Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GÊNESE DA CRIMINOLOGIA CRIMINOLOGIA PROF. RAFAEL FIGUEIREDO PINTO 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES - Momento histórico de início do estudo da criminologia: incerto 2. PERÍODO PRÉ-CIENTÍFICO - Contribuições desde a Antiguidade até a Idade Moderna (fim do séc. XVIII) - Dentre as pseudociências, cabe destaque para a fisionomia e a frenologia - Outras disciplinas importantes: a psiquiatria, a antropologia e a penologia @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O famoso Código de Hammurabi, criado na Antiguidade, dispunha que pobres e ricos fossem julgados de modos distintos, correspondendo aos últimos a maior severidade em razão das oportunidades que tiveram em vida. “Ilíada” (Homero - 850 a.C.) tratava da relação entre crimes, guerras e crueldades. Na Idade Média, São Tomás de Aquino discorria sobre justiça distributiva e as relações existentes entre a pobreza e o roubo. Sem que se soubessem, fazia-se “criminologia”. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Della Porta (1586), Petrus Camper (1776) e Caspar Lavater, principais expoentes da fisionomia, influenciaram o Direito. O Marquês de Moscardi, juiz napolitano, decidia processos com base no “Édito de Valério”, que afirmava: “quando se tem dúvida entre dois presumidos culpados, condena-se o mais feio”. A sentença (sempre de pena de morte ou perpétua) trazia o bordão: “ouvidas acusação e defesa e examinadas a cabeça e a face do acusado, condeno-o”. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A frenologia, evolução da cranioscopia (apurava aspectos da personalidade com base em medições externas da cabeça), visa a análise do interior da mente. Para Franz Gall (1800), o crime resulta de desenvolvimento parcial e não compensado do cérebro. Johann Spurzheim, discípulo de Gall, escreveu, em 1844, o “Sistema completo de frenologia”. Tal pensamento deu aos governos ingleses argumentos para justificar a “inferioridade” dos servos coloniais, incluindo irlandeses. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Da psiquiatria extraem-se lições como a separação dos enfermos mentais dos criminosos, mediante diagnósticos (Philippe Pinel), associação da criminalidade à degeneração do sistema nervoso (Bénedict Morel) e noção de “loucura moral” (Dominique Esquirol). Da antropologia, noções de atavismo e de seleção natural (Charles Darwin). Da penologia, são exemplos a constatação do estado miserável das prisões (John Howard) e o utilitarismo (Jeremy Bentham - 1787). 2.1. Escola Clássica - O Iluminismo: mobilização do poder da razão (século XVIII) - Limitação do poder punitivo estatal e garantia de direitos dos indivíduos - Influências: utilitarismo, contratualismo e jusnaturalismo - Principal expoente: Cesare Beccaria (Dos Delitos e Das Penas, 1764) - Outros autores: Francesco Carrara, Feuerbach, Filangieri e Carmignani @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O contratualismo consiste em teorias que visam explicar os caminhos que levam as pessoas a formarem Estados e manterem a ordem social. No contrato social, em um acordo de vontades, as pessoas abrem mão de certos direitos para um governo e passam a respeitar regras, com o fim de obterem vantagens. Foram importantes teóricos do contratualismo: Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762). @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Os direitos naturais (jusnaturalismo) são princípios fundamentais de proteção ao homem que deverão ser consagrados pela legislação, a fim de que se tenha um ordem jurídica justa. Não é escrito ou criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado; é um direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela conjugação da experiência e razão. Trata-se de um grupo de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Cesare Bonesana, o marquês de Beccaria, em “Dos Delitos e das Penas” (1764), trabalho de grande potencial reformista, criticou os direitos de propriedade aristocrático, a pena de morte e a aplicação da tortura. Por outro lado, defendeu a limitação da autoridade da Igreja, a pregação da tolerância e do pluralismo religioso, e a igualdade formal. Seu livro consiste na junção do utilitarismo, da ideia de contrato social e do jusnaturalismo (direitos naturais inalienáveis). a) Características - Método dedutivo ou lógico-abstrato - O criminoso é um ser normal que faz livremente suas escolhas - A pena deve ser humana, proporcional ao delito, legal e pública - Funções da pena: defesa social e retribuição - Crime como um “ente jurídico”, como violação à lei @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS “Para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”. “A tortura é o meio mais seguro de absolver os criminosos robustos e condenar os fracos inocentes” (Cesare Beccaria). @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A prevenção geral destina-se à coletividade e visa o controle da violência. Pode ser positiva, com o objetivo de demonstrar que a lei penal está em vigor e é aplicada; ou negativa, como forma de “coação psicológica” e desestímulo geral. A prevenção especial, destinada diretamente ao condenado, pode ser positiva, voltando-se à ressocialização, ou negativa, quando se busca a intimidação do sujeito para que pratique novos ilícitos penais (evita-se, assim, a reincidência). b) Críticas ao pensamento clássico - Não dissuadiu as pessoas quanto à prática de crimes - O postulado da racionalidade pura dos homens não condiz com a realidade - Não possui caráter científico @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Os pensadores iluministas eram vistos como "acadêmicos de escrivaninha“, cuja explicação do mundo se dava apenas pelo papel e a pena (lógica e abstrações). Entendiam o crime como resultado de um cálculo de custo-benefício, assumindo que o criminoso seria necessariamente mal ou ignorante. Por tais motivos, não à toa Enrico Ferri dizia: "Para eles, fatos dão lugar aos silogismos; para nós, o fato impera e nenhuma forma de raciocínio pode acontecer sem partir dos fatos". 3. PERÍODO CIENTÍFICO - Inauguração no século XIX, com o advento da Escola Positiva Italiana 3.1. Escola Positivista - Nascimento ou independência da Criminologia enquanto ciência - Expoentes: Cesare Lombroso (O Homem Delinquente, 1876) - Outros autores: Enrico Ferri e Rafaele Garofalo @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA a) Características - Método indutivo ou causal-explicativo - O criminoso é um ser degenerado e determinado para práticas ilícitas em razão de causas endógenas ou exógenas - Função da pena: defesa social - Crime como ato concreto e histórico @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O estudo positivista guia-se pela observação, descrição, quantificação e análise objetiva e neutra das forças causais que levam à ação criminosa. Por tratar-se de uma patologia, faria sentido o tratamento, não a punição da pessoa. Não sendo possível o tratamento desta, dever-se-ia afastá-la da sociedade, não em razão do mal que causara, mas para prevenir novos crimes, já que não havia nada a ser feito para impedir essas determinações biológicas de funcionarem. 3.1.1. Fase antropológica ou antropobiológica - Inaugurada por Cesare Lombroso. Obra: “O homem delinquente” (1876) - Influências da cranioscopia e da frenologia - Teses centrais: 1) o criminoso diferencia-se dos não criminosos por meio de diversos sinais físicos e psíquicos; 2) o criminoso é uma variante da espécie humana, um ser atávico; 3) essa variação é transmitida hereditariamente - Atavismo feminino em “A mulher delinquente” (1895) @prof.rafaelpintoGÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O que há em comum em todos os crimes? Para Cesare Lombroso, o criminoso. Conta-se que sua epifania veio de uma autópsia que ele realizou em um notório criminoso, em 1871: Giuseppe Villela. No ato, Lombroso identificou que algumas características de Giuseppe tinham similaridades com outros espécimes de povos não ocidentais (considerados inferiores) que ele tinha estudado. Essa condição sugeriu que os criminosos seriam seres atávicos (menos evoluídos). @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Embora Lombroso não tenha conseguido identificar uma característica definitiva e determinante pertencente a todos os criminosos, ele encontrou uma série de indicativos que pensava ser comum àqueles: crânios menores e deformados; pessoas altas e pesadas, com pele, olhos e cabelos escuros; orelhas grandes, mandíbulas exaltadas e com menor sensibilidade à dor. Sem saber, ao invés de descobrir os criminosos, ele descobriu os criminalizados. 3.1.2. Fase sociológica - Inaugurada por Enrico Ferri. Obra: Sociologia Criminal (1884) - Crime como resultado de causas multifatoriais - Tipologia criminal: natos, loucos, habituais, ocasionais e passionais - Estímulo ao desenvolvimento de políticas criminais de caráter preventivo @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Para Enrico Ferri, o crime, como qualquer outra ação humana, seria o resultado de múltiplas causas, que embora entrelaçadas, poderia ser identificadas para fins de estudo. Para ele, as causas do crime seriam divididas em três categorias: causas antropológicas (estado civil, educação etc.), físicas (raça, distribuição do solo, clima etc.) e sociais (variações da população, opinião pública, religião etc.). Tais variáveis seriam depois incorporadas por Lombroso em sua obra. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Durante seus estudos com Lombroso, Ferri criou a expressão "criminoso nato” e desenvolveu um sistema de classificação para identificar criminosos. À época do estudo, Ferri fez exatamente o que criticou em Lombroso anos antes: mediu crânios. Mereceu atenção especial a categoria dos ocasionais, pois compunham o maior grupo (embora os criminosos habituais e natos tivessem mais chances de reincidência, por serem quase incorrigíveis, não mereciam tanta atenção). 3.1.3. Fase jurídica - Inaugurada por Rafaelle Garofalo. Obra: Criminologia (1885) - Criação da noção de periculosidade - Desenvolvimento do conceito de delito natural - Estímulo ao desenvolvimento de políticas criminais de caráter repressivo - Normatização das ideias da Escola Positivista @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Rafaelle Garofalo enxergou o crime a partir da natureza orgânica e psicológica do criminoso, abraçando um conceito não de culpabilidade individual e moral, mas de responsabilidade e defesa social. A "periculosidade" é uma invenção de Garofalo. Ele entendia que, tal como sucede na natureza, através dos processos de seleção natural, a penalidade pela incapacidade de adaptação é uma apenas: a eliminação. Suas ideias influenciaram o Código Penal Italiano de 1930 (Rocco). @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Na criação do conceito de delito natural, Garofalo viu que o crime não poderia ser algo instável, que dependesse da vontade do legislador para ser ou não. Para ele, assim, o crime natural seria a conduta que ofendesse os sentimentos morais básicos de piedade (repulsa contra a imposição voluntária de sofrimento a outros) e de probidade (respeito aos direitos de propriedade de terceiros). Para o autor, tais sentimentos estariam presentes em qualquer sociedade evoluída. 3.1.4. Influência do positivismo no mundo - No Brasil, justificou a ideia de inferioridade de negros e indígenas - Eugenia e “higienização” da população criminal - Pesquisas científicas no campo genético até os dias atuais @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Autores como Tobias Barreto, Raimundo Nina Rodrigues e Clóvis Beviláqua, por meio de suas obras, ampararam a construção de um direito penal voltado para a garantia da supremacia branca e o controle social dos indesejáveis. “O negro é rixoso, violento nas impulsões sexuais, muito dado à embriaguez, e nesse fundo de caráter imprime o seu cunho na criminalidade colonial atual”, dizia Nina. Para Beviláqua, os não-brancos compunham a “junta de coice da humanidade”. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Eugenia, que significa “bem-nascido”, foi um termo cunhado por Francis Galton, primo de Charles Darwin, no início do séc. XX. Entendia-se que as características que levam ao sucesso na vida ou ao fracasso eram transmitidas geneticamente. Dois tipos de políticas criminais eram incentivadas: a positiva, para encorajar as pessoas talentosas a se reproduzirem; e a negativa, marcada pela segregação permanente, esterilização, proibições de casamento e restrições de migração. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A geneticista Patrícia Jacobs, em 1965, constatou que um número significativo de criminosos era portador de uma anomalia genética ligada à existência de um cromossomo supranumerário, o cromossomo Y. Estes indivíduos, do sexo masculino, tinham um cariótipo XYY (“supermacho”). Por um momento, pensou- se ter descoberto o “gene assassino”, mas, anos depois, foi verificado que tais portadores tinham em comum apenas a calvície, a altura e a miopia. 3.1.5. Críticas - Investigação lombrosiana guia-se mais pela intuição que pela análise - Insustentabilidade da escala cerebral para avaliar a inferioridade de alguém - Metodologicamente, cometeram muitos erros de valoração estatística - Não há prova de que quem porta estigmas atávicos está disposto ao crime - Prevenção especial usada para impor penas indeterminadas aos infratores @prof.rafaelpinto GÊNESE DA CRIMINOLOGIA @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Descendente de uma família aristocrata da Normandia, Marie-Anne Charlotte de Corday d'Armont foi de grande oposição à Rev. Francesa em 1789, chegando ao ponto de assassinar Jean-Paul Marat, um dos idealizadores do movimento. Passou a ser conhecida, desde então, como o "anjo do crime". Cem anos depois, em um evento científico, Lombroso discorre sobre o atavismo dela a partir da análise de seu crânio. Não sabia ele, porém, que o crânio havia sido trocado. @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Acreditava-se que as grandes inteligências tinham, supostamente, cérebro mais pesado que aqueles seres involuídos, dentre os quais estavam os delinquentes e as mulheres (estas tinham 1.275g contra 1.400g dos crânios masculinos, em média), no início do século XX. A escala desenvolvida pelo Prof. Mathiega, de Praga, era praticamente incontestável à época. Assim, expectativas haviam sobre o peso cerebral de Lombroso após sua morte. Constatou-se míseros 1.308g! @prof.rafaelpinto NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A teoria de Lombroso precisa ser entendida dentro do seu contexto histórico. Para ele, a ciência era a forma de trazer progresso e otimismo à Itália, e acabar com as gerações sucessivas de regimes corruptos e antidemocráticos no país. A pesquisa dele, muito extensa até para os padrões de hoje, contém registros meticulosos sobre as pessoas presas (cujas características não são as causas do crime, mas os indícios do atavismo). Lombroso não era vulgar. Vulgares são as interpretações errôneas sobre seu trabalho, que é muito falado, mas pouco lido.
Compartilhar