Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
207 BLOCKCHAIN, SMART CONTRACTS E ‘JUDGE AS A SERVICE’ NO DIREITO BRASILEIRO Pedro Vilela Resende Gonçalves1 Rafael Coutinho Camargos2 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho se propõe a analisar e testar a legalidade da adoção de me- canismos Judge as a Service (JaaS) em aplicações baseadas em Blockchain como forma de torná-las observantes aos direitos contratual e consumerista brasileiros. Uma das inovações permitidas pela blockchain é a criação de smart contracts: contratos autoexecutáveis regidos apenas por código. Tais contratos permitem que in- divíduos acordem entre si transações de bens e valores associados à blockchain que seriam automaticamente executadas assim que as condições contratuais escolhidas fossem cumpridas.3 Surgiria, então, uma dinâmica que dispensa a necessidade de con- fiança - seja na outra parte envolvida, seja no sistema jurídico estatal - para o estabelec- imento de relações contratuais envolvendo bens e valores de todos os tipos. Os smart contracts seriam assim, uma concretização quase literal da ideia de “Code is Law”4 de Lawrence Lessig - funcionariam alheios e independentes do poder jurisdicional do Esta- do contemporâneo. A inflexibilidade e irreversibilidade inicial dos smart contracts se revela um em- pecilho frente à adoção desta tecnologia pela maior parte da população e frente aos re- querimentos tradicionais do direito contratual vigente na maioria das jurisdições. Uma vez assinados, os contratos inteligentes se cumprem de forma automática, completa- mente alheios aos poderes jurisdicionais tradicionais do Estado. Dessa forma, em de- terminados contextos, mesmo uma ordem judicial de alto nível teria pouca eficácia para reverter o negócio jurídico realizado por si só. Em alguns casos, nem a coação estatal pode ser suficiente. Por esta razão, o princípio da irretroatividade da blockchain torna-se um fator que distancia ainda mais a utilização desses avanços de maneiras diversas e marcantes nas relações cotidianas. Assim, surge como solução a ideia do Judge as a Service5 - uma espécie de árbitro ou juiz com poderes técnicos para reverter ou alterar transações realizadas através de smart contracts na Blockchain. O desafio, portanto, é a adequação dos smart contracts, através da utilização de um mecanismo de Judge as a Service ou de outros análogos, às normas do Direito brasileiro. 1 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Mins Gerais, fundador e coordenador do Instituto de Referência em In- ternet e Sociedade (IRIS) e do Grupo de Estudos em Internet (GNET). Alumni da Escola de Governanç de Internet do Brasil e membro do Youth Observatory. 2 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, trader de cryptocurrencies e entusiasta de Direito Penal, rafaelcoutinhocamargos@gmail.com 3 SZABO, Nick, The idea of smart contracts, Nick Szabo’s Papers and Concise Tutorials, n. c, p. 1–2, 1997. Disponível em: <http://szabo.best.vwh.net/smart_contracts_idea.html>. Acesso em: 16/10/2016. 4 LESSIG, Lawrence, CODE version 2.0, 1a. ed. New York: Basic Books, 2006. p.6 5 BUTERIN, Vitalik, DAOs Are Not Scary, Part 1: Self-Enforcing Contracts And Factum Law, Ethereum Blog, disponível em: <https://blog.ethereum.org/2014/02/24/daos-are-not-scary-part-1-self-enforcing-contracts-and-factum-law/>.Acesso em: 16/10/2016. 208 DESENVOLVIMENTO 2.1. Conceituação de Blockchain Blockchain pode ser definida como uma tecnologia de registro de informação que se vale de uma rede descentralizada peer to peer (P2P) para gerar consenso entre seus participantes acerca das informações armazenadas e das que se pretende armaze- nar. Para tanto, seus participantes (nodes), compartilham um “livro de registros” (public ledger) a fim de possibilitar a verificação da compatibilidade das informações entre os nodes, gerando a confiança necessária para o funcionamento desta tecnologia. Desenvolvimentos recentes permitiram que a Blockchain incorporasse em si qualquer forma de conteúdo ou informação. Ademais, a natureza de seu funcionamen- to inviabiliza economicamente a sua falsificação, na medida em que o custo necessário para quaisquer fraudes em seu registro ultrapassa possíveis vantagens obtidas. Dessa maneira, a Blockchain permite a interação autônoma entre os pares, dis- pensando a figura do terceiro de confiança, uma vez que esta é assegurada pela própria arquitetura do sistema. Isso proporciona maior fluidez nas relações, assim como um rol praticamente inesgotável de utilizações. 2.2. Conceituação de Smart Contract Uma maneira de delinear a ideia de Smart Contract é a de que este é a represen- tação de um acordo no qual se verifica o cumprimento de uma condição anteriormente estabelecida, que ocasiona uma consequência também previamente consentida. O fun- cionamento do smart contract segue a lógica “se X, então Y” contida no código pelo qual o contrato será regido. Desse modo, o smart contract se torna autoexecutável na medida em que o adimplemento da condição desencadeia o resultado, sendo assim a material- ização do conceito de Code is Law de Lawrence Lessig. Nesse sentido vale apresentar o exemplo utilizado por Nick Szabo6, originador da ideia do smart contract, de que uma máquina de refrigerante é um contrato inteligente primitivo. Isso pois a máquina é detentora de uma quantidade de bens armazenados em um compartimento seguro onde o custo de violação deste compartimento é maior que o nele contido, com o fim de cumprir a seguinte lógica7: se inserido o valor programado, então a posse do refrigerante será transferida. Desse modo, o contrato programado na máquina de refrigerante é autoexecutável, lhe interessando somente o cumprimento de suas exigências. 2.3. Exemplos de Serviços Possíveis utilizando Blockchain e Smart Contracts As possibilidades de aplicação da Blockchain e dos smart contracts são inex- auríveis. Geralmente divididas em “financeiras”, “não-financeiras” e “semi-financeiras”, 6 SZABO, The idea of smart contracts. Op.cit. 7 Em linguagem de programação, este Smart Contract poderia ser escrito da seguinte forma: “if button_pressed == “Coca Cola” and money_inserted >= 1.75: release(“Coca Cola”) return_change(money_inserted – 1.75) else if button_pressed == “Aquafina Water” and money_inserted >= 1.25: release(“Aquafina Water”) return_change(money_inserted – 1.25)” 209 novas aplicações baseadas em registros públicos distribuídos têm surgido diariamente para suprir praticamente qualquer sistema antes dependente de intermediários ou de relações de confiança entre partes envolvidas. Entre as aplicações desenvolvidas es- tão sistemas de registros públicos de propriedade,8 contratos de seguros,9 sistemas de governança coletiva,10 fundos de investimento,11 bolsas de valores12 e sistemas de cer- tificação de assinaturas para petições em iniciativas legislativas populares,13 entre out- ros. Praticamente qualquer tipo de negócio jurídico que envolva uma condição para execução seguida de transação de valores ou propriedades têm sido contemplado com o desenvolvimento de uma aplicação baseada em Blockchain. 2.4. Irretroatividade da Blockchain O funcionamento primário dos smart contracts na Blockchain se caracteriza, en- tretanto, por sua natureza irretroativa. Isto quer dizer que uma vez que ambas as partes tenham assinado um contrato este se cumpre automaticamente, seguindo apenas as ordens pré-estabelecidas em seu código. Se as partes envolvidas por qualquer razão desejarem reverter a transação, retornando ao status quo, deverão se engajar em um novo contrato inteligente para tal. No âmbito dos smart contracts, sua eficácia depende apenas do cumprimento de requisitos objetivos de possibilidade, determinação e eco- nomicidade.14 Por se executarem com plena eficácia no momento de sua assinatura pelas partes envolvidas, os requisitos subjetivos para sua validade não têm relevância prática e factual. 2.5. Restrições do Direito Contratual Brasileiro frente à Smart Con- tracts e Blockchain Naturalmente,esta constatação vai fortemente de encontro ao Direito brasile- iro. É inadmissível para nosso ordenamento que um contrato sem validade possa ser executado com plena eficácia sem que as partes tenham chance de alegar sua nulidade total ou parcial por descumprimento de requisitos subjetivos ou formais.15 Isso por duas razões principais: i) não há tempo hábil para que isto se faça após a assinatura do con- trato; e ii) após a execução do contrato, os bens ou valores transacionados estarem em situação que impossibilite a reversão do contrato. Do ponto de vista jurídico tradicional, não haveria situação como a descrita no ponto ii): após alegada e reconhecida a nuli- dade de um contrato frente a um juiz, este pode emitir uma ordem judicial coagindo a outra parte a tomar as medidas necessárias para que os valores e bens retornem ao status quo. Ocorre que um smart contract inaugura a possibilidade de que não haja parte humana a ser constrangida e que portanto o bem ou valor esteja completamente fora do campo de ação estatal. Quando um smart contract torna-se possuidor de um bem ou valor puramente digital, apenas uma previsão em código e mecanismos técnicos podem fazer com que tal bem ou valor seja transferido para outrem. 8 CHAVEZ-DREYFUSS, Gertrudes, Honduras to build land title registry using bitcoin technology, Reuters, disponível em: <http://in.reuters.com/article/usa-honduras-technology-idINKBN0O01V720150515>.Acesso em: 16/10/2016. 9 DAVIS, Joshua, Peer to Peer Insurance on an Ethereum Blockchain: General Consideration of the Fundamentals of Peer to Peer Insurance, p. 1–14, . Disponível em: <www.dynamisapp.com/whitepaper.pdf>. Acesso em: 16/10/2016. 10 JENTZSCH, Christoph, Decentralized Autonomous Organization to Automate Governance, SlockIt, p. 1–30, 2016. Disponível em: <https://download.slock.it/public/DAO/WhitePaper.pdf>. Acesso em: 16/10/2016. 11 Ibidem. 12 HIGGINS, Stan, Blockchain Stock Market Startup Funderbeam Raises $2.6 Million, CoinDesk, disponível em: <http://www. coindesk.com/blockchain-stock-market-startup-funding/>,. Acesso em: 16/10/2016. 13 < https://www.mudamos.org/blog/por-que-mudamos>. Acesso em: 16/10/2016. 14 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo, 5a. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, passim. 15 Ibidem. 210 2.6. Conceituação e Utilidade do JaaS Surgem então certas situações em que uma intervenção humana sobre o código pode se mostrar necessária para explorar a integridade de seu potencial. Entre os usos de smart contracts que podem exigir tal intervenção estão aqueles em um nível de com- plexidade maior do que o possivelmente previsto por um algoritmo, como por exemplo quaisquer contratos que envolvam um evento altamente subjetivo, como a realização de um serviço, a guarda de depósitos e garantias que serão transferidas após deter- minadas condições também subjetivas ou mesmo medidas emergenciais para retirar fundos presos em um smart contract por qualquer razão. Este último exemplo é partic- ularmente significativo. Para isto foi sugerida a figura do “Judge as a Service”,16 uma espécie de árbitro com poderes técnicos para reverter ou alterar transações realizadas através de smart contracts na Blockchain. Durante a elaboração do smart contract, predefine-se um ou mais indivíduos ou um mecanismo que definirá tais indivíduos (que podem ser escolhi- dos pelo algoritmo por meio de critérios como a reputação objetiva de um membro da comunidade, pela presença em um banco de dados previamente determinado ou que pode ser o próprio criador do smart contract) que analisará o negócio jurídico e atestará sua validade. Ele também terá poderes para garantir seu cumprimento em observância com a lei da jurisdição na qual as partes se inserem e, assim, corrigir quaisquer vícios ou nulidades no contrato inteligente. 2.7. Proximidade do JaaS e do paradigma do CPC/15, resolução consensual de conflitos Considerando a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil de 2015, per- cebe-se uma mudança do modelo de resolução processual brasileiro, em um abandono paulatino de um árduo embate processual, partindo para resoluções consensuais das demandas. Essa nova percepção do processo se vale de princípios da Arbitragem Judicial e de seus mecanismos. No mesmo sentido, o JaaS naturalmente tende a ser uma maneira mais harmôni- ca de deliberação sobre conflitos. Tomando como ponto de partida as condições esta- belecidas via código, o(s) Juiz(es) ponderam dentro dos limites lógicos de cada contrato (os quais em teoria foram anuidos pelas partes). Entretanto, há a observação de alguns princípios gerais de formação e execução de contratos. A figura do JaaS serve em pri- meiro momento como um facilitador, um intermediário a fim de facilitar a dissolução do impasse encontrado pelas partes. Somente após constatada a impossibilidade de acor- do entres essas, o Judge utilizará de seus privilégios técnicos para alterar as questões necessárias no contrato. Além disso, esses tribunais descentralizados permitem o uso de técnicas exclusi- vas do âmbito da resolução online de conflitos, como por exemplo o Double Blind Bidding e o Visual Blind Bidding, os quais são formas de negociação entre as partes . Nesse con- texto, as demandas de cada parte são externalizadas, entretanto, sem o conhecimento da outra parte, incumbindo um algoritmo de avaliar as propostas e averiguar se há pos- sibilidade de acordo. 16 BUTERIN, Op.cit. 211 2.8. Utilização, análoga, do sistema de precedentes do CPC/15 nas decisões Outra inovação do CPC/15 é o sistema de precedentes e resolução de deman- das repetitivas, disposto nos artigos 926 a 928. Nessa conjuntura, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência de maneira coerente dentro do ordenamento jurídico pátrio, respeitando as decisões das instâncias superiores, assim como aplicar determi- nadas decisões em incidentes de demandas repetitivas. Retornando à esfera do JaaS, a utilização desse raciocínio se daria de maneira ainda mais vantajosa, na medida em que a organização, classificação e aplicação dos precedentes pode ser feita por meio de algoritmos. Estes iriam constatar a similari- dade de novas demandas com aquelas previamente definidas como precedentes, ou a averiguação de litígios repetitivos. Além disso, o registro das decisões na Blockchain aperfeiçoa e garante mais segurança a este modelo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização de um recurso de Judge as a Service pode ser essencial para ampliar a adoção e popularização de tecnologias de Blockchain. Atualmente, as maiores bar- reiras para a expansão da tecnologia estão na desconfiança e incerteza por parte dos usuários finais sobre os valores a serem transacionados pelo sistema. Sem as garantias oferecidas pelo Estado, a percepção de risco é alta e desestimula o usuário final e pouco familiar com o funcionamento da tecnologia. Por fim, é importante ressaltar o enorme potencial de uso de Inteligência Arti- ficial em mecanismo como o JaaS, pois, além de aperfeiçoar o sistema de precedentes e demandas repetitivas, a IA permite uma automação da tomada de decisões cada vez maior, transformando significativamente as concepções de tempo processual e do vol- ume de deliberações. 212 4. REFERÊNCIAS Livros: FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 5a. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. LESSIG, Lawrence. CODE version 2.0. 1a. ed. New York: Basic Books, 2006. Disponível em: <http://codev2.cc>. Artigos: DAVIS, Joshua. Peer to Peer Insurance on an Ethereum Blockchain: General Consider- ation of the Fundamentals of Peer to Peer Insurance. p. 1–14. SZABO, Nick. The idea of smart contracts. Nick Szabo’s Papers and Concise Tutorials, n. c, p. 1–2, 1997. White Papers: JENTZSCH, Christoph. Decentralized Autonomous Organization to Automate Gover- nance. SlockIt, p. 1–30, 2016. Disponível em: <slock.it/dao.html>. Matérias Disponíveis Online: BUTERIN, Vitalik. DAOs Are Not Scary, Part 1: Self-Enforcing Contracts And Factum Law. Ethereum Blog. Disponívelem: <https://blog.ethereum.org/2014/02/24/daos-are- not-scary-part-1-self-enforcing-contracts-and-factum-law/>. CHAVEZ-DREYFUSS, Gertrudes. Honduras to build land title registry using bitcoin technology. Reuters. Disponível em: <http://in.reuters.com/article/usa-honduras-tech- nology-idINKBN0O01V720150515>. HIGGINS, Stan. Blockchain Stock Market Startup Funderbeam Raises $2.6 Million. CoinDesk. Disponível em: <http://www.coindesk.com/blockchain-stock-market-start- up-funding/>. ∎ ∎ ∎ 213 BLOCKCHAIN: DOS CONCEITOS ÀS POSSÍVEIS APLICAÇÕES1 João Felipe Chagas Tavares2 Luiz Felipe Drummond Teixeira3 1. INTRODUÇÃO Quando Satoshi Nakamoto4, em 2008, propôs o Bitcoin, a extensão das futuras implicações da tecnologia que o sustenta ainda não era imaginada. A blockchain, ao possibilitar a criação de redes descentralizadas, poderia revolucionar uma série de seto- res. Seria o início de uma economia realmente sem intermediários? A potencialidade da disrupção que poderia ser provocada é grande. Há quem diga, inclusive, que a revolução proporcionada pela blockchain poderia ser algo jamais visto no curso da história huma- na, capaz de alterar o modelo competitivo que vigora na sociedade para a cooperação5. Por apresentar uma visão acadêmica acerca do tema, é importante deixar claro que se parte de um ponto de vista mais cético, menos entusiasmado e otimista que a maior parte das opiniões que circulam sobre o assunto6. Assim, após descrever a block- chain e demonstrar a sua possível aplicação em setores distintos, será discutida a plau- sibilidade da adoção de algumas das estruturas descritas. 2. DISCUSSÃO OU DESENVOLVIMENTO Inicialmente, é necessário deixar claro o que é a blockchain. Trata-se de um enorme banco de dados descentralizado e público, que, no caso do Bitcoin, monitora quem é dono de uma certa quantia de bitcoins7. As moedas são meros lançamentos na blockchain, ou seja, ter um bitcoin é meramente ter o direito de reivindicar uma infor- mação lançada na blockchain8. David S. Evans9, Professor da Universidade de Chicago, analisando a Blockchain, no caso do Bitcoin, vê seis características marcantes que geralmente acompanham esse tipo de estrutura. Em primeiro lugar, elas dependem da Internet para que as transações ocorram. Além disso, elas utilizam um protocolo para receber, enviar e registrar valores – ou informações -, que se baseia num banco de dados público e descentralizado, que, com métodos criptográficos, protege os valores que são enviados e recebidos e provi- dencia um registro público das transações. Há, ainda, uma estrutura de dados que é us- 1 Trabalho que se originou das discussões do Grupo de Estudos em Políticas Públicas da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG, coordenado pelo Professor Dr. Leandro Novais e Silva. 2 Bacharel em Direito pela UFMG. jf.chagas.tavares@gmail.com 3 Bacharelando em Direito pela UFMG; luizfelipedrummond@gmail.com 4 NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. 2008. Disponível em: <https://bitcoin.org/bitcoin. pdf>. Pág. 8. 5 FEDER, Julian. From Competition to Cooperation. 2016. Disponível em: <https://magazine.backfeed.cc/from-competi- tion-to-cooperation/>. Acesso em: 12 out. 2016. 6 NARAYANAN, Arvind. Bitcoin and Cryptocurrency Technologies. Curso elaborado pela Universidade de Princeton no Cour- sera. 2016. Disponível em: <https://www.coursera.org/learn/cryptocurrency>. Acesso em: 2 jun. 2016. Aula 11 – Primeira parte. 7 THE ECONOMIST (Ed.). The next big thing: Or is it?. 2015. Disponível em: <http://www.economist.com/news/special-re- port/21650295-or-it-next-big-thing>. Acesso em: 12 out. 2016. Sem página. 8 ibid. 9 EVANS, David S.. Economic Aspects of Bitcoin and Other Decentralized Public-Ledger Currency Platforms. Coase-Sandor Institute for Law & Economics Working Paper No. 685. 2014 Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent. cgi?article=2349&context=law_and_economics>. Acesso em: 12 out. 2016. Págs. 3 e 4 214 ada para representar o valor da Blockchain, que, no caso do Bitcoin, é conhecida como “moeda”. Outro traço das plataformas descentralizadas é o esquema de incentivos ao trabalho, a partir de recompensas aos “mineradores”, indivíduos que protegem as tran- sações da estrutura. A quinta característica é o uso de softwares de código aberto, o que permite que os usuários possam, além de usar, modificar o software subjacente à Block- chain. Por fim, há um sistema de governança para determinar os princípios operadores da plataforma, adotar mudanças no protocolo e em outras características do software e para direcionar a evolução da plataforma. Na Blockchain, a cada transferência, parte de um novo bloco é adicionada à cor- rente10. As transferências são aprovadas quando um grande número de computadores – os mineradores – as autentica, de forma a se chegar em um consenso a respeito de como a última versão da Blockchain deve parecer11. Para isso, são verificados os históri- cos de transação, para que se determine se quem aliena suas moedas realmente as possui12. Em troca, os mineradores recebem bitcoins recém cunhados. Esse sistema pre- vine que bitcoins sejam gastos mais de uma vez e, dado o poder do consenso, apenas alguém com no mínimo 51% da capacidade computacional dos mineradores seria capaz de provocar fraude e alterar o consenso para benefício próprio13. Por conta disso, a Blockchain permite que transações sejam feitas sem a necessidade de confiança entre os agentes: é como se fosse uma “máquina para criar confiança”14. 2.1. OS POSSÍVEIS USOS DA BLOCKCHAIN De início, a Blockchain pode ser usada para fins puramente digitais15. O arma- zenamento de arquivos na nuvem é um exemplo claro16. Como ele é feito hoje? Há um intermediário, por exemplo o Dropbox, que armazena os arquivos de todos os usuários de acordo com os planos escolhidos. Com a Blockchain, é possível descentralizar esse tipo de serviço, por meio, por exemplo, da Blockchain do Bitcoin, de modo que todos os computadores dos usuários podem armazenar arquivos e quanto mais o fazem, maior é o seu limite de armazenamento17. É o caso da Storj18. Por outro lado, também é possível utilizar a Blockchain para fins que podem ser representados digitalmente19, É o caso das moedas virtuais, como o Bitcoin, já descrito acima e, além disso, do Mercado de Ações. Recentemente, a NASDAQ, por exemplo, tor- nou acessível o uso de serviços baseados na Blockchain20. Imagine, agora, um carro que possui uma chave pública codificada21. Ela é ativada ao receber uma mensagem assinada pela chave privada correspondente. A chave públi- ca é atualizada de forma dinâmica, com base na Blockchain do Bitcoin e corresponde a uma chave privada, cujo endereço resulta de transações na Blockchain. Com eventuais 10 THE ECONOMIST (Ed.). Op.cit. 11 Ibidem. 12 Ibidem. 13 Ibidem. 14 Ibidem. 15 NARAYANAN, Arvind. Op.cit. 16 Ibidem. 17 Ibidem. 18 STORJ: Decentralizing Cloud Storage. [s.i]: Storj, 2014. Color. Disponível em: <https://vimeo.com/102119715>. Acesso em: 13 out. 2016. Sem página. 19 NARAYANAN, Op.cit. 20 CASTILLO, Michael del. Nasdaq Opens Blockchain Services to Global Exchange Partners. 2016. Disponível em: <http://www. coindesk.com/nasdaqs-blockchain-services-global-exchange/>. Acesso em: 13 out. 2016. Sem página. 21 NARAYANAN, Arvind. Op.cit. 215 transferências, a chave pública se atualiza, de forma a ser ativada pela chave privada do novo proprietário. A transação ocorre apenas na Blockchain e, para melhor segurança, pode ser feita de forma que uma única transação combine tanto o pagamento quan- to a transferência da propriedade22. São as chamadas propriedades inteligentes (smart properties), que podem reduzir completamente os intermediários que, atualmente, são envolvidos na transferência de uma propriedade. Outra possibilidade que merece ser destacada são os contratos inteligentes (smart contracts), capazes de se autoexecutarem - por exemplo, ao liberar um pagamen- to assim que ascondições necessárias sejam atingidas - e de se autoverificarem, avalian- do se as condições do contrato estão sendo cumpridas23. São extremamente resistentes a fraudes, pois são registrados e acontecem numa rede de computadores que está além da influência dos contratantes. O Ethereum, plataforma que utiliza Blockchain distinta da usada pelo Bitcoin, permite que qualquer usuário faça seus próprios contratos inteli- gentes24. Por fim, um dos maiores potenciais disruptivos gerados pela Blockchain advém das Organizações Autônomas Descentralizadas (DAO – Decentralized Autonomous Or- ganizations), estruturas organizadas e descentralizadas, que possuem regras defini- das por um desenho inicial e que dependem do consenso, por meio do voto, entre os membros para eventuais alterações25. O Ethereum também disponibiliza para qualquer usuário a criação de uma DAO, com a possibilidade, inclusive, de se criar um Congresso democrático por meio desta plataforma. 2.2. O QUE A BLOCKCHAIN PODE FAZER HOJE? Apesar das inúmeras possibilidades de inovação que a Blockchain pode trazer, é preciso ser realista quanto à extensão que seus efeitos podem atingir. Pelo modo como muitos falam, parece que a existência da Blockchain torna prescindível até mesmo o Estado. A realidade, entretanto, é que se trata de tecnologia nova, que ainda não atingiu os seus patamares mais apurados de eficiência. O Bitcoin, por exemplo, que é a forma mais antiga de uso da Blockchain, limita-se a apenas sete transações por segundo, en- quanto um método de pagamento já estabelecido, como a Visa, comporta quase 2 mil transações por segundo26. Além disso, embora já se tenha demonstrado a segurança do método de autenticação pelo consenso, eventualmente, ela pode gerar problemas, como na hipótese de um grande player do mercado criar verdadeiras “linhas de miner- ação” e, assim, dominar mais de 51% dos computadores disponíveis27. Por fim, o uso am- pliado da Blockchain pode gerar impactos ambientais, por meio da energia despendida com a mineração que seria aumentada28. Ademais, alguns problemas sociais de algumas áreas não são resolvidos pela Blockchain29. Pense no caso das propriedades inteligentes. Os principais problemas que ocorrem dizem respeito à segurança e à solução de conflitos30. Sem a atividade punitiva 22 Ibidem. 23 Mais informações: <https://smartcontract.com/>. 24 Cf.: <https://www.ethereum.org/>. 25 SILVA, Leandro Novais e; PRATES, Marcelo Madureira. Estamos preparados para uma economia sem intermediários? 2016. Draft. Pág. 2. 26 THE ECONOMIST (Ed.).Op.cit. 27 Ibidem. 28 Ibidem. 29 NARAYANAN, Arvind. Op.cit. 30 Ibidem. 216 do Estado, a Blockchain, ainda que possa apresentar suas soluções para as transações, não seria tão eficiente31. O mesmo vale para a solução de conflitos. Portanto, pelo menos no atual estado, a Blockchain não parece ser capaz de solucionar muitos dos problemas sociais que perpassam as áreas que ela modifica. Dessa forma, é provável que a melhor alternativa, atualmente, seja encontrar casos atraentes para a descentralização, por exemplo, onde há muita ineficiência e altos custos; tentar integrar na medida do possível com o sistema atual e, assim, atuar em conjunto32. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Blockchain pode vir a proporcionar alterações profundas na própria forma em que os negócios acontecem, impactando desde o mercado de ações até transações menores, como a venda de carros. Trata-se da possibilidade de uma economia sem in- termediários, na qual a confiança não é um elemento primordial. Pense numa espécie de Uber em que os motoristas negociam diretamente com os consumidores ou num Spotify que une músicos e ouvintes. Entretanto, como ressaltado, deve-se ter os pés no chão e ver como a Blockchain realmente é hoje, para assim, ter ciência de suas lim- itações. Diante disso, a alternativa que parece ser mais factível é a integração das plata- formas descentralizadas com o sistema atual, principalmente nas áreas mais ineficien- tes e custosas. 4. REFERÊNCIAS CASTILLO, Michael del. Nasdaq Opens Blockchain Services to Global Exchange Partners. 2016. Disponível em: <http://www.coindesk.com/nasdaqs-blockchain-ser- vices-global-exchange/>. Acesso em: 13 out. 2016. EVANS, David S.. Economic Aspects of Bitcoin and Other Decentralized Public-Led- ger Currency Platforms. Coase-Sandor Institute for Law & Economics Working Paper No. 685. 2014 Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent. cgi?article=2349&context=law_and_economics>. Acesso em: 12 out. 2016. FEDER, Julian. From Competition to Cooperation. 2016. Disponível em: <https://maga- zine.backfeed.cc/from-competition-to-cooperation/>. Acesso em: 12 out. 2016. NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. 2008. Disponível em: <https://bitcoin.org/bitcoin.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. NARAYANAN, Arvind. Bitcoin and Cryptocurrency Technologies. Curso elaborado pela Universidade de Princeton no Coursera. 2016. Disponível em: <https://www.coursera. org/learn/cryptocurrency>. Acesso em: 2 jun. 2016. SILVA, Leandro Novais e; PRATES, Marcelo Madureira. Estamos preparados para uma economia sem intermediários? 2016. Draft. STORJ: Decentralizing Cloud Storage. [s.i]: Storj, 2014. Color. Disponível em: <https:// vimeo.com/102119715>. Acesso em: 13 out. 2016. THE ECONOMIST (Ed.). The great chain of being sure about things. 2015. Disponível 31 ibid. 32 ibid. 217 em: <http://www.economist.com/news/briefing/21677228-technology-behind-bitcoin- lets-people-who-do-not-know-or-trust-each-other-build-dependable>. Acesso em: 12 out. 2016. THE ECONOMIST (Ed.). The next big thing: Or is it?. 2015. Disponível em: <http://www. economist.com/news/special-report/21650295-or-it-next-big-thing>. Acesso em: 12 out. 2016. THE ECONOMIST (Ed.). The trust machine. 2015. Disponível em: <http://www.economist. com/news/leaders/21677198-technology-behind-bitcoin-could-transform-how-econo- my-works-trust-machine>. Acesso em: 12 out. 2016. ∎ ∎ ∎
Compartilhar