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Psicodelia brasileira: um
mergulho na geração bendita
Engenharia Química
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
230 pag.
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Aline Ridolfi
Ana Paula Canestrelli
Tatiana K. de Mello Dias
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Este livro é um projeto experimental do curso de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO | 6
RONNIE VON |10
LIVERPOOL | 24
MÓDULO 1000 | 46
SOM IMAGINÁRIO | 66
SPECTRUM | 92
UDIGRUDI | 110
VIMÁNA | 162
SERGUEI | 182
O F IM DA HISTÓRIA | 210
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LOUCO: AFETADO POR UM ALTO 
GRAU DE INDEPENDÊNCIA 
INTELECTUAL.
Ambrose Bierce, jornalista norte-americano
sicodélico, psicodelia, psicodelismo. Muitas palavras para definir o indefinível. 
Sgundo a alquimia dos signos: “Psico” – alma, espírito, princípio pensante, atividade 
mental – mais o elemento ”Delo” – visível, claro, manifesto, evidente. Pelo dicionário: P
aquilo que produz efeitos alucinógenos; diz-se de qualquer produção intelectual que se assemelha ou 
procura imitar as obras criadas sob o efeito de alucinógenos. 
A psicodelia brasileira tem um quê de inenarrável, um quê de indescritível, um quê de mitológica 
– ora moribunda, ora extasiada. Mas o ser humano precisa da classificação para organizar suas 
idéias. Como disse Jorge Mautner, “A arrumação do cérebro é importante. Nesse caso, a definição é 
importantíssima por que mexe com o pensamento. A classificação é uma tentativa racional de tentar 
interpretar a emoção que aquele fenômeno está te despertando. E na profundidade tudo está parado 
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e em movimento ao mesmo tempo. E na visão intuitiva dessa arte psicodélica você já tem essa 
junção. Como arte”. 
O psicodelismo contaminou diversas formas de expressão – na música, a brecha foi aberta pelo 
relâmpago tropicalista, que deixou de lado a MPB tradicional na busca por novos sons e roupagens 
estéticas. Como reflexos da repressão política e cultural, pipocaram por todo o país pequenos 
grupos de jovens preocupados em fazer música, arte livre e, sobretudo, em garantir liberdade mental 
suficiente para não enlouquecer de verdade naqueles anos de chumbo. No entanto, essas bandas 
quase nunca conseguiram emergir e permaneceram sufocadas nos subterrâneos da contracultura 
nacional. 
No Nordeste elas carregavam o sotaque arretado, os instrumentos regionais de percussão e a 
malandragem jagunça. No Sudeste traziam as influências estrangeiras libertas pelo idioma nacional. 
No Sul uniam detalhes latino-americanos, referências gaudérias e costumes europeus. Em todos 
os cantos, representavam o grito de uma geração, que não aceitou ser amordaçada pelo sistema. 
“Os desbundados só acreditavam no processo individual como saída, em busca do revolucionar-se; 
já os guerrilheiros reprimiam os sentimentos pessoais, seguindo um rígido manual de conduta que 
desvalorizava as questões individuais em prol do coletivo e de uma revolução social que viria. E o 
orgasmo ficava para depois da revolução”, escreveu Lucy Dias, em “Anos 70 – enquanto corria a 
barca”.
Extraterrestres, drogas ilícitas, cidades do interior, personagens bizarras, bandas internacionais, 
lingeries, demônios maquiavélicos, surtos esquizofrênicos, flores que falam... Tudo era motivo de 
inspiração. É a arte livre. A não-imposição de limites. A quebra de tabus em uma época marcada pela 
repressão do Estado. O modo de se vestir, de viver, de compor, de mostrar a arte nas apresentações, 
tudo era permeado por uma sede de liberdade – representada pela estética e pelos sons psicodélicos. 
Enquanto Andy Warhol e sua trupe viviam desbundados criando pinturas e canções alucinadas, 
artistas brasileiros despejavam sua criatividade lisérgica também na produção nacional. Mas por 
aqui a loucura era incômoda e a maioria dos músicos envolvidos nesta fase acabou barrada em 
gravadoras, ou censurada na hora de lançar suas obras. A repressão, somada ao caráter conservador 
INTRODUÇÃO | 7INTRODUÇÃO | 7
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da sociedade da época, acabou relegando muitas bandas ao esquecimento.
“Vou viver bem longe, bem perto do infinito
Todos vão dizer que saí para fugir
E eu vou falar
Que saí para mudar
Há um novo mundo lá fora
É só abrir”
(Letra de “É só curtir”, A Bolha, 1970. Proibida pela censura)
Muito se falou sobre a psicodelia estrangeira. A era internacional do LSD trouxe à tona faces obscuras 
de grupos como os Beatles e os Rolling Stones e revelou nomes como The Doors, Jimi Hendrix, 
Pink Floyd, Steppenwolf, entre outros. Mas o Brasil não ficou de fora do “movimento”: entre o final 
dos anos 60 e o desenrolar dos 70 vivemos uma intensa produção artística, especialmente musical. 
Apesar de extremamente rico, este é um período pouco conhecido e minimamente explorado, pelo 
menos até o momento. Neste livro estão reunidos alguns contos e causos dos mais importantes 
nomes da época. Nomes que hoje já não são mais lembrados ou que desviaram a rota de suas 
carreiras para outros estilos mais populares.
NÃO É UMA ESTRADA, É UMA VIAGEM
Imagine uma sociedade cinzenta. Nessa sociedade, havia um oásis colorido. Pense em paz, amor, 
Woodstock, Monterey, guitarras de Hendrix, tons de Joplin, Greatful Dead, The Mamas & The Papas, 
Ravi Shankar, Steppenwolf, Beatles, Rolling Stones. Adicione pitadas de excentricidade brasileira: 
batons vermelhos, roupas berrantes, cores. Flores. Muitas flores. Punhados de lisergia, cogumelos, 
peiote, LSD, maconha, jurema, ayhuasca. Cabelos compridos, barbas mal feitas, pensamentos 
8 | PS ICODELIA BRASILEIRA
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indomáveis, repressão, Carlos Castañeda, ditadura, Thimoty Leary. Jeans desbotados, bordados, 
roupas usadas, batas indianas, vestidos e saias compridas, tecidos naturais. Cheiro de Patchouli. 
Misture tudo com liberdade em grandes doses. Muita liberdade. Encha a mão sem medo, pois 
além de dar gosto, é ela quem dita o caminho. Aproveite os tão renegados instrumentos elétricos e 
combine com batuques e tambores afro, sanfonas, triângulos e o que mais parecer interessante da 
cultura tupiniquim. Embarque na levada da Tropicália e siga sempre rumo à inovação. Contra o arroz 
e feijão, a macrobiótica. Plantações de inhames devem vir antes dos enlatados. 
Não simplifique! Arranjos em quatro por quatro não são bons sinais. Ouse, invente, transgrida. Por 
que não um sete por três? O impossível não existe. Solos de guitarra, baixo, bateria, flauta, zabumba 
ou cítara que passem dos dez minutos levarão o público à loucura. O negócio não é ser pop, mas sim 
criar um novo jeito de tocar. Junte todas as tribos – hippies, cocotas, caretas, desbundados – este 
último em maior quantidade. Religiões orientais podem dar um tempero extra. Transcenda-se. 
Pense nisso tudo concentrado, feito em acetato e tomando forma de vinil. Deixe maturando por pelo 
menos trinta anos, até uma nova geração resgatar o bololô e exigir explicações para tentar entendero que saiu dali. As boas histórias são o que valem e as lembranças dessa época brilhante e colorida 
ficarão gravadas para sempre. Agora em forma de livro.
“Não. Não alcançamos a felicidade. Estávamos provavelmente mais perto dela 
nas décadas abertamente revolucionárias da juventude da minha geração, apesar 
da violência das repressões externas e internas que então caracterizavam a 
experiência de estar vivo. Havia um instinto saudável que exigia a transformação, 
que queria mudar o mundo e a vida em todos os níveis. A primeira manifestação 
desse instinto foi política mas, em seguida, ela alcançou o comportamento, a 
postura existencial e a própria dimensão espiritual da experiência de viver.”
Luís Carlos Maciel, filósofo da contracultura, no livro “De volta para o futuro” 
INTRODUÇÃO | 9
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10 | PS ICODELIA BRASILEIRA10 | PS ICODELIA BRASILEIRA
DAY 
 TRIPPER: 
O NOVO CANTAR DE 
RONNIE VON 
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INTRODUÇÃO | 11INTRODUÇÃO | 11
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12 | PS ICODELIA BRASILEIRA
onnie Von era o mocinho ideal para qualquer clichê cinematográfico. 
Lindo, moreno, cabelos lisos, olhos claros. Carreira estável, intérprete de 
canções românticas, bom moço, apelidado de “Pequeno Príncipe” por R
ninguém menos que Hebe Camargo, ele era o sonho de todas as garotas, o genro que 
toda mãe pediu a Deus. Mas quando tudo vai bem, assim como, de novo, nos clichês 
cinematográficos, a família feliz sempre esconde um segredo cabuloso, e o monarca em 
questão escondia uma personalidade inquieta, inovadora, muito além do rapaz que cantava 
“Meu bem” ao jogar os cabelos para o lado e o charme para o público. Esta não é a história 
de vida de Ronnie. É a história da psicodelia, ou como prefere o moço – hoje senhor, de sua 
surrealidade.
 
“Eu me perdi no dia a dia
E custei a me encontrar
Eu era humano e não sabia
Hoje é tempo de acordar”
(Trecho de “Eu era humano e não sabia”, faixa do disco Ronnie Von de 1972)
“Quem determinava o que eu devia gravar era o departamento de vendas. Você acredita 
numa barbaridade dessas?” revela Ronaldo Lindenberg Von Schilgem Cintra Nogueira, o 
Ronnie Von, sentado ao lado da piscina de sua casa no Morumbi, 40 anos depois de sua 
experiência psicodélica. Assim foi comandada sua carreira artística desde o odiado primeiro 
disco de 1966, que levava seu nome. 
Criado no seio de uma família rica e tradicional, Ronnie passou a infância e juventude no 
Rio de Janeiro, onde nasceu. Divertia-se lendo as tirinhas do Flash Gordon que seu pai, 
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RONNIE VON | 13
recortava do jornal O Globo e remontava em uma pasta. Já adolescente, tornou-se aviador 
pela concorrida Escola Preparatória de Cadetes do Ar de Barbacena; depois, entrou na 
faculdade de economia. Na música, gostava das novidades que seu pai, diplomata, lhe 
trazia do exterior – principalmente Beatles. 
Ronnie gostava de cantar; e foi descoberto por João Araújo em uma apresentação no Beco 
das Garrafas, reduto tradicional da MPB carioca. Aos 21 anos, lançou a bomba à família: iria 
a São Paulo tentar a vida como cantor. Foi um escândalo – na época, Ronnie já dirigia os 
negócios da família. O pai, em desespero, chegou a dizer “por que você não vai ser jogador 
de futebol? O nível intelectual é o mesmo”. Sem lenço nem documento, Ronnie veio à São 
Paulo e se instalou em um hotel simples na praça Júlio Mesquita. As dificuldades duraram 
pouco tempo: aos 22 anos, lançou dois fenômenos seguidos: o disco “Meu bem”, com o hit 
homônimo – uma versão de “Girl” da dupla Lennon e McCartney, e o seguinte, chamado “O 
novo ídolo”, com a antológica “A praça”, de Carlos Imperial. 
Com LPs comerciais e hits sem grandes pretensões, Ronnie traçava um começo de sucesso. 
Em 1967, veio “O pequeno mundo de Ronnie Von”, que consolidava seu sucesso com as 
garotas de oito a oitenta anos. Ele era um superstar da época, não saía nas ruas sem um 
pedido de autógrafo. Tinha um futuro de sucesso... ou não? No mesmo ano, em novembro, 
foi lançado Ronnie Von 3, disco que começou, timidamente, a inovar a sonoridade e contou 
com a participação de Caetano Veloso e dos Mutantes, já companheiros musicais por conta 
de “O pequeno mundo”. 
Se o número três abriu caminho, o próximo disco rompeu bruscamente a trajetória do 
músico. Ronnie Von, lançado no finalzinho de 1968, era experimental, com letras subjetivas, 
referências até então desconhecidas. Quase um Sgt. Peppers à brasileira, talvez o primeiro 
disco abertamente influenciado pela psicodelia estrangeira. A capa, ultralisérgica, reúne 
desenhos abstratos, coloridos, e uma foto agressiva de Ronnie, de calças pretas, sem 
camisa. Desta vez não havia sido o departamento comercial da gravadora o autor da 
façanha. 
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14 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Foi uma oportuna brecha no comando da gravadora Philips que possibilitou a experiência 
psicodélica. O novo presidente, André Midani, executivo musical internacional, estava 
vindo dos EUA ao Brasil, mas teve um imprevisto e demorou mais que o esperado. Ronnie 
tinha um contrato a cumprir e um disco para lançar e, com a idéia de fazer uma coisa 
completamente diferente do que havia feito até ali, o incontestável fã dos Beatles resolveu 
ser ele mesmo. Com a oportunidade em mãos de gravar o que realmente gostaria de cantar, 
Ronnie convocou alguns amigos, músicos, além dos tradicionais que já o acompanhavam 
em seu programa na TV Record e partiu num vôo cego, uma nova empreitada, sem saber 
como isso seria recebido pelo público e pela crítica.
O cantor havia acabado de voltar dos Estados Unidos, onde se encantou com bandas 
undergrounds como Frozen Frog e Strawberry Alarm Clock, totalmente desconhecidas 
por aqui: “aquela música me envolveu e eu já estava com problemas de auto-afirmação, 
fazendo uma coisa que não queria, as pessoas imaginando que eu fosse uma coisa que eu 
não era, eu era outra. Era desesperador. Era de não conseguir me olhar no espelho, e as 
pessoas ‘Não, Jovem Guarda’, ‘Não, romântico’, ‘Não, brega’; Em meio â crise existencial do 
Príncipe, surge então Ronnie Von, disco de 1968, o primeiro da trilogia que contaria ainda 
com A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império do Nuncamais (1969) e 
Máquina Voadora (1970).
* * *
,“Olha, eu não sei de onde venho nem pra onde vou,
Ninguém me escuta, eu nem sei quem sou,
Eu procurei meu caminho no vento mas ele não soprou,
(...)Doa a quem doer, então eu vou cantar,
Meu canto é vencer, meu canto... é pra mudar”
(Trecho de “Meu novo cantar”, primeira faixa do disco Ronnie Von de 1968)
Foi uma oportuna brecha no comando da gravadora Philips que possibilitou a experiência 
psicodélica. O novo presidente, André Midani, executivo musical internacional, estava 
vindo dos EUA ao Brasil, mas teve um imprevisto e demorou mais que o esperado. Ronnie 
tinha um contrato a cumprir e um disco para lançar e, com a idéia de fazer uma coisa 
completamente diferente do que havia feito até ali, o incontestável fã dos Beatles resolveu 
ser ele mesmo. Com a oportunidade em mãos de gravar o que realmente gostaria de cantar, 
Ronnie convocou alguns amigos, músicos, além dos tradicionais que já o acompanhavam 
em seu programa na TV Record e partiu num vôo cego, uma nova empreitada, sem saber 
como isso seria recebido pelo público e pela crítica.
O cantor havia acabado de voltar dos Estados Unidos, onde se encantou com bandasundergrounds como Frozen Frog e Strawberry Alarm Clock, totalmente desconhecidas 
por aqui: “aquela música me envolveu e eu já estava com problemas de auto-afirmação, 
fazendo uma coisa que não queria, as pessoas imaginando que eu fosse uma coisa que eu 
não era, eu era outra. Era desesperador. Era de não conseguir me olhar no espelho, e as 
pessoas ‘Não, Jovem Guarda’, ‘Não, romântico’, ‘Não, brega’; Em meio â crise existencial do 
Príncipe, surge então Ronnie Von, disco de 1968, o primeiro da trilogia que contaria ainda 
com A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império do Nuncamais (1969) e 
Máquina Voadora (1970).
* * *
,“Olha, eu não sei de onde venho nem pra onde vou,
Ninguém me escuta, eu nem sei quem sou,
Eu procurei meu caminho no vento mas ele não soprou,
(...)Doa a quem doer, então eu vou cantar,
Meu canto é vencer, meu canto... é pra mudar”
(Trecho de “Meu novo cantar”, primeira faixa do disco Ronnie Von de 1968)
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Ronnie chegou para Arnaldo Saccomani, um músico de bar que tornou-se um de seus 
compositores favoritos, e disse “ó, não gosto de nada que eu tô fazendo, tá uma barra, 
então Arnaldo, vamos fazer um projeto alternativo aí”. Foram então para a Rua Dona 
Veridiana, Santa Cecília, no estúdio Scatena e começaram a compor. Saccomani ocupava-
se com as letras das canções, Damiano Cozella, maestro parceiro de Rogério Duprat – que 
naquela época era mentor dos tropicalistas -, cuidava dos arranjos. Os músicos faziam a sua 
parte em meio à loucura dos resultados. Uma verdadeira máquina psicodélica em prol de 
um novo homem. 
Apesar de não embarcar nas pirações do desbunde, o careta Sacommani foi fundo 
nas viagens musicais e evocou super-heróis e terras inventadas e até o nonsense, com 
influências da poesia concreta em suas letras. “Ás vezes não tinham muito significado, era 
mais um jogo de palavras, e de rimas. Não queríamos ter uma historinha na letra, partimos 
pra ter frases fortes. Uma coisa mais estética”, explica o letrista. 
O processo de seleção das músicas para o álbum começava mesmo na mansão de 
Ronnie, onde baldes e baldes de fitas chegavam todos os dias. “Teve uma época em que 
ensaiávamos sempre na casa dele, mas só ficávamos num quartinho para tocar e poucas 
vezes entramos na casa mesmo. Numa dessas, fomos ouvir algumas das fitas que ele 
recebia aos montes. Era assim que funcionava: ele escolhia as músicas, já pensando no 
disco, e levava para nós trabalharmos em cima disso”, lembra Viucelli Marcio de Mattos, o 
Marcito, baterista do grupo que acompanhava o cantor na época. 
Formada por músicos jovens e até adolescentes, a B-612 – cujo nome, aliás, foi inspirado no 
asteróide em que o Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry vivia – deu as primeiras caras e tons 
do LP surrealista de 68, como conta o desbundado guitarrista Zé Guilherme, ou, para os 
íntimos, “Crazy Joe”: “eu meti a mão naquilo lá e comecei a enfiar guitarra, porque eu era fã 
de Hendrix e de tudo que tava na ponta do ácido”. O resultado foram as ultradistorções do 
Ronnie chegou para Arnaldo Saccomani, um músico de bar que tornou-se um de seus 
compositores favoritos, e disse “ó, não gosto de nada que eu tô fazendo, tá uma barra, 
então Arnaldo, vamos fazer um projeto alternativo aí”. Foram então para a Rua Dona 
Veridiana, Santa Cecília, no estúdio Scatena e começaram a compor. Saccomani ocupava-
se com as letras das canções, Damiano Cozella, maestro parceiro de Rogério Duprat – que 
naquela época era mentor dos tropicalistas -, cuidava dos arranjos. Os músicos faziam a sua 
parte em meio à loucura dos resultados. Uma verdadeira máquina psicodélica em prol de 
um novo homem. 
Apesar de não embarcar nas pirações do desbunde, o careta Sacommani foi fundo 
nas viagens musicais e evocou super-heróis e terras inventadas e até o nonsense, com 
influências da poesia concreta em suas letras. “Ás vezes não tinham muito significado, era 
mais um jogo de palavras, e de rimas. Não queríamos ter uma historinha na letra, partimos 
pra ter frases fortes. Uma coisa mais estética”, explica o letrista. 
O processo de seleção das músicas para o álbum começava mesmo na mansão de 
Ronnie, onde baldes e baldes de fitas chegavam todos os dias. “Teve uma época em que 
ensaiávamos sempre na casa dele, mas só ficávamos num quartinho para tocar e poucas 
vezes entramos na casa mesmo. Numa dessas, fomos ouvir algumas das fitas que ele 
recebia aos montes. Era assim que funcionava: ele escolhia as músicas, já pensando no 
disco, e levava para nós trabalharmos em cima disso”, lembra Viucelli Marcio de Mattos, o 
Marcito, baterista do grupo que acompanhava o cantor na época. 
Formada por músicos jovens e até adolescentes, a B-612 – cujo nome, aliás, foi inspirado no 
asteróide em que o Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry vivia – deu as primeiras caras e tons 
do LP surrealista de 68, como conta o desbundado guitarrista Zé Guilherme, ou, para os 
íntimos, “Crazy Joe”: “eu meti a mão naquilo lá e comecei a enfiar guitarra, porque eu era fã 
de Hendrix e de tudo que tava na ponta do ácido”. O resultado foram as ultradistorções do 
RONNIE VON | 15
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16 | PS ICODELIA BRASILEIRA
instrumento de Zé, que também se aventurava com alguns improvisos como o uso de um 
plástico entre as cordas, para fazer o som de banjo na gravação de “Bar Íris”. 
A faixa “Bar Íris”, inclusive, era o oposto do que o bom mocismo pedia. Na “Augusta, quase 
esquina com Jaú”, havia um bar muito aquém dos padrões ricos dos Jardins paulistanos. 
“Era uma coisa horrível, aqueles ovos coloridos, aquelas sardinhas com o rabo torto 
na vitrine, cachaça de tudo quanto é jeito, o bar todo vomitado, uma coisa pavorosa. 
O Damiano Cozella passou por lá e disse ‘eu vou fazer um jingle disso aí, que é uma 
maravilha’. Quando o disco saiu, o bar já não existia mais”, lembra Ronnie.
Damiano Cozzela foi o diretor das gravações e, de acordo com Von, o gênio que criou 
todos os arranjos do disco. Maestro inovador, pegou o rock cru e misturou a uma 
orquestra, metais, falas, sons estranhos e silêncios providenciais, em um dos melhores 
arranjos psicodélicos da discografia nacional. Ronnie, mesmo, participou muito pouco da 
arregimentação e produção do disco – em algumas faixas, com a música já pronta, ele ia ao 
estúdio e gravava a voz. Hoje, acha que deveria ter cantado melhor. 
* * *
“O Ontem não existe, 
no amanhã depois eu penso, 
o hoje é tudo, enfim... 
pra você e pra mim...”
 (Trecho de “Chega de Tudo”, canção do disco Ronnie Von de 1968)
Depois de delicadamente preparado no Scatena, o disco “Ronnie Von” chegou às lojas 
em 1968 – e seu sucesso foi inversamente proporcional às horas dedicadas em estúdio. 
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As milhares de fãs, que outrora tinham que ser contidas por seguranças, torceram o 
nariz. Aquilo tinha sido demais. Os poucos que compraram o disco eram colecionadores 
curiosos ou admiradores incondicionais que entenderam que “aquilo era um arroubo 
intelectualóide”, como Ronnie define. Na mídia, o fracasso retumbou. À época do 
lançamento, apenas dois jornais – “malucos”, diria o cantor - deram aval positivo à pérola 
psicodélica. O Jornal do Brasil, no Rio, com a manchete “A que veio Ronnie Von” e o Estado 
de S. Paulo, com duas páginas sob o título “Ronnie, esse desconhecido”. O resto “descia o 
pau”. “Eu me senti, assim, um ladrão da gravadora. ‘Pegou o dinheiro e jogou fora’. Eu era 
profundamente perseguido por muita gente, era uma coisa sistemática. Tinha um jornalista, 
não me lembro o nome, que escrevia vinte notícias: dezenove de futebol e uma era 
sempre ‘Ronnie Voné homossexual’, ‘Ronnie Von é ladrão’, ‘Ronnie Von é não sei o que’”, 
desabafa. E o fracasso refletiu na auto-estima já abalada do não mais “Pequeno Príncipe”.
A resposta veio aos poucos, em uma série de pequenos rompimentos. Ronnie já estava 
de cansado de ser chamado de bom moço, príncipe, filhinho de papai e outros nomes 
“inconfessáveis” por conta de sua origem e aparência. Na época, ele usava cabelos longos 
e lisos, e uma enorme franja caída na cara. Duvidoso hoje, mas então fez tanto sucesso que 
até os garotos do B-652 copiaram o visual, inclusive com ferro de passar para dar ao cabelo 
o aspecto lisíssimo. Tudo o que Ronnie fazia, afinal, era alvo de críticas. Em uma época, o 
músico usava um paletó xadrez – e usava muito - até que, em uma coluna social, seu visual 
foi criticado: “Ele não tira o paletó xadrez”. Irritado, resolveu renovar o guarda roupa e 
pensou: “perfeitamente, agora não vão ter o que dizer, porque vou me vestir só de preto, 
tudo preto, gravata preta, camisa preta, calça preta, cueca preta, tudo preto”. E foi assim, 
por um bom tempo, até que esquecessem de comentar os trajes do ex-Príncipe. 
Toda essa rejeição trouxe mudanças não só musicais, mas também comportamentais. Bom 
moço? Não naquele momento. “Você imagina o seguinte, um aviador, piloto de caça, ex-
corredor de automóvel, que gosta de velocidade, que gosta de outro tipo de coisa, de 
RONNIE VON | 17
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18 | PS ICODELIA BRASILEIRA
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repente passa a ser chamado de um monte de nomes, porque tinha cabelo grande... De 
repente não era nada daquilo, era uma pessoa normal, uma pessoa comum, um jovem 
como qualquer um na minha época”, relata. E a época em questão trazia o apogeu das 
drogas lisérgicas, Woodstock, a contracultura, repressão e tudo mais. No final da década 
de 60, início da década de 70, período em que começaram e floresceram as gravações 
psicodélicas de Ronnie, a liberdade era o mote da juventude. Os Beatles inovaram com 
Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band e bradavam “Lucy in the Sky with Diamonds”, uma 
referência ao LSD discutida até hoje. Tudo isso foi absorvido direta ou indiretamente pelo 
nosso rebelde incompreendido.
* * *
Apesar da rebeldia ele nunca deixou de ser careta. A viagem foi mesmo só musical – pelo 
menos, da parte dele e de Arnaldo Saccomani. Os garotos da B-612, não – Zé Guilherme 
era conhecido como “Zé louco”, por suas experiências canábicas e lisérgicas. A curiosidade 
existia, tanto que um dia foi assistir a uma experiência feita com LSD em um amigo 
publicitário. Assistido por psicólogos, o cobaia teve uma bad trip homérica que Ronnie 
narra com pavor: “ele estava ligado ao Timothy Leary, achando aquilo maravilhoso, resolveu 
fazer a experiência, conseguiu LSD, chamou vários amigos, inclusive eu, e foi fazer uma 
viagem e eu vi o que aconteceu com ele. Ninguém me contou. Ele gritava que estavam 
saindo morcegos da parede, que estava escorrendo sangue do teto caindo em cima dele, 
saía gritando, batendo com a cabeça na parede, todo mundo segurando. Uma coisa 
pavorosa. Ele teve depois disso flashes no meio do caminho, e me contou que uma vez teve 
dirigindo”. Mas nem puxava um fuminho? Nada – para ele, maconha, assim como fazer 
uma tatuagem, era “coisa de bandido”. Cocaína, então, nem conhecia. A única substância 
que alterava a percepção da realidade de Ronnie era mesmo o uísque, mas de leve – ele 
enjoava e parava de beber cedo, acudindo os amigos que permaneciam na bebedeira. 
À esquerda, os garotos do B-612
RONNIE VON | 19
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20 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Mesmo com a reviravolta em sua carreira, Ronnie Von avisa: “Nunca fui underground”. 
Ele chegou a freqüentar bares e casas alternativas em Nova York, mas no Brasil, não. 
“Desconhecia literalmente”, como o próprio diz, as bandas underground daqui, que 
também começavam a enveredar pela psicodelia. Ele, além de não ter tempo - era 
apresentador de TV e cantor -, também não conseguia sair na rua. Apesar do fracasso de 
vendas, a figura construída por trabalhos anteriores nunca foi abalada de fato. As pessoas 
questionavam, mas nem por isso deixavam de persegui-lo nas ruas. As fãs não perdoavam 
um deslize. Por onde andava, Ronnie era aclamado por moças histéricas – mesmo vestido 
de preto e lançando discos estranhos. 
Durante uma turnê, em São Luís do Maranhão, Ronnie e os B-612 tocaram para seis 
mil pessoas. O sistema de segurança eram os guardas locais que, na metade do show, 
sumiram. “Nós ficamos de bobeira, totalmente expostos. Nem conseguimos terminar o 
show, de tanta gente tumultuando e tentando agarrar”, lembra o baterista Marcito. Mas o 
show em questão nada tinha com a apresentação das novas músicas de Ronnie. O cantor 
afirma que nunca subiram no palco e tocaram as faixas psicodélicas. Somente “Silvia, 20 
horas, domingo”, mais palatável ao gosto das massas, foi apresentada poucas vezes. Não 
havia turnês de lançamento – o disco era colocado no mercado com um coquetel e uma 
apresentação para os lojistas, apenas. 
Nessa fase Ronnie também já era apresentador da TV Record desde 66, onde comandava 
“O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, criado para fazer frente à Jovem Guarda. “Quem 
fizesse o meu programa jamais pisaria no palco do Jovem Guarda, que era a referência 
do programa de juventude da época. Então ninguém queria correr esse risco, mas tinha a 
Ritinha, o Sérgio e o Arnaldo”. Na falta de outras atrações, “O Pequeno Mundo de Ronnie 
Von” passou a receber freqüentemente o trio psicodélico, que ainda não havia estourado. 
“A primeira vez que fui aplaudido de pé na minha vida foi quando cantei com os Mutantes, 
fomos ovacionados, o programa teve uma audiência monumental”, lembra o Príncipe.
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 Mais tarde surgiu “Ronnie Especial”, considerado pelo apresentador o melhor de todos os 
seus programas. “Tínhamos uma equipe muito competente: um hoje é autor de novela, o 
Manoel Carlos, outro é o Tuta, dono da Joven Pan, e o outro é o Nilton Travesso, que ainda 
continua na área”, conta Ronnie. “Eles conseguiram me gravar dentro de um avião de 1939, 
eu voando mesmo e eles correndo com uma câmera de oitenta quilos, com 250 metros de 
cabo, no teto de uma Chevrolet Veraneio. Todos eles correndo, enquanto eu decolava, para 
todo mundo ver que aquilo era de verdade. Quando eu pouso tem um padre correndo com 
toda a guarnição da aeronáutica atrás dele, ‘Pega! Pega!’. O padre era o Jô Soares. Aí, eu 
entrava cantando ‘Help’. É surrealista? Não sei, mas é muito criativo”. 
* * *
Depois de lançado Ronnie Von, em 1968, Ronnie dedicou três anos à psicodelia – diluída, 
gradualmente, nos sucessos que culminariam tempos depois em “Cachoeira” de mais um 
de seus discos homônimos, lançado em 1984, clássico da música brega nacional. Com o 
comando da gravadora de volta às rédeas, o momentâneo ex-Pequeno Príncipe teve que 
minimizar sua psicodelia. Seu experimentalismo era considerado “fora de hora”, além-
Tropicália, mas mesmo assim relevante o suficiente para não ser descartado. André Midani, 
o presidente da Philips, pediu para “pegar leve”. “Ele contratou um produtor pra conversar 
comigo, pra diminuir um pouco esse ritmo da maluquice toda e tal, e eu diminuí mais ou 
menos”, conta Ronnie. 
Em 1969 lançou A misteriosa luta do reino de Parassempre contra o império de Nuncamais. 
O título, inspirado na infância do músico, e a capa, uma ilustração detalhista, não negam a 
influência psicodélica. Nem o título da primeiramúsica: “De como meu herói Flash Gordon 
irá levar-me de volta a Alfa Centauro, meu verdadeiro lar”. Mas, musicalmente, o disco veio 
bem mais pé no chão – “Flash Gordon” é uma música simples -, até por conta de crises de 
criatividade. Arnaldo Saccomani admite que houve uma certa falta de originalidade. “O 
primeiro LP foi a base de tudo, mas no segundo foi algo meio ‘nós temos que continuar 
RONNIE VON | 21
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22 | PS ICODELIA BRASILEIRA
sendo diferentes’. Enquanto que no primeiro disco tinha sido uma necessidade musical 
e trabalhamos com a nossa intuição, no segundo já tentamos seguir a mesma linha, 
arranjando tema”. 
Com um visual bem menos psicodélico, em abril de 1970 Ronnie lança A máquina voadora. 
A capa, uma foto sexy que exalta os belos traços e olhos verdes do rapaz já escancara a 
volta aos braços das fãs. O disco não nega as origens rock´n roll, com canções como “Viva 
o chopp escuro”, mas se concentra nas canções românticas. Repaginadas e com um toque 
psicodélico, claro, mas já bem dissolvidas no que viria depois.
Gradativamente, Ronnie Von voltou a ser o que era, mas com “mais credibilidade e 
dignidade”. Se antes o astro era visto como comercial e simplório, depois do surto 
conceitualmente lisérgico ele foi reconhecido como popular, sim, mas também antenado 
Capa do disco de 1968
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na vanguarda. Passaram-se os anos e o que encalhava nas prateleiras começou a ser 
disputado a tapa por colecionadores. Os discos da trilogia, especialmente o de 1968, são 
considerados relíquias da música brasileira e ganharam status de lenda – especialmente por 
todo o contexto em que foram produzidos. Quase quarenta anos depois de lançados, com 
a popularização dos downloads, houve um súbito sucesso – Ronnie passou a ser objeto 
de culto não só nos colecionadores antenados na psicodelia nacional, mas também, entre 
a molecada. Em 2007, a gravadora Universal, que herdou o acervo da Philips, aproveitou 
o entusiasmo para lançar um box com o disco de 1968 – inexplicavemente, com a faixa 
“Bar Íris” suprimida - e, para tristeza de Ronnie, com o odiado primeiro disco. No mesmo 
ano, Ronnie ganhou um tributo musical e foi regravado por várias bandas independentes, 
na coletânea virtual “Tudo de novo”, organizada pela jornalista Flávia Durante, que explica 
como foi o processo: “A idéia surgiu na comunidade sobre o cantor que criei no Orkut 
em 2004. Selecionei as bandas, cobrei a entrega dos prazos, revisei os textos, separei os 
contatos, procurei um servidor gratuito, implorei aos amigos por um design na brodagem... 
Por isso demorou tanto pra sair. O site Recife Rock ofereceu a hospedagem e o belo design 
foi feito pelo gaúcho Gabriel Von Doscht, que também participa do tributo com a banda Os 
Vilsos”. Hoje, triunfante – e cansado, de tanto dar entrevistas para a mídia abruptamente 
interessada em sua fase psicodélica -, ele diz: “a importância desses discos é que eu 
consegui me vingar de todo mundo”. 
RONNIE VON | 23
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24 | PS ICODELIA BRASILEIRA
POR FAVOR, 
SUCESSO
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INTRODUÇÃO | 25
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26 | PS ICODELIA BRASILEIRA
io de Janeiro, início da década de 70. A Praça Nossa Senhora da Paz, 
em Ipanema, estava lotada por uma multidão em polvorosa, com 
todos os olhares voltados para uma única direção: um palco, de onde R
cinco marmanjos cabeludos, com 20 anos de idade mal completados, comandavam um 
verdadeiro espetáculo. O som que saía das caixas e arrebatava o público pelos ouvidos 
tinha uma personalidade própria – era criativo e tecnicamente rebuscado, algo entre um 
rock’n’roll atrevido e o tropicalismo pulsante, acompanhado por letras que cantavam sobre 
o sucesso, lírios, planadores e impressões digitais. Autenticamente psicodélico. 
De repente, um delegado aparece e manda parar tudo porque ali só tinha maconheiro; 
a apresentação acabou sendo interrompida, apesar dos protestos do povo indignado. 
Cazuza estava lá e este foi o show que mudou sua vida, conforme ele mesmo teria dito ao 
guitarrista-base do quinteto, tempos mais tarde. “Ele falou pra mim que, quando viu a gente 
tocar ali, decidiu que era isso o que queria fazer”, lembra hoje o músico cinqüentão, que 
naquela época provavelmente não tinha a menor idéia de que sua banda estava prestes a 
parir um novo gênero musical: o rock gaúcho. 
Em alta fidelidade,
Eu vejo você,
Você nem ouviu,
O meu novo LP,
Estéreo, estéreo, Sou Planador, 
Aéreo
(Trecho de “Planador”, do disco Por Favor Sucesso, de 1969)
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L IVERPOOL | 27
Os tais marmanjos cabeludos que deslumbraram Cazuza naquele dia eram Fughetti 
Luz, Pekos, Edinho Espíndola e seus primos, os irmãos Marcos e Mimi Lessa. Juntos eles 
formavam o Liverpool, grupo que tinha suas raízes encravadas em Porto Alegre, mais 
precisamente no bairro operário do IAPI, na zona norte da cidade: “Era um bairro feito pelo 
Getúlio Vargas, parecia uma coisa inglesa. Super dividido, arrumadinho, campo de futebol, 
sede de clube, árvores, tudo organizado”, lembra Mimi, o caçula, que na verdade se chama 
Milton. Filhos de um alfaiate que adorava cantar, netos de um compositor e sobrinhos de 
um músico profissional que tocava cavaquinho, ele e Marcos cresceram encantados com as 
serenatas que rolavam na sala de casa e começaram logo cedo na música. Aos 12 anos de 
idade, Mimi já ganhava seu primeiro dinheiro dando aulas de pífaro – um tipo de flauta – 
para os colegas de escola. Adolescentes, tocavam juntos na banda The Best: “Daí para fazer 
o Liverpool foi um pulo. Houve uma passeata muito famosa em São Paulo da MPB contra 
a guitarra e aquilo despertou a gente. A gente tocava violão e, quando veio a guitarra, 
queríamos ter uma”, conta Marcos.
O começo do Liverpool no bairro do IAPI, em Porto Alegre
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28 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Quando o The Best acabou, em meados da década de 60, Mimi foi convidado a tocar em 
outros dois grupos: “Um me oferecia guitarra Fender, não sei o quê, e o outro me oferecia 
fazer o que eu queria”. Ficou com o segundo, o tal do Liverpool, mas com a condição de levar 
consigo o crooner Marco Antonio Luz, seu vizinho de rua. Vítima de paralisia infantil, o garoto 
era conhecido como Fughetti e havia acompanhado Mimi em um festival, na época em que já 
“metia a cara e queria estar onde havia música”, como diria, anos mais tarde, em depoimento 
ao livro Fughetti Luz - O rock gaúcho, de Gilmar Eitelvein. “Ele tinha dificuldade de cantar 
numa banda porque tinha uma deficiência física, então os caras não davam oportunidade 
pra ele. Ainda mais em Porto Alegre, uma cidade onde louco é muito louco e careta é muito 
careta”, explica Mimi, que não demorou muito para tomar o Liverpool para si: seu irmão logo 
entrou na brincadeira e os integrantes originais, enrascados em problemas com drogas, foram 
expulsos para dar lugar ao primo Edinho e ao amigo Vilmar Santana, o Pekos.
* * *
Descobrir o rock não era tarefa das mais fáceis naqueles tempos e Porto Alegre, apesar de 
capital, ainda era provinciana. Os discos internacionais chegavam lá mais atrasados do que 
no Rio de Janeiro ou São Paulo, então o jeito eraconhecer alguém que trouxesse os LPs 
direto do exterior. “A gente escutava ‘Olha, fulano de tal toca um monte de Led Zeppelin, 
vamos na casa dele’, e íamos na casa do cara pra ouvir o vinil do Led Zeppelin. Traziam de 
fora e a gente corria nas casas das pessoas pra saber, ‘olha o que saiu, o Emerson Lake 
and Palmer, progressivo, ritmo composto’, aquilo foi enlouquecedor”, lembra o mais novo 
dos irmãos Lessa. Com o rock’n’roll ainda embrionário no Rio Grande do Sul, sem espaço 
nenhum na televisão ou no rádio, bandas como o Liverpool acabavam apresentando seus 
covers de Cream, The Who, Beatles, Rolling Stones e The Birds, entre outros, nos clubes e 
bailes da cena underground.
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Com Fughetti nos vocais, Edinho na bateria, Pekos no baixo, Mimi na guitarra e Marcos 
na guitarra-base, todos ainda adolescentes, o grupo mergulhou num circuito incansável 
de festas e domingueiras que apresentavam quatro ou cinco atrações seguidas, sendo 
que cada uma delas, por sua vez, passava por vários locais diferentes na mesma noite. “A 
cidade toda entrou num clima assim, era quase uma competição saudável entre a moçada. 
Tinha um mercadinho, você ficava tocando, dava um dinheirinho. Isso ainda na época 
do sonho, achava que lá era a Califórnia!”, conta Mimi. Para se diferenciar dos outros, o 
Liverpool incluiu em seu repertório canções brasileiras, principalmente as tropicalistas. No 
livro de Gilmar Eitelvein, Fughetti afirma que gravava Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton 
Nascimento e Edu Lobo direto da transmissão dos grandes festivais na televisão. No dia 
seguinte, já ensaiava com os companheiros as músicas na língua materna, enquanto o resto 
dos jovens preferia as letras em inglês: “Lutei pra cantar em brasileiro (sic) quando queriam 
que eu cantasse em inglês música de outros. (...) Eu procurei fazer a minha parte, descobrir 
como se faz rock’n’roll em brasileiro usando nossas gírias, nossas palavras”.
O Liverpool passou a lotar bailes e festas toda semana com arranjos próprios criados para 
os sucessos do tropicalismo, sempre trazendo alguma novidade para agradar ao público 
cada vez mais fiel. E foi nesse momento que a banda decolou de vez: a espontaneidade com 
que tocavam em cima do palco, as batidas dançantes e sua característica levada tupiniquim 
rapidamente garantiram a conquista de um espaço cativo na cena da contracultura gaúcha. 
“A ascensão do Liverpool foi meteórica, em 68 já era uma banda muito conhecida em Porto 
Alegre. A gente tocava na televisão num programa de sábado [o GR Show, apresentado por 
Glênio Reis no canal 12] e também no interior do estado”, recorda Marcos Lessa. A primeira 
grande consagração dos garotos veio com a vitória no II Festival Universitário de Música 
Popular, em que apresentaram “Por favor sucesso”, escrita por Carlos Hartlieb. O prêmio? 
Participar do IV Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro.
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30 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Procurei você pelo mapa da cidade,
Perguntei seu nome.
E quilômetros depois eu te perdi.
Por favor,
Estou muito assustado,
Com você
Ouça essa nova música,
Música aaaaaa.
Que será sucesso durante um mês.
(Trecho de “Por favor sucesso”, do disco de mesmo nome, de 1969)
“Foi a maior vaia que tomei na minha vida”, afirma Marcos sobre o show no ginásio do 
Maracanãzinho, o primeiro que o Liverpool faria longe dos palcos gaúchos, já em 1969. 
Apesar da recepção negativa do público, a sonoridade original de “Por favor sucesso” se 
destacou no FIC e o grupo foi convidado pelo selo Equipe para gravar seu primeiro LP. 
Este foi o momento em que, motivados pela composição de Hartlieb, os meninos sentiram 
definitivamente a necessidade de largar os covers e fazer suas próprias músicas. Com a 
mesma fusão de influências tropicalistas e roqueiras de antes, as pirações e viagens musicais 
que recheariam o disco começaram em Porto Alegre, numa casa de madeira alugada na 
periferia, no bairro Sarandi: “Era uma bagunça, uma loucura, não tinha nada lá dentro. A 
gente só ia lá pra ensaiar, fazer sacanagem com as meninas e compor nossos trabalhos 
autorais”, conta o guitarrista, que era o principal arranjador da banda. 
O cantor, por sua vez, assumia também o papel de compositor e escrevia a maior parte 
das letras, enquanto os outros integrantes se concentravam mais na harmonia de seus 
instrumentos. Em geral, no entanto, as criações eram resultado de um trabalho conjunto 
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de todo o grupo, já em sintonia com o estilo barroco que marcou o movimento do 
psicodelismo na música universal. Segundo Mimi Lessa, a ligação deles com as outras 
bandas psicodélicas da época estava na forma de compor as canções: da construção 
da introdução até as pontes, o formato, o acabamento, tudo era pensado nos mínimos 
detalhes, como se fossem verdadeiras obras. Para Fughetti, as diferenças de gostos entre 
eles foram essenciais para a riqueza musical do repertório: “Mimi era mais MPB, eu mais 
rock’n’roll, Edinho e Marcos mais jazzistas, (...) era uma soma”, comenta o vocalista no livro 
de Eitelvein.
Do refúgio no Sarandi, os jovens músicos seguiram direto para os estúdios do Rio de 
Janeiro, finalmente saindo de baixo da barra das saias de suas mães para viverem sob as 
asas da gravadora, num condomínio na Barra da Tijuca: “Na época eles apadrinhavam, 
eram mãezona, te pagavam hospedagem, te botavam num apartamento pra você morar, 
pagavam diária pra você comer, colocavam você nos festivais, levavam maestro”, explica 
Mimi. “A gente era moleque e eu nem sabia quanto era a conta da Light, porque sempre 
tinha um empresário que pagava. Não era o meu departamento, eu não tinha que cuidar 
disso. Era muito bom, muito feliz. Só música, saca, e loucura”.
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32 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Olhai, olhai,
Os lírios dos campos,
Olhai, olhai,
Vossos filhos tombando no asfalto.
Olhai, olhai,
A vitrina, menina dos olhos,
Olhai...
(Trecho de “Olhai os lírios do campo”, do disco Por Favor Sucesso, de 1969)
O primeiro disco do Liverpool, Por Favor Sucesso, foi lançado em 1969 pelo selo Equipe, 
com músicas dos amigos Carlos Hartlieb, Laís Marques e Hermes Aquino, além de criações 
próprias do grupo – “as mais ingênuas são as nossas”, comenta Edinho Espíndola. O 
jornalista, produtor musical e fanático por pérolas do psicodelismo brasileiro Fernando Rosa, 
mais conhecido como Senhor F, escreveu na revista Show Bizz que o LP “reúne um conjunto 
de ótimas composições, com instrumental acima da média e letras inteligentes e expressivas 
do cotidiano da juventude da época. Destacam-se (...) as ultra-psicodélicas ‘Olhai os lírios 
do campo’, ‘Impressões digitais’ e ‘Voando’, todas com um impressionante trabalho de 
guitarra – com distorção no talo e harmonias rebuscadas”. Para ele, o grupo que transitava 
“na fronteira do tropicalismo com a psicodelia universal” contava com “um dos mais 
importantes e menos valorizados guitarristas do rock nacional”; influenciado por Santana, 
Mimi Lessa era, na avaliação de Senhor F, “da estirpe de Lanny Gordin e Sérgio Dias, (...) 
brilhante no disco e mais ainda nos memoráveis e, digamos, coloridos shows que a banda 
promoveu”.
Terminadas as gravações, o Liverpool invadiu as noites cariocas como uma novidade 
incômoda para as alas mais tradicionais da MPB. “Tocamos na Sucata, na Lagoa, onde só 
faziam shows artistas consagrados, mas eles tinham um certo preconceito com guitarra 
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e cabeludo”, conta o baterista Edinho. As ousadias sonoras de Mimi definitivamente não 
passavam desapercebidas naquela cena: “Os caras da MPB nos achavam uns babacas, 
mas eles eram caretas pra gente. Pô, o Milton Nascimento... eu me lembro dele tocando 
viola antes do nosso show, tomando um litro de conhaque, bêbado. E eu que era careta. A 
Elis era maravilhosa, mas era uma careta, a gente não se identificava com aquilo”, explica 
o guitarrista. Seja como cabeludos viados ou alienados políticos, os meninos gaúchos 
encontraram-se imediatamente deslocados no início de suas carreiras longe de casa; como 
diz o caçula dos irmãos Lessa, “não era fácil usar aquele cabelo”. 
Apesar das dificuldades de se fazer um rock’n’roll original no Brasil no começo dos anos 
70, o Liverpool alcançaria seu auge impulsionado por outros projetos que seguiram o 
lançamento de Por Favor Sucesso. Ainda bancados pela Equipe, eles foram os responsáveis 
por toda a trilha sonora do filme Marcelo Zona Sul, um cult da época. Logo depois, foram 
convidados a participar em Porto Alegre do Som Livre Exportação, um programa da Rede 
Globo que reunia artistas como Ivan Lins, Gonzaguinha, Elis Regina, Som Imaginário e César 
Costa Filho, entre outros. “Era a nata da música brasileira e a gente arrasou”, afirma Marcos 
Lessa. O sucesso da apresentação no Rio Grande do Sul resultou num contrato fixo, ou seja, 
em uma exposição constante na televisão que acabou por projetar a banda num cenário 
nacional. No livro Fughetti Luz – O rock gaúcho, Gilmar Eitelvein escreveu sobre a atuação 
O Liverpool no seu auge; à direita, a banda no programa Som Livre Exportação
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34 | PS ICODELIA BRASILEIRA34 | PS ICODELIA BRASILEIRA
no programa: “Os músicos viajaram por todo o país, ampliaram seu público, conviveram 
com grandes nomes da MPB, tornaram-se amigos íntimos dos Mutantes e desbundaram”.
Em 1971, com o nome de Liverpool Sound, o quinteto trocou de gravadora e lançou um 
compacto simples, produzido por Nelson Motta, com as músicas “Fale” e “Hei menina”, que 
chegou a tocar bastante nas rádios. “O Nelsinho é um cara sedutor e conseguiu que a gente 
fosse para a Phillips. E nessa época nós ficamos muito mais rebeldes”, recorda Mimi. Num 
momento em que a juventude reprimida pela ditadura militar e pela sociedade conservadora 
brasileira buscava se refugiar nos ideais libertários do movimento hippie, o que aconteceu 
com os cinco rapazes do IAPI não foi diferente: “A gente participava ativamente, tinha 
uma postura psicodélica, achava que a mudança do mundo viria por paz e amor, e nossas 
músicas começaram a refletir isso”, explica o guitarrista-base da banda. 
Para ele, um dos shows mais especiais daqueles tempos foi o Liverpool Sounds & Sons, no 
teatro Leopoldina, em Porto Alegre. Além de reunir recursos audiovisuais, como filmagens 
do quinteto em lugares da cidade onde cresceram, o espetáculo foi um dos melhores 
exemplos do que eles eram capazes de fazer em cima de um palco, tocando com uma 
afinidade incrível, quase que por telepatia. “A gente começava com uma levada que não 
tinha combinado e aquilo virava uma evolução enorme”, descreve Marcos. “Quando 
começou o psicodelismo mesmo, tocávamos várias versões da mesma música no mesmo 
show. A gente tava muito doido, queria se expressar e não importava mais nada”.
Se no resto da cena underground do Brasil a banda já era disputada, na capital gaúcha 
era fácil ficar mais gente para fora das apresentações do que para dentro. Lá o Liverpool 
era muito querido e lotava os lugares com fãs orgulhosos, afinal, eles eram os guris que 
representavam o Rio Grande do Sul em todo o país. “Nós tínhamos uma base familiar 
muito forte”, afirma Mimi Lessa. “Mas aí começamos a desbundar muito, a fumar, a fazer 
experiências com drogas, LSD, coisa que no Sul a gente não fazia”.
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INTRODUÇÃO | 35INTRODUÇÃO | 35
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36 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Eu sei
Tanta coisa, eu sei,
Se você não sabe é melhor saber,
Venha me dizer
(Trecho de “Tão longe de mim”, do disco Por Favor Sucesso, de 1969)
Este foi o começo do fim para o grupo: apesar do relativo sucesso que haviam alcançado, 
o disco de 69 não vendeu bem e eles ainda se desentenderam com a Globo quanto aos 
rumos a serem seguidos no Som Livre Exportação. Acabaram perdendo o contrato com o 
programa e também com a Phillips. A verdade é que, jovens e ingênuos, os músicos não 
tinham muito controle sobre sua carreira e acabaram totalmente duros, sem a grana da 
gravadora para continuar vivendo em Copacabana. O jeito foi morar por alguns meses em 
Nova Friburgo, para tentar criar um material novo – através de um conhecido, Carlos Kohler, 
a banda se mudou para um sítio onde antes existia uma comunidade hippie, que serviu de 
cenário para o filme Geração Bendita em 1970.
Os contatos feitos no Rio de Janeiro, com pessoas e artes bem diferentes das conhecidas 
em Porto Alegre, haviam aberto a cabeça dos gaúchos para as viagens por meios químicos, 
especialmente a maconha e o ácido lisérgico. Para Marcos, pessoalmente, aquilo foi um 
despertar, um encontro com Deus. Seu irmão concorda que as drogas permitem uma 
percepção para enxergar algo que não é possível ver logo de cara: “Você pode fazer uma 
coisa incrível mas, quando passa o efeito, toda aquela cor volta a ser preto e branco. 
É depressivo, muitas pessoas não voltam... e nós entramos de cabeça nisso”, explica o 
guitarrista. “O Pekos, por exemplo, era totalmente careta, só queria as gatinhas. ‘Tô bonito, 
tô cheiroso, tô gostoso’, as gatas voavam em cima. Mas aí um dia ele fumou um forte e 
entrou na viagem, mudou radicalmente. Começou a escrever, a fazer uma afinação diferente 
no violão, tocava uma gaita, pirou”.
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A rotina natureba em Friburgo consistia, basicamente, em tomar banhos de cachoeira 
pelados e criar música o tempo todo. “Era bem afastado, não tinha nem luz. Para ensaiar a 
gente ia num outro sítio, onde tínhamos um equipamento muito bom, igual ao dos Beatles, 
um dos melhores na época”, lembra Edinho. “Ficava tudo num celeiro, tinha que tirar o 
cocô de vaca, limpar, e aí fazíamos o maior som”. O único meio de contato dos garotos 
com o mundo civilizado era uma Kombi, que os levava para as cidades próximas onde 
se apresentavam de vez em quando. Lá na serra, o baixista Pekos vivia numa espécie de 
mantra: ia para a cachoeira de manhã, voltava, pegava o violão e a gaita, ficava o resto do 
dia tocando. 
“Era um processo de loucura e você ia enlouquecendo junto. Eu detestava, sou urbanóide, 
coca-cola. Aquilo quase me deprimia e pra banda também não foi bom”, afirma Mimi. Certa 
noite, Pekos foi para a cachoeira e não voltou. Em seu quarto, os amigos encontraram seu 
baixo e todas as letras que havia escrito, junto com um bilhete explicando que tinha ido 
embora porque não agüentava mais. “Pegou o violão, a mochila, uma roupa, deixou toda 
aquela vaidade, coisa de hippie mesmo, e se mandou”, conta o guitarrista. “Voltou 45 dias 
depois, sem ninguém saber onde ele andava. Magro que nem um mendigo, preto de sol, 
sujo, e o olho lá no fundo, meio maluquete. E comeu, comeu, comeu”.
Nesse meio tempo, os outros quatro integrantes do Liverpool foram parar na cadeia de 
Nova Friburgo. O estilo de vida que se levava naquele sítio, desde a época das filmagens 
de Geração Bendita, incomodavaa vizinhança conservadora. “Era um movimento hippie 
autêntico, mas eles não entendiam, achavam que a gente estava fazendo a revolução. Era 
uma revolução cultural, criticávamos a falsa moral da sociedade em relação ao capital e 
a várias outras questões”, explica Marcos. Os gaúchos foram avisados de que a polícia ia 
bater lá um dia, e realmente bateu: como não encontraram nada, forjaram meio quilo de 
maconha na casa e prenderam todo mundo. Na delegacia, fizeram com que os músicos 
assinassem uma nota de culpa e, até os empresários lá do Sul aparecerem para ajudar, um 
mês se passou.
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38 | PS ICODELIA BRASILEIRA
“O que me salvou foi justamente a música. Eu tocava uma flauta de bambu, tocava samba, 
fizemos amizade, éramos os caras intocáveis”, relembra Edinho. Justamente nesse período, 
o baixista Pekos voltou de suas andanças e o juiz concedeu uma licença para a banda 
realizar dois shows que já estavam marcados, sempre com a escolta da polícia, é claro. Os 
garotos ainda foram a julgamento e acabaram sendo absolvidos: “Provaram nossa inocência 
porque o fumo estava deteriorado, mofado, se fosse nosso não estaria assim”, explica o 
baterista. “Isso foi uma coisa muito louca, que nos deu uma outra visão, aí viemos embora 
para o Sul. Chega de se aventurar, vamos voltar pra estrada, pra metrópole”.
No entanto, o retorno a Porto Alegre não foi suficiente para que o Liverpool superasse o 
baque sofrido em Nova Friburgo. O quinteto fez algumas apresentações na capital gaúcha, 
mas não agüentou segurar a barra do desbunde em plena ditadura militar. “O Pekos voltou 
a tocar e a ser louco de novo. Começou a se drogar, vendia fumo, e nós meio que junto. 
Aí ainda prenderam os roadies com a nossa Kombi cheia de maconha, a polícia foi na casa 
dos meus pais e disse ‘Senhora, vaza que isso aí...’”, conta Mimi. Cabeludos e loucões, os 
músicos passaram a ser perseguidos o tempo todo, acusados até de corrupção de menores 
– “era uma loucura, porque eu era menor também!”, afirma Edinho. “Foi ficando muito 
difícil continuar tocando. A gota d’água foi a gente assim, reunidos pra ver como seriam os 
cartazes do show, de repente a polícia invade tua casa, fomos algemados a coronhadas. E 
pô, que loucura, só porque tô fazendo música, não sou bandido”. Pela primeira vez desde 
que começaram a tocar juntos, os cincos garotos se separaram e cada um seguiu seu 
caminho.
* * *
Edinho e seus dois primos voltaram para o Rio de Janeiro, Pekos ficou no Sul e Fughetti se 
mandou com a esposa de navio para a Europa, onde iria conferir ao vivo e a cores tudo 
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aquilo que havia escutado em seu quarto no IAPI. Entretanto, não demorou muito para 
os amigos voltarem a se aproximar, pouco a pouco: em 1973, Mimi e Edinho estavam em 
Porto Alegre visitando a família, quando resolveram fazer uma jam session para tirar algum 
dinheiro. Chamaram Pekos e o guitarrista Zé Vicente Brizola, filho do político Leonel, e 
lotaram o Clube da Cultura, no bairro Bom Fim, como lembra Mimi: “A gente ainda tinha 
um nome por lá. Então peraí, vamos ganhar mais um dinheirinho, mais uma semana aí”. 
Junto com outro músico local, Cláudio Vera Cruz, eles passaram a se apresentar no circuito 
underground da capital gaúcha mostrando um rock bem diferente dos tempos de Liverpool, 
mais progressivo, pesado e denso, com influências como Rolling Stones, Yes e Pink Floyd; 
assim começava a história do Bixo da Seda.
Não espere por ninguém,
Venha logo sentir o sabro de ser;
Chore ou ria é com você,
Isso é como teria que ser
Apesar do interesse gerado no Rio Grande do Sul, a nova banda ainda era muito inconstante 
e Mimi resolveu voltar ao Rio de Janeiro, onde tocava com outros dois grupos. Mas não 
deixaram: “A mulher do nosso empresário foi me buscar porque eu tinha um contrato para 
cumprir, senão ia ter problema de justiça”, explica o guitarrista. “Eu disse ‘meu deus, então 
eu vou, mas só se meu irmão for também!”. Marcos, que naquela época já criava uma 
filha pequena no Rio, topou a idéia e embarcou junto com o irmão num ônibus para Porto 
Alegre. Chegando lá, foram direto para o ensaio e depois para a casa da mãe; só tiveram 
tempo, porém, de tomar banho e jantar, pois quando terminaram de comer já havia um 
ônibus parado na porta, esperando para levá-los ao tal compromisso contratual: um festival 
de rock no balneário de Praia de Leste, no Paraná.
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“Nesses festivais grandes, Woodstocks brasileiros, todo mundo tomava ácido e fumava 
baseado, e nessa época a Rita Lee se apresentou com o Tutti Frutti”, lembra o mais velho 
dos irmãos Lessa. Além da ex-Mutantes, também tocaram na ocasião o Terço e o Som 
Nosso de Cada Dia, enquanto o Bixo da Seda estava lá para representar o Rio Grande do 
Sul. Segundo Mimi, o público não gostou muito das outras atrações: “A Rita e o Terço 
chegaram com aquelas coisas progressivas e nós chegamos com uma batida diferente. 
Aquilo era um rock meio dançante, pulsante, e nessa levada desbancamos todo mundo na 
Praia de Leste. Arrebentamos com o lugar, não teve pra mais ninguém, o povo veio abaixo 
quando a gente tocou!”, conta o guitarrista. Mais tarde, no quarto do hotel, os gaúchos do 
Bixo ouviram elogios impressionados de todos os músicos, de Rita Lee e até da empresária 
dela. Mimi, que deveria voltar para o Rio de Janeiro no dia seguinte, foi conversar com seu 
empresário:
Uma das primeiras formações do Bixo da Seda
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- Vocês não podem acabar com essa banda de jeito nenhum! -, suplicou o homem.
- Cara, vocês têm que apresentar o mínimo de condições pra gente fazer isso.
- O que vocês querem?
- Quero uma casa na praia, pra ficar ensaiando até estrear em Porto Alegre! -, respondeu o 
guitarrista.
- Fechado!
Mimi foi para o Rio com o irmão, pegou seu amplificador e se despediu dos companheiros 
de lá. A essa altura, Fughetti já tinha voltado da Europa: “Na Praia de Leste ele subiu no 
palco com uma flauta que tinha trazido, só pra dar uma canja, não era o Liverpool”, explica 
o guitarrista. “E nós levantamos o Bixo da Seda sem ele”; e sem Pekos também. O baixista, 
responsável pelo nome do novo grupo – “não é o bichinho da seda, é tipo ‘me dá a seda, 
pra enrolar o baseado’”, esclarece Edinho –, não havia voltado da viagem no desbunde. 
Mimi Lessa faz uma comparação com os Rolling Stones: Fughetti era como Mick Jagger, 
o homem que estava na frente, compunha, cantava e ficava como autor, enquanto Pekos 
era um tipo Brian Jones, que permanecia lá atrás, mas também compondo muito. “Era um 
cara que eu conhecia há anos, confiava, aí ele falava pra mim: ‘Olha, encontrei Paul’ – Paul 
McCartney – ‘lá no fim da linha’, que era um lugar que a gente chamava. Aí pô, você se 
assusta né, ele começou a ficar maluquinho”, recorda Mimi.
Estabelecidos na casa de praia prometida pelo empresário, os irmãos Lessa, Edinho 
Espíndola e Cláudio Vera Cruz mergulharam numa rotina de ensaios e logo estavam 
agitando o circuito musical de todo o Rio Grande do Sul com seu Bixo da Seda. “Estávamos 
mais maduros e tínhamos uma formação de músicas próprias muito forte”, afirma Marcos, que 
assumiu o papel de baixista. “Fazíamos uns shows muito performáticos, mandava uns caras 
fazerem uns grafites atrás, uns cenários do nada, umas selvas com árvores mortas, a gente não 
tinha grana e se virava”. Um artigo do jornal Zero Hora, guardado até hoje pelo baterista do 
grupo, descreveuma das primeiras apresentações na capital gaúcha:
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“(...) tente lembrar, na memória ou na imaginação, uma certa sexta-feira de março de 1975, 
quando Mimi e sua guitarra, Marcos e seu baixo, Edinho e sua bateria, Cláudio Vera Cruz e 
sua guitarra também, quase botaram abaixo o Teatro de Arena, no dia de estréia das Rodas de 
Som [shows coletivos comandados por Carlos Hartlieb]: mais de 200 pessoas se espremendo lá 
dentro, outras 500 berrando para entrar”.
Até o final de 75, Fughetti Luz acabou entrando para o Bixo da Seda e a gravadora Continental 
foi buscar os garotos em Porto Alegre, para gravarem seu primeiro disco; a história se repetia 
como nos tempos do Liverpool. Sem Cláudio Vera Cruz – que saiu da banda após alguns 
desentendimentos –, Mimi, Marcos, Edinho e Fughetti foram para o sítio do ex-Bolha Renato 
Ladeira, em Itaboraí, no Rio de Janeiro, para terminar de criar o material para o LP. O cantor e o 
guitarrista continuaram como os principais compositores: “Eles colocavam as letras na roda e a 
gente ia dando idéia, aí os arranjos pintavam com a banda toda tocando”, descreve o baterista. 
Em 1976, o Bixo da Seda se trancou nos estúdios cariocas para gravar o disco homônimo, com 
Ladeira introduzindo o som do órgão. Na capa, o desenho de um objeto que poderia ser tanto 
um alto-falante quanto um disco voador e, na parte interna, um retrato da casa dos meninos, o 
bairro do IAPI.
Para Mimi Lessa, a gravação não traduz o que a banda realmente era em cima dos palcos: “O 
show do Bixo era pra arrebentar! O Fughetti tinha uma fúria cantando, parecia um trem que 
te levava. Não era uma questão de voz, era uma loucura muito forte, tanto que ele cantava 
três músicas e na quarta já não agüentava mais, de tanto gritar”. O lançamento do LP levou 
o quinteto gaúcho a se apresentar por todo o Sul e Sudeste do país; um dos espetáculos mais 
memoráveis foi realizado num festival em Saquarema, no litoral fluminense, como descreve 
Marcos: “Foi fantástico, começou a chover muito, caíam raios, a gente subiu no palco e a chuva 
parou. O tempo começou a abrir, com arco-íris, a gente tocando num cenário mágico, aquele 
clima maravilhoso... esse show merecia um disco”.
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44 | PS ICODELIA BRASILEIRA
Dali até o final dos anos 70, o Bixo da Seda continuou existindo com a mesma formação do 
antigo Liverpool – exceto pela ausência de Pekos –, familiar e íntima. “Eu como músico só tinha 
tocado com eles, quando toquei com outras pessoas não sentia aquela energia”, explica Edinho. 
“Nós tínhamos uma interação muito grande, de tocar e nem precisar se olhar. Até hoje acontece 
isso”. Para Mimi Lessa, o Liverpool era mais tropicalista, alegre e brasileiro. “Mais nossa infância, 
juventude, puberdade quase, eu mal sabia o que era uma mulher. Era mais sonhador”, descreve 
o guitarrista. “Já o Bixo da Seda era uma porrada, um rock enérgico, pesado, distorcido”.
No livro de Gilmar Eitelvein, Fughetti também compara as duas bandas: “Entendo que o Bixo 
foi o estágio mais evoluído do Liverpool, estávamos chegando aonde queríamos, viajando 
na composição, criando cada vez mais e melhor, trabalhando com compassos quebrados e 
diferentes. O Bixo era mais pesado, mais roll, mais minha praia”. O baterista Edinho lembra que, 
quando ele e os companheiros radicalizaram em sua segunda formação, as pessoas chamavam 
aquilo até de rock tupiniquim. A realidade é que, passados quarenta anos, o Bixo da Seda é 
reconhecido como o principal criador do rock gaúcho, ao lado dos Brasas e dos Cleans.
“Virou um estilo, ‘ah, toca tipo rock gaúcho’. Nós que levantamos essa bandeira, esse rock 
gaúcho quem fez fomos nós!”, exclama Mimi. Apesar do nome, seu irmão Marcos acredita que 
o regionalismo do Sul não influenciou a obra do grupo, mas sim que aquela foi a forma que eles 
encontraram para se expressarem de uma maneira brasileira, com suas próprias composições. O 
certo é que, tanto como Liverpool ou como Bixo da Seda, esses músicos foram os responsáveis 
por abrir as portas do rock para muitas gerações de rebeldes de Porto Alegre e arredores. “Lá 
você tinha aquela educação antiga gaúcha, aquela repressão que acaba virando uma resposta 
contrária, porque a gente queria arrebentar mesmo, [e grita, aaaah]! Nada como o rock para 
poder traduzir isso”, explica Mimi.
Com a chegada da disco music no final daquela década, o rock entrou em decadência e o 
Bixo da Seda foi perdendo o espaço que tinha conquistado. O cantor Fughetti, idealista e mais 
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radical, não aceitava fazer jingles ou trabalhos comerciais, mesmo que não tivesse dinheiro 
para comer. Quando os colegas conseguiram um emprego acompanhando As Frenéticas, ele 
retornou de vez para o Rio Grande do Sul. Mimi, Marcos e Edinho também não agüentaram por 
muito tempo aquela situação, afinal, já eram homens crescidos, cada um com sua vida particular 
e famílias para sustentar. Os irmãos acabaram se estabelecendo no Rio de Janeiro, enquanto o 
baterista voltou a viver na capital gaúcha, onde está até hoje.
O baixista Pekos, por sua vez, não agüentou o tranco do desbunde e morreu no início da década 
de 90. Os outros integrantes continuam mantendo contato e chegaram a se reunir como Bixo 
da Seda em algumas ocasiões. Em 1996, foram convidados pela prefeitura de Porto Alegre 
para se apresentarem na inauguração de um teatro, acompanhados de uma banda marcial de 
colégio – “aquilo parecia um sonho, o público adorou, foi um espetáculo”, afirma Mimi. “Dois 
anos depois, dividimos o palco com o Luis Carlini, porque o Fughetti é louco por ele, ama desde 
criança. E nós lotamos aquilo!”.
Depois disso, o cantor preferiu não voltar mais a se apresentar com o grupo. Em 2006, os irmãos 
Lessa e Edinho Espíndola fizeram alguns shows no Rio Grande do Sul com um substituto nos 
vocais, aprovado por Fughetti. “A gente tem muita história lá, existem várias músicas nossas 
que a galera de Porto Alegre canta e não foram gravadas até hoje, pois não coube tudo no LP”, 
conta Mimi. Ele, Marcos e o primo baterista ainda têm vontade de retomar o trabalho de criação 
para um segundo disco do Bixo da Seda – resta convencer o amigo Fughetti e algum financiador 
para bancar essa viagem psicodélica no tempo.
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46 | PS ICODELIA BRASILEIRA
ALQUIMISTAS 
DO SOM
“O Módulo 1000 era único: uma mistura de peso e 
psicodelia com riffs abundantes, guitarra distorcida, 
órgão com caixa Leslie, sintetizador, baixo firme e uma 
bateria que me lembrava Ginger Baker, do Cream... Tinha 
muitos efeitos. Havia também as inusitadas composições, 
algumas quase monossilábicas, mas cheias de truques. 
Tinha densidade e tensão no som da banda que, aliás, era 
sempre muito bem executado.” 
Nélio Rodrigues, fã do Módulo 1000, que acompanhou as apresentações do 
grupo em meados de 70.
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les eram cabeludos e bradavam, pra quem quisesse ouvir, “como é feia 
uma cabeça sem cabelos”, só que em latim. Influenciados pelo que era 
considerado o melhor do que havia na década de 70 em termosde rock - E
Yes, Led Zeppelin, Cream, o Módulo 1000 começou como a maioria das bandas da época, 
sem muitas pretensões, e logo se tornou um dos maiores representantes do rock setentista 
brasileiro. Som pesado e apresentações performáticas renderam aos cariocas o apelido de 
Black Sabbath tupiniquim. Comparações e classificações à parte, a história é simples, mas os 
detalhes são a alma do negócio – assim como o som.
“Ipso facto, 
Ipso facto
Turpe est sine crine caput”
(Letra de “Turpe est sine crine caput”, do disco Não Fale Com Paredes, lançado em 1971)
Daniel Romani, guitarrista carioca e então jovem desbundado, apostava todas as suas 
fichas na carreira musical. Depois de algumas tentativas musicais em forma de bandas que 
levavam outras nomenclaturas, formou Os Quem, uma homenagem ao grupo inglês The 
Who, com alguns companheiros ideológicos, entre eles Eduardo Leal – vizinho e parceiro 
de jogos de botão. Convidado para integrar Os Quem junto com Armando (bateria), ele 
aceitou o desafio imposto pelo amigo de longa data e mergulhou nos estudos exigidos 
por seu novo instrumento - estava aprendendo a tocar violão; logo passou para a guitarra, 
mas como o próprio Daniel assumia esta responsabilidade, resolveu se aventurar por outras 
cordas. Descobriu o contrabaixo.
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Tudo era muito precário, afinal, eram rapazes latino-americanos sem dinheiro no bolso, sem 
parentes importantes, que embarcaram na viagem da música. Não tinham equipamento. 
Não tinham grana para sustentar seu próprio sonho. Fabricavam guitarras e vendiam aos 
clientes menos experientes. Renderam-se aos bailes e às apresentações cheias de covers com 
o intuito de evoluírem financeiramente e assim bancar sua originalidade. Mudaram de nome. 
Os Quem viraram Código 20 e com a alcunha ganhando prestígio pelos clubes cariocas, 
incluíram mais um integrante a esta formação: Paulo César Willcox, o Zé Bola, vibrafonista. 
Tocavam, até então, com equipamento emprestado, bancado pelos empresários das noitadas 
de baile. Foi nessa época, em 1968, que participaram de um concurso para bandas amadoras 
da TV Globo. Estavam em jogo quatro apresentações no programa do Paulo Silvino e, o 
mais importante, aparelhagem e instrumentos para uma banda completa. Aproveitaram a 
oportunidade única e providencial, mas na hora H, um imprevisto: “Os empresários compraram 
os instrumentos para nós e em troca dávamos a grana dos bailes para eles. Só que chegou um 
ponto em que o dinheiro era muito pouco e não tinha o que repassar. Não pagávamos o que 
tínhamos combinado. Na véspera do festival fomos ensaiar e, quando íamos começar, eles 
chegaram e confiscaram tudo. Fomos sem ensaiar mesmo!”, lembra Eduardo Leal. Mais do 
que enturmados, afinal, apresentavam-se com freqüência, os meninos não se deixaram abalar 
e seguiram para o concurso. Era a tábua de salvação. Na apresentação final, no programa 
do Chacrinha, uniformizados com terninhos caretas, tocaram como se fosse a última coisa 
a ser feita antes de morrerem. “Tequila”, dos Champs, foi a canção escolhida e no meio da 
apresentação, Willcox deixa o vibrafone para atacar dois tímpanos de orquestra, duelando com a 
bateria ferozmente. O inesperado funcionou e dentre milhares de jovens concorrentes acabaram 
levando vantagem. Como em um sonho, resolveram seu maior problema. Arrebataram o 
primeiro lugar, status, contatos e de quebra a carta de alforria – a aparelhagem.
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50 | PS ICODELIA BRASILEIRA
“Uma pessoa é uma figura,
É uma imagem,
Numa moldura”
(Trecho da letra de “Não fale com paredes”, do disco homônimo lançado em 1971 )
Cândido Souza Farias, o Candinho, assume as baquetas no lugar de Armando. Começaram 
então uma nova fase, investindo em técnica e profissionalismo. Amadureceram. Em 1969, 
graças aos contatos herdados da vitória anterior, foram contratados para vir a São Paulo 
tocar em uma boate chamada Catraka. “As condições eram muito boas. Teríamos casa com 
piscina, jardim, mulheres... o dinheiro era bom”, conta Daniel. Acharam em Luiz Paulo Simas a 
peça que faltava para o quebra-cabeças: um tecladista. “Eles precisavam de um tecladista pra 
cumprir o contrato em São Paulo, eu tinha um órgão Eletrocord e estudava arquitetura, mas 
queria largar. Foi a deixa. Entrei para o grupo”, conta Luiz Paulo. Malas prontas e mais uma 
pedra no caminho: o nome, mais uma vez, teve que ser trocado. Havia na capital paulistana 
o Código 90, o que fez o Código 20 deixar de existir e dar a vez para o Módulo 1000, 
homenagem à paixão pela corrida espacial de Daniel. Deixaram a Cidade Maravilhosa rumo à 
Terra da Garoa, onde a banda, com nova formação, começou sua carreira de verdade. 
* * *
Mesmo profissionalizados, a base dos shows do Módulo 1000 ainda eram os covers. Entrava 
no setlist o que fazia sucesso na época, como Beatles, Stones, Hair e Hendrix. Daniel, 
Eduardo, Luiz Paulo, Candinho e Zé Bola contavam ainda com um toque especial, a voz 
feminina de Mirna, irmã do guitarrista, que assumiu por um tempo o papel de crooner da 
banda. “Naquela época a gente fazia dois tipos de som: um para os clientes da boate e, 
paralelamente, fazíamos o nosso som, com nossas composições”, conta Eduardo. A 
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MÓDULO 1000 | 51
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52 | PS ICODELIA BRASILEIRA
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sede pelos arranjos próprios distanciava o pensamento de Willcox do resto do grupo. O 
vibrafonista percebeu que estava perdendo espaço e deixou o Módulo 1000 logo após sua 
participação no V Festival de MPB da Record, em 1970, onde defenderam novamente a 
quebradeira latina de “Tequila”, desta vez sem o uniforme careta.
O mais novo quarteto da praça era um sucesso na capital paulista. Incluíam discretamente 
algumas composições próprias no repertório de baile e sentiam-se cada vez mais seguros, 
afinal, a aceitação era boa. O espaço no mercado ia sendo conquistado aos poucos. 
Começaram a fazer seus famosos bailes-shows de quatro horas em outros lugares. Rodaram 
o litoral paulistano e chegaram a tocar no Círculo Militar para uma platéia alvoroçada de 
mais de 5 mil pessoas. Incitados por uma jovem dupla de compositores, Sérgio Fayne e 
Vitor Martins, os rapazes participaram de uma audição para a seleção de um novo cast da 
gravadora Odeon. Assinaram seu primeiro contrato em 1970 e gravaram algumas canções 
próprias, hoje renegadas, seguindo o conselho dos produtores responsáveis – uma coisa 
mais leve, com influências da MPB. Com a confiança dos figurões da Odeon ganharam mais 
liberdade na hora de produzir. “Ferrugem e Fuligem”, faixa do LP Posições – um compilado 
com outros companheiros de selo: Som Imaginário, Tribo e Equipe Mercado, trouxe uma 
levada mais pesada, um Led Zeppelin com batidas de jazz, explicitando de vez o gosto 
musical do grupo.
* * *
A quinta edição do Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, foi o primeiro 
passo para o cume na trajetória do Módulo 1000 – os shows psicodélicos e a gravação 
do cultuado álbum Não fale com paredes. Convidados a interpretar a canção “Cafuza”, 
composição dos parceiros Martins e Fayne, o grupo voltou à terra natal para defender a 
música no Maracanãzinho lotado. Segundo Daniel, cerca de 30 mil pessoas assistiram a 
apresentação. Apesar da música não ser representante do estilo almejado pela banda, eles 
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