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PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL AULA 4 Profª Cleci Elisa Albiero 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos estudar a pesquisa no serviço social nos seus mais diversos aspectos: desde a centralidade da pesquisa na formação no serviço social, sua importância no processo formativo, bem como no processo interventivo e investigativo da atuação profissional. Outro ponto importante tratado nesta aula é a questão do cotidiano como espaço de produção de novos conhecimentos, sem negar o conhecimento já existente, na perspectiva da interdisciplinaridade e com o saber de várias áreas do conhecimento sobre um mesmo objeto de intervenção e investigação. A pesquisa constitui-se como um dos principais elementos para a formação no curso de Serviço Social. Aproxima-nos da realidade concreta e da prática profissional e das formas metodológicas de que o profissional poderá utilizar-se na investigação e na pesquisa para a sistematização das informações do seu trabalho profissional. TEMA 1 – A CENTRALIDADE DA PESQUISA NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Como já descrito em pontos anteriores, o ponto de partida para os estudos e a produção de conhecimento no serviço social situa-se na questão social resultante da sociedade capitalista e entre as suas expressões, desmembradas nas relações com os sujeitos macro: Estado-sociedade- mercado e em toda sua complexidade na construção de um conhecimento contra-hegemônico que procure “descrever, sistematizar, explicar o modo de vida, de viver, de luta, de organizar, de representar, de manifestar das classes populares e das situações que vivenciam perante a justiça social, a democracia e o trabalho” (Sposati, 2007, p. 23). Dessa forma, a pesquisa passa a ser central para a formação profissional do assistente social, pois, por meio dela, aproxima e aprofunda os dados em relação à realidade concreta. Todo o conhecimento é produzido com base em pesquisas científicas com base em um modo de ver e de se aproximar da realidade. Entende-se aqui a forma como o serviço social descortina o objeto com base em um determinado foco ou direcionamento da sua pesquisa. Nesse contexto, surge 3 uma questão importante a ser pensada: como a formação em serviço social está estimulando esse olhar para os elementos da realidade? Podemos apontar então que o conhecimento no serviço social está intimamente ligado com a questão da transformação da prática social, aqui entendida como uma “dimensão da práxis” na perspectiva crítica da teoria marxista tomada como categoria da totalidade. O próprio conhecimento, segundo Kameyama (1995), desenvolve-se com base na prática. Isso reforça pensamento de Sposati (2007), que nos diz que o próprio conhecimento e as ciências surgem e se desenvolvem devido às necessidades e aos novos elementos da prática e da vida. Dessa forma, a teoria e a prática constituem aspectos inseparáveis do processo de conhecimento, levando-se em conta que a teoria não só se nutre da prática como exerce papel transformador, que indica esta como o caminho da transformação social. Não podemos deixar de apontar que não existe apenas um tipo de conhecimento, como já visto no início da nossa aula, mas sim vários. Além do conhecimento empírico e do conhecimento teórico, podemos apontar o conhecimento prático, o conhecimento técnico e o processual. TEMA 2 – A PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL A produção do conhecimento no serviço social tendo como foco a pesquisa nos remete a pensar o conhecimento como um grande desafio tanto para a formação quanto para o profissional que já está no campo de trabalho. Um primeiro ponto a considerar é que a pesquisa como objeto do debate e da produção do conhecimento coloca-se além de métodos, técnicas e ferramentas que se deslocam para “a concepção da pesquisa como mediação constitutiva da identidade e do exercício profissional” (Sposati, 2007, p. 16). Esse contexto nos leva a pensar a pesquisa além do método e dos instrumentos, relegando a segundo plano o que deveria ser em prioridade que seria o “objeto, os resultados e a direção social de pesquisa”; e a falsa relação mecânica existente entre o trabalho profissional do assistente social com a função de pesquisador (Sposati, 2007). Um segundo ponto é a afirmação que já vem sendo discutida e publicizada: a produção do conhecimento no serviço social reside além de respostas práticas a questões da pesquisa. Uma sustentação da teoria social crítica, no decorrer do processo de desenvolvimento da profissão, apresenta-se 4 como caminho essencial para a construção do conhecimento crítico tendo como referência a totalidade dos elementos constitutivos da sociedade. Um terceiro ponto em relação à construção do conhecimento em serviço social é que se devem apontar as questões de confronto entre as pesquisas desenvolvidas na área das ciências físicas e matemáticas, conhecidas como exatas, e as denominadas ciência socais aplicada, também conhecidas como ciências humanas. Seguramente a natureza da pesquisa social difere da natureza das pesquisas da área física e matemática, porém a diversidade de característica do objeto não desqualifica, em absoluto, a construção e explicação do real. Assim, a pesquisa na área social é sempre uma construção desenhada pela relação espaço-tempo, porém é preciso ter clareza de que a investigação no campo das ciências humanas e sociais é ainda, em pleno século XXI, sujeita a confrontos, inclusive nas agências de financiamento de pesquisas. TEMA 3 – ATITUDE INVESTIGATIVA E ATITUDE INTERVENTIVA DA PESQUISA NO SERVIÇO SOCIAL A atuação profissional do assistente social é evidentemente investigativa e interventiva, porém, para que não se torne apenas ação interventiva e pragmática no imediatismo do campo profissional, é necessário que se desenvolva no aluno que está em formação (e logo em seguida como profissional) uma atitude investigativa, sendo este o ponto central para que o profissional possa desenvolver o senso critico e a perspectiva da pesquisa com base no seu processo interventivo. Podemos trazer para a discussão questões que apontam para a atitude investigativa e o trabalho do assistente social na contemporaneidade. Dessa forma, segundo Fraga (2010, p. 42), “a atitude investigativa é o fomente básico do exercício profissional do assistente social que se refere ao movimento de desocultamento do real”. Assim, somente podemos entender o processo investigativo daquilo que é real. Como pesquisadores, somente pesquisamos aquilo que conhecemos ou nos incomoda, isto é, segundo Minayo (2003, p. 18), “nada pode ser um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”. Entende-se então que toda a investigação inicia-se por um problema, com uma questão, com uma dúvida ou com uma pergunta, articuladas a 5 conhecimentos anteriores, mas que também podem demandar a criação de novos referenciais, isto é, novos saberes, novas experiências e novos conhecimento científicos (Minayo, 2003). Para que esses estudos e pesquisa tenham utilidade social, é necessário que o pesquisador tenha conhecimento e clareza do projeto ético- político da profissão e dos pressupostos teórico-metodológico e técnico- operativo em conjunto com o conhecimento construído no decorrer da formação, habilidades e competências como compromisso necessário para o desenvolvimento do seu trabalho nos mais diversos espaços sócio- ocupacionais de trabalho. O que seria essa atitude investigativa discutida neste ponto? No profissional, essa atitude está presente cotidianamente. Segundo Guerra (s.d.), “estamos sempre investigando” e isso consiste numa postura inquieta e curiosa da realidade. Porém, a ausência dessa postura leva à cristalização das informações, à estagnação do aprendizado, o que consequentemente comprometeráo trabalho profissional e muitas vezes a própria qualidade dos serviços prestados à população. Enfim, essa é uma atitude que necessariamente precisa estar presente na busca pela reconstrução de categorias, de leituras e intervenções na realidade social (Fraga, 2010). TEMA 4 – A PESQUISA E O COTIDIANO: CONHECER PARA INTERVIR Neste item, vamos discutir a atitude investigativa da pesquisa. Como parte constitutiva do exercício do assistente social, vislumbram-se também os requisitos para o desenvolvimento da pesquisa científica e o papel da investigação da realidade na formulação do projeto de intervenção. A Lei n. 8662/93 define que o profissional assistente social torne a pesquisa como elemento constitutivo do seu trabalho profissional, competente e de qualidade (Brasil, 1993). A necessidade de atuarmos sobre a realidade é o que nos conduz ao conhecimento. É preciso conhece n somente por conhecer ou para intervir, mas conhecer para poder ter procedimentos adequados (Guerra, s.d.) É importante que se diga que a pesquisa estabelece uma mediação privilegiada na relação entre conhecimento e realidade. Esse processo resulta em um conhecimento sempre provisório, parcial, histórico (relativo a um tempo e a um espaço sociocultural e historicamente determinado). Precisamos aqui 6 deixar claro o que se entende por conhecimento, que, no dizer de Luckesi (1994, p. 122), “é a compreensão inteligível da realidade, que o sujeito humano adquire através de sua confrontação com essa mesma realidade” O conhecimento pode partir do senso comum e das vivências dos sujeitos, da prática cotidiana das pessoas, porém precisa ir além dele. Há que se incorporar esse conhecimento no processo da pesquisa e da formação, com novos conhecimentos e novos significados, liberando-se de velhos preconceitos já existentes e incorporando novos conhecimentos na nossa memória. Nesse contexto, o processo de síntese desse conhecimento permite que se renove, por meio de novos questionamentos e cujo resultado tende a ser novos conhecimentos sobre o objeto estudado. Já o conhecimento advindo da razão dialética capta o movimento do objeto em estudo, sua lógica de constituição e percebe o que o objeto é e como chegou a ser o que é (seu processo de constituição), quais seus fundamentos. Sua capacidade de transformar-se em outro vai além da imediaticidade do cotidiano. O fenômeno é o ponto de partida desse conhecimento que se organiza mediante categorias analíticas. Podemos dizer então que estamos nos aproximando de um conhecimento mais amplo, da construção do método, o que Marx (1983, p. 219) chama de “concreto pensado”. Isso incorpora o movimento, a negatividade, o vir a ser dos processos. A razão é dialética, o movimento é dialético. Podemos então dizer que esse é o nível mais alto do conhecimento. (Guerra, s.d.) Para Iamamoto (1998, p. 55), a pesquisa, a qual se faz necessária para o serviço social, “é um mergulho na realidade social”, isto é, trata-se de um processo sistemático de ações visando investigar/interpretar, desvelar um objeto que pode ser um processo social, histórico, um acervo teórico ou documental. A dimensão investigativa na pesquisada é a dimensão do novo. Esse processo é necessário e útil para intervir na realidade com base em novos olhares e novos conhecimentos desse processo de investigação. TEMA 5 – A PESQUISA E A INTERDISCIPLINARIDADE A pesquisa no serviço social, como já vista e discorrida no decorrer desta aula, tem um papel político muito importante na construção do 7 conhecimento e também no processo investigativo e interventivo da profissão na sociedade, porém nem sempre esses conhecimentos e saberes são construídos de forma isolada e individual pelos profissionais e alunos do curso de Serviço Social. A interdisciplinaridade no contexto da pesquisa tem o papel de promover a socialização dos saberes entre profissionais, alunos e professores (Bourguingnon, 2008). Segundo Moraes (2017), a pesquisa é também uma prática política, como já estudado em aulas anteriores, ao interagir e manter o elo com uma realidade em constante movimento, porém as possibilidades reflexivas no interior da categoria profissional ampliam a possibilidade de construções coletivas de superação de contextos analisados, além de realimentar novas aproximações e reflexões, problematizações e análises da realidade. É importante pensar que, ao problematizar a pesquisa na perspectiva interdisciplinar, é necessário pensá-la de acordo com a possibilidade de diversas áreas do conhecimento e não somente no serviço social. Nesse contexto, segundo Fraga (2010), a interdisciplinaridade precisa ser pensada como uma possibilidade de interação entre as diferentes áreas do conhecimento e de interação. Um dos grandes limitadores para se desenvolver um trabalho de pesquisa na perspectiva interdisciplinar é a falta de tempo dos profissionais, a sobrecarga de trabalho dos espaços sócio-ocupacionais, a falta de oportunidade para planejamento em equipe. Buscam-se, dessa forma, algumas alternativas viáveis para que o trabalho aconteça, porém nem sempre esse trabalho desenvolve-se com êxito. Essa possibilidade de interlocução entre as diferentes áreas do saber constitui um movimento de mudança e de transformação das ciências, para a qual os pesquisadores precisam estar abertos e dispostos a mudarem posturas e comportamentos. Essa perspectiva pressupõe a integração entre eles, criando e recriando outros pontos para a construção do conhecimento. Dessa forma, segundo Fraga (2010, p. 59) ,“a metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade cientifica, alicerça-se no dialogo e na colaboração , funda-se no desejo de inovar, criar, de ir além e exercita-se na arte de pesquisar [...] e transformar a concreta realidade”. Assim, entende-se que uma postura investigativa do profissional, a intervenção profissional mais a perspectiva interdisciplinar geram uma ação 8 profissional com alcance social nas diversas expressões da questão social, objeto de pesquisa e trabalho do assistente social (Fraga, 2010, p. 60). NA PRÁTICA Você, aluno/a do curso de serviço social, em breve deverá começar a pensar no seu projeto de pesquisa para o desenvolvimento do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). O primeiro ponto a pensar é: o que pesquisar? Que problema ou questionamento do campo de estágio, do cotidiano profissional posso começar a estudar para construir meu projeto de pesquisa e em seguida o trabalho de conclusão do curso? É com o olhar no espaço de formação (campo de estágio) e das vivências junto ao profissional supervisor de campo que você deverá começar a construir a sua pesquisa. Quanto mais você procurar conhecer a realidade na qual está inserido/a e construir mediações com a realidade concreta e com as teorias que você vem estudando e outras teorias de áreas diversas como educação, idoso, saúde, família, entre outras, mais facilmente chegará ao seu objeto de pesquisa e mais rapidamente formulará seu projeto de pesquisa e o trabalho final como sistematização do processo investigativo de formação acadêmica. FINALIZANDO Neste encontro, foi possível iniciar a delimitação de alguns elementos constitutivos da investigação e da intervenção profissional e de que forma esse contexto vai se configurando para a pesquisa e produção de novos conhecimentos no serviço social. Vimos também que o cotidiano nos fornece os elementos essenciais para entendermos e nos apropriarmos da realidade concreta com base em teorias e métodos de investigação e de análise da realidade vivida, entendendo que a dimensão investigativa é a dimensão do novo, de novos conhecimentos. Outro ponto importante a ser destacado nesse contexto foi a discussão em relação à dialética e da práxis, bem como dos elementos que formam essa dinâmicana perspectiva do método da teoria social critica de Marx. Vimos também a importância do debate interdisciplinar na pesquisa e do processo de interlocução entre as diferentes áreas do saber bem como as possibilidades e limites que uma pesquisa desenvolvida na perspectiva 9 interdisciplinar apresenta, mas que é necessária para entendermos a conjuntura social, política, econômica e cultural da sociedade. Por fim, investir na pesquisa qualificada responde a demandas profissionais bem como a anseios e expectativas dos sujeitos, na sua singularidade como na coletividade dos espaços e caminhos para a liberdade, autonomia, competência e compromisso com um projeto de sociedade emancipatório, autônomo e libertário. 10 REFERÊNCIAS ALVES, R. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e as suas regras. 10. ed – São Paulo: Edições Loyola, 2005. BOURGUIGNON, J. A. A particularidade histórica da pesquisa no serviço social. São Paulo: Veras, 2008. BRASIL. Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 jul. 1993. FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: historia teoria e pesquisa. 11. ed. Campinas/SP: Papirus, 2003. FRAGA, C. K. A atitude investigativa no trabalho do assistente social. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 101, p. 40-46, jan/mar., 2010. GUERRA, Y. A dimensão investigativa no exercício profissional. CRESRN, [s.d.]. 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