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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI CAMPUS MINISTRO REIS VELOSO - CMRV DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO MAR CURSO DE ENGENHARIA DE PESCA DISCIPLINA: PISCICULTURA PROFESSOR: HAMILTON ARARIPE HIPOFISAÇÃO DE PEIXES REOFÍLICOS ANTONIO LEONILDO DANILO PEREIRA ÉRITA ROCHA KARISSON RODRIGUES PARNAÍBA-PI 2017 2 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 03 2. REPRODUÇÃO NATURAL DE PEIXES REOFÍLICOS ................................................................... 04 3. CONTROLE ENDÓCRINO DA REPRODUÇÃO E SISTEMA HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-GÔNADAS ............ 06 4. REPRODUÇÃO ARTIFICIAL DE PEIXES REOFÍLICOS ................................................................ 11 4.1. Objetivos da Indução e Desova .............................................................................................. 13 4.2. Tipos de hormônios utilizados na indução artificial da reprodução em peixes ................ 13 I. ANTIESTRÓGENOS .................................................................................................................. 14 II. HORMÔNIOS LIBERADORES DE GONADOTROFINAS ....................................................... 14 III. ESTERÓIDES ........................................................................................................................... 14 IV. GONADOTROPINAS .............................................................................................................. 15 4.3. Extração da hipófise ................................................................................................................. 16 4.4. Escolha do Hormônio .............................................................................................................. 18 5. REALIZAÇÃO DA REPRODUÇÃO ARTIFICIAL ............................................................................ 19 5.1. Captura, seleção e transporte de reprodutores .................................................................... 19 5.2. Identificação, pesagem e marcação dos reprodutores ........................................................ 22 5.3. Indução Hormonal ..................................................................................................................... 24 I. Preparação do Hormônio ......................................................................................................... 24 II. Quantidade de hormônios para primeira dose .................................................................... 24 III. Quantidade de hormônios para segunda dose ................................................................... 27 5.4. Desova ....................................................................................................................................... 29 5.5. Incubação dos ovos ................................................................................................................. 33 6. LARVICULTURA E ALEVINAGEM DE PEIXES REOFÍLICOS ...................................................... 35 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 36 3 1. INTRODUÇÃO Segundo Zaniboni Filho & Weingartner (2007) os primeiros trabalhos de indução à desova de peixes reofílicos foram desenvolvidos paralelamente na Argentina (Houssay, 1930) e no Brasil (Ihering, 1935), quando foram obtidos resultados positivos de indução à maturação final e desova de peixes migradores, a partir da aplicação de hormônios naturais presentes na hipófise de peixes maduros. Ainda segundo Zaniboni Filho & Weingartner (2007) passadas as experiências bem sucedidas da equipe de Rodolpho von Ihering, somente foram obtidos resultados expressivos no desenvolvimento de tecnologia da reprodução de peixes migradores brasileiros na década de 1970, com a equipe do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). Zaniboni Filho & Barbosa (1996) citam que até o início de 1990, foram obtidos resultados positivos de indução hormonal a maturação final e desova de vários peixes migradores brasileiros, quer através da hipofisação ou da aplicação de hormônios sintéticos. Segundo Murgas et al (2011) em peixes migradores de “piracema”, mantidos em cativeiro, os estímulos ambientais não estão presentes, sendo necessária a utilização de técnicas de indução do processo reprodutivo, a partir da aplicação de hormônios. 4 2. REPRODUÇÃO NATURAL DE PEIXES REOFÍLICOS Segundo Castagnolli & Cyrino (1986) a grande maioria das espécies fluviais brasileiras, entre outros condicionantes para a reprodução, necessita longas migrações rumo às nascentes dos rios. Piracema, como é denominada essa migração, é uma característica presente nas espécies nobres brasileiras, como o Pacu, Tambaqui, Matrinxã e etc. Murgas et al (2011) citam que as particularidades no comportamento reprodutivo das diferentes espécies estão relacionadas com a possibilidade de se aumentar a sobrevivência das larvas. Isto significa que a desova deve ocorrer em um momento no qual há maior disponibilidade de alimentos e de proteção dos jovens contra os predadores. Zaniboni filho & Weingartner (2007) diz que, entre os peixes migradores de rios tropicais, o início da estação de cheias é o principal período de desova para peixes cujas larvas se alimentam nas planícies de inundação. Huet (1978) afirma que a possibilidade de uma espécie de peixe reproduzir-se naturalmente em cativeiro, foi considerada, durante vários anos, uma característica desejável para uma espécie destinado ao cultivo. Porém, Zaniboni Filho & Weingartner (2007) descrevem que o fato de uma espécie não se reproduzir em cativeiro, durante a fase de engorda, pode ser considerado como uma vantagem, pois permite que a energia fornecida no alimento seja canalizada ao crescimento do corpo, ao invés de direcionada para o desenvolvimento gonadal e comportamento reprodutivo. Alguns peixes, como as Tilápias spp., tornam-se sexualmente maduros em poucos meses, enquanto que outros podem levar anos. A maturação sexual depende de vários fatores: ela pode ser mais demorada em climas frios, enquanto é acelerada em ambientes mais quentes (WOYNAROVICH & HORVÁTH, 1983, p.17). Os peixes que se reproduzem duas ou mais vezes ao ano maturam mais cedo que aqueles com período limitado, isto é, que desovam apenas uma vez ao ano durante uma determinada estação. Os reprodutores de espécies para as quais o período do ano é fator limitante desovam apenas durante uma determinada estação do ano; entretanto, elas podem desovar mais de uma vez durante aquela estação, como no caso da carpa comum. O desenvolvimento das gônadas das fêmeas prossegue até um certo estágio, após o que a gônada permanece dormente até o advento de condições ambientais apropriadas (WOYNAROVICH & HORVÁTH, 1983). As principais diferenças das características reprodutivas entre peixes migradores e não migradores são demonstradas no Quadro I de acordo com Lima et al (2013). 5 Quadro I: Principais diferenças das características reprodutivas entre peixes migradores e não migradores (LIMA et al, 2013). Característica reprodutiva Peixes não-migradores Peixes migradores Ambiente de reprodução Não realizam migrações reprodutivas; A reprodução ocorre no ambiente onde vivem. Realizam migração reprodutiva, com deslocamento do local de alimentação parao de reprodução. Tipo de desova Parcelada. Total. Fecundidade Baixa. Podem ocorrer desovas múltiplas ao longo do período reprodutivo, com liberação de poucos ovos por desova. Alta (grande número de ovócitos produzidos numa desova). Cuidado parental Sim. Não. Tipos de ovos Grande tamanho (até 5 mm de diâmetro). Em contato com a água, após a desova, hidratam-se pouco. Podem ser ovos adesivos ou não adesivos. Tamanho reduzido (<1,5mm). Em contato com a água, aumentam muito de tamanho (grande espaço perivitelino). São ovos livres (não adesivos). Reprodução em cativeiro Em geral, não necessitam de indução hormonal. Necessitam de indução hormonal. Espécies (exemplos) Tucunaré (Cichia spp.), Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), Pirarucu (Arapaima gigas), Apaiari (Astronotus ocellatus), Cascudo (Hypostomus spp.), Traíra (Hoplias malabaricus), Bagre- do-canal (Ictalurus punctatus). Tambaqui (Colossoma macropomum), Caranha ou Pirapitinga (Piaractus brachypomus), Surubins (Pseudoplatystoma spp.), Dourado (Salminus spp.), Matrinxã (Brycon amazonicus). 6 3. CONTROLE ENDÓCRINO DA REPRODUÇÃO E SISTEMA HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE- GÔNADAS De acordo com Weingartner & Zaniboni Filho (2013) a reprodução dos peixes é controlada pelos hormônios gonadotróficos, enquanto a produção desse hormônio é regulada por estímulos ambientais. A maioria dos teleósteos apresenta maturação sazonal, ou seja, alterações ambientais, como fotoperíodo, temperatura, propriedades da água ou oferta de alimentos. Esses de alguma forma são detectados por receptores específicos, transmitidos ao cérebro e em seguida transmitidos para o hipotálamo, podendo ocorrer também uma transmissão direta para o hipotálamo, não sendo necessário passar pelo cérebro, alterando sua produção e liberação de hormônios. Esses receptores acionam neuromodulações na atividade do eixo hipófise-hipotálamo que iniciam a primeira maturação sexual ou puberdade. Esta estreita relação com sinais ambientais asseguram que a eclosão dos ovos e o desenvolvimento larval ocorram em época e condições favoráveis. Assim como ocorre com os mamíferos, nos peixes é o eixo hipófise-hipotálamo que rege, de forma muito sincrônica, todos os eventos endócrinos envolvidos na função gonadal dos peixes, inclusive para suprimi-la em eventual necessidade (condições desfavoráveis à reprodução). Desta forma, esse eixo mede um equilíbrio constante entre as atividades do sistema reprodutivo e I) as condições ambientais e II) as condições fisiológicas do indivíduo (SCHULZ & MIURA, 2002). Diversos estudos em peixes tem o propósito de descobrir como se dá a percepção dos sinais do meio ambiente para o sistema nervoso central (fotorreceptores na retina estimulando a produção de melatonina pela glândula pineal; termorreceptores na derme, etc. (MAITRA et al, 2012), no entanto ainda não se chegou a uma explicação de como ocorre essa modulação. O hipotálamo funciona como uma interface entre os sistemas nervoso e endócrino, localizado na porção inferior do cérebro dos peixes, conectado a outra estrutura endócrina, a hipófise (Figura 1). A hipófise é a glândula responsável em produzir vários hormônios, entre eles, aqueles responsáveis pela reprodução como a gonadotropinas. Essas gonadotropinas vão atuar sobre as gônadas, promovendo a liberação de hormônios esteróides, estes com atuação na maturação dos gametas, tanto durante o ciclo reprodutivo quanto nas fases finais de maturação e ovulação. Os esteróides retornam ao hipotálamo e hipófise via corrente sanguínea, para modular as funções subsequentes desses órgãos. 7 A hipófise divide-se em neuroipófise e adenoipófise, esta que por sua vez se subdivide-se em rostral pars distalis, proximal pars distalis e pars intermedia. Algumas células neurossecretoras possuem o corpo celular, onde o hormônio é produzido, no hipotálamo, mas o final do axônio, onde o hormônio é liberado, está dentro da neuroipófise (Figura 2). O hipotálamo produz três hormônios, que são armazenados na neuroipófise antes de serem liberadas para o resto do corpo. O hormônio Argina-vasotocina (AVT), apresenta um ritmo circadiano de liberação, com maior secreção durante o dia, estimula reflexos de desova e comportamento reprodutivo, bem como a liberação de ACTH um hormônio da adenoipófise, promove a contração do musculo liso dos vasos sanguinios das brânquias, reduzindo o fluxo de sangue nas lamelas branquiais. O hormônio Isotocina em machos ocorre com a liberação de um hormônio similar Figura 1: Representação simplificada da localização de algumas estruturas endócrinas. Pi: pineal, H: hipotálamo-hipófise, T: folículos da tireoide, C: coração, U: glândula ultimobranquial, R: rim, I: células inter- renais, CS: corpúsculos de Stannius, F: fígado, G: gônadas (ovários ou testículos), P: pâncreas e S: sistema neurosecretor caudal (urófise); (Fonte: BALDISSEROTTO, 2013). Figura 2: Representação da hipófise de teleósteos. NH: neuroipófise, RPD: rostral pars distalis, PPD: proximal pars distalis e PI: pars intermedia (Fonte: BALDISSEROTTO, 2013). 8 (ocitosina) que aumenta o número de espermatozoides no sêmen. O hormônio concentrador de melanóforos (MCH): O MCH inibe a liberação de ACTH e ά-MSH, hormônios da adenoipófise. Alguns hormônios liberados pelo hipotálamo têm como função principal controlar a produção e a liberação de hormônios da adenoipófise: O hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH), em uma de suas formas, estimula a liberação das gonadotrofinas pela adenoipófise, as outras duas formas parecem ter uma ação neuromoduladora, que está relacionada com a interação do olfato e com reprodução e comportamento reprodutivo. Os GnRHs são importantes para o desenvolvimento gonadal. Acredita-se que o neuropeptídeo Kisspeptina seja o sinalizador que desencadeia a ativação do eixo hipófise-hipotálamo por meio de seus receptores específicos localizados nos neurônios hipotalâmicos produtores de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) (FILBY et al, 2008; NOCILADO & ELIZER, 2008 apud BALDISSEROTTO, 2013). Em várias espécies de teleósteos, duas ou três formas dos ligantes kisspeptina e GnRH e de seus receptores (GPR54 e receptor de GnRH, respectivamente) já foram identificadas (KAH et al, 2007; BIRAN et al, 2008; FELIPE et al, 2009 apud BALDISSEROTTO, 2013). Em peixes, os neurônios que sintetizam o GnRH situam-se na porção ventral do hipotálamo e inervam diretamente a hipófise com seus axônios, cujas terminações ficam próximas às células gonadotróficas dessa glândula (DUBOIS et al, 2002). O hormônio dopamina inibe a liberação das gonadotrofinas por uma ação direta na adenoipófise ou por reduzir a secreção do GnRH, também inibe a secreção de prolactina e do ά-MSH, outros hormônios da adenoipófise (Figura 3). De acordo com Harvey & Carolsfeld (1993) apud Baldisserotto (2013), o processo de maturação, ovulação e desolva dos peixes é regulada pelo hormônio libertador da gonadrotropina (GnRH), a quantidade desse hormônio que é liberada pelo hipotálamo vai aumentando progressivamente nas diferentes fases do processo reprodutivo. As gônadas produzem as células sexuais (gametas) necessárias para sua reprodução. Geralmente os teleósteos possuem um par de testículos, no entanto em algumas espécies pode Figura 3: Esquematização do sistema Hipotálamo-Hipófise-Gônadase o seu funcionamento a partir da recepção de estímulos ambientais (Fonte: VENTURIERI,1999) 9 ocorrer a fusão dos testículos ou um deles não se desenvolve, nos testículos do tipo lobular existem numerosos lóbulos, cada lóbulo possui vários cistos e, em cada um deles, as células que darão origem aos espermatozoides apresentam-se no mesmo estágio de desenvolvimento. Os testículos também possuem as células de Sertoli que tem como funções a nutrição das células que darão origem aos espermatozoides, e a células de Leydig, que tem como função a produção de esteroides que estimulam a gametogênese e o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, os espermatozoides quando maduros são liberados no lúmen central, de onde seguem para o ducto espermático. Os ovários também são pareados, podendo haver fusão ou o não desenvolvimento de um ovário. A maioria dos peixes possuem ovidutos, no entanto, em algumas espécies os ovidutos são degenerados e os oócitos são conduzidos dos ovários para o celoma antes de serem liberados para o meio ambiente. Os oócitos são revestidos por células foliculares, o córion ou envelope vitelínico é a porção mais externa do oócito e do ovo, é composto de duas camadas, uma externa mais fina e outra interna mais espessa. Os folículos ovarianos formam-se a partir do momento em que a célula germinal é circuncidada por uma camada de células foliculares, essas células se desenvolvem e formam uma camada de células tecais. Ambas as camadas são separadas por uma membrana basal (Figura 4). A idade da primeira maturação sexual varia muito entre os teleósteos em função da espécie e do meio ambiente. Na maioria dos peixes o sistema FSH/FSHR tem mais relevância na fase de início da puberdade. Como resposta, à liberação de GnRH na hipófise, as células gonadotróficas iniciam a síntese e liberação de FSH, estimulando as atividades gonadais a partir de sua ligação a seus receptores. Para os machos, o FSH é responsável, via células de Sertoli, pela proliferação espermatogonial que representa a primeira fase da espermatogênese. Ao mesmo tempo, o FSH ativa receptores presentes nas células de Leydig (principal célula esteroidogênica do testículo) estimulando a síntese e secreção de andrógenos (OHTA et al, 2008; GARCÍA-LOPES et al, 2009 apud BALDISSEROTTO, 2013). Nas fêmeas, o primeiro estímulo é praticamente exclusivo do FSH esse responsável pelo crescimento do oócito e desenvolvimento folicular. O FSH estimula a síntese de aromatase pelas células da granulosa, que convertem a testosterona produzida pelas células da teca em estradiol. O estradiol, por sua vez estimula a síntese hepática de vitelogenina, responsável pela vitelogênese ou acúmulo de vitelo nos oócitos, ocasionando o crescimento dos mesmos. Os ovócitos Figura 4: Desenho esquemático mostrando as camadas do folículo que revestem o oócito (Fonte: ebah.com.br). 10 desenvolvem-se até os estágios finais da vitelogênese e, então, sofrem atresia. Nos machos a produção de semem é limitada (GOMES & URBINATI, 2013 apud BALDISSEROTTO, 2013). Na segunda fase, conhecida por maturação final, o LH é a gonadotropina mais importante. Ele estimula as células foliculares a produzirem o progestágeno 17 α,20β -DP em peixes, mais conhecido por hormônio indutor da maturação (MIH), que portanto, liga-se a seus receptores na superfície citoplasmática do oócito, promovendo a formação e ativação citoplasmática do fator promotor da maturação (MPF). Vários processos são, enfim, desencadeados pelo MPF, entre eles quebra da vesícula germinativa, retomada da meiose, condensação cromossômica, formação do fuso e liberação do primeiro corpúsculo polar, caracterizando a maturação final (NAGAHAMA & YAMASHITA, 2008 apud BALDISSEROTTO, 2013). Quando a maturação finalmente termina, ocorre a ovulação, e os oócitos são, então, liberados dos folículos. O aumento da temperatura e do fotoperiodo desencadeiam o processo de maturação das gônadas, porem para os peixes de piracema, a migração é o estimulo final responsável pela ovulação, espermiação e desova (Figura 5). Figura 5: Desenho esquemático do eixo hipotálamo-hipofisário em peixes (Fonte: biologiapontal.blogspot.com). 11 4. REPRODUÇÃO ARTIFICIAL DE PEIXES REOFÍLICOS Segundo Zaniboni Filho & Weingartner (2007) o desenvolvimento da piscicultura mundial esteve centrada, durante séculos, no cultivo de peixes que se reproduzissem naturalmente em ambientes lênticos, apesar dos peixes migradores apresentarem maior preço de mercado. Essa tendência foi motivada pela dificuldade de induzir a reprodução para a produção das formas jovens. Considerando que uma das características mais buscadas nas espécies para produção é a possibilidade de reprodução em cativeiro o desenvolvimento de técnicas de indução contribuiu para o aumento da produção de peixes no mundo todo (LIMA et al, 2013). Os primeiros experimentos para induzir a reprodução artificial em peixes migradores tiveram início no Brasil sob a supervisão do pesquisador Rodolpho von Ihering, com o uso do extrato bruto de hipófise de carpa (EBHC) para indução da desova (ORFÃO, 2013). Essa técnica é amplamente utilizada nas estações de piscicultura até hoje. Entretanto, também surgiram estudos com a indução por meio de hormônios sintéticos (LIMA et al, 2013). Quando as condições ambientais não favorecem a ocorrência de desovas naturais controladas deve-se utilizar metodologia artificial para a obtenção de desovas, viáveis em programas de reprodução e propagação de peixes (AMARAL-JÚNIOR, 2007). As técnicas de reprodução artificial de peixes são múltiplas, todas elas com o objetivo de produzir quantidades abundantes de ovos, larvas e alevinos para utilização em cultura ou para o reabastecimento de lagoas ou cursos de água (WOUNAROVICH & HORVATH, 1983). Além disso, permitem a incubação e a eclosão de ovos e sua criação em condições bem protegidas, independentemente das condições climáticas (BOCK & PADOVANI, 2000). A manipulação artificial do ciclo reprodutivo de peixes migradores permite que ocorra a reprodução destes indivíduos no momento desejado e em condições controladas de cativeiro (MURGAS et al, 2011). Segundo Woynarovich & Horváth (1983), a propagação artificial apresenta as vantagens de melhores taxas de fertilização e eclosão, proteção contra inimigos e condições ambientais desfavoráveis e melhores condições de crescimento e sobrevivência. Orfão (2013) destaca como vantagem a sincronização entre machos e fêmeas, que muitas vezes não ocorre em cativeiro, e o aumento do número de gametas extrusados, situações essas que melhoram os índices reprodutivos. Como desvantagem da indução da espermiação e da desova, podem-se destacar a falta de protocolos específicos para cada espécie e o alto custo dos hormônios. De acordo com Woynarovich & Horváth (1983), a propagação artificial da maneira como é praticada em diferentes partes do mundo pode variar, dependendo das condições locais e das instalações. Ela pode começar com a colheita e posterior a cultura do ovo, larva ou alevino, produzidos naturalmente ou com a produção do próprio ovo, através da indução artificial, seguido da fertilização controlada incubação e cultura das larvas e alevinos. No Brasil, dentre espécies nativas e exóticas, são reproduzidas e cultivadas mais de 50 espécies de peixes. Várias são as razões desta diversidade. Muitas vezes as características climáticas regionais levam o produtor a buscar espécies mais adaptadas ao local de cultivo, outras vezes a disponibilidadede alevinos e insumos tem provocado a escolha do peixe a ser trabalhado. Entretanto, muitas dessas espécies são frequentemente selecionadas de forma errônea quando o 12 piscicultor, motivado principalmente pela propaganda, deixa de considerar a adequação de uma espécie às características ambientais de sua região ou à forma de comercialização que ele dispõe (ANDRADE & YASUI, 2003). Na figura 6 são citados os principais peixes reproduzidos em cativeiro em nosso país, a técnica reprodutiva utilizada e os principais entraves. Segundo Andrade & Yasui (2003) o elevado número de espécies no cultivo piscícola implica em uma grande plasticidade de características reprodutivas, o que pode fazer com que uma técnica de propagação bem sucedida em determinada espécies possa ter rendimento diferenciado em outra. Dessa maneira, se faz necessário o conhecimento das características da espécie a ser propagada (época e local de desova, características físico-químicas do ambiente, fisiologia reprodutiva), para que se possa manipular adequadamente a reprodução desses animais. Dependendo do sistema, 20 a 70% dos ovos produzidos têm possibilidade de se transformarem em alevinos, enquanto a taxa de sobrevivência, sob condições naturais, geralmente, é inferior a 1% dos ovos produzidos (WOYNAROVICH & HORVÁTH, 1983). A manipulação artificial do Figura 6: Principais peixes reproduzidos em cativeiro em nosso país, a técnica reprodutiva utilizada e os principais entraves (Fonte: ANDRADE & YASUI, 2003). 13 ciclo reprodutivo de peixes migradores, constitui uma técnica eficiente para a indução da desova e espermiação, permitindo que ocorra a reprodução destes indivíduos no momento desejado e em condições controladas de cativeiro (MURGAS et al, 2011). De acordo com Urbinate, Gonçalves & Takahasshi (2013), as condições de cultivo interferem no processo de maturação gonadal, de modo que aspectos, como nutrição, condições de estocagem e estresse, devem ser cuidadosamente controlados, no manejo dos reprodutores. Uma alimentação adequada que atenda as exigências do período é fundamental para o desempenho reprodutivo do plantel e da produção de gametas e progênie de melhor qualidade. A manipulação dos reprodutores para a indução a desova, principalmente os de maior porte como o pacu, é um procedimento que causa intensos efeitos na reprodução. A tentativa de fuga na captura, o contato dos peixes com a rede e mãos dos técnicos, o barulho, entre outro fatores, afetam a qualidade dos ovos, o nível de hormônio no sangue e facilitam o aparecimento de infecções e podem causar a morte. 4.1. Objetivos da Indução e Desova Em peixes migradores de “piracema”, mantidos em cativeiro, os estímulos ambientais não estão presentes, sendo necessária a utilização de técnicas de indução do processo reprodutivo, a partir da aplicação de hormônios (MURGAS et al, 2011). Os hormônios ou preparações hormonais podem ser utilizados para adiantar o período de desova em uma população, por exemplo. Um período antecipado de reprodução permite aos produtores maior flexibilidade na comercialização de larvas e alevinos. Além disso, pode-se restringir a desova a um certo período, também, para maximizar tempo e recursos, permitir maior rendimento e rotatividade dos viveiros de alevinagem. Podem ser utilizados também para sincronizar a desova de machos e fêmeas e aumentar a produção de sêmen, que é crítico em algumas espécies. Pode-se, ainda, com a ação combinada de manejo ambiental, ampliar os períodos em que os animais estão aptos para a reprodução. São infinitas as aplicações, existindo inúmeras técnicas e várias preparações hormonais disponíveis no mercado (VENTURIERI & BERNARDINO,1999). 4.2. Tipos de hormônios utilizados na indução artificial da reprodução em peixes De acordo com Baldisserotto (2009), existem vários tipos de substâncias utilizadas para induzir a desova e espermiação, cada uma delas age sobre um mecanismo de ação diferente. A dose que deve ser aplicada também varia de acordo com a sustância utilizada, com a espécie e peso do animal, além da sua eficácia que também varia de acordo com a espécie, não sendo todos os hormônios eficazes para todas as espécies (MELO, 2013). Segundo Venturieri & Bernardino (1999), o uso de antiestrógenos, progestinas, corticosteróides e prostaglandinas é mais utilizado em pesquisas, na prática da reprodução artificial em piscicultura, os mais utilizados são os hormônios liberadores de gonadotropinas, os antagonistas de dopamina e os hormônios hipofisários. 14 A seguir, apresentam-se algumas substâncias que podem ser utilizadas na indução a desova e espermiação. I. ANTIESTRÓGENOS Uma das substâncias existentes são os antiestrógenos, que são compostos sintéticos que podem apresentar dois mecanismos de ação (BALDISSEROTTO, 2009). “Atuam sobre o hipotálamo, bloqueando os receptores de estrogênio e inibindo o feed-back negativo do estrogênio sobre a produção de GnRH. Assim o hipotálamo continua a secretar GnRH, que atuará sobre a hipófise, estimulando a secreção de gonadotropina.” (KUBITZA, 2004 apud MELO, 2013). Segundo Baldisserotto (2009), para que os antiestrógenos tenham o efeito esperado, estes devem ser aplicados quando os níveis de estrógenos estiverem elevados. II. HORMÔNIOS LIBERADORES DE GONADOTROFINAS GnRH e seus análogos Segundo Baldisserotto (2009) outra alternativa é a aplicação de hormônios liberadores de gonadotropinas, são eles, os GnRH e seus análogos. O LHRH que é um análogo de LH mamífero que estimula a liberação de gonadotropina, ovulação e desova. Cabe destacar que os análogos de GnRH não são aceitos no comercio Europeu. Ainda segundo Baldisseroto (2009), a resposta à GnRH e seus análogos varia conforme a temperatura a que os reprodutores são mantidos. Inibidores de dopamina Como a dopamina inibe a liberação de gonadotrofinas, a aplicação de uma inibidor dessa substância estimula a liberação das gonadotrofinas (BALDISSEROTTO, 2009). O Pimozoide é um antagonista que inibe a produção de dopamina, logo estimula a liberação das gonadotropinas. Domperidona, também é uma substância que inibe liberação de dopamina (BALDISSEROTTO, 2009). De acordo com Zaniboni Filho & Nuñer (2004), as vantagens da utilização de hormônios liberadores de gonadotropinas, são que atuam no início da cadeia hormonal, ou seja, estimula o próprio peixe a produzir gonadotropinas e são de fácil fabricação, apresentam boa estabilidade molecular, efetivas com pequenas dosagens e economicamente viáveis. Uma outra característica dos análogos de GnRh é que retarda a ovulação em aproximadamente 40% do tempo, quando comparada com o uso de EPC (extrato de hipófise de carpa) (ZANIBONI FILHO & NUÑER, 2004). III. ESTERÓIDES Progesteronas 17-alfa-OH-P e 17-alfa-20-beta-P estimulam o final da maturação dos oócitos e, se o peixe estiver próximo ao final da maturação, a ovulação pode ocorrer. Melhores resultados são encontrados quando aplicados em conjunto com gonadotrofinas (BALDISSEROTTO, 2009). 15 Corticosteróides Segundo Baldisserotto (2009), vários tipos estimulam a ovulação quando em altas doses ou quando aplicados após a injeção de gonadotrofinas. Estrógenos e andrógenos Andrógenos em combinação com gonadotrofinas estimulam a maturação final em truta arco-íris. O tratamento prolongado com metil- testosterona resulta em espermiação em alguma s espécies como a tainha, mas não em truta arco-íris (BALDISSEROTTO, 2009). IV. GONADOTROPINAS Gonadotrofinas de mamíferos Facilmenteobtidas no comércio, a baixo custo, podem ser armazenadas por longo período. Pode-se utilizar o LH, o FSH e a gonadotrofina coriônica humana (HCG São eles o LH, o FSH e a gonadotropina coriônica humana (HCG). Porém o FSH não apresenta bons resultados para espermiação, enquanto o HCG sim, entretanto algumas espécies desenvolvem anticorpos contra o HCG, quando usados repetidas vezes (MELO, 2013). O HCG em algumas espécies e conforme a dose pode induzir a desova e às vezes a maturação, não possuindo efeito em carpas (BALDISSEROTTO, 2009). É importante salientar que no caso dos machos, o que se pretende com a indução hormonal é o aumento do volume de sêmen, que está mais associado ao aumento da fluidez do que com o aumento do número de células espermáticas (ZANIBONI FILHO & NUÑER, 2004). Extrato hipofisário Com toda a gama de hormônios já testada na indução da reprodução artificial de peixes, a técnica de hipofisação, que utiliza o extrato bruto de hipófise, ainda é a mais empregadas nas desovas induzidas de diversas espécies de peixes em vários países (LIMA et al, 2013) A hipofisação é a técnica de indução a desova de peixes mais conhecida (ABRUNHOSA, 2011), praticado desde a década de 30, e é uma simples terapia de substituição, ou seja, a gonadotropina de um peixe é administrada em outro que não está produzindo o suficiente por si mesmo, e desencadeia os passos da seqüência hormonal, levando à maturação final/ovulação (VENTURIERI & BERNARDINO,1999). A utilização do extrato bruto de hipófise de carpa (EBHC) é o método de indução artificial da reprodução de espécies de caráter reofílico mais utilizado nas estações de piscicultura (JÚNIOR et al, 2003). Sendo desidratadas em cetona e conservadas a seco, maceradas em um gral de porcelana com adição de algumas gotas de glicerina, e a pasta diluída em solução fisiológica (RAMOS & RAMOS, 1996). 16 Porém, este extrato é proveniente de espécies Cyprinus carpio, as quais geralmente são importadas, possuindo elevado custo e possibilidade de introdução de doenças quando adquiridas de empresas não registradas (MURGAS et al, 2011). O sucesso do uso de extrato de pituitária para estimular a ovulação é superior a 80% (GOMES; SIMÕES & ARAÚJO-LIMA, 2013). As vantagens dessa técnica são praticidade dos procedimentos e simplicidade dos equipamentos utilizados (ZANIBONI FILHO & NUÑER, 2004). Na figura 7, são apresentadas e comentadas as principais substâncias indutoras utilizadas comercialmente para a desova artificial de peixes. As dosagens apresentadas são valores de referência e podem variar dependendo da metodologia utilizada, da espécie e do estado fisiológico de maturação gonadal (ANDRADE & YASUI, 2003). 4.3. Extração da hipófise A carpa comum é o principal doador de hipófise para o uso experimental e comercial e, porém oriundas de salmão também possui um mercado representativo (PILLAY, 1990 apud STREIT JÚNIOR et al, 2002). Segundo Lopes, Souza & Rocha (2009, p. 91-101), depois de capturados os peixes, deve-se esperar que estes terminem de morrer para se dar início aos trabalhos de coleta de hipófise. A técnica de extração de hipófise (também conhecida por pituitária) de peixe resume-se na execução de uma craniectomia, nos peixes doadores, visando atingir a sela túrcica do esfenóide, localizada exatamente sob o encéfalo. Após a coleta, caso se deseje obtenção de desovas, a hipófise é macerada em soro fisiológico e, em seguida, aplicada por via intramuscular nos exemplares receptores, que estimulados pela gonadotropina - hormônio da reprodução - são induzidos à desova. Figura 7: As principais substâncias indutoras utilizadas comercialmente para a desova artificial de peixes, seus modos de atuação, vantagens, desvantagens e dosagens aplicadas (Fonte: ANDRADE & YASUI, 2003). 17 No método de coleta utilizado tradicionalmente, usam-se os seguintes instrumentos: calha de contenção, constituída de duas peças de madeiras, que se engavetam, a maior, 0,30 x 0,20 m, que tem por finalidade manter o peixe imóvel na posição ventral. São utilizados: arco de serra; cotóstomo (Figura 8A); pinça cirúrgica; vidro para preservação da hipófise; álcool absoluto de boa qualidade (90º) e algodão hidrófilo. Contudo, antes da operação se verifica se o peixe preenche as condições para ser doador (fresco e com desenvolvimento gonadal independente do sexo). Imobiliza-se o doador na calha de contenção (Figura 8B), e, com o auxilio do arco de serra, dar um corte transversal na cabeça, no bordo posterior do occipital (pouco atrás das órbitas) sem separar a cabeça do peixe e depois com auxílio com cotóstomo retirava-se o tampão da cabeça para posterior coleta da hipófise. Com o cotóstomo retira-se uma seção triangular do occipital, com base, na borda anterior do corte de serra; utilizando a pinça, afasta-se o encéfalo, descobrindo a sela túrcica do esfenóide dentro da qual se encontre a hipófise, protegida por uma membrana (Figura 9). Na eventualidade de peixe possuir bastante substância adiposa ou sangue, usa-se pelota de algodão, na ponta da pinça, para absorver o excesso de material existente no local ocupado pelo encéfalo e finalmente, romper a membrana, extrair a glândula da sela túrcica e introduzi-la no frasco de vidro contendo álcool absoluto. Figura 8: (A) Cotóstomo (Fonte: QUEROL , 2013); (B) Calha de contenção (Fonte: QUEROL , 2013). A B A B Figura 9: (A) Corte para retirada da hipófise (Fonte: QUEROL , 2013).; (B) Glândula pituritária (hipófise) (Fonte: QUEROL , 2013).. A B 18 4.4. Escolha do Hormônio O sucesso na indução da reprodução em peixes não está apenas no hormônio adequado, mas, principalmente, na qualidade do reprodutor. Apesar de simples, esta afirmativa envolve inúmeros aspectos intrínsecos e extrínsecos ao animal, como o ambiente, a carga de estocagem, a alimentação, o manejo, a origem, a idade, o estado de maturação, etc. Pela complexidade dos sistemas fisiológicos, infere-se a interligação de cada um desses fatores - além de outros - para que o animal esteja no seu conforto fisiológico ideal para sofrer uma intervenção com sucesso (ANDRADE & YASUI, 2003). O estresse dos animais - crônico ou agudo - é um inimigo que deve ser evitado a qualquer custo, acondicionando e transportando animais adequadamente, utilizando anestésicos para o manejo, etc., pois é um fator importantíssimo na baixa performance de animais manejados (ANDRADE & YASUI, 2003). Do ponto de vista comparativo entre os hormônios disponíveis no mercado, o custo hormônio/kg de fêmea pode ser verificado no Tabela I. Tabela I: tipos de agente indutor, dose média aplicada por kg de peixe vivo e custo por kg de fêmea (Adaptado de: VENTURIERI & BERNARDINO, 1999). Agente indutor Dose média/kg Custo/kg de fêmea (R$) LHRH 10mg 1,80 LHRHa 10mg 1,50 HIPÓFISE 5,5mg 2,75 HCG 1000UI 16,0 LHRHa+Dom(sólido) 3,5mg 1,40 Se for tomado individualmente, o custo/kg de fêmea não é elevado, à luz dos milhares de alevinos que podem resultar; entretanto, quando se considera o trabalho em lotes, uma taxa média de resposta positiva de 80%, o tamanho dos reprodutores, as perdas com mortalidade na larvicultura e alevinagem etc., esse valor pode ser significativo. Por exemplo, um tambaqui de 10 kg induzido com hipófise custaria R$ 27,50 e com LHRHa R$ 15,00 (54,5 % menos) sendo que o animal responde satisfatoriamente a ambos. Um outro fator que não deve ser esquecido é que os preços dessehormônios normalmente são em dólar americano ou canadense, atualmente quase o dobro da moeda brasileira (ANDRADE & YASUI, 2003). 19 5. REALIZAÇÃO DA REPRODUÇÂO ARTIFICIAL Segundo Braga (2013), para a realização da reprodução artificial de peixes reofílicos, as atividades desenvolvidas podem ser divididas da seguinte maneira: 5.1. Captura, seleção e transporte de reprodutores Weingartner & Zaniboni Filho (2013) aconselha que, durante o manejo de seleção dos reprodutores, o nível da água do viveiro seja baixado (é recomendado manter o tanque/viveiro com aproximadamente 80 cm de coluna de água), pois esse procedimento, além de facilitar a captura dos peixes, é necessário devido à habilidade dos peixes de saltar sobre a rede de arrasto (principalmente o dourado), o que acaba tornando o trabalho perigoso para a equipe envolvida. Para a captura dos reprodutores, deve ser utilizada rede em toda extensão do tanque, com a finalidade de evitar fuga de peixes (Figura 10). É importante que se utilize rede com malhas apropriadas para a captura e manejo, de modo que evite com que os peixes se malhem e se machuquem (BRAGA, 2013). Depois de feito o arraste, é feita à seleção dos reprodutores. Ceccarelli et al (2013) afirmam que o êxito da hipofisação depende da correta avaliação do estado de maturação gonadal dos peixes, e que deve haver uma pré-seleção no momento da captura dos peixes ainda no próprio viveiro, utilizando como base, características extragenitais presentes no período reprodutivo da espécie cultivada. De acordo com Woynarovich & Hóvath (1983) se o indivíduo não tiver desenvolvido suas gônadas até o estágio de dormência ou repouso, ele não irá reagir a nenhuma técnica de reprodução. Segundo Braga (2013) a seleção deve ser realizada, normalmente, em horário de pouco sol e com os peixes dentre da rede (Figura 11A), com o intuito de evitar estresse ao animal. O peixe é mantido com o abdômen para cima, pressionando essa região com o dedo indicador e polegar, no sentido da cabeça à cauda (Figura 11B). Figura 10: captura dos reprodutores utilizando rede de arrasto em toda a extensão do tanque - (A) estação de piscicultura do DNOCS em Piripiri-PI (Fonte: Karisson Rodrigues); (B) Projeto PACU (Fonte: projetopacu.com.br). A B 20 Os reprodutores são selecionados de acordo com as características citadas por Woynarovich e Hóvath (1983). As fêmeas, geralmente, apresentam abdômen bem arredondado e macio; abertura genital intumescida, saliente e avermelhada ou rosada, e o ânus pode também está inchado e avermelhado (Figura 12). Estas características são observadas para a maioria das espécies nativas, tais como: dourado, pacu, tambaqui, matrinxã, pintado e curimba (BRAGA, 2013). Ceccarelli et al (2013) afirma que durante a seleção é muito importante não confundir fêmeas maturas com peixes alimentados, recomendando-se, que a alimentação seja suspensa por um período de dois a três dias de antecedência à captura. Já os machos, liberam algumas gotas de esperma espesso quando o seu abdômen é levemente pressionado. A B Figura 11: (A) captura e início da seleção dos reprodutores com os mesmos dentro da rede (Fonte: Luciano Sousa – SDR Piauí); (B) Reprodutor posicionado com o abdômen para cima com o intuito da realização do movimento da cabeça até a cauda (Fonte: Luciano Sousa – SDR Piauí). Figura 12: características observadas para seleção de fêmeas maduras para indução hormonal (Fonte: idam.am.gov.br). 21 Outras características externas são observadas para determinadas espécies. A piracanjuba apresenta dimorfismo sexual, com os machos apresentando a nadadeira anal áspera quando próximo do período de desova (CECCARELLI et al, 2013). Os machos de dourado também apresentam nadadeira anal áspera, de modo que essa característica facilita o manejo de seleção, já que apenas um simples toque nos raios da respectiva nadadeira revela uma superfície áspera, contrastando com a superfície lisa da nadadeira anal das fêmeas (WEINGARTNER & ZANIBONI FILHO, 2013). Em outras espécies, como a curimba e o piaui, os indivíduos ao serem manipulados emitem sons (roncos), no qual são característicos de sua fase reprodutiva (BRAGA, 2013). Segundo Murgas et al (2011) estas características são subjetivas, não levando em conta as diversas espécies existentes e nem suas características reprodutivas específicas. Além disso, muitas espécies de teleósteos não apresentam dimorfismo sexual, sendo assim, difícil distinguir machos e fêmeas. Lima et al (2013) recomendam a realização de biopsia ovariana por meio da canulação intraovariana, via papila genital. Através desse procedimento, o produtor ou técnico pode observar características macroscópicas dos ovócitos como coloração, textura e homogeneidade no tamanho dos ovócitos maduros. Ainda segundo Lima et al (2013) no caso do tambaqui, se a coloração dos ovócitos apresentar-se esverdeada indica que os mesmo estão desenvolvidos, caso contrário, estes ovócitos não estão adequados para o processo de reprodução. Após a seleção, os reprodutores são transportados para o laboratório ou pavilhão de reprodução, através de caixas d’águas com suplementação de aeração ou oxigenação, quando a distância é um pouco longa (Figura 13A), em ou sacolas de transporte individuais, quando a distância de transporte é mais próxima (Figura 13B). Durante esse transporte deve ser evitado, ao máximo, o estresse aos peixes e a exposição à luz solar (BRAGA, 2013). Kubitza (1997) aconselha o uso de sais e outras substâncias na água de transporte de peixes com o intuito de amenizar os efeitos do estresse fisiológico sobre os peixes. O sal comum (cloreto de sódio) pode usado em concentrações de 0,1 a 0,3% (1 a 3 kg/m 3 de água). Ele estimula a produção Figura 13: transporte de reprodutores (A) em caixas d’água quando a distância for considerada relativamente grande (Fonte: Braga, 2013); (B) em sacolas de transporte individuais para quando a distância for pequena (Fonte: Braga, 2013). 22 de muco, ajudando a recobrir arranhões surgidos durante o manejo dos animais, além disso, o aumento de íons sódio e cloreto na água com a aplicação do sal também reduz as perdas de íons por diminuir o gradiente osmótico entre o plasma do peixe e a água. Outra substância que pode ser utilizada é o permanganato de potássio que atua como profilático no controle de fungos e alguns parasitos, porém, deve se atentar a doses excessivas dessa substância, pois pode destruir o muco dos peixes e favorecer a infecção após o transporte. A concentração recomendada de permanganato de potássio é de 2 g por m 3 de água. 5.2. Identificação, pesagem e marcação dos reprodutores Transportados ao laboratório, os reprodutores são marcados com fios de nylon coloridos, atados na altura do primeiro raio da nadadeira dorsal (Figura 14) e pesados individualmente (CASTAGNOLLI, 1992). Em alguns laboratórios, ainda são aplicados alguns métodos para a determinação da maturidade gonadal das fêmeas para indução hormonal (BRAGA, 2012). Uma metodologia muito utilizada para indicar o grau de desenvolvimento gonadal para a seleção de fêmeas aptas à reprodução é a análise da posição do núcleo nos ovócitos. Ovócitos em final de maturação apresentam o núcleo situado na periferiada célula, enquanto ovócitos imaturos ou em maturação a posição do núcleo é central (MURGAS et al, 2011). De acordo com Barros (2013) retira-se, com o auxílio de uma cânula, uma pequena quantidade de ovócitos intraovarianos (Figura 15A) e coloca-se em uma lâmina (Figura 15B) e, posteriormente, fixa-se utilizando o líquido de Serra (60 ml de álcool 90 GL; 30 ml de formalina e 10 ml de ácido acético glacial) para observação em lupa ou microscópico (Figura 16A). Após 3 a 5 segundos, os ovócitos são classificados, de forma que, para ser considerado periférico, o núcleo deve está entre a linha tracejada e a membrana do ovócito(Figura 16B). Figura 14: marcação dos reprodutores com fio de nylon colorido para posterior identificação (A) reprodutor já marcado (Fonte: Cristiano Freitas); (B) exemplo de marcação de reprodutor na altura do primeiro raio da nadadeira dorsal (Fonte: Braga, 2013). A B 23 Logo após, os reprodutores, separados por sexo, são colocados em tanques de alvenaria (Figura 17A) ou em caixas d’água de polietileno (Figura 17B), de modo que haja renovação constante de água e, se necessário, aeração artificial (CECCARELLI et al, 2013). Figura 15: (A)retira dos ovócitos através de uma cânula conectada a uma seringa (Fonte: Cristiano Freitas); (B) ovócitos colocados sobre uma lâmina para fixação do líquido de Serra e, posteriormente, visualização em lupa ou microscópico (Fonte: Cristiano Freitas). A B A B Figura 16: (A) observação dos óvulos em microscópico (Fonte: Cristiano Freitas); (B) posição do núcleo dos óvulos (Fonte: Cristiano Freitas). 24 5.3. Indução hormonal Pelo fato da técnica de hipofisação, que utiliza o extrato bruto de hipófise, ser ainda a mais empregada nas desovas induzidas de diversas espécies de peixes em vários países (LIMA et al, 2013), será descrito, posteriormente, o preparo desta técnica como indutor hormonal. I. Preparação do Hormônio Para utilização da hipófise como indutor hormonal, é necessária que antes seja calculado a quantidade de hormônio a ser utilizado através do peso total dos reprodutores. A seguir é descrito um exemplo hipotético seguindo o protocolo sugerido por Braga (2013). Foram capturados 10 reprodutores, sendo 5 machos e 5 fêmeas. O peso de cada indivíduo foi obtido no processo de pesagem e marcação dos reprodutores. Tabela II: Dados de pesos hipotéticos de 10 reprodutores para realização da hipofisação Reprodutores Peso Machos (kg) Peso Fêmeas (kg) 1 1,3 2,6 2 1,4 2,7 3 1,5 2,9 4 1,6 3,1 5 1,7 3,3 TOTAL 7,5 14,6 PESO TOTAL DOS REPRODUTORES: 7,5 + 14,6 = 22,1 kg O extrato bruto de hipófise sempre é aplicado em duas doses. Uma preparatória para maturação total e uma dose decisiva para ovulação e liberação de oócitos (CECCARELI, 2013). II. Quantidade de hormônios para primeira dose Segundo Lima et al. (2013), para as fêmeas, deve-se pesar 0,5 mg de extrato bruto de hipófise para cada 1 kg de peixe. De acordo com a tabela II, o peso total das fêmeas foi de 14,6 kg, com isso, deve se pesar 7,3 mg de extrato bruto de hipófise (14,6 X 0,5). A Figura 17: (A) reprodutores acomodados em caixas d’água de polietileno (Fonte: BRAGA, 2013); (B) reprodutores acomodados em tanques de alvenaria (Fonte: BRAGA, 2013). 25 Ainda segundo Lima et al. (2013), posteriormente, a hipófise é macerada completamente em um gral de porcelana ou cadinho (Figura 18A). Para facilitar o processo, deve-se adicionar de uma a três gotas de glicerina e macerá-la com o pistilo (haste de ponta arredondada). Para preparação das doses de hormônio, a solução formada (extrato bruto de hipófise com glicerina) deve ser diluída em soro fisiológico ou água destilada (Figura 18B), sendo recomendada a utilização de um volume entre 0,2 ml e 0,5 ml de solvente/kg de peixe vivo (WEINGARTNER & ZANIBONI FILHO, 2013). Dessa forma, de acordo com a tabela II, a quantidade de solvente (soro fisiológico ou água destilada) a ser utilizada será de 7,3 mL (14,6 X 0,5), caso o volume considerado para cada 1 kg de peixe vivo seja de 0,5 ml (Tabela III). Tabela III: Quantidade individual por fêmea de hipófise e soro fisiológico, e total, a ser utilizado para primeira dosagem. Fêmeas Peso (kg) Quantidade de Hipófise (mg) Quantidade da solução final (mL) 1 2,6 1,3 1,3 2 2,7 1,35 1,35 3 2,9 1,45 1,45 4 3,1 1,55 1,55 5 3,3 1,65 1,65 TOTAL 14,6 7,3 7,3 A B Figura 18: (A) hipófise colocada em pistilo para início da maceração (Fonte: BRAGA, 2013); (B) solução final formada pela maceração da hipófise com glicerina e soro fisiológico (Fonte: BRAGA, 2013). 26 Segundo Braga (2013) a aplicação é realizada com o reprodutor na água ou fora dela, que vai ser de acordo com a experiência do técnico ou produtor. Quando a aplicação é fora da água, o reprodutor é enrolado em uma toalha úmida (Figura 19A) e, posteriormente, colocado sobre uma mesa para aplicação do hormônio. De acordo com Lima et al (2013) a aplicação de hormônios ou agentes indutores deve ser feita com uma seringa e agulha esterilizadas, podendo ser aplicada de forma intramuscular, no músculo da região dorsal, ou intraperitoneal, na cavidade abdominal, mais precisamente, na base da nadadeira peitoral (Figura 19B). Após a aplicação da primeira dose, os reprodutores são devolvidos para os tanques. O tempo transcorrido para aplicação da segunda dose vai variar de acordo com a espécie (Quadro II). Esse intervalo de aplicação entre doses também varia de acordo com a temperatura da água (URBINATI, GONÇALVES & TAKAHASSI, 2013) Quadro II: Intervalo de tempo entre a primeira dose e a segunda para diferentes espécies de peixes nativas de água doce. Curimatã 10 horas (FONSECA et al., 2013) Piracanjuba 8-12 horas (CECCARELLI et al., 2013) Matrinxã 8-10 horas (GOMES & URBINATI, 2013) Pacu 12 horas (URBINATI, GONÇALVES & TAKAHASSHI, 2013) Dourado 12 horas (WEINGARTNER & ZANIBONI FILHO, 2013) Tambaqui 8 horas (LIMA et al., 2013) Figura 19: (A) Reprodutor enrolado em uma toalha antes da aplicação da dose hormonal (Fonte: Karisson Rodrigues); (B) Aplicação da dose hormonal, através de seringa, na base da nadadeira peitoral (Fonte: Cristiano Freitas). A B 27 III. Quantidade de hormônios para segunda dose Diferentemente da primeira aplicação, a segunda ocorrerá tanto para os reprodutores machos, quanto para as fêmeas. As fêmeas receberão uma dose de 5,0 mg de hipófise por kg de peixe vivo, já os machos, receberão de 0,5 a 1,5 mg por kg de peixe vivo (LIMA et al, 2013). Usando novamente a Tabela II em que são descritos os pesos de cada um dos reprodutores, obtém-se a quantidade de hipófise que será macerada. A quantidade de solvente (soro fisiológico ou água destilada) a ser utilizada para a segunda dose será de 7,3 mL para as fêmeas (14,6X0,5) e 3,75 mL para os machos (7,5X0,5), e está expressa na Tabela V. Após a aplicação da segunda dose, novamente, os reprodutores são devolvidos aos tanques. O tempo necessário para que ocorra a ovulação após o tratamento de indução hormonal varia de acordo com a temperatura da água, tipo de hormônio utilizado (WEINGARTNER & ZANIBONI FILHO, 2013),espécie e também entre indivíduos da mesma espécie (LIMA et al, 2013). Esse tempo é calculado em horas-grau, que consiste no somatório da temperatura da água a cada hora transcorrida entre a última aplicação de hormônios e a ovulação (BOCK & PADOVANI, 2000; WEINGARTNER & ZANIBONI FILHO, Tabela IV: Quantidade individual por fêmea e macho de hipófise, e também total, a ser utilizada para segunda dosagem. Reprodutores Peso dos Machos (kg) Quantidade de Hipófise (mg) Fêmeas Quantidade de Hipófise (mg) 1 1,3 1,3 2,6 13 2 1,4 1,4 2,7 13,5 3 1,5 1,5 2,9 14,5 4 1,6 1,6 3,1 15,5 5 1,7 1,7 3,3 16,5 TOTAL 7,5 7,5 14,6 73 Tabela V: Quantidade individual por fêmea e macho de soro fisiológico, e total, a ser utilizado para segunda dosagem. Reprodutores Peso dos Machos (kg) Quantidade da solução final (mL) Peso das Fêmeas (kg) Quantidade da solução final (mL) 1 1,3 0,65 2,6 1,3 2 1,4 0,7 2,7 1,35 3 1,5 0,75 2,9 1,45 4 1,6 0,8 3,1 1,55 5 1,7 0,85 3,3 1,65 TOTAL 7,5 3,75 14,6 7,3 28 2013; LIMA et al, 2013). A Tabela VI demonstra o cálculo da hora-grau, enquanto a Tabela VII descreve o valor de referência de hora-grau para algumas espécies de peixes. Tabela VI: Cálculo da hora-grau (Adaptado de CECARELLI et al., 2000 apud LIMA et al., 2013). Hora Temperatura Soma Hora-grau 17:00 26 26 26 18:00 25 26+25 51 19:00 25 26+25+25 76 20:00 26 26+25+25+26 102 Etc. ... ... ... Tabela VII: Valor de referência de hora-grau para algumas espécies de peixes (Adaptado de CECARELLI et al., 2000 apud LIMA et al., 2013). Espécie Temperatura da água (°C) Hora-grau Pacu (Piaractus mesopotamicus) 25 240-320 Matrinxã (Brycon amazonicus) 24 140-160 Dourado (Salminus brasiliensis 24 140-160 Piaui (Leporinus macrocephalus) 24 220 Surubins (Steindachneridion spp. e Pseudoplatystoma spp.) 24 255 Curimbatá (Prochilodus spp.) 25 210 Tambaqui (Colossoma macropomum) 27 290 Segundo Lima et al (2013) em alguns laboratórios, logo após a aplicação da segunda dose, existe a prática da sutura da papila genital da fêmea com agulha para sutura e linha de poliamida com a finalidade de não deixar ocorrer a liberação de ovos no tanque antes do processo de extrusão manejada (Figura 20). Porém, essa prática não é obrigatória, pois com a observação cuidadosa da fêmea, a partir da hora-grau determinada, pode-se identificar o momento ideal para a extrusão. 29 5.4. Desova Depois de atingida a hora-grau e, consequentemente, o momento da ovulação, o produtor ou técnico observa sinais comportamentais como a natação em carrossel, ruídos, espasmos musculares etc. (ANDRADE & YASUI, 2003). Ceccarelli et al (2013) afirma que a piracanjuba apresenta características que possibilitam identificar o momento propício à extrusão, aonde a fêmea fica parada no tanque de reprodutores durante todo o processo que antecede a desova e, somente, momentos antes da hora-grau ideal ser atingida é que começa a se movimentar. Em seguida, a fêmea é captura com o auxílio de puçá ou maca (Figura 21A) e verificada se ocorre à liberação de ovócitos através da massagem abdominal no sentido da cabeça à cauda. Caso ocorra a eliminação dos ovócitos, a fêmea é anestesiada e levada para uma mesa, onde será colocada sobre uma espuma espessa onde é feita a secagem da papila genital com toalha limpa e seca e, então, realiza-se o processo de extrusão (BRAGA, 2013; CICCARELLI et al, 2013; BOCK & PADOVANI, 2000). Caso a fêmea não libere ovócitos após a massagem, ela é devolvida para o tanque e monitorada a cada meia hora (BRAGA, 2013). A extração é feita pela pressão delicada no abdômen da fêmea próximo ao poro genital e, depois, ao longo do abdômen no sentido da cabeça ao poro (FONSECA et al, 2013). Essa extração deve ser realizada em um recipiente plástico limpo e seco (Figura 21B), sempre tomando muito cuidado em não deixar cair água nos oócitos, pois com o contato com a água, os oócitos hidratam, fechando a micrópila (Figura 22), impossibilitando a penetração do espermatozoide e a fecundação (CICCARELLI et al, 2013; FONSECA et al, 2013). Figura 20: (A) Momento final da sutura da papila genital da fêmea (Fonte: Cristiano Freitas); (B) Fêmea com a papila genital fechada após a realização da sutura (Fonte: Cristiano Freitas). A B 30 Logo após a extração dos ovócitos, pesa-se o recipiente no qual foi coletado para saber quanto de óvulos a fêmea rende (Figura 23). Através desse peso pode-se calcular de quanto do peso total da fêmea foi obtido de óvulos. Logo após, massageia-se o macho, tendo por baixo o recipiente com os oócitos, para que o esperma caia diretamente sobre eles (FONSECA et al, 2013) ou então retirando-o com uma seringa (BRAGA, 2013) (Figura 24). Deve-se ter o cuidado para evitar a contaminação de sêmen por urina, fezes, sangue e água, desprezando-se algumas gotas iniciais, evitando, assim, a ativação antecipada do sêmen e redução do índice de fertilização (CICCARELLI et al, 2013; BRAGA, 2013). Figura 21: (A) Captura da fêmea com puçá para extrusão dos ovócitos (Fonte: Cristiano Freitas); (B) Extrusão dos ovócitos (Fonte: BRAGA, 2013). A B Figura 22: Micrópila sendo destacada com uma seta logo acima (Fonte:Luciana N. Ganeco Kirschnik apud LIMA et al., 2013). 31 Oócitos e sêmen devem ser bem homogeneizados, utilizando-se uma pena ou espátula limpa (CICCARELLI et al., 2013). Bock & Padovani (2000) recomendam 1 mL de sêmen para 100 g de óvulos para Piaractus mesopotamicus, pois esta quantidade evita que ocorra uma quantidade excessiva de espermatozoide querendo fecundar o mesmo ovócito, além, de também, evitar com que não falte espermatozoide para fecundar os mesmos. Então, de forma delicada, coloca-se água sobre a mistura (Figura 25), na proporção de 10 a 20% do volume de ovos que deseja fertilizar, homogeneizando-se por 1,0 a 1,5 minutos, com o objetivo de ativação da mobilidade espermática e fecundação (CICCARELLI, 2013; FONSECA et al, 2013). A B Figura 24: (A) Sêmen sendo colocados diretamente nos ovócitos (Fonte: BRAGA, 2013); (B) Sêmen sendo coletado pela seringa (Fonte: BRAGA, 2013). Figura 23: Pesagem do recipiente com os óvulos obtidos da extrusão de uma fêmea (Fonte: Cristiano Freitas). 32 Fonseca et al (2013) afirma que a água utilizada no processo de fertilização poderá ser a água utilizada nas incubadoras, desde que essa água seja proveniente de corpo de água não eutrofizado e que tenha passado por filtro biológico, diminuindo a presença de organismos nocivos aos ovos e às larvas. Ainda segundo Fonseca et al (2013), o processo de fertilização dura cerca de cinco minutos, com circulação constante da solução contendo o esperma, os oócitos e a água. Braga (2013) recomenda que ocorra a lavagem ou hidratação dos ovos fazendo-se várias trocas de água (Figura 26). Neste momento é observado o aumento do diâmetro dos ovos devido à sua hidratação e alteração de cor, passando a se apresentarem transparentes. Os ovos recém-fertilizados devem ser colocados emincubadoras cilindro-cônicas com fluxo de água contínuo (LIMA et al, 2013), com volume de 60 (Figura 27A) ou 200 litros (Figura 27B) podendo haver ou não aeração (URBINATI, GONÇALVES & TAKAHASHI, 2013), onde deverá ocorrer a eclosão (FONSECA et al, 2013) e serão mantidos até a absorção do saco vitelínico (ABRUNHOSA, 2011). Figura 25: Adição de água para mistura e ativação da mobilidade espermática (Fonte:Cristiano Freitas). Figura 26: Lavagem dos ovos (Fonte:BRAGA, 2013). 33 5.5. Incubação dos ovos Nessa fase, cuidados com a qualidade da água de abastecimento das incubadoras são essenciais para o sucesso da produção, principalmente para os níveis de oxigênio dissolvido e partículas em suspensão. O manejo das incubadoras exige atenção do produtor, sobre tudo com relação à necessidade devido à elevada quantidade de resíduos oriundos da estrutura dos ovos, o que pode colmatar as telas das incubadoras, causando transbordamento e consequente escape das larvas (LIMA et al, 2013). Ciccarelli et al (2013) recomenda que não haja flutuações bruscas da temperatura e, também, evite raios solares diretamente nos ovos e larvas. Além disso, recomenda-se que não ultrapassa de 2.000 o número de ovos por litro. O período de incubação varia para cada espécie e, também, em função da temperatura da água de cultivo. De modo geral, águas com temperatura mais elevadas resultam numa diminuição do tempo de eclosão e aceleração no desenvolvimento das larvas (LIMA et al, 2013), porém, deve ser respeitado o limite de tolerância da espécie (CECCARELLI et al, 2013). Lima et al (2013) afirma que, para o caso do Tambaqui, o tempo de desenvolvimento do ovo e, posteriormente, eclosão da larva, varia de 14 a 18 horas a uma temperatura média de 25 a 29°C. Porém, a partir de 12h após a fertilização, já é possível perceber a eclosão de algumas larvas. Ciccarelli et al (2013) asseguram 13 horas, após a incubação, para início da eclosão em indivíduos de Piracanjuba. Gomes & Urbinati (2013) afirmam que a eclosão de larvas de Matrinxã ocorre 17 horas após a extrusão (442 horas-grau a 26°C). Urbinati, Gonçalves & Takahashi (2013) citam que a eclosão de larvas de Pacu ocorre de 18 a 22 horas após o início da incubação, em uma faixa de temperatura de 22 a 28°C. Após o término da eclosão das larvas, é necessário realizar a limpeza das incubadoras, devido ao acúmulo de resíduos de ovos. Esse procedimento deve ser realizado a cada 24 horas enquanto as larvas estiverem nas incubadoras, dependendo da quantidade de resíduos acumulados (lama, larvas mortas, etc.). Para isso, a água de abastecimento precisa ser interrompida por alguns minutos (tempo necessário para decantação dos resíduos), na sequência, é realizado o sifonamento das larvas que Figura 27: (A) Sistema de incubadoras de 60 litros (Fonte: BRAGA, 2013); (B) Liberação dos ovos numa incubadora de 200 litros (Fonte: BRAGA, 2013). A B 34 estão na coluna d’água antes da sucção dos resíduos acumulados no fundo da incubadora (LIMA et al, 2013). Assim que nascem, as larvas dos peixes não possuem a boca aberta nem o trato digestivo formado (Figura 28A), dependendo exclusivamente da reserva de nutrientes no saco vitelínico (KUBTIZA, 2003). A formação do sistema digestivo varia de acordo com a espécie, não estando completamente formado no momento da eclosão da larva (LIMA et al, 2013). Algumas horas ou alguns dias de vida e a boca se abre (Figura 28B) e esta pode iniciar a captura de alimentos externos. Neste momento a larva passa a ser chamada de pós-larva (KUBTIZA, 2003). O momento da primeira alimentação das larvas requer grande atenção do produtor, que deve considerar a espécie cultivada (LIMA et al, 2013). Pós-larvas de algumas espécies, como por exemplo, de trutas, tilápias e bagre do canal, apresentam o trato digestivo bem formado, sendo capazes de aproveitar rações finamente moídas já em sua primeira alimentação externa. No entanto, as pós-larvas da maioria das espécies de peixes nativos apresentam um trato digestivo rudimentar ou incompleto, não sendo capazes de aproveitar de imediato as rações (KUBITZA, 2003). Para as pós-larvas das espécies de peixes nativos, Kubtiza (2003) afirma que estas necessitam ingerir organismos vivos como primeiro alimento, como protozoários, rotíferos, náuplios de copépodos, formas jovens de cladóceros, e adultos de copépodos e cladóceros. As enzimas presentes nestes organismos vivos auxiliam a digestão do alimento ingerido e estimulam o desenvolvimento do trato digestivo das pós-larvas. Dessa forma, nas espécies com trato digestivo rudimentar, o alimento natural é imprescindível para assegurar um bom desenvolvimento e uma adequada sobrevivência das pós-larvas. Kubtiza (2003) afirma ainda que diversos piscicultores alimentam as pós-larvas ainda nas incubadoras com leite em pó, gema de ovo crua ou cozida. Figura 28: (A) Larva sem desenvolvimento do trato digestivo, apenas com reserva vitelogênica (Fonte: KUBTIZA, 2003); (B) Pós-larva com a boca aberta, trato digestivo formado e estômago repleto de alimento, além do início de formação das brânquias (Fonte: KUBTIZA, 2003). 35 6. LARVICULTURA E ALEVINAGEM DE PEIXES REOFÌLICOS A larvicultura se inicia ainda na incubadora. A manutenção das larvas na incubadora pode variar entre 2 e 10 dias, para a maioria das espécies nativas de água doce. Em geral, os laboratórios que passam mais tempo com as larvas nas incubadoras oferecem alimentação após o momento de abertura da boca (que ocorre geralmente com 36 horas após a eclosão). Quando as larvas são incubadas por um período menor, elas são transferidas para os viveiros sem uma pré-alimentação (LIMA et al, 2013). Na sequência, inicia-se a fase de alevinagem, que, em geral, é realizada em viveiros escavados. A retirada das pós-larvas das incubadoras é realizada através de sifonagem para baldes com filtro de tela. Em seguida, elas são colocadas em sacos plásticos e transportadas para os viveiros (ABRUNHOSA, 2011). Alguns dias antes da retirada das pós-larvas das incubadoras, deve haver uma preparação do viveiro que irá recebê-las. O primeiro passo é a realização da calagem, seguida por uma adubação, que pode ser orgânica com esterco de gado, suíno ou ave e farelos vegetais, ou então, adubação química através de superfosfato triplo, ureia ou NPK (LIMA et al., 2013). A aplicação de cal também é indicada quando o viveiro acumula poças d’água, pois auxilia na eliminação de peixes e insetos que poderiam predar as larvas após a estocagem (OLIVEIRA et al., 2004 apud LIMA et al., 2013). 36 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUNHOSA, F. Curso técnico em pesca e aquicultura: piscicultura. Governo Federal – Ministério da Educação. Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Pará–IFPA. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2011. 53-58. AMARAL-JUNIOR, H. Manual de reprodução de peixes de água doce com cultivo comercial na região Sul do Brasil. Florianópolis, Epagri. Bol. Téc, 2007. ANDRADE, D. R.; YASUI, G. S. Manejo da reprodução natural e artificial e sua importância na produção de peixes no Brasil. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v. 27, n. 2, p. 166-172, 2003. BALDISSEROTTO, B. Fisiologia de peixes aplicada à piscicultura. 2.ed. Santa Maria, Ed UFSM, 2009, 349p. BALDISSEROTTO, B. Fisiologia de peixes aplicada à piscicultura. 3.ed. 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