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Autores: Profa. Anna Carolina Fontes Teles Prof. Alexandre Luiz Affonso Fonseca Colaboradores: Profa. Valdice Neves Polvora Profa. Claudia Ferreira dos Santos Ruiz Figueiredo Profa. Vanessa Santhiago Prof. Flávio Buratti Gonçalves Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Epidemiologia e Saúde Pública GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Professores conteudistas: Anna Carolina Fontes Teles / Alexandre Luiz Affonso Fonseca Profa. Anna Carolina Fontes Teles Professora adjunta do curso de Biomedicina, Farmácia, Ciências Biológicas, Enfermagem e Nutrição da Universidade Paulista – UNIP. Biomédica graduada pela Universidade de Mogi das Cruzes – UMC e mestre em Clínica Médica pela Escola de Medicina da Universidade Lusíadas – Unilus. Especialista em Hematologia Laboratorial pelo Instituto de Educação e Pesquisa em Saúde de São Paulo – Ipessp. Atualmente, é supervisora de estágio no Laboratório Escola do curso de Biomedicina da UNIP, em Santos-SP. Prof. Alexandre Luiz Affonso Fonseca Graduado como cirurgião-dentista pela Universidade Paulista – UNIP (2000) e especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais pela Unesp (2005), especialista em Saúde da Família pela Unifesp (2012) e em Gestão em Saúde Pública pela ENSP-Fiocruz (2011). Mestre em Ciências, com área de concentração em Infectologia e Saúde Pública pelo Hospital Emílio Ribas (2008) e Doutorando em Ciências pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Possui experiência em atividades assistenciais no SUS desde 2002, no município de Itaquaquecetuba (região metropolitana de São Paulo). No mesmo local foi gestor em Saúde, atuando como coordenador de Odontologia e coordenador da Atenção Básica/ Estratégias em Saúde da Família (2011-2013). Desenvolve atividades docentes na UNIP desde 2008, sendo professor do Instituto de Ciências da Saúde das disciplinas de Epidemiologia e Saúde Pública, Bioética e Fisiologia Geral e Aplicada. Atua no EaD na UNIP nos cursos de Ciências Biológicas (Licenciatura) e de Gestão Hospitalar. Além disso, é tutor/orientador do curso de Especialização em Saúde da Família (EaD) da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS), e esse curso é ofertado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desde 2012. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) T269e Teles, Anna Carolina Fontes. Epidemiologia e Saúde Pública / Anna Carolina Fontes Teles, Alexandre Luiz Affonso Fonseca. – São Paulo: Editora Sol, 2019. 196 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-071/19, ISSN 1517-9230. 1. Epidemiologia. 2. Prevenção. 3. Vigilância. I. Fonseca, Alexandre Luiz Affonso. II. Título. CDU 616-036.22 U501.16 – 19 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Aline Ricciardi Virgínia Bilatto GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Sumário Epidemiologia e Saúde Pública APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 CONCEITOS DE EPIDEMIOLOGIA E BASES HISTÓRICAS ................................................................... 11 1.1 História ..................................................................................................................................................... 11 1.2 Evolução da Epidemiologia até o século XIX ............................................................................ 12 1.2.1 Hipócrates .................................................................................................................................................. 12 1.2.2 Miasmas ...................................................................................................................................................... 13 1.2.3 John Graunt .............................................................................................................................................. 14 1.3 O século XIX ............................................................................................................................................ 14 1.3.1 Pierre Louis ................................................................................................................................................ 15 1.3.2 Louis Villermé ........................................................................................................................................... 15 1.3.3 William Farr ............................................................................................................................................... 15 1.3.4 John Snow ................................................................................................................................................. 16 1.3.5 Louis Pasteur ............................................................................................................................................. 16 1.4 A primeira metade do século XX .................................................................................................... 17 1.4.1 Influência da microbiologia ................................................................................................................ 17 1.4.2 Oswaldo Cruz e a Escola de Manguinhos ..................................................................................... 18 1.4.3 Desdobramento da Teoria dos Germes .......................................................................................... 18 1.4.4 Saneamento ambiental, vetores e reservatórios de agentes ................................................ 19 1.4.5 Ecologia ...................................................................................................................................................... 19 1.4.6 Base de dados para a moderna Epidemiologia........................................................................... 19 1.5 A segunda metade do século XX .................................................................................................... 20 1.5.1 A ênfase das pesquisas ......................................................................................................................... 20 1.5.2 Situação atual .......................................................................................................................................... 21 1.5.3 Duas tendências da Epidemiologia atual ...................................................................................... 22 1.5.4 História natural da doença ................................................................................................................. 23 1.5.5 Fatores determinantes da doença.................................................................................................... 24 1.5.6 Prevenção ................................................................................................................................................... 24 1.5.7 O modelo da história natural da doença ..................................................................................... 26 1.5.8 Variações na ocorrência de doenças no espaço e no tempo ................................................ 27 2 MEDIDAS DE FREQUÊNCIA DE DOENÇA ................................................................................................ 35 2.1 Prevalência e incidência .................................................................................................................... 36 2.2 Medindo prevalência e incidência ................................................................................................. 37 2.2.1 Estudos de prevalência ......................................................................................................................... 37 2.2.2 Estudos de incidência............................................................................................................................ 37 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o 2.3 Interpretando as medidas de frequência clínica ..................................................................... 38 2.3.1 Definindo o numerador ........................................................................................................................ 38 2.3.2 Definindo o denominador ................................................................................................................... 39 2.3.3 Amostragem .............................................................................................................................................. 40 2.4 Relação entre incidência, prevalência e duração da doença .............................................. 41 2.5 Viés em estudos de prevalência...................................................................................................... 42 2.5.1 Incertezas sobre sequências temporais ......................................................................................... 42 2.5.2 Vieses estudando casos “velhos” ...................................................................................................... 42 2.5.3 Usos de incidência e prevalência ...................................................................................................... 43 3 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE ................................................................................................ 43 3.1 Sistemas de gerenciamento de bancos de dados (SGBD) .................................................... 43 3.2 Sistemas de informação em saúde no Brasil ............................................................................ 44 3.2.1 Sistemas de Informações sobre Mortalidade (SIM) .................................................................. 44 3.2.2 Fluxo de informações ............................................................................................................................ 45 3.2.3 Codificação das declarações de óbito ............................................................................................ 45 3.2.4 Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos – Sinasc ........................................................ 48 3.3 Classificação internacional de doenças ...................................................................................... 51 3.4 Epidemiologia hospitalar .................................................................................................................. 52 4 INDICADORES DE SAÚDE ............................................................................................................................. 54 4.1 Expressão dos resultados................................................................................................................... 56 4.1.1 Resultados expressos em frequência absoluta ........................................................................... 56 4.1.2 Resultados expressos em frequência relativa ............................................................................. 56 4.2 Principais indicadores de saúde ..................................................................................................... 58 4.2.1 Mortalidade ............................................................................................................................................... 58 4.2.2 Morbidade .................................................................................................................................................. 60 4.2.3 Indicadores nutricionais ....................................................................................................................... 63 4.3 Indicadores demográficos ............................................................................................................... 64 4.3.1 Indicadores sociais.................................................................................................................................. 65 4.3.2 Indicadores ambientais......................................................................................................................... 65 4.3.3 Serviços de saúde ................................................................................................................................... 67 4.3.4 Indicadores positivos da saúde ......................................................................................................... 67 Unidade II 5 EPIDEMIOLOGIA E PREVENÇÃO ................................................................................................................. 72 5.1 Diagnóstico ............................................................................................................................................. 72 5.1.1 Acurácia do resultado do teste ......................................................................................................... 72 5.1.2 Sensibilidade e especificidade ........................................................................................................... 74 5.1.3 Valor preditivo .......................................................................................................................................... 76 5.1.4 Estimando a prevalência ...................................................................................................................... 77 5.1.5 Processos endêmicos ............................................................................................................................. 78 5.2 Epidemiologia geral das doenças transmissíveis .....................................................................82 5.2.1 Características de agentes infecciosos nas suas relações com o hospedeiro ................ 83 5.2.2 Fontes de infecção (ou de infestação) ........................................................................................... 84 5.2.3 Vias de eliminação .................................................................................................................................. 85 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o 5.2.4 Vias de transmissão ................................................................................................................................ 87 5.2.5 Portas de entrada .................................................................................................................................... 89 5.3 PREVENÇÃO ............................................................................................................................................ 90 5.3.1 Níveis de prevenção ............................................................................................................................... 90 5.3.2 Prevenção primária ................................................................................................................................ 91 5.3.3 Prevenção secundária ........................................................................................................................... 91 5.3.4 Prevenção terciária................................................................................................................................. 92 5.3.5 Abordagem do exame periódico de saúde ................................................................................... 92 6 VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA ................................................................................................................... 94 6.1 Obtenção de dados .............................................................................................................................. 95 6.2 Tipos de dados ....................................................................................................................................... 95 6.2.1 Demográficos ........................................................................................................................................... 95 6.2.2 Morbidade .................................................................................................................................................. 95 6.2.3 Mortalidades ............................................................................................................................................. 96 6.2.4 Áreas e situações de risco ................................................................................................................... 96 6.3 Fontes de dados .................................................................................................................................... 96 6.3.1 Demográficos ........................................................................................................................................... 96 6.3.2 Morbidade .................................................................................................................................................. 99 6.3.3 Mortalidade .............................................................................................................................................100 6.3.4 Áreas e situação de risco ...................................................................................................................100 6.3.5 Laboratórios, farmácias e indústrias de medicamentos ........................................................101 6.3.6 Imprensa e comunidade.....................................................................................................................101 6.4 Fluxo de informação .........................................................................................................................101 6.5 Avaliação da vigilância epidemiológica ....................................................................................106 6.6 Métodos empregados em Epidemiologia .................................................................................106 6.6.1 Estudo de casos .....................................................................................................................................107 6.6.2 Limitações do estudo de casos ........................................................................................................108 6.7 Investigação experimental de laboratório ...............................................................................108 6.8 Pesquisa populacional ......................................................................................................................109 6.9 Critérios para a classificação de métodos empregados em Epidemiologia ................109 6.9.1 Estudos descritivos ............................................................................................................................... 110 6.9.2 Estudos analíticos ..................................................................................................................................111 6.9.3 Estudo experimental, do tipo ensaio clínico randomizado ..................................................111 6.9.4 Estudos de coorte .................................................................................................................................112 6.9.5 Estudos de caso-controle .................................................................................................................. 115 6.9.6 Estudos transversais ............................................................................................................................. 118 6.9.7 Estudos ecológicos ...............................................................................................................................119 Unidade III 7 HISTÓRICO DAS CONFERÊNCIAS E DECLARAÇÕES EM POLÍTICAS DE SAÚDE 7.1 Conferências e declarações internacionais ..............................................................................123 7.1.1 Histórico das conferências ............................................................................................................... 123 7.1.2 Declaração de Alma-Ata ................................................................................................................... 126 7.1.3 I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde....................................................... 127 7.1.4 Carta de Ottawa ................................................................................................................................... 128 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o 7.2 Histórico das conferências no Brasil ..........................................................................................134 7.2.1 O desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil .......................................... 135 7.2.2 Síntese histórica da saúde no Brasil: descoberta, período republicano até 1963 ....................136 7.2.3 O regime militar e as consequências para a saúde pública do Brasil ............................. 142 8 CONSTRUÇÃO DO SUS, SEUS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E ORGANIZACIONAIS .............145 8.1 Legislação e o SUS .............................................................................................................................1498.1.1 Como se deu a regulamentação e normatização do SUS? ................................................. 150 8.1.2 Ações a serem desenvolvidas pelo SUS ...................................................................................... 153 8.1.3 Papel dos gestores no SUS ............................................................................................................... 157 8.1.4 Assistência em saúde no Brasil após a implantação do SUS? ........................................... 157 8.2 PSF e Pacs ..............................................................................................................................................159 8.3 Transição do PSF para o programa Estratégia em Saúde da Família (ESF) .................159 8.3.1 Estratégias em Saúde da Família (ESF) ........................................................................................ 162 8.3.2 Papel dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) .................................................................. 164 8.3.3 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) ............................................................................ 165 8.4 Programas de saúde no Brasil .......................................................................................................167 8.4.1 Sistema de saúde suplementar no Brasil ....................................................................................170 9 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o APRESENTAÇÃO Caro aluno, Atualmente podemos dizer que a Epidemiologia constitui a principal ciência da informação em saúde. Suas raízes históricas podem ser identificadas pela junção de três elementos conceituais, metodológicos e ideológicos: a clínica, a estatística e a medicina social. A Epidemiologia cada vez mais ocupa lugar privilegiado de fontes metodológicas para todas as ciências da saúde, ampliando seu papel na consolidação do saber científico sobre a saúde humana, sua determinação e consequências. Assim sendo, independentemente de qual seja a sua pesquisa na área da saúde, todos precisam de conhecimento epidemiológico. Para tal, estabeleceremos alguns objetivos: • Estudar os principais conceitos necessários para elaboração e/ou compreensão do diagnóstico de saúde populacional. • Apresentar a história da Epidemiologia, desenvolvendo seus princípios básicos. • Discorrer sobre os conceitos básicos da Epidemiologia Geral e sua utilização no campo da saúde. • Compreender os principais determinantes do processo saúde/doença da coletividade. • Descrever os principais indicadores de saúde das populações. • Compreender o significado das principais medidas que avaliam o adoecimento e a morte das populações. • Conhecer o perfil e as principais tendências de adoecimento e morte no Brasil. • Apresentar o raciocínio epidemiológico, seus fundamentos e métodos e também suas aplicações no âmbito individual e coletivo da saúde. • Compreender a diferença entre pandemias, endemias e epidemias, com ênfase na análise e controle das doenças transmissíveis, surtos e epidemias. • Apresentar os principais métodos de estudo da ocorrência, frequência e distribuição de agravos à saúde, bem como a busca de causas e soluções para a promoção e proteção em saúde. • Introduzir os fundamentos do método epidemiológico subjacentes à formulação e avaliação de ações de saúde pública. • Reconhecer o uso das informações sobre o perfil das doenças para eleição de problemas prioritários em saúde e poder organizar intervenções que necessitem de planejamento e avaliação do atendimento. 10 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o • Identificar e saber utilizar as principais fontes de informações de saúde disponíveis – dados secundários. • Discorrer sobre aplicabilidade do conhecimento epidemiológico na avaliação e na gestão de serviços de saúde. • Discorrer sobre as políticas públicas de saúde e a construção do SUS; da concepção desse às prerrogativas atuais. • Apresentar e descrever os principais programas de saúde no Brasil. • Enfatizar os Programas de Saúde da Família e de Estratégias de Saude da Família (PSF/ESF) como redefinição da Atenção Básica no SUS. INTRODUÇÃO A Epidemiologia é a ciência que estuda a ocorrência de doenças em populações humanas e seus fatores determinantes (LILIENFELD, 1980). No início prevaleceu a ideia de que a Epidemiologia se restringia ao estudo das epidemias de doenças transmissíveis. Atualmente sabe-se que a Epidemiologia é um campo da ciência que trata dos vários fatores e condições que determinam a ocorrência e a distribuição de saúde, doença, defeito, incapacidade e morte entre grupos de indivíduos, analisa a situação de saúde de populações, identifica perfis e fatores de risco, estabelece critérios para a vigilância em saúde, configurando-se como uma importante ferramenta aos diferentes profissionais, que buscam efetivamente a compreensão do processo saúde-doença e dos fatores que nele interferem. É ferramenta indispensável ao entendimento e à aplicação das diferentes práticas para a gestão dos serviços de saúde, públicos e ou privados, promovendo o adequado atendimento amplo e irrestrito da população aos serviços de saúde. 11 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA Unidade I 1 CONCEITOS DE EPIDEMIOLOGIA E BASES HISTÓRICAS 1.1 História A Epidemiologia é considerada a ciência básica da saúde coletiva. Tornou-se uma disciplina científica essencial para todas as ciências clínicas, base da Medicina e das outras formações profissionais em saúde. Podemos definir Epidemiologia como a abordagem dos fenômenos da saúde-doença por meio de quantificação, usando o cálculo matemático e técnicas de amostragem e de análise. Apesar do uso e até abuso da “numerologia”, a moderna Epidemiologia não se resume à quantificação. Cada vez mais, emprega técnicas alternativas para o estudo da saúde coletiva. Todas as fontes de dados e de informação são válidas para o conhecimento sintético e totalizante das situações de saúde das populações humanas. A Epidemiologia tem experimentado, nos últimos anos, ricos questionamentos acerca de suas bases, isto é, seus pressupostos teóricos-filosóficos, sua metodologia científica, suas técnicas de investigação, entre outros. Classificações como Epidemiologia “clínica”, Epidemiologia “social”, Epidemiologia “crítica” indicam a existência de compreensões diversas em relação à própria identidade científica desta área. Suspeita-se acerca da cientificidade da Epidemiologia: seria uma ciência, com seu objeto próprio; ou apenas um método científico, uma forma sistemática de investigar objetos definidos por outras ciências? Formando a base destes questionamentos mais amplos, uma série de aspectos particulares ocupa epidemiologistas e profissionais afins: quais os modelos determinísticos mais adequados a fenômenos de natureza epidemiológica? Quais os critérios apropriados de validação do conhecimento? Quais os melhores desenhos de pesquisa? Quais as técnicas mais eficazes para a compreensão da realidade epidemiológica? Por trás da aparência operacional dessas questões, estão aspectos maisamplos da vida social. É possível relacionar a pluralidade e as questões que vêm marcando diversas informações essenciais que servem de base para o conteúdo da Epidemiologia, com profundas contradições geradas em esferas mais abrangentes das práticas sociais. Grande parte dos diferentes problemas e respostas que são formulados ao longo do desenvolvimento da Epidemiologia como ciência pode ser explicada como sucessos e fracassos, consensos e conflitos, chances e obstáculos na realização de necessidades de saúde dos diversos indivíduos e grupos humanos vivendo em sociedade (AYRES, 1993). A partir desta perspectiva, que se entendem a relevância e o vigor do debate científico na Epidemiologia. 12 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I A história de uma disciplina científica é sempre escrita a partir do ponto em que estamos e faz parte da identidade desejada de uma comunidade de cientistas. Nossos epidemiologistas, em sua maioria, são médicos ou enfermeiros. Mas muitos outros profissionais também se encaminharam para esta especialidade, como demógrafos, cientistas sociais, geógrafos, biólogos, estatísticos, nutricionistas, matemáticos, historiadores, dentistas e outros. A Epidemiologia conta assim com o aporte de muitas áreas de conhecimento. No Brasil, avançou muito nos últimos 20 anos, tanto na área de atuação, quanto nos métodos e nas técnicas que emprega como no número de profissionais que a ela se dedicam. A partir do século XIX e das descobertas de Koch e Pasteur, inúmeros cientistas se dedicaram a buscar os agentes de doenças e identificar os seus ciclos de transmissão. Em todo o mundo, a Medicina Tropical e a Geografia Médica se afirmaram, acompanhando a expansão colonialista europeia. No século XIX, no entanto, as doenças, seus ciclos e seus agentes etiológicos foram descritos de acordo com bases de definição que conservamos até hoje. Essas descrições são entendidas por nós com maior facilidade e identificadas como “científicas”. O conhecimento do passado é essencial para entender a situação atual. Através da menção a vultos ilustres e a acontecimentos decorridos, serão realçados alguns marcos da história da Epidemiologia (STEPAN, 1976). 1.2 Evolução da Epidemiologia até o século XIX 1.2.1 Hipócrates Médico grego que viveu há cerca de 2.500 anos, dominou o pensamento médico da sua época e dos séculos seguintes. Analisava as doenças em bases racionais, afastando-se do sobrenatural. As doenças para ele eram produto da relação complexa entre a constituição do indivíduo e o ambiente que o cerca, o que está presente na linha do raciocínio ecológico atual. Este sábio grego estudou as doenças epidêmicas e as variações geográficas das condições endêmicas. Deixou-nos um juramento que constitui o fundamento da ética médica e a defesa do exame minucioso e sistemático do paciente, que consiste em uma base para o diagnóstico e para a fiel descrição da história natural das doenças. Hipócrates, o pai da Medicina, é considerado por alguns o pai da Epidemiologia ou o primeiro epidemiologista. A tradição de Hipócrates foi mantida na Roma Antiga por Galeno (138–201), entre outros, preservada por árabes na Idade Média e retomada por clínicos, primeiro na Europa Ocidental, a partir da Renascença, e depois em praticamente todas as regiões. Como afirma Canguilhem (1977), “o passado de uma ciência não se confunde com essa mesma ciência no seu passado”. Assim, se a obra de Hipócrates está, efetivamente, entre as primeiras referências em relação aos aspectos externos do organismo individual com fenômenos de saúde e doença, a análise dos conteúdos conceituais e da estrutura discursiva aponta descontinuidades importantes com a construção teórica que caracteriza a Epidemiologia. Essas descontinuidades são de tal relevância que 13 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA não se justifica buscar na ciência e na conjuntura hipocráticas as bases da construção do campo objetivo da Epidemiologia. A obra de Hipócrates caracteriza-se por três aspectos básicos: • Os elementos “externos” ao organismo humano são compreendidos como portadores de qualidades essenciais. • As qualidades dos elementos externos são entendidas de princípio anterior segundo processos dedutivos abstratos. • O conhecimento dos mesmos tem como finalidade a compreensão mais adequada da singularidade de cada doente a ser tratado pelo médico grego. Essas características do conhecimento hipocrático e de sua orientação prática deixam claras as descontinuidades anteriormente referidas. O objeto epidemiológico, tal como concebido hoje, está longe de ser capturado por intermédio de qualidades essenciais: cada fenômeno epidemiológico tem seu significado determinado pelas condições objetivas de sua apreensão, e só nessas condições adquire objetividade. Sua caracterização, por outro lado, não procede de mecanismos dedutivos abstratos, mas é configurada a partir de dados indutivamente construídos, isto é, de conhecimentos empíricos acumulados pela experiência sensível, mesmo quando dedutivamente intuídos. Por fim, ainda que possa concorrer para ações de caráter individual, a inferência epidemiológica refere-se substantivamente a coletivos, a grupos de indivíduos, não podendo, senão à força de artifícios nem sempre legítimos, ser tomada como expressão objetiva de condições humanas singulares. Um objeto de conhecimento assim configurado só tem condições empíricas e lógicas para formar-se muito tempo depois da Antiguidade Clássica. Como questão prática e como construção abstrata, o objeto da Epidemiologia é produto da modernidade. Nesse sentido, dois movimentos precisam ser considerados quando se trata de compreender o nascimento da ciência epidemiológica: de um lado, está o processo de emancipação da dimensão tecnológica da razão e, de outro, da emancipação dos sujeitos privados na constituição do espaço público da sociedade, sendo, um e outro, marcos importantes, apenas analiticamente distinguíveis, do processo de emergência do período moderno na história das sociedades ocidentais (AYRES, 1993). Parte da contribuição de Hipócrates e Galeno foi perdida ou deturpada. Mesmo a que chegou até hoje foi relegada a segundo plano, dando lugar a outras explicações. Nessa situação, encontra-se a Teoria dos Miasmas, vigente há séculos, que dominou o pensamento médico até a segunda metade do século XIX. 1.2.2 Miasmas Embora, tenha-se hoje alcançado certo consenso sobre a importância dos determinantes sociais de saúde (as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde), esse consenso foi sendo construído ao longo da história. Entre os diversos paradigmas explicativos para os problemas de saúde, em meados do século XIX, predominava a Teoria 14 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I Miasmática, que conseguia responder às importantes mudanças sociais e práticas de saúde observadas no âmbito dos novos processos de urbanização e industrialização ocorridos naquele momento histórico. Estudos sobre a contaminação da água e dos alimentos, assim como sobre riscosocupacionais, trouxeram importante reforço para o conceito de miasma e para as ações de saúde pública (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). Na Teoria Miasmática, a origem das doenças situava-se na má qualidade do ar, proveniente de decomposições de animais e plantas. A malária, junção de “mal” e “ar”, deve seu nome à crença nesse modo de transmissão. Os miasmas passariam do doente para os indivíduos suscetíveis, o que explicaria a origem das epidemias das doenças contagiosas. Ainda hoje o sobrenatural e os miasmas são utilizados por leigos como explicações para as doenças, levando a numerosas práticas místicas, em que avultam as danças e o uso de amuletos para afastar danos à saúde ou o emprego de substâncias de odor forte, como o álcool, a menta e o eucalipto, usados em fricções no corpo ou borrifados no ambiente, em casos de infecções respiratórias. O aparecimento da quantificação de temas biológicos e sociais foi um acontecimento de grande importância, pois encontrou campo fértil na saúde pública e na clínica. Somente há cerca de três séculos que alguns pioneiros iniciaram tal tipo de abordagem, mediante a utilização de dados de mortalidade. 1.2.3 John Graunt No ano de 1662, John Graunt (1620–1674) publicou um tratado sobre as tabelas mortuárias de Londres, no qual analisou a mortalidade por sexo e região. Não havendo na época registros de idade nas anotações dos óbitos, ele selecionou determinadas causas, como prematuridade e raquitismo, para estimar a proporção de crianças nascidas vivas e que morriam antes dos seis anos de idade. Pelo seu pioneirismo na utilização dos coeficientes (óbitos x população), foi considerado o pai da demografia ou das estatísticas vitais. 1.3 O século XIX Nesse período, o centro das ciências era a Europa. Uma sucessão de acontecimentos influenciava profundamente as pessoas e as ideias. A Revolução Industrial na Inglaterra, e um pouco mais tarde em outros países, produziu um extenso deslocamento das populações do campo para as cidades, atraídas por emprego nas fábricas recém-criadas. À época, importantes correntes filosóficas e políticas estavam nascendo ou mostravam as repercussões que causavam, entre as quais a Revolução Francesa do final do século XVIII e o positivismo, o materialismo filosófico e os movimentos político-sociais da metade do século XIX. Epidemias de cólera, febre tifoide e febre amarela constituíam graves problemas, levando a maiores preocupações quanto à higiene, ao aprimoramento da legislação sanitária e à criação de uma estrutura administrativa para a aplicação das medidas preconizadas. A explicação das causas das doenças era dividida entre os que defendiam a teoria dos miasmas e os que advogavam a dos germes. Franceses e ingleses ocupavam posição de destaque na história da Epidemiologia. Entre os cientistas franceses do século XIX, lembrados como pioneiros nas correntes dos pensamentos que influenciaram 15 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA a Epidemiologia atual, estão Pierre Louis, Louis Villermé e Louis Pasteur; entre os ingleses, merecem atenção William Farr e John Snow. 1.3.1 Pierre Louis Pierre Louis (1787–1872) fundou escola em Paris. Entre as suas obras, encontram-se estudos sobre a tuberculose e sobre a febre tifoide. Sua maior contribuição foi haver introduzido e divulgado o método estatístico, utilizando-o na investigação clínica das doenças. Em Paris, àquela época, defendia-se a contagem rigorosa de eventos para realçar semelhanças e diferenças entre segmentos da população, na linha abraçada pela Epidemiologia atual. Com essa visão, foi possível a Pierre Louis, ao analisar as internações hospitalares em Paris – mais especificamente, a letalidade da pneumonia em relação à época em que o tratamento por sangria era iniciado – revelar a conduta prejudicial representada por essa técnica no tratamento de pneumonias, muito mais perigosa do que benéfica para os pacientes. Por trabalhos como esse, Pierre Louis é referenciado como a figura ideal do clínico que usa adequadamente a Epidemiologia e o modelo para os profissionais de saúde que hoje praticam a Epidemiologia clínica. Alguns o consideram como o iniciador da Estatística Médica e outros, como o verdadeiro pai da Epidemiologia moderna. 1.3.2 Louis Villermé Louis Villermé (1782–1863) investigou a pobreza, as condições de trabalho e a repercussão dessas circunstâncias sobre a saúde da população, realçando as estreitas relações entre situação socioeconômica e mortalidade. Sua pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores das indústrias de algodão, lã e seda é considerada clássica. Nessa época, havia consciência do papel dos fatores sociais sobre a saúde. Somente no século XIX, as relações entre condições econômicas e sociais e seus efeitos sobre a saúde foram mais consistentemente apontadas, expandindo, desde então, a noção de que estas relações devem ser submetidas à investigação científica. 1.3.3 William Farr William Farr (1807–1883) estudou em Paris com Pierre Louis e foi influenciado pelo enfoque social que Villermé conferia às investigações. Retornando a Londres, trabalhou por mais de 40 anos no Escritório de Registro Geral da Inglaterra. Entre as suas contribuições, destacam-se uma classificação de doenças, uma descrição das leis das epidemias – ascensão rápida no início, elevação lenta até o ápice e, em seguida, uma queda mais rápida (Lei de Farr) – e a produção de informações epidemiológicas sistemáticas usadas para subsidiar o planejamento das ações de prevenção e controle. Nos relatórios anuais do Registro Geral, em que trabalhou desde a sua fundação, em 1839, apresentava as informações de mortalidade e descrevia situações que apontavam para as grandes desigualdades, regionais e sociais, nos perfis de saúde. Os relatórios do Registro Geral da Inglaterra possibilitaram o acesso de estudiosos a informações sobre saúde, até então não disponíveis. Friedrich Engels (1820–1895) utilizou-as, especialmente, na sua obra A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, em 1844, e Edwin Chadwick (1800–1890), um advogado, nos seus relatórios sobre a saúde das classes trabalhadoras (1842) e sobre os cemitérios (1843), que subsidiaram a reforma sanitária inglesa da metade do século XIX. Chadwick, baseado em informações do Registro Geral da Inglaterra, mostrou a grave situação de saúde de grande parte da população 16 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I através de constatações como as seguintes: mais da metade das crianças das classes trabalhadoras não chegava à idade de cinco anos, a idade média do óbito na classe mais abastada era de 36 anos, entre os trabalhadores do comércio, era de 22 anos e, entre trabalhadores da indústria, de 16 anos. Em outros centros culturais, a pesquisa das causas da doença também tomou um rumo semelhante, com ênfase conjunta nos aspectos biológicos e sociais. 1.3.4 John Snow John Snow (1813–1858) conduziu numerosas investigações para esclarecer a origem das epidemias de cólera, ocorridas em Londres no período de 1849–1854. Foi assim que conseguiu incriminar o consumo de água poluída como responsável pelos episódios da doença e traçar os princípios de prevenção e controle de novos surtos, válidos ainda hoje, mas fixados em uma época muito anterior ao isolamento do respectivo agente etiológico, o que só aconteceu em 1883. O trabalho de Snow, na compreensãoda epidemia da cólera, é considerado um clássico da Epidemiologia de campo. A expressão “epidemiologia de campo” significa a coleta planejada de dados. Snow, na tentativa de esclarecer a etiologia das epidemias de cólera, visitou numerosas residências para detalhado estudo dos pacientes e do ambiente onde viviam, inclusive com exame químico e microscópico da água de abastecimento. A obra deixada por Snow é muito apreciada como um experimento natural: conjunto de circunstâncias que ocorrem naturalmente, em que as pessoas estão sujeitas a diferentes graus de exposição a um determinado fator, simulando uma verdadeira experiência planejada. Naquela época, duas companhias comerciais forneciam à população de Londres a água do rio Tâmisa, retiradas de locais próximos entre si e muito poluídos. Em determinado momento, uma das companhias mudou o local de coleta de água para um ponto a montante do rio, antes de sua penetração. Logo, raciocinou Snow, se a ingestão de água contaminada fosse fator determinante na distribuição da doença, a incidência de cólera deveria ser diferente entre as pessoas que se abasteciam de uma ou de outra fornecedora de água. Para comprovar sua hipótese, procurou saber a fonte de suprimento de cada domicílio onde era registrado caso fatal de cólera. Como o dado não existia na forma desejada por ele, passou, juntamente com um assistente, a anotar os óbitos registrados como causados pela doença e a visitar os domicílios para certificar-se da proveniência da água. Os resultados encontrados mostraram que, nos domicílios abastecidos pela companhia que mudou o seu ponto de capitação de água, a taxa de mortalidade era várias vezes menor, o que se tornou uma forte evidência para sustentar a teoria da transmissão hídrica, sobretudo quando não havia outras diferenças, de cunho social, geográfico ou demográfico, que pudessem explicar variações de mortalidade entre os clientes das duas companhias. 1.3.5 Louis Pasteur Pasteur (1822–1895), considerado o pai da Bacteriologia, foi uma das figuras mais importantes da ciência no século XIX. Foi ele quem registrou as bases biológicas para o estudo das doenças infecciosas, 17 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA influenciando profundamente a história da Epidemiologia. Na verdade, a noção de que as doenças eram transmitidas por contágio é antiga. No século XVI, Girolamo Fracastorius (1484–1553) descreveu a transmissão de infecções por contato direto, através de gotículas de saliva e objetos que, contaminados, propagam a infecção. Nos séculos seguintes, outros cientistas afirmaram que as doenças eram causadas por agentes animados, diferentes para cada doença, conceito que era negado pelas mais importantes figuras da época. Um passo essencial para o desenvolvimento da Teoria dos Germes – que será explicada mais adiante – foi a descoberta do microscópio, em 1675, por van Leeuwenhoek (1632–1723), que, graças a este engenho, conseguiu visualizar pequenos seres vivos, aos quais denominou “animálculos”, abrindo uma nova direção para as investigações. Pasteur foi a figura central da microbiologia, pois identificou e isolou numerosas bactérias, além de fazer trabalhos pioneiros de imunologia. Entre as suas muitas contribuições, está o estudo da fermentação da cerveja e do leite em 1857, seguido pela investigação das bactérias patogênicas e dos meios de destruí-las ou de impedir sua multiplicação. Ele constatou que os líquidos sem germes se conservavam livres deles quando devidamente protegidos de contaminação veiculada pelo ar, por insetos ou por outros meios. Descobriu o princípio da pasteurização em 1865: os micróbios que causam a transformação do vinho em vinagre podiam ser mortos por meio de várias aplicações de calor, em temperaturas que causavam danos ao vinho. A convite do governo francês, em 1865, estudou e identificou os agentes etiológicos e os meios para combatê-los da praga que prejudicava seriamente a indústria nacional do bicho-da-seda, sendo, portanto, um precursor da colaboração ciência-indústria. Desenvolveu a vacina antirrábica, cuja aplicação permitiu salvar as pessoas mordidas por cães raivosos, até então irremediavelmente condenadas à morte. Os trabalhos de Pasteur, seguidos pelos de Robert Koch (1843–1910) e de outros microbiologistas, criaram a impressão de que as doenças poderiam ser explicadas por uma única causa, o agente etiológico, o que passou para a história como a Teoria dos Germes. As pesquisas em Epidemiologia passaram a ter um forte componente laboratorial, pois parecia evidente que a busca de agentes para explicar as doenças substituía, com vantagens, a Teoria dos Miasmas, constituindo uma linha promissora de investigação etiológica. Além disso, trazia para o raciocínio causal uma precisão não encontrada nas teorias anteriores, seja qual for a comprovação laboratorial da presença de um agente (ROUQUAYROL, 2003). 1.4 A primeira metade do século XX 1.4.1 Influência da microbiologia A revolução representada pelo desenvolvimento da bacteriologia, na segunda metade do século XIX, influenciou profundamente as primeiras décadas do século XX, causando uma substancial reorientação do pensamento médico, pois alterou os conceitos de doença e contágio. Comprovou-se que seres microscópicos, dotados de características especiais, detalhadamente descritas, desempenhavam papel predominante na gênese de muitas doenças. A clínica e a patologia tornaram-se subordinadas ao laboratório, que ditava também padrões para a higiene e para a legislação sanitária. Nas escolas 18 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I de saúde pública, tradicionais pontos de formação de sanitaristas, o ensino concentrava-se também no laboratório. Fundaram-se institutos de pesquisa aplicada em praticamente todo o mundo, nos moldes do Instituto Pasteur de Paris, criado para facilitar as investigações do pesquisador francês e de seus discípulos. 1.4.2 Oswaldo Cruz e a Escola de Manguinhos Oswaldo Cruz (1872–1917), o renomado sanitarista brasileiro, estudou no Instituto Pasteur em Paris e, no seu retorno ao Brasil, fundou, no início do século, em Manguinhos, no Rio de Janeiro, o Instituto que hoje tem seu nome, reproduzindo o modelo de sucesso de então e que também se tornou, com o passar do tempo, um dos poucos exemplos de longevidade de instituições de pesquisa na América Latina. Além de criar o Instituto, Oswaldo Cruz empreendeu vitoriosa campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro e combateu a peste e a varíola, com grande competência técnica, o que lhe valeu ser reconhecido como um dos grandes vultos da saúde pública brasileira. Entre os que se destacaram no Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas (1879–1934) descreveu a doença individualizada com características e propriedades inerentes à patologia que leva o seu nome. A descoberta ocorreu em 1909, em Lassance, Minas Gerais, quando lá esteve para colaborar no combate a um surto de malária que dificultava a construção da estrada de ferro local. Também fez parte do grupo de Manguinhos o protozoologista Adolfo Lutz (1855–1940), que havia deixado sua posição de diretor do Instituto Bacteriológico, em São Paulo, em que trabalhara no controle da febre amarela e de outras endemias, ao lado de outro grande sanitarista, Emílio Ribas (1862–1925). Muitas obras públicas no país foram facilitadas graças à açãodireta dos técnicos do Instituto Oswaldo Cruz, indicando as medidas saneadoras preventivas que deviam ser tomadas ou, indiretamente, em consequência do treinamento que o Instituto promovia e das descobertas científicas que ali aconteciam (CHAGAS, 1981). 1.4.3 Desdobramento da Teoria dos Germes Da virada do século até o fim da Segunda Guerra, a Epidemiologia estava intrinsecamente ligada à saúde pública que, por sua vez, se constituía como uma especialidade médica. Esta Epidemiologia visava a entender, prevenir e controlar as doenças infecciosas, dentro de um modelo centrado no laboratório de microbiologia, na Teoria dos Germes. Neste caso, a Epidemiologia complementava o conhecimento produzido em laboratório. As conclusões a partir de modelos animais das experiências laboratoriais não podiam sempre ser consideradas válidas para o homem. Era preciso que se produzissem evidências em humanos. Ao mesmo tempo, os modelos laboratoriais não podiam reproduzir diversos aspectos da experiência real das comunidades. Assim, as evidências coletadas em populações humanas complementavam o conhecimento laboratorial (PENNA,1997). Os grandes avanços da Bacteriologia fizeram com que, nas primeiras décadas do século XX, os caminhos da prevenção se fortalecessem através da identificação de agentes etiológicos e dos meios de combater sua ação mórbida, mediante o aumento da resistência específica do organismo humano, com o uso das imunizações e da promoção do saneamento ambiental. 19 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA 1.4.4 Saneamento ambiental, vetores e reservatórios de agentes Nos séculos XVIII e XIX, os sanitaristas lutavam pela ampliação do saneamento ambiental, como forma de enfrentar as doenças contagiosas. Na urbanização das cidades, os médicos eram ouvidos e aconselhavam a construção de avenidas largas, para facilitar a ventilação e combater os miasmas. A urbanização do centro da cidade do Rio de Janeiro, com a drenagem de pântanos e a demolição de morros, desde meados do século XIX, foi profundamente influenciada pelos profissionais de saúde que, na época, pertenciam a um grupo com visão miasmática das causas da doença. Mas as descobertas científicas fizeram com que o meio ambiente pudesse ser mais estudado, colocando em destaque o seu papel na transmissão, visto que ele fornece o substrato não só para grande número de agentes produtores de doenças, como para hospedeiros suscetíveis. O campo de investigação expandiu-se para incluir os vetores e os reservatórios de agentes, o que resultou no esclarecimento do ciclo dos parasitas, ampliando as possibilidades de prevenção. Como ilustração de investigações orientadas para esclarecer o papel dos mosquitos e outros vetores na etiologia das doenças infecciosas, empreendidas no final do século XIX e início do século XX, citam-se as realizadas pelo francês Alphonse Laveran (1845–1922) e pelo inglês Richard Ross (1857–1932) sobre a malária, as do inglês Patrick Manson (1844–1922) sobre filariose e esquistossomose, as do cubano Carlos Finlay (1833–1915) e do norte-americano Walter Reed (1851-1902) sobre febre amarela e as do brasileiro Carlos Chagas sobre a tripanossomíase americana, ou seja, a doença de Chagas. 1.4.5 Ecologia O conhecimento sobre a transmissão das doenças fez com que a teoria centrada nos germes cedesse lugar a estudos sobre agente, hospedeiro e meio ambiente, sob a forma de modelos unificados, iniciando a fase atual, mais sofisticada, de explicação das doenças, baseada na multicausalidade. A saúde passa a ser mais compreendida e entendida como uma resposta adaptativa do homem ao meio ambiente que o circunda, e a doença, como um desequilíbrio desta adaptação, resultante de complexa interação de múltiplos fatores. “Os estados de saúde e doença são a expressão do sucesso ou do fracasso experimentado pelo organismo em seus esforços para responder adaptativamente a desafios ambientais” (RIBEIRO, 1997). A Epidemiologia, por sua preocupação com o estudo das doenças em relação a fatores ambientais, é, então, considerada como “ecologia médica” ou, em sentido amplo, “ecologia da saúde”. 1.4.6 Base de dados para a moderna Epidemiologia A coleta sistemática de dados sobre as características das pessoas falecidas, em especial a causa mortis, permitiu o estabelecimento de um sistema moderno de informações, centralizado, útil para a detecção do aparecimento e do perfil de muitas doenças na comunidade. Assim, as chamadas “estatísticas vitais”, que incluem informações sobre nascimento e óbitos, tornaram-se uma fonte de dados para a qual se voltaram, e se voltam, com frequência cada vez maior, os profissionais de saúde, visando a aprimorar o conhecimento das condições de saúde da população. Sem este sistema oficial de registro, os dados de óbitos e nascimentos seriam pouco utilizados em saúde, já que para um interessado, isoladamente, seria praticamente impossível reunir tamanha quantidade de informação. 20 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I Outros sistemas de informação sobre morbidade e fatores de risco foram inseridos em várias partes do mundo, de modo a funcionar como elemento de base para possibilitar o melhor conhecimento da saúde da população e para facilitar as investigações etiológicas. 1.5 A segunda metade do século XX 1.5.1 A ênfase das pesquisas O século XX testemunhou a mudança do perfil de doenças predominantes, com a importância crescente das condições crônico-degenerativas como causas de morbidade e mortalidade. A Epidemiologia progride através da pesquisa sobre muitos temas, entre os quais: a determinação das condições de saúde da população – a busca sistemática de fatores antecedentes ao aparecimento de doenças, que possam ser rotulados como agentes ou fatores de risco; e a avaliação da utilidade e da segurança das intervenções propostas para alterar a incidência ou a evolução da doença, através de estudos controlados. Determinação das condições de saúde da população Os inquéritos de morbidade são exemplos de investigação sobre o estado de saúde da comunidade. Pesquisas desse tipo já haviam sido realizadas em épocas anteriores, mas somente foram empregadas em grande número e com maior nível de detalhamento na segunda metade do século XX. O mesmo se passou com os inquéritos de mortalidade, dos quais muitos exemplos podem ser encontrados na literatura de algumas décadas atrás, mas apenas a segunda metade do século testemunhou pesquisas dessa natureza, bem controladas e de grande porte, como as investigações interamericanas de mortalidade. Investigações etiológicas Quanto às pesquisas etiológicas, merecem destaque as que evidenciaram o papel da rubéola nas malformações congênitas e aquelas referentes ao cigarro na etiologia de afecções respiratórias e aos fatores de risco relacionados às coronariopatias. Para isso, foi necessário o aperfeiçoamento de estudos controlados, de cunho não experimental, quer prospectivos quer retrospectivos. Os estudos de coorte e de caso-controle têm sido os principais delineamentos para investigações etiológicas. Avaliação de intervenções A partir de meados do século XX, a avaliação de procedimentos preventivos e curativos, através de estudos populacionais controlados, teve maior espaço na literatura da Epidemiologia. São exemplos pioneiros as investigações experimentais levadas a efeito para verificara eficácia da estreptomicina no tratamento da tuberculose, da fluoretação da água na prevenção da cárie dentária e da vacina contra a poliomielite. Desde então, esta metodologia passou a ser amplamente usada, sendo exemplo do seu emprego a avaliação das intervenções adotadas para reduzir a prevalência de fatores de risco das doenças cardiovasculares (ALMEIDA FILHO, 1992). 21 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA 1.5.2 Situação atual Para lidar com o complexo problema da multicausalidade na realização de estudos analíticos e afastar as numerosas variáveis confundidoras da interpretação de resultados, foi necessário imprimir grande complexidade ao arsenal analítico, de caráter estatístico, pouco acessível ao não especialista. Como consequência, são características marcantes da pesquisa epidemiológica do final do século XX o rigor metodológico, na tentativa de imprimir imparcialidade da verificação dos eventos; e a sofisticação do planejamento das investigações e da análise estatística, em computador. Praticamente todos os agravos à saúde já foram ou estão sendo estudados através de investigações epidemiológicas. Nas pesquisas etiológicas, são analisados não só os fatores físicos e biológicos, de indiscutível predominância como foco de interesse nas pesquisas etiológicas, mas também, em número crescente, os fatores psicossociais. Os agentes microbiológicos e físicos não eram capazes de explicar todas as questões de etiologia e prognóstico. Isso fez com que os conceitos e técnicas de uso habitual em outras disciplinas, principalmente em Sociologia e Psicologia, começassem a ser utilizados e incorporados aos fundamentos e aos métodos da moderna Epidemiologia. A aproximação dessas disciplinas e a necessidade de melhor precisar as condições de aparecimento e evolução das doenças trouxeram, para a Epidemiologia, ênfase ainda maior em técnicas quantitativas; os inquéritos em amostras representativas e o uso de análises estatísticas multivariadas são exemplos. A evolução da técnica foi marcante na segunda metade do século XX, em grande parte devido às necessidades inerentes às investigações sobre os múltiplos fatores determinantes das doenças crônicas não transmissíveis (CONGRESSO BRASILEIRO DE EPIDEMIOLOGIA, 1990). Parte importante da informação construída pela clínica é reutilizada em uma dimensão coletiva pela Epidemiologia, dados de mortalidade, morbidade, a presença nas populações de fatores considerados como de risco para adoecer constitui-se uma das fontes fundamentais de dados para o desenvolvimento de avaliações de diferentes ordens nos serviços de saúde. A realização destas avaliações, mais frequentes atualmente, tem tornado evidente que estas informações são fortemente influenciadas pela variabilidade, ou inconstância, na utilização dos processos tecnológicos de diagnóstico e terapêutica na apreensão de problemas de saúde aparentemente semelhantes, em específicos sistemas e serviços de saúde. Ou seja, um processo que, de início, partia do que parecia ser um uso instrumental de uma informação, apoiada em um conhecimento tomado como invariante, termina por evidenciar algumas dificuldades nos pressupostos que lhe davam garantia (NOVAES, 1996). Constatar que aquilo que acontece no exercício cotidiano dos processos diagnósticos e terapêuticos nos serviços não adere exatamente aos preceitos científicos que supostamente o normatizam é motivo de permanente insatisfação para as várias áreas do conhecimento que têm os serviços de saúde como meio ou fim. Insatisfação esta mais acentuada do que aquela habitualmente encontrada nas sociedades contemporâneas, quando forçadas a constatar que a ciência e a tecnologia têm um grande poder de intervenção sobre o mundo real, mas não o controlam de forma absoluta, não são capazes de criar uma nova realidade, completamente racionalizada e sem qualquer tipo de perturbação. O desapontamento com os profissionais, com as tecnologias e também com os pacientes é geral, pois eles raramente se comportam como se acredita que deveriam, e é fácil compreender por que a frustração é maior, em especial na questão da saúde, da vida e da morte. 22 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I 1.5.3 Duas tendências da Epidemiologia atual No último quarto do século XX, duas tendências, de contornos distintos, marcaram a moderna Epidemiologia: uma de natureza clínica e outra de cunho social. Epidemiologia clínica É o retorno da Epidemiologia ao ambiente estritamente clínico, com a característica de conhecer o local imediato em que o paciente vive, de modo a verificar as circunstâncias que possibilitam o aparecimento da doença. A prática clínica sempre foi dependente de informações epidemiológicas, essenciais para o diagnóstico e para a orientação do paciente. Os médicos foram os primeiros epidemiologistas, os primeiros que usaram a disciplina para a pesquisa etiológica ou para conferir uma visão mais abrangente, ou ecológica, à saúde. Mas, na década de 1970, surge algo diferente: um movimento também de médicos, de cunho metodológico, para utilizar a Epidemiologia e a estatística no ambiente clínico, de modo a trazer maior rigor científico à prática da Medicina, e que foi denominado Epidemiologia Clínica. Ele consiste na aplicação dos fundamentos epidemiológicos modernos ao diagnóstico clínico e ao cuidado direto com o paciente. A Epidemiologia clínica recusa a experiência acumulada pela clínica por considerá-la não científica e, portanto, não moderna, e até certo ponto, recusa também o conhecimento produzido pela Epidemiologia retendo dela apenas os principais instrumentos e métodos de investigação. Ao se definir como “um modo de produzir e interpretar observações clínicas em medicina” (FLETCHER et al., 1982), ao mesmo tempo em que se coloca como “uma ciência relacionada com a contagem de eventos clínicos que utiliza o método epidemiológico para proceder a essa contagem e à sua análise” (FLETCHER et al., 1982), ela aparece como síntese entre dois campos de conhecimento, retendo de um o objeto e de outro, o método. Nesse processo de síntese, corre-se o risco de que se percam as “virtudes” de ambos (ALMEIDA FILHO, 1992). É através da Epidemiologia que a Medicina pronuncia seu discurso sobre o social. Mas, ao abrir- se para o social, a Epidemiologia fica sujeita a ser invadida por diferentes concepções vindas dele e apresentar diversos projetos de compreensão e intervenção nas dimensões sociais da saúde e da doença (MENDES-GONÇALVES, 1990). A Clínica e a Epidemiologia surgem sob o provisório que marcará toda a época moderna. Tudo o que é sólido desmancha no ar, isto é, todos os valores, ideias, instituições, saberes estão em constante transformação. O abandono dessa cultura modernista, rica e vibrante, e o refúgio no individualismo são os traços mais característicos das duas últimas décadas e é aí que a Epidemiologia clínica surge como proposta de superação dos impasses da clínica e da Epidemiologia (BARATA,1996). Epidemiologia social Trata-se da contestação à visão clássica da Epidemiologia – criticada como reducionista, funcionalista ou positivista – e que passou a ser conhecida como “Epidemiologia social”. Foi o renascer do estudo da determinação social da doença. O seu intuito é o de procurar melhor entender a situação de saúde da população, em especial nas regiões subdesenvolvidas – oudos segmentos desfavorecidos da população, 23 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA mesmo das nações industrializadas – dentro de alguns postulados que são encontrados principalmente na Sociologia. Consequentemente, o seu objetivo tem sido o de produzir conhecimentos dentro de uma lógica até então pouco utilizada ou totalmente esquecida na Epidemiologia. A justificativa de semelhante enfoque advém da constatação de enormes desigualdades existentes na sociedade e que, enquanto esse contexto não for resolvido, a saúde dos grupos socialmente menos favorecidos sofrerá as consequências adversas: a alta prevalência de doenças evitáveis e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, quando sem necessidade deles (BARRETO, 1990). A ideia de promover saúde tem se tornado uma força vital no novo movimento de saúde pública, no qual ela é concebida também como um fenômeno social, que diz respeito à qualidade de vida e ao capital social. Elementos de capital social tais como: confiança mútua, normas de reciprocidade ou solidariedade, e engajamento cívico aliados ao crescimento da Epidemiologia social são temas que poderão trazer novas perspectivas ao campo da saúde pública e da promoção de saúde. As quatro últimas décadas têm mostrado um interesse crescente em entender como a sociedade e diferentes formas de organização social influenciam a saúde e o estado de bem-estar. O campo da Epidemiologia social traz o foco de atenção, antes voltado principalmente para os o fatores de risco para a saúde a fim de examinar, com mais profundidade, o contexto social em que eles acontecem. Podendo assim identificar e descrever as condições sociais que parecem influenciar o estado de saúde das populações, aspectos pouco abordados dentro da Epidemiologia tradicional (SOUZA; GRUNDY, 2004). Exemplo de aplicação Nos dias atuais, observamos a necessidade de discussões das relações entre Epidemiologia e Ciências Sociais na composição do campo da saúde pública. Reflita como vêm sendo adaptadas categorias das Ciências Sociais pela Epidemiologia, disciplina que historicamente tem ocupado posição dominante na área da saúde coletiva. 1.5.4 História natural da doença História natural da doença é o nome dado ao conjunto de processos interativos compreendendo as inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte. A história natural da doença, portanto, tem desenvolvimento em dois períodos sequenciados: • Período epidemiológico ou pré-patogênico: em que acontece a interação homem versus ambiente. • Período patológico ou de patogênese: são iniciadas as primeiras ações dos agentes patogênicos sobre o afetado (susceptível). 24 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I O agente pode ser definido como todas as substâncias, elementos ou forças, cuja presença ou ausência pode, mediante contato efetivo com um hospedeiro suscetível, constituir estímulo para iniciar ou perpetuar um processo doença. • Infectividade: implica a capacidade de o agente etiológico se alojar e se multiplicar no organismo do hospedeiro, incluindo a transmissão para um novo hospedeiro. O hospedeiro pode ser definido como organismos passíveis de abrigar ou sofrer influências dos fatores causais capazes de provocar agravos à sua saúde. • Patogenicidade: é a capacidade de produzir sinais e sintomas em hospedeiro suscetível. O ambiente pode ser biológico, nutricional, físico, químico, mecânico ou psicossocial. 1.5.5 Fatores determinantes da doença • Endógenos: no quadro geral da ecologia da doença, são inerentes ao organismo e estabelecem a receptividade do indivíduo: — herança genética; — anatomia e fisiologia do organismo humano; — estilo de vida. • Exógenos: fatores determinantes que dizem respeito ao ambiente. — Ambiente biológico: determinantes biológicos. — Ambiente físico: determinantes físico-químicos. • Ambiente social: determinantes socioculturais. 1.5.6 Prevenção Bloquear ou interceptar as causas, com o objetivo de cessar os efeitos Sendo um conjunto de procedimentos que visam proteger e melhorar a saúde de uma população e, portanto, sua qualidade de vida Figura 1 25 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA Níveis de prevenção: Conhecido como níveis de Leavell, o conceito de níveis de prevenção relata que as atividades dos médicos e de outros profissionais da saúde têm o objetivo da prevenção. Quadro 1 Estágio da doença Nível de prevenção Tipo de resposta Pré-doença Prevenção primária Proteção da saúde e proteção específica Doença latente Prevenção secundária Tratamento Doença sintomática Prevenção terciária Limitação da incapacidade No nível de prevenção primário, a maioria das doenças não infecciosas pode ser vista como tendo um estágio precoce, durante o qual os fatores causais iniciarão a produção das anormalidades fisiológicas. O objetivo, nesse momento, é modificar os fatores de risco (habitação, alimentação, estilo de vida). Aplicável também nas DCNTs (Doenças Crônicas não Transmissíveis): diabetes, arterioesclerose, anemias. Cabem na prevenção primária: • Ações educativas: conjunto de ações que visam levar à comunidade conhecimentos essenciais relativos às ações de saúde (programas). • Ações saneadoras: dirigidas diretamente aos componentes ambientais (controle sanitário de água e esgoto, alimentos, lixo, solo, vetores). Proteção específica: • imunização; • saúde ocupacional; • higiene pessoal e do lar; • proteção contra acidente. Promoção de saúde: • moradia adequada; • alimentação adequada; • áreas de lazer; • escolas. 26 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 // J un çã o de c on te úd os - R ev isã o: A na / Co rr eç ão : M ár ci o Unidade I O nível de prevenção secundário é a evolução para o período patogênico e o fracasso das ações realizadas no nível primário, o diagnóstico precoce da fonte da doença neste nível é o principal recurso de prevenção, assim como a intervenção imediata. O nível terciário de prevenção é o conjunto de ações desenvolvidas no período patogênico tardio, tendo como objetivo limitar a incapacitação deixada pela doença e promover a reabilitação do indivíduo de forma integral na sociedade. Controle Controle é o conjunto de medidas ou ações empregadas com o objetivo de reduzir a frequência da ocorrência da doença, já presente na população, até que essa se detenha em níveis compatíveis com a realidade existente. Erradicação Erradicação é o conjunto de ações dirigidas com fins específicos de eliminar uma doença de um determinado território. É um procedimento radical e intensivo, o sucesso depende da integração envolvendo
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