todas as pessoas envolvidas, deixando 
marcas indeléveis e uma história de vida e de desafio profissional 
que jamais será esquecida.
 Meses depois, preparando sua candidatura ao governo do 
Estado de Minas Gerais, Nilmário lançou um livro intitulado “Por 
Que Direitos Humanos”, onde tratou de maneira especial o 
Caso Wagno, a conduta e o desempenho dos advogados, inclusive 
com fotos nossas estampadas junto a outros baluartes da luta 
por justiça, e eu tomo a liberdade de transcrever uma parte que 
muitome honrou: 
 “No Caso Wagno, a atuação da mídia foi 
fundamental, uma vez que deu visibilidade ao fato e 
estimulou a discussão do tema. Acredito que o exemplo 
de Flaviane Pellegrini e Dino Miraglia sirva para outros 
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advogados e escritórios, sobretudo os mais famosos e 
aqueles que têm as melhores causas (...)”
 Mesmo não sendo vitorioso em sua campanha para o 
governo, vencido ainda no Primeiro Turno pelo Governador 
Aécio Neves, deixou demonstradas sua lealdade e capacidade, se 
habilitando a ser um dos conselheiros do novo governo Lula.
10. Caroline Bastos
 Desde o início dos trabalhos, contamos com a participação 
da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, na pessoa 
de Caroline Bastos, advogada e humanista que iniciou as 
reinquirições extrajudiciais, permitindo que mais provas novas, 
atreladas ao depoimento de Joilson, dessem ensejo ao pedido de 
Justificação na comarca de Congonhas. 
 Após a propositura do pedido de Justificação, seu trabalho 
passou a ser de torcedora, que acreditava naquilo que havia feito 
e do qual tinha participado, relegando a nós o trabalho jurídico.
 Mas sua participação, enquanto o processo ainda 
se arrastava em meras suposições e especulações, foram 
fundamentais para alicerçar a convicção que todos passaram a 
ter, depois de sua atuação, na inocência de Wagno.
 Através dela, tomei conhecimento das questões que 
envolviam o caso, a atuação da polícia, do Ministério Público 
e, principalmente, dos parentes de Wagno, representados mais 
assiduamente pelo Tio Nicolau.
 E foi através dele que eu recebi mais uma importante 
peça deste quebra-cabeça: a fita de Joilson.
32 33
11. A fita
 Estava com meu pai, que se encontrava muito doente e 
precisou ser internado em um grande hospital de Belo Horizonte, 
quando recebi a fita cassete gravada por Joilson, pelas mãos do 
incansável Tio Nicolau.
 Em razão do avanço tecnológico e de meu momento de 
aflição, não conseguia vislumbrar um local que possuísse um toca-
fitas, ainda que estivesse sedento de curiosidade para conhecer o 
seu conteúdo.
 Conversando com minha mãe, no hospital, ela me lembrou 
que o carro do meu pai, que estava parado na garagem de nossa 
casa, possuía aquela peça quase de museu, funcionando muito 
bem.
 Dirigi-me à casa de meu pai, e como estava atrasado 
para outro compromisso, fui no carro dele, ouvindo a fita. Esta, 
de qualidade técnica precária, mas perfeitamente audível, havia 
sido gravada pelo advogado de Joilson – até então, para mim, 
um presidiário recolhido na Penitenciária Nelson Hungria, em 
Contagem, na Grande Belo Horizonte. O detento afirmava que 
Waguinho não tinha participado do latrocínio do taxista Rodolfo; 
que ele, Joilson, havia sido convidado a cometer o latrocínio pelos 
reais autores do fato, mas recusou-se a fazê-lo; que havia visto os 
verdadeiros assassinos com a vítima, no dia fatídico; e, finalmente, 
que ele e Waguinho sofreram tentativas de homicídios praticadas 
pelos verdadeiros autores do latrocínio, ainda na cadeia de 
Congonhas, para onde os de fato criminosos foram levados, presos 
por outros crimes. 
 Realmente, os relatos da fita vinham ao encontro do que 
afirmara o tio de Waguinho.
 Diante do compromisso assumido com pessoas importantes, 
da credulidade na versão da família e da fita existente, não me 
restava alternativa a não ser ir ao encontro desses personagens, 
que estavam recolhidos na Penitenciária Nelson Hungria, e, por 
meio de um estudo aprofundado do caso, que incluiria, ao final, 
questionamentos e investigações quase policiais, fazer o meu 
próprioJuízo de convencimento. 
 O advogado é primeiro Juiz da causa, mesmo não julgando 
o autor do fato. Não se pode confundir umJuízo de valor sobre a 
natureza e característica do ocorrido com uma condenação prévia 
do autor, feita sem a efetivação de ampla defesa.
 Não julgamos conduta e não condenamos ninguém, mas 
somente se construindo umJuízo de valor consciente poderemos 
encontrar a essência do caso e o melhor caminho para a 
apresentação da defesa.
12. Wagno
 Assim que cheguei à Penitenciária, fui encaminhado a um 
supervisor jurídico, que coletou minhas informações pessoais.
 Disse-lhe que gostaria de falar em particular com 
Wagno Lúcio da Silva e Joilson Dias Henrique, este muito 
conhecido dos carcereiros e agentes penitenciários, pois havia se 
envolvido em ocorrências de motins e rebeliões, com um outro 
famoso encarcerado conhecido por Rogerão, líder das grandes 
manifestações existentes à época na Penitenciária de Segurança 
Máxima.
 Wagno era um simples desconhecido, mais um número 
dentro de um inferno carcerário que abriga contingente superior 
a oitocentos presos, alguns poucos notórios, e outros, em sua 
maioria, anônimos. 
 Seu comportamento carcerário exemplar, suas 
características pessoais – discreto, envergonhado e muito 
disciplinado – o faziam passar despercebido, não sendo notado 
nem pelos monitores e muito menos pelas turmas formadas nos 
interiores das muralhas prisionais. 
 Fiquei aguardando no parlatório, sala própria para 
o encontro dos presos com seus advogados, já agoniado de 
permanecer por alguns minutos em local tão exíguo. Sou 
completamente agitado, e esperar é uma das minhas maiores 
dificuldades.
 Mesmo freqüentando constantemente estabelecimentos 
prisionais, em razão de minha especialidade, o Caso Wagno mexeu 
comigo desde o início, provocando-me sucessivos e diversificados 
sentimentos.
 Inicialmente, estava movido pela curiosidade, que, depois, 
se transformou em grande e quase intransponível desafio a ser 
vencido.
 Descoberta toda a verdade, agi em favor do ser humano 
inocente, atuando por ânsia de justiça.
 Voltando ao cenário do parlatório, imaginava-me preso e 
encarcerado, por uns poucos dias, sem espaço e sem poder fazer o 
que quisesse e na hora em que me aprouvesse, e chegava a suar 
frio. 
 Vislumbrava uma pessoa presa por vários anos, sentindo 
calor, frio, comendo mal, sozinho com seus sonhos e decepções, e 
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me faltava ar nos pulmões.
 Pensava naquela pessoa ali, presa inocentemente 
por todos aqueles anos, sem conseguir provar o que falava, 
assemelhado a um mudo, e me vinha ânsia de vômito.
 Nesse espírito imergido em aflições pessoais, recebo, pela 
primeira vez, Wagno Lúcio da Silva.
 Seu físico avantajado, sua aura de seriedade, serenidade 
e, principalmente, de sinceridade, completaram todo o espaço 
que sobrava, me colocando cruamente à frente de uma realidade 
dolorida, mas repleta de esperança.
 Não poderia jamais iludir aquele homem com promessas 
falsas. 
 Não conhecia o processo e não devia deixá-lo esperançoso, 
com uma perspectiva irreal.
 Todo advogado criminal deveria priorizar e valorizar a 
importância da honestidade e da confiança, no trato com seus 
clientes presos.
 Depois de uma entrevista, esclarecedora, a par de um 
pouco confusa e sem muita objetividade, disse a ele que não podia 
prometer nada. Reformar uma sentença condenatória definitiva 
seria dificílimo, mas eu me esforçaria ao máximo por sua causa.
 Ao final, eu o informei que iria pouquíssimas vezes visitá-
lo na Penitenciária, pois as questões discutidas eram meramente 
processuais, e seriam tratadas no Fórum de Congonhas e no 
Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
 Despedimo-nos pela vez primeira, à chegada de Joilson.
 Agora sei por que ele me contou, tempos depois, quando 
se viu livre, que ficou repleto de esperanças sob o jugo do meu 
trabalho. 
 Fiquei abalado pelo caso envolvendo um ser humano, 
que, agora também o sei, é diferenciado e tocado pelas mãos de 
Deus. 
 Eu estava ansioso para falar com Joilson.
13. Joilson
 Já superados os momentos de dificuldade e aflição 
advindos do encontro com Wagno, recebo, no mesmo parlatório, o 
interno Joilson Dias, pivô principal de meu envolvimento naquele 
processo que ora se iniciava.
 Mais um homem avantajado adentra o espaço que pouco 
tempo atrás acomodara Wagno. 
 Negro, muito semelhante ao zagueiro Cléber que jogou 
na seleção de futebol, Joilson carregava o temordaqueles que 
falam contra os criminosos.
 Não queria confirmar nada que havia dito na fita, se 
não houvesse garantia para sua família que permanecia em 
Congonhas. 
 Continuando minha política de verdades e confiança 
mútua, disse-lhe que não lhe poderia conceder essa garantia, 
mas sim, prometer-lhe que iria pessoalmente falar com o Juiz 
de Congonhas, Dr. Paulo Roberto Caixeta, prolator da sentença 
condenatória do próprio Waguinho – compromisso este cumprido 
na primeira oportunidade em que me encontrei com o referido 
magistrado. 
 Certo de que estava tratando com uma pessoa confiável, 
Joilson resolveu acreditar em minhas promessas e relatar uma 
história incrível, envolvendo tráfico de drogas, vinganças, acertos, 
desacertos e formação de quadrilha, o que causa espanto aos mais 
incautos, visto ser Congonhas uma cidade pacata e ordeira.
 Se fossem verdades apenas algumas coisas a que Joilson 
havia se referido, já seria “material inflamável” para o pedido de 
Revisão. 
 Como Joilson disse somente verdades – e hoje sabemos 
muito bem disso –, saí em busca do processo, onde poderiam estar 
contidas todas as respostas aos infindáveis questionamentos que 
eu tinha em relação ao Caso Wagno, que agora me aguçavam e 
me empurravam em direção a um processo que acrescentaria, em 
um futuro próximo, mais um exemplo clássico de erro judiciário 
no País. 
 Joilson hoje se encontra recolhido na comarca de 
Congonhas, em regime semi-aberto, já usufruindo esses benefícios, 
como saída temporária, estando lentamente se reintegrando à 
comunidade congonhense.
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 Recentemente foi vítima de espancamento na cadeia, 
após o retorno de uma das suas saídas autorizadas, por um grupo 
ligado aos verdadeiros criminosos do Caso Wagno, demonstrando 
que o drama ocorrido em 1998 ainda não se encerrara para os 
personagens envolvidos.
 Estamos acompanhando a execução de sua pena, como 
prometido no início de nosso relacionamento.
14. As cópias do processo
 Saindo da Penitenciária, e no afã de ter as cópias do 
processo em meu poder, parei no Fórum de Contagem, onde 
tentei localizar a Execução Criminal de Wagno. 
 Como é sabido pelos juristas, depois que se encerram 
todos os recursos cabíveis, momento processual juridicamente 
conhecido como trânsito em julgado da sentença, a condenação 
criminal no processo se torna definitiva, gerando um processo de 
execução penal, que orientará o cumprimento da pena fixada.
 A vida de Waguinho nunca foi repleta de lances de 
sorte. Ao contrário, e para não se afastar desse estigma, os 
autos do processo de sua Execução permaneciam na comarca de 
Congonhas, irregularmente, já que seu cumprimento físico havia 
sido transferido para Contagem. 
 Isso fez com que o início dos trabalhos fosse atrasado por 
alguns dias. Seria necessário meu deslocamento para Congonhas, 
onde iria extrair as cópias reprográficas de todo o processo, de 
“capa a capa”, como é tratado o procedimento que inclui cópias de 
todo o conteúdo, inclusive carimbos e despachos.
 Somente dessa forma é possível se fazer uma análise 
profunda e técnica dos autos de um processo, visto que apenas 
o que existe nos autos pode ser apreciado, ou seja, “aquilo que 
não está nos autos não está no mundo”, como prescreve uma das 
máximas jurídicas.
 Enquanto me dirigia para a cidade de Congonhas, 
localizada a aproximadamente 75 km da capital mineira, pensava 
com meus botões se valeria a pena tanto esforço.
 Assim que cheguei ao Fórum de Congonhas e requisitei 
o processo para que eu pudesse fazer as cópias, os funcionários 
da secretaria me olharam como se contemplassem um 
extraterrestre.
 A morte do taxista Rodolfo ainda permanecia viva, sem 
trocadilhos, no imaginário e na memória da pacata e histórica 
cidade mineira. O fato de ser um município que abriga parte da 
vida cultural e histórica do País favorece a que os fatos passados 
se perpetuem, e não foi diferente com este caso, que comoveu 
toda a região, gerando enorme clamor popular.
 Superado o susto inicial, e alguma má vontade, fui 
atendido e obtive, finalmente, as cópias de todo o processo que 
38 39
culminou com a condenação de Waguinho.
 Agora só me restava retornar a Belo Horizonte, não sem 
antes parar no posto de gasolina na estrada, perto do famigerado 
e perigoso Viaduto das Almas – que hoje já possui nome 
menos macabro, mas continua sendo tratado por sua antiga 
nomenclatura –, para comer um delicioso pão com lingüiça, que 
foi meu lanche corriqueiro durante minhas inúmeras idas e 
vindas a Congonhas. 
15. Leitura
 Chegando a minha casa, e não quero florear um momento 
íntimo, fui para o banheiro e levei comigo o processo, para dar 
uma “olhadinha”.
 Aqueles minutos de solidão, calma e atenção se 
transformaram em horas de expectativa e perplexidade. Folhas 
e folhas do processo foram sendo consumidas de maneira 
compulsiva e seqüencial. A incômoda posição me trouxe cãibras 
e formigamentos, me impelindo a sair daquele cubículo de 
concentração, sem antes, entretanto, de terminar toda a leitura, 
e, pasmem, já chegando à conclusão de que realmente Wagno era 
inocente.
 Não existia, nos autos, nenhuma prova concreta, clara e 
cristalina, para embasar uma sentença condenatória. No máximo 
continha uma afirmação duvidosa, que deveria ter sido valorada 
a favor dele, e não contra ele.
 Pela segunda vez – a primeira foi em meu encontro 
inicial com ele na Penitenciária –, senti sinceridade e verdade 
em suas palavras, e agora eu estava completamente convicto de 
que Wagno era inocente. 
 O excitamento tomou conta de mim. Não consegui 
aguardar o dia seguinte e liguei para a Flaviane. Ela, um 
pouquinho mais ponderada do que eu, mas um “pouquinho bem 
pequeno”, imediatamente começou a me perguntar detalhes do 
processo, já articulando uma estratégia inicial. Minha primeira 
sócia estava irremediavelmente “fisgada” pela busca de justiça 
para Wagno. 
 Era o momento de convencer os demais sócios, e agora a 
missão estava muito mais fácil, com a participação da Flaviane.
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16. Convicção
 Agendada a reunião com os meus sócios, fui 
disponibilizando a cópia para que eles tomassem conhecimento 
daquilo que estávamos abraçando.
 Eu e a Flaviane, sem o menor trabalho, convencemos os 
nossos demais sócios e colaboradores, de imediato, para nossa 
alegria, e nos decidimos pela seqüência de tarefas.
 Era um projeto de justiça, que dependia da crença de todos 
os envolvidos, pois poderíamos fracassar em nossa estratégia e 
ter que arcar com essa mancha profissional em nossas vidas.
 Os demais sócios não só se convenceram, como se desdobraram 
na assistência e assessoria ao caso, transformando-o, ao final, em 
uma causa coletiva, onde cada um fez o que podia, o que sabia 
e o que tinha condição de fazer, em prol da aplicação plena do 
espírito da palavra JUSTIÇA. 
 Desde seus pais e tios, passando por Nilmário Miranda 
e equipe, até chegar a seus advogados, agora formávamos um 
extenso grupo de pessoas convicto da inocência de Wagno.
17. A falha – início do erro
 Procurando desvendar os meandros do processo, para 
identificar a origem dessa falha, era necessário despir-me da 
beca jurídica e vestir o capuz e a boina do detetive.
 O primeiro absurdo, que logo saltava aos olhos, era que a 
condenação havia se baseado exclusivamente no depoimento de 
um menor, que, por três vezes, prestou depoimentos contraditórios 
e claramente amedrontados.
 Não havia outros indícios testemunhais ou periciais, 
ou qualquer outra espécie de prova admitida em direito, que 
corroborassem aquele depoimento, o que, de imediato geraria, no 
mínimo, dúvida passível de ter sido valorada a favor do réu.
 O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a 
condenação e ratificou o erro.
 Seria necessário se aprofundar ainda mais nas 
investigações, para que se pudesse entender de onde saíra o tal 
convencimento equivocado do Juiz de Congonhas.
 A denúncia trazia fatos e afirmações que não existiam 
nos autos. Extremamente preconceituosa, definiu condutas 
e posturasapoiadas em nada, o que responsabiliza também o 
Ministério Público, neste caso. O próprio Juiz da causa afirmou 
que quem errou primeiro foi o Ministério Público, por denunciar 
negligentemente.
 Talvez o problema também estivesse no inquérito 
policial. Wagno afirmara que havia sido torturado, e esse fato 
não constava dos autos.
42 43
18. Inquérito
 O primeiro mistério surgia no inquérito.
 O comportamento da polícia de Congonhas não poderia 
ter sido mais desastroso.
 Já no início das investigações, ela chegou ao tal menor, 
porque ele havia subtraído o toca-fitas do carro do taxista, depois 
de este já estar morto.
 As diligências eram comandadas diretamente pelo 
genro da vítima, ex-policial militar expulso da Corporação de 
Tiradentes, como é conhecida a PM, em Minas Gerais.
 Assim que localizaram o menor, a barbárie de Wagno 
começou.
 Este menor foi espancado até começar a “dar com a língua 
nos dentes”. 
 Previamente preparado pelos verdadeiros assassinos, o 
menor confessou sua participação no latrocínio e apontou Wagno 
como co-autor.
 Wagno foi preso, espancado, teve sua boca quebrada, e foi 
torturado por doze horas consecutivas, para confessar o que não 
tinha feito. Não confessou, e de tanto apanhar quase morreu.
 No dia seguinte, o menor presta novo depoimento, desta 
feita acompanhado de seu pai e de um advogado conhecido da 
sua família, e altera a versão, inocentando Wagno, e dizendo que 
corria risco de vida, pois os verdadeiros assassinos iriam “pegá-
lo” por isso.
 A polícia informa isto ao Juiz de Congonhas e este se 
dirige à cadeia pública da comarca e encontra Wagno muito 
machucado. Em função desse fato, expediu uma guia de exame 
de corpo de delito, que jamais foi realizado, mesmo tendo Wagno 
sido retirado da cela para fazê-lo.
 Wagno é solto, a história se espalha em Congonhas, e 
um recado das ruas chega até ao menor, que estava recolhido 
em local separado, porém, na cadeia pública, junto dos demais 
bandidos.
 Surge a terceira versão do menor. Wagno é o comparsa.
 Novamente recolhido, ele somente iria ver a liberdade 
de novo ao sair da Penitenciária Nelson Hungria, oito anos, três 
meses e dezessete dias depois.
 Durante o inquérito foram ouvidas várias testemunhas.
 As testemunhas que o acusavam falavam daquilo que 
tinham ouvido, através das declarações do menor. 
 Não existiam testemunhas presenciais e nem testemunhas 
que depuseram contra Wagno. Ninguém o viu com a vítima ou 
na cena do crime.
 Não houve nenhuma outra prova técnica, ou mesmo 
qualquer espécie de indício que corroborassem aquele depoimento 
único e completamente desapegado do restante do conjunto 
probatório.
 Não houve confissão, mesmo depois de horas ininterruptas 
de espancamento.
 As testemunhas de defesa, idôneas e moradoras da 
comunidade, todas humildes, sem nada para esconder, optaram 
por falar a verdade, e comprovaram isso ao serem novamente 
inquiridas no Processo de Justificação, quase oito anos depois, 
confirmando o que haviam declarado em todas as fases do 
processo. Mesmo tendo sido desacreditadas, humilhadas e 
intimidadas pelos policiais para alterar a versão narrada, se 
mantiveram firmes e coerentes. 
 Com este “pacote” de provas, foi relatado o inquérito, 
indiciando Wagno, por latrocínio, crime com a maior pena 
prevista no Código Penal Brasileiro, de vinte a trinta anos de 
reclusão.
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19. A denúncia
 EXMO. SR. Juiz DE DIREITO DA COMARCA DE 
CONGONHAS
 O Promotor de Justiça perante essa vara, no 
exercício de seu Ministério, com base no incluso inquérito 
policial, vem perante esseJuízo, oferecer denúncia 
contra:
 WAGNO LÚCIO DA SILVA, vulgo Waguinho, 
solteiro, trabalhador braçal, filho de Benedito Eugênio 
da Silva e Maria Eduarda da Silva, natural de Congonhas 
– MG, por ter praticado a seguinte conduta delituosa:
 No dia 24 de outubro de 1997, às 21 horas 
aproximadamente, o ora denunciado, em companhia do 
menor Wellington Azevedo de Paulo, no lugar denominado 
bairro Primavera, na Av. Um com rua Onze, fazendo uso 
de uma faca, desferiu vários golpes na vítima Rodolfo 
Cardoso Lobo, causando-lhe a morte.
 Após, subtraiu para si um rádio toca-fitas marca 
Volksline ETR II que se encontrava instalado no veículo 
da vítima, evadiu-se do local, entregando o produto do 
crime ao menor Wellington Azevedo de Paulo, tendo este 
o escondido nas proximidades de sua residência.
 A dinâmica dos fatos ocorreu da seguinte 
maneira:
 O ora denunciado, que se encontrava em companhia 
do menor Wellington, encarregou a este de comparecer 
no ponto de táxi localizado no centro desta cidade, 
manter contato com a pessoa da vítima no sentido de 
convidá-lo a efetuar um transporte que se resumiria em 
levá-los (denunciado e Wellington) a determinado local. 
Tendo a vítima acordado, o menor e posteriormente o 
denunciado se dirigiram para o local citado, onde, após 
ter este determinado ao menor para que se afastasse um 
pouco do veículo, passou a dialogar com a vítima e, ato 
contínuo, a esfaqueou.
 Todos os atos foram presenciados pelo menor 
Wellington.
 Assim, tendo o denunciado incorrido nas sanções 
dos artigos 157 & 3º, última parte do Código Penal, c/c art 
1º da Lei 2.254/54.
 REQUER esta Promotoria de Justiça seja o mesmo 
denunciado, devidamente citado para interrogatório 
e defesa que tiver, ouvidas as testemunhas abaixo 
arroladas, cumpridas as demais formalidades da lei e, 
afinal condenada nas penas que lhes couber.
 Congonhas, 10 de fevereiro de 1998.
 JOÃO VICENTE GRISSI
 PROMOTOR DE JUSTIÇA
46 47
20. Processo criminal
 Ignoradas as confusões do inquérito, foram estes autos 
enviados ao Fórum, e conclusos ao Juiz que abriu vista ao 
Ministério Público, para as providências cabíveis, ou seja, novas 
diligências, que seria o procedimento lógico, conseqüência de 
uma investigação capenga e inconclusiva, ou oferecimento de 
denúncia, caminho mais cômodo e menos trabalhoso, opção 
escolhida pelo órgão ministerial.
 Fazendo isso, foi corroborada toda a lambança da 
investigação policial, por um órgão que tem como obrigação 
constitucional ficar atento ao que ocorre no meio social.
 É o fiscal da lei.
 Naquele momento, o Juiz de Congonhas, que já havia 
ratificado o flagrante, depois relaxado e posteriormente 
restabelecido a prisão; que tinha ciência das agressões e torturas 
sofridas por Wagno, pois presencialmente comprovou que ele 
estava todo machucado, e até ordenou a expedição de uma guia 
para exame de corpo de delito, que jamais foi feito; em vez de agir 
de ofício, remeter os autos para a autoridade policial, a fim de que 
as diligências e investigações, insuficientes, fossem completadas, 
optou pelo caminho mais fácil, recebendo a denúncia e, já 
mandando citar o agora réu, designou a data do interrogatório. 
 No interrogatório, Wagno narrou a mesma história que 
havia contado em seu depoimento à autoridade policial, depois 
de torturado por doze horas, desta feita aoJuízo. Sua versão se 
mantém inalterada até hoje, e o fato de não se contradizer em 
todos estes anos foi fundamental para sua tardia absolvição. 
 Somente a verdade permanece por anos inalterada. A 
mentira, com o tempo se transforma.
 Wagno foi acompanhado de um defensor da região, foi 
arrolado um vasto rol de testemunhas e não foram requeridas 
diligências. 
 A maioria havia sido ouvida pela autoridade policial, 
mas lá, elas foram intimidadas e desacreditadas pelos agentes 
policiais, os mesmos que espancaram Wagno, afirmando que elas 
estavam todas combinadas e arranjadas. Apesar disso, disseram 
a verdade e mantiveram-na perante o juízo. 
 Quase oito anos depois, foram reinquiridas no Processo 
de Justificação, e confirmaram o que falaram todo o tempo, 
constituindo mais um fator preponderante para a absolvição de 
Wagno, pelo Tribunal de Justiça.
 Perante o Juiz, as testemunhas de acusação ratificaram o 
que haviam dito para a autoridade policial, confirmando, ainda, 
que tudo o que narraram foi contado pelo menor.
 Já durante o depoimento das testemunhasarroladas por 
Wagno, ocorre o primeiro erro gritante de sua defesa. 
 A principal testemunha de Waguinho não compareceu, 
pois se encontrava trabalhando no mesmo horário, e se esqueceu 
do compromisso para o qual estava intimado.
 O advogado desistiu da oitiva dessa testemunha, e Wagno 
não teve sua versão confirmada, pois ela era o álibi de que ele não 
estava na cena do crime à hora em que os fatos se deram.
 Estabeleceu-se prazo sucessivo para as apresentações de 
alegações finais e, depois disso, foi concluso para sentença, que 
foi prolatada em poucos dias. 
48 49
21. A condenação
 
 Autos: 659/98
 Autora: Justiça Pública 
 Réu: Wagno Lúcio da Silva 
 Vistos, etc...
 O ilustre representante do Ministério Público, 
em exercício nesta Comarca, ofereceu denúncia contra 
Wagno Lúcio da Silva, vulgo “Waguinho”, suficientemente 
qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções 
do 157 Parágrafo 3° (última parte) do Código Penal c/c o 
artigo 1° da Lei 2.252/54, imputando-lhe o seguinte fato 
delituoso:
 “... No dia 24 de outubro de 1997, às 21:00 horas 
aproximadamente, o réu denunciado, em companhia do 
menor Wellington Azevedo de Paulo, no lugar denominado 
bairro Primavera, na Av. Um com Rua Onze, fazendo uso 
de uma faca, desferiu vários golpes na vítima Rodolfo 
Cardoso Lobo, causando-lhe a morte.
 Após, subtraiu para si um rádio toca-fitas, marca 
Volksline ETR II que se encontrava instalado no veículo 
da vítima, evadiu-se do local entregando o produto do 
crime ao menor Wellington Azevedo de Paulo, tendo este 
o escondido nas proximidades de sua residência.
 A dinâmica dos fatos ocorreu da seguinte 
maneira:
 O ora denunciado, que se encontrava em companhia 
do menor Wellington, encarregou a este a comparecer no 
ponto de táxi localizado no centro desta cidade, manter 
contato com a pessoa da vítima no sentido de convidá-lo 
a efetuar o transporte da vítima que resumiria em levá-
los (denunciado e Wellington) a determinado local citado, 
onde, após ter este determinado ao menor para que este 
afastasse um pouco do veículo, passou a dialogar com a 
vítima e, ato contínuo, a esfaqueou.
 Todos os fatos foram presenciados pelo menor 
Wellington” ... (fls.02/03)
 O inquérito policial instaurado a partir do auto 
de prisão em flagrante lavrado em desfavor do acusado 
foi o sustentáculo da peça acusatória e está acostado aos 
autos às fls. 04/56.
 Às fls. 57-67 expediente referente a habeas corpus 
impetrado em favor do menor Wellington.
 Tendo o acusado sido colocado em liberdade 
antes do envio do Inquérito Policial à Justiça, requereu 
o Ministério Público e assim decidiu o Magistrado pela 
custódia preventiva do acusado (fls.68/71).
 Às fls. 75/82 novas informações sobre o habeas 
corpus em favor no menor Wellington.
 Mandado de prisão em desfavor do acusado 
devidamente cumprido como é visto às fls. 83-84.
 Laudo de necropsia da vítima às fls. 85/92.
 Diligências requeridas pelo Ministério Público 
determinando o retorno dos autos à Delegacia de Polícia 
de origem às fls. 93/103.
 Laudo do Instituto de Criminalística, com 
ilustrações fotográficas, às fls. 104/111.
 Diligências cumpridas às fls.112/118.
 Ingresso emJuízo do Dr. Defensor do acusado 
requerendo cópias dos autos, retorno dos mesmos 
à Delegacia de Polícia de origem e apresentando 
instrumento de mandado às fls. 119/121.
 Novamente os autos retornam à Delegacia de 
Polícia conforme anuiu o Ministério Público e devolvidos 
à Justiça com o cumprimento das diligências às fls. 
121/129.
 Finalmente é ofertada a denúncia contra o acusado 
e recebida por despacho às fls. 130 e sendo determinada a 
requisição do acusado para ver processar.
 Às fls. 131, certidão de antecedentes criminais do 
acusado.
50 51
 Interrogatório realizado às fls. 132 e intimado o 
advogado constituído para defesa preliminar no tríduo 
legal. (fls. 132/133)
 Defesa prévia às fls. 134, acompanhada de rol de 
testemunha.
 
 Designada a oitiva das testemunhas arroladas pela 
denúncia através de despacho de fls. 135.
 Sem qualquer justificativa aceitável, juntadas aos 
autos, de forma aleatória, pedido de reconsideração da 
prisão preventiva feita em favor do acusado, parecer 
desfavorável do Ministério Público e indeferimento 
do pedido de relaxamento pelo Magistrado que nos 
antecedeu. ( fls. 136/141)
 Pedido de informações de habeas corpus impetrado 
em favor do acusado às fls. 142/150.
 Realizada a audiência de instrução tendo sido 
inquiridas as testemunhas arroladas pela denúncia, as 
da defesa, com a dispensa de uma ausente e uma referida, 
tudo conforme está às fls. 155/175. 
 Na fase diligencial as partes nada requereram.
 Alegações finais do Ministério Público às fls. 
176/180 pugnando pela condenação do acusado incurso 
nas iras do art. 157 § 3° (última parte) c/c com o artigo 63, 
ambos do Código Penal.
 Prestadas informações complementares ao E. 
Tribunal de Alçada às fls. 181.
 Razões derradeiras apresentadas pelo 
defensor do acusado pleiteando sua absolvição pela 
fragilidade e incerteza das provas (fls. 182/186).
 É o necessário a relatar. Decido.
 É certa a materialidade do delito vez que está 
consubstanciada pelo auto de apreensão de fls. 29, termo 
de restituição de fls. 30 e laudos periciais de fls. 87/92 e 
104/111, estabelecendo-se o nexo de causalidade entre a 
conduta e o resultado, responsável pela relação de causa 
e efeito.
 A autoria da conduta delituosa não é admitida 
pelo acusado, contudo, pela evidência probatória dos 
autos, não sobrevive qualquer dúvida a este respeito, 
em que pese o esforço da defesa no sentido de asseverar 
a insuficiência ou a fragilidade de provas contra o seu 
constituinte, absolvendo-o da acusação.
 
 Observa-se que o início das investigações se deu a 
partir da comunicação do encontro de um cadáver, feita à 
Polícia pelo cidadão de nome Altair Francisco da Cunha 
(depoimento às fls. 175) e logo em seguida, uma notícia 
dada ao policial civil Sinval de Oliveira (depoimento 
às fls. 05) onde o senhor não identificado de posse de 
informação de uma menina, também não qualificada, 
relatava a presença de abordagem de um adolescente, na 
noite anterior, ao taxista vítima.
 Se no momento eram poucas as chances de 
desvendar o crime, o toca-fitas roubado da vítima foi a 
chave dessa elucidação. A polícia chegou até à pessoa de 
Wellington, pois este, já sábado pela manhã, tinha oferecido o 
toca-fitas à pessoa alcunhada por “Fusquinha”. Tudo 
está a indicar que Waguinho, ajustado com Wellington, 
planejou subtrair da vítima seus valores, e sem uma 
razão maior, de forma covarde e violenta, ceifaram-lhe 
a vida. Possivelmente apavorados com a morte da vitima 
trataram de desfazer do produto do roubo, oportunidade 
em que Waguinho determinou a Wellington que jogasse o 
toca-fitas dentro do rio por “Fusquinha”, obtendo, com isto, 
vantagem, sendo que este fato chegou ao conhecimento 
da polícia. Tanto é verdade que Wellington foi apreendido 
no Parque Cachoeira e a pessoa de “Fusquinha” estava 
em companhia da polícia. Logo em seguida foi feita a 
apreensão do toca-fitas em uma horta nas proximidades 
de um terreno baldio, conforme atestaram as pessoas de 
Dorian Clifford Dutra (fls. 161) e Aldrovando de Carvalho 
(fls. 166).
 Interessante salientar que Wellington, apreendido 
pela polícia e devidamente questionado sobre a posse do 
toca-fitas, indicou a pessoa do acusado como sendo o autor 
do bárbaro crime oferecendo detalhes da empreitada 
52 53
criminosa (declarações de fls. 07/09). De uma forma 
surpreendente, dois dias após sua apreensão, retorna à 
presença da Autoridade Policial e muda por completo a 
sua primeira versão, passando a inocentar o acusado e 
assumindo sozinho a conduta delituosa (fls. 32/36). Porém, 
mais estranho do que a mudança da versão por parte do 
Wellington foi a rapidez utilizada pelo Dr. Antônio Lanna 
Rabello, Delegado de Polícia que presidia as investigações, 
cuidando em advogar em favor de Waguinho, requerendo 
ao Juizem exercício na Comarca a sua liberdade, 
constatando em destaque: no entender desta Autoridade 
o mesmo deverá ser solto imediatamente, uma vez que 
não existe mais (sic) motivos para a prisão do mesmo 
ante os fatos novos apresentados (documento fls. 43). 
Tal atitude do então delegado revelou, no mínimo, falta 
de preparo para o cargo e a imensa afronta à seriedade 
profissional que se deve ter em casos deste jaez para não 
availar ainda mais a sociedade.
 O restabelecimento de parte da verdade só veio 
a ocorrer quando Wellington, através de habeas corpus, 
foi posto em liberdade e, diante do Magistrado que nos 
antecedeu, reafirmou ser o acusado Waguinho o autor 
do deprimente delito, ratificando, de certa forma, a sua 
primeira declaração na polícia.
 Diga-se, de antemão, que Wellington, com certeza, 
foi partícipe neste latrocínio e sua tentativa de livrar-se de 
qualquer imputação neste sentido é mero subterfúgio, vez 
que os indícios que o incriminam são fortíssimos e serão 
ressaltados em sede própria onde será ele julgado. Por ora 
está-se valendo de seus depoimentos de fls. 07/09 (auto de 
prisão em flagrante), fls. 94/96 (audiência de apresentação 
de adolescente infrator) e 163/165 (depoimento judicial 
na fase de instrução) como a prova cabal e fiel em relação 
à autoria do delito imputada ao acusado Waguinho e 
contra a qual não houve contrariedade.
 
 Registre-se, para efeito de conversão da prova no 
tocante à autoria do crime recaindo na responsabilidade 
de Waguinho, os depoimentos de:
 Vicente de Paula Ferreira Filho (fls.122/123) – 
verbis: “... que por volta das 8:30 horas, recebeu ordem 
de seu comandante para se deslocar até a residência do 
subcomandante para comunicar tal fato, por se tratar de 
ocorrência de destaque, sendo que no trajeto próximo ao 
“Bar Hollywood” situado na Rua Monteiro de Castro (ao 
lado da ponte que dá acesso ao poliesportivo Monteirão) 
avisou aos indivíduos Wagno Lúcio da Silva sobre um 
veículo motoneta/Mobylete de cor preta, em companhia 
de Wellington Azevedo de Paulo; ... que mais tarde, por 
volta das 15:30 horas, o declarante teve conhecimento de 
que o autor do crime havia sido preso e veio a saber que 
se tratava de Wellington Azevedo de Paulo, elemento este 
que se encontrava mais cedo em companhia de Waguinho; 
que o declarante então deslocou-se até esta Delegacia 
para confirmar que se tratava do menor Wellington 
que estava em companhia de Waguinho; que tal fato foi 
confirmado, inclusive o menor Wellington confessou na 
presença do declarante, do genro da vítima, Ruy Cirilo, 
e do taxista João Matosinhos, que foi ele (Wellington) e 
Waguinho, os autores do crime, inclusive confessando 
que havia ganhado o toca-fitas do veículo da vítima...
 Ruy Cirilo Rabello Júnior (fls. 158/159) – verbis: 
“... que também acompanhou os policiais quando da 
apreensão de Wellington, estando ainda presente a 
pessoa de “Fusquinha”; que Wellington negava qualquer 
participação no crime, todavia, por ter oferecido ao 
“Fusquinha” toca-fitas da vítima começaram a indagar de 
Wellington sobre o latrocínio; que a princípio Wellington 
dizia que tinha tido a participação de alguém do bairro 
Dom Oscar, mas quando para lá se dirigia resolveu dizer 
que quem havia participado efetivamente era Waguinho 
da Pedreira; que logo após a revelação por parte de 
Wellington retornaram à Delegacia, quando então os 
policiais decidiram ir ao encalço de Waguinho;... que 
Wellington confirmou que Waguinho deu as facadas no 
Sr. Adolfo e depois de abandoná-lo no chão entraram no 
carro e foram até o local onde abandonaram o veículo; 
que o depoente acredita que esta é a versão real do 
crime;... que por diversas vezes Wellington pediu aos 
policiais para fazer exame de impressões digitais na faca 
para provar que Waguinho seria o autor do crime; que 
ouviu comentário de que Wellington teria sido espancado 
e ameaçado para mudar a versão, feita na segunda 
feira;...”
54 55
 Ivanil Luiz Ferreira (fls.160) – verbis: “... que tanto 
antes quanto atualmente o depoente pode afirmar com 
segurança que Wellington afirmou ser Waguinho o autor 
do latrocínio; ... que não tem elementos para afirmar que 
Wellington é uma pessoa dada a mentiras; ... que através 
dos pais e da noiva que é irmã de Wellington que teve 
notícia de que Wellington portava diversas marcas de 
agressão...”
 Se o acusado negou a autoria do delito e ele 
incumbiria a prova, não se confundindo, por isto mesmo, 
com a livre apreciação da prova pelo julgador para 
formação de sua convicção. Alegar qualquer violação de 
direito como fez o acusado é assumir o ônus de provar, 
porque, nesse diapasão a presunção há de ser em favor 
da autoridade pública. Incumbe a quem engendra provar 
a veracidade do álibi, porque ao Órgão da acusação é 
cometida a tarefa de provar a realização do fato, como 
fez o Dr. Promotor de Justiça.
 Trouxe a defesa o depoimento de Walter Florindo 
Lopes (fls. 173), quando afirma que esteve com o acusado 
Waguinho, em sua casa, até por volta das 19:00 horas, 
quando foi jogar bola deixando lá a pessoa de Fábio e não 
sabendo a que horas este de lá saiu. Esclareceu ainda a 
testemunha arrolada pela defesa que houve uma dúvida 
se tinha estado com Waguinho por volta de 21:15 horas, 
mas o certo é que nesta hora havia apenas se encontrado 
com a mulher de Waguinho.
 
A testemunha Fábio Márcio de Resende, regular e 
pessoalmente intimada (fls. 170v), de forma injustificada 
não compareceu emJuízo para confirmar a estória de 
estar com o acusado, no dia certo e na hora provável do 
crime. Porém, inexplicável, ainda, que este testemunho 
seria a mola-mestra do álibi arquitetado pelo acusado, 
a defesa preferiu não requerer sua condução sob vara. 
Só se aceita tal comportamento pela seriedade do 
profissional que defende os interesses do acusado em 
contrapartida à falta de seriedade de testemunhas como 
Fábio Márcio de Resende e Genivaldo Teodoro de Castro. 
Destaque negativo merece a informação prestada pelo 
adolescente Genivaldo Teodoro de Castro (fls. 156) cujo 
teor merece repúdio por parte da justiça pelas inverdades 
mencionadas e pela parcialidade de sua versão.
 Ainda a defesa buscou a fala de Altair Francisco 
da Cunha (fls. 175) que nada soube dizer a respeito dos 
fatos narrados na peça acusatória, afirmando conhecer 
superficialmente o acusado.
 Assim é que verifica-se pela evidência probatória 
dos autos que o acusado, durante o cair da noite de uma 
sexta-feira, após prévio ajuste com o adolescente infrator 
Wellington Azevedo de Paulo, decidiu praticar um assalto 
ao taxista Rodolfo Cardoso Lobo. Como primeira parte 
do plano, foi determinado a Wellington que fosse até a 
praça onde há um ponto de táxi e ali combinasse com 
Rodolfo uma corrida e em seguida, de forma violenta e 
covarde, tiraram a vida de um ser humano para roubar-
lhe pertences de pouca valia.
 A versão do acusado desmerece crédito, pois, eivada 
de contradições e incoerências nas diversas declarações 
prestadas. É óbvio que prevalece, sem dúvida, a versão 
que, ao reverso, ressurge dos autos, notadamente pela 
prova testemunhal colhida e já mencionada, onde retrata-
se o fato delituoso, com segurança lógica em harmonia 
com o conjunto probacional. 
 Aqui também não há que se indagar se Wellington, 
tendo interesse em eximir-se de responsabilidade, 
acusou Waguinho, responsabilizando-o pelo todo. 
Suas declarações, em momento algum, deixaram 
transparecer a este julgador que estivessem carregadas 
de ira ou inspiradas em ódio e objetivaram ocultar a 
responsabilidade própria.
 Entre Wellington e Waguinho, embora aquele 
não tenha, a princípio, dado qualquer golpe na vítima, 
contribuiu substancialmente para a realização do 
delito, assumindo, assim, o risco do resultado de morte. 
É sem dúvida a configuração deste vínculo subjetivo 
exteriorizado pela adesão, pronta e eficaz, consumando 
a subtração e divisão de pertences da vítima à sua 
subseqüente morte decorrente da violência dos golpes de 
facaproduzidos em seu corpo.
 Pouco importou, para a configuração do latrocínio, 
a exigibilidade do evento morte nos planos dos mediantes, 
pois, ao simples emprego da violência para a prática do 
56 57
roubo e em decorrência disto houve a morte da vítima, 
seguindo-se o roubo de seus pertences, não há dúvida de 
que há hipótese de latrocínio. 
 Tomba por terra a alegação da defesa ao afiançar 
a carência de elementos para justificar uma sentença 
condenatória em desfavor do acusado. Descabe tal 
alegação, pois, conforme demonstrado ao longo desta 
decisão, a afirmativa esbarra na contundência das provas 
coligidas, acentuadas no inquérito policial e reafirmadas 
emJuízo.
 Andou bem e com a costumeira conduta de promover 
sempre a justiça o douto representante do Ministério 
Público quando pede a absolvição da imputação feira 
ao acusado em relação à corrupção de menores ditada 
pelo artigo 1° da lei 2.252/54, considerando estar provado 
que Wellington já era portador de antecedentes pouco 
recomendáveis.
 Não há a favor do acusado a militância de nenhuma 
das excludentes de criminalidade e nem causas de isenção 
de pena, e a alegada ausência ou insuficiência de provas 
que causaria dúvida em relação à responsabilidade penal 
imputada não lhe socorre conforme quer a defesa. 
 A reincidência do acusado está devidamente 
provada às fls. 133.
 Ante o exposto e por tudo que contêm os presentes 
autos, julgo procedente, em parte, a denúncia, e, em 
conseqüência, condeno o réu WAGNO LÚCIO DA SILVA, 
alcunhado por “Waguinho”, como incurso nas iras do 
artigo 157, Parágrafo 3º (última parte), com a agravante 
no artigo 63, ambos do Código Penal.
 Em atendimento ao que determinam os artigos 59 
e 68, ambos do Código Penal, passo a individualizar-lhe a 
pena:
 Considerando suas culpabilidades demonstradas 
pela ação eivada de dolo, de forma livre e consciente, com 
auto grau de reprovação social; aos seus antecedentes que 
são péssimos já que processado, julgado e condenado por 
crimes praticados, sendo, por isto mesmo, reincidente; 
à sua conduta social sem maiores informes; aos motivos 
traduzidos tão somente no egocentrismo e na expectativa 
do ganho fácil; às circunstâncias em que nada lhe 
favorecem, haja vista que valeu-se de lugar ermo para 
assegurar o sucesso da empreitada criminosa; às 
conseqüência do crime, quando ceifou a vida de um ser 
humano, sem lhe prestar qualquerJuízo de valor, privando 
familiares, amigos e a própria sociedade do seu convívio 
e ao comportamento da vítima que em nada contribuiu 
para a consecução do crime, mesmo porque, aquela, 
muito bem vista na sociedade, buscava complementar 
sua aposentadoria com o árduo trabalho de taxista, fixo 
a pena-base em 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, a 
qual tenho por sanção ambulatorial definitiva e concreta, 
diante da inexistência de outras circunstâncias a serem 
sopesadas.
 A pena privativa de liberdade ora irrogada será 
cumprida, integralmente, em regime fechado, ante a 
determinação da lei 8.072/90, em seu artigo 2° (Crimes 
Hediondos), além das circunstâncias judiciais que lhe 
são totalmente desfavoráveis.
 Aplico-lhe, ainda, a pena pecuniária de 30 (trinta) 
dias/multa, arbitrados este em 1/30 (um trigésimo) do 
salário mínimo vigente à época do fato, corrigidos de 
acordo com o permissivo legal, considerando a situação 
econômica do réu não muito favorável.
 Condeno-o, também, ao pagamento de 50% 
(cinqüenta por cento) das custas processuais.
 Tanto para o pagamento da multa quanto das 
custas será facultado o parcelamento se o acusado assim 
requerer.
 Recomendo-o na cadeia pública onde se encontra, 
não se lhe socorrendo o direito de recorrer em liberdade 
pela determinação da Lei dos Crimes Hediondos.
 Com o trânsito em julgado deste decreto decisório, 
lance-se-lhe o nome no livro “Rol dos Culpados” e oficie-
se à Superintendência de Organização Penitenciária 
requisitando vaga em uma das Penitenciárias de 
Segurança Máxima do Estado, para onde será remetida a 
58 59
22. Provas insuficientes – in dubio pro reo
 Desde a minha primeira leitura dos autos, não consegui 
vislumbrar elementos suficientes que fundamentassem a 
condenação de Wagno.
 Quando as provas são duvidosas, questionáveis ou 
insuficientes, se aplica o princípio in dubio pro reo, no intuito de 
se evitar injustiças, absolvendo o réu.
 Neste caso, a prova era solitária, oriunda de um menor 
inidôneo, co-réu de um crime de latrocínio.
 Esta afirmação não estava ancorada em prova pericial, 
ou em qualquer outra prova testemunhal ou documental.
 Wagno era, e é, réu primário de excelente comportamento 
social, bons antecedentes, jamais havia sido preso ou processado, 
trabalhador com residência fixa e própria, um exemplo de 
verdadeiro cidadão de bem. 
 Sua versão dos fatos foi preterida, dando-se credibilidade 
a uma versão ímpar de um criminoso confesso. 
 Por quê? 
 Como se fossem mágicas, as provas que eram insuficientes 
para uma condenação se transformaram em absolutas e 
serviram de alicerce para se prolatar uma sentença condenatória 
teratológica e histórica, por seus absurdos e enganos.
 Nesses casos, o princípio que trata da dúvida no processo 
penal deve imperar, para que o título deste texto não se torne 
habitual nos corredores da Justiça.
 Com as provas existentes nos autos, ele jamais poderia 
ter sido condenado.
 Como no Brasil existe o tradicional ditado de que somente 
vai para a cadeia um dos três “socialmente abomináveis P” – 
preto, pobre e prostituta –, e sendo Wagno portador de dois dos 
três requisitos acima descritos, seu destino jurídico foi traçado já 
na origem do seu nascimento, e ratificado pelo saldo de sua conta 
bancária.
Carta de Sentença, nos moldes da Lei. 7.210/84.
 Publique-se, registre-se e intime-se.
 Congonhas, 28 de março de 1998.
 BEL. PAULO ROBERTO CAIXETA
 JUIZ DE DIREITO
60 61
23. Presunção de inocência e ônus da prova
 Não bastasse, por si só, o total desrespeito ao princípio in 
dubio pro reo, mais agressões constitucionais foram perpetradas 
ao se condenar Wagno, da forma como aconteceu.
 O ônus de provar que ele é culpado é de quem o acusa, e, 
no caso em questão, do Ministério Público, autor da denúncia e 
titular da ação penal.
 Quando o Promotor não consegue se desincumbir do ônus 
da prova, o acusado deve ser absolvido, pois o órgão acusador não 
provou o que acusou.
 Ademais, ninguém é culpado até que a sentença 
condenatória seja definitiva.
 Wagno alegava que era inocente, e o tempo tratou de 
provar que realmente o era, e as provas existentes eram fracas e 
inconsistentes.
 Nada do que o Promotor escreveu na denúncia, ele 
conseguiu provar. Foi tudo descrito de maneira genérica e 
superficial, sem nenhum sustentáculo fático técnico. 
 Wagno, em total inversão desse ônus, provou que era 
inocente, mas sua palavra e sua versão não foram consideradas, 
porque, segundo as investigações, teria ele praticado um crime 
hediondo de latrocínio.
 Como poderiam afirmar que ele havia praticado um 
crime, se ele mesmo, sem o precisar, provou que era inocente? 
 Dessa forma, desrespeitando-se princípios constitucionais, 
para satisfazer a imprensa, o clamor público, dar cartaz para 
Promotor e o Juiz asfaltar o seu caminho para o Tribunal, nossas 
garantias individuais foram solapadas e o texto da Carta Magna 
rasgado, atingindo de morte, não só o Waguinho, mas toda a 
sociedade civil, pois isso pode se repetir com qualquer um.
 Os Princípios e Garantias Constitucionais, quando 
desrespeitados, refletem uma comunidade em perigo, como 
fartamente demonstrado durante os negros anos da Ditadura 
Militar.
 Devemos lutar para que a justiça dos homens seja feita com 
correção e igualdade, para todos, independentemente de credo, 
cor, condição financeira e social e, especialmente, desprovida de 
preconceitos ou pré-julgamento que afastem a ampla defesa e o 
direito ao contraditório.
24. Tio Nicolau e tia Glorinha
 Dentre alguns abnegados não afeitos ao processo penal, 
duas pessoas

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