Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SINOPSE DE AULA - CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL (PARTE INICIAL) Versão para imprimir: clique aqui. 1 NOVA REGULAÇÃO A Lei nº 12.015/2009, que entrou em vigor no dia 10/08/2009, reestruturou o Título VI da Parte Especial do Código Penal. Referido título era antes denominado “DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES”, sendo que, por força da norma em evidência passou a ser intitulado “DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL”, conforme segue: Título VI – Dos crimes contra a dignidade sexual Capítulo I – Dos crimes contra a liberdade sexual – arts. 213 a 216-A Capítulo II – Dos crimes sexuais contra vulnerável – arts. 217 a 218-B Capítulo III – Do rapto – arts. 219 a 222 (todos revogados) Capítulo IV – Disposições gerais – arts. 223 a 226 (revogados os arts. 223 e 224) Capítulo V – Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual – arts. 227 a 232 (revogado art. 232) Capítulo VI – Do ultraje público ao pudor – arts. 233 e 234 Capítulo VII – Disposições gerais – arts. 234-A a 234-C 2 ESTUPRO Conforme visto acima, são considerados crimes contra a liberdade sexual (Parte Especial do CP, Título VI, Capítulo I) aqueles descritos nos artigos 213 a 216-A do CP, quais sejam: • estupro (art. 213); • violação sexual mediante fraude (art. 215); • assédio sexual (art. 216-A). Os artigos 214 e 216 encontram-se revogados. O primeiro delito contra a liberdade sexual descrito no CP é o de estupro, que tem a seguinte tipificação básica: Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 2.1 Comentário introdutório Antes da Lei 12.015/2009 o delito de estupro compreendia apenas a conjunção carnal (assim entendida como a introdução do pênis na vagina) forçada praticada em detrimento da mulher. Os demais atos libidinosos impostos mediante violência ou grave ameaça eram tidos como atentado violento ao pudor, tipificado no art. 214 do CP, agora revogado. A revogação desse artigo, contudo, não significou um abolitio criminis, pois a conduta antes prevista no art. 214 do CP passou a ser descrita no artigo 213 do mesmo Código. Anteriormente o art. 213 (estupro) descrevia a seguinte conduta criminosa: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou http://www.4shared.com/office/-3zoY1hj/DOS_CRIMES_CONTRA_A_DIGNIDADE_.html grave ameaça”. E o art. 214 (atentado violento ao pudor) tipificava o seguinte comportamento: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Atualmente não há mais o crime de atentado violento ao pudor, porém a conduta correspondente agora é considerada estupro; ou seja, a redação em vigor do art. 213 (estupro) alcança tanto a conduta antes considerada estupro como aquela anteriormente considerada como atentado violento ao pudor. O vocábulo estupro passou a ter, portanto, uma maior amplitude. O crime em referência, em todas as modalidades, é considerado hediondo (art. 1º, V, da Lei nº 8.072/1990). 2.2 Objetos jurídico e material Tem-se como objeto jurídico (bem juridicamente protegido) tanto a liberdade quanto a dignidade sexual (GRECO, 2010, v.III, p. 452). Ninguém pode ser forçado a práticas sexuais, sendo direito seu a escolha do parceiro com quem irá se relacionar. Tem-se em mira a liberdade de dispor do próprio corpo para práticas sexuais. Nesse passo também ensinam Pierangeli e Souza (2010, p. 10): “O bem juridicamente tutelado é a liberdade sexual do homem e da mulher, que têm o direito de dispor de seus corpos de acordo com sua eleição”. O objeto material é a pessoa (homem ou mulher) vítima do constrangimento. 2.3 Sujeitos ativo e passivo Atualmente o crime de estupro compreende tanto a conjunção carnal forçada quanto a prática de outro ato libidinoso nas mesmas condições. Ato libidinoso é qualquer ato destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual (CAPEZ, 2011, v. 3, p. 26). Desse modo, a conjunção carnal é uma espécie de ato libidinoso. Tem, contudo, uma acepção mais restrita, pois “[…] caracteriza-se pela penetração total ou parcial do pênis na genitália feminina (introductio penis intra vas), com ou sem o objetivo de procriação e com ou sem ejaculação ou gozo genésico” (PIERANGELI e SOUZA, 2010, p. 11). Para haver conjunção carnal, portanto, necessário se faz a penetração do pênis na vagina. Assim sendo, não é possível haver conjunção carnal entre pessoas do mesmo sexo. É por essa razão que Rogério Greco (2010, v. III, p. 453), acertadamente afirma: Assim, sujeito ativo no estupro, quando a finalidade for a conjunção carnal, poderá ser tanto o homem quanto a mulher. No entanto, nesse caso, o sujeito passivo, obrigatoriamente, deverá ser do sexo oposto, pressupondo uma relação heterossexual. No que diz respeito à prática de outro ato libidinoso, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, bem como sujeito passivo, tratando-se, nesse caso, de um delito comum. Desse modo, em regra podem ser sujeito ativo ou passivo do crime de estupro tanto homem quanto mulher. Daí Rogério Sanches Cunha (2010, v. 3, p. 250) alertar que se trata de crime bicomum, podendo qualquer pessoa praticar ou ser vítima de referida infração penal. Alerte-se, todavia, conforme bem pontuado por Greco, que quando a conduta for mediante conjunção carnal, exige-se que o sujeito ativo imediato e vítima sejam de sexos opostos, pois não é possível ocorrer conjunção carnal entre pessoas do mesmo sexo. Outrossim, não pode figurar como sujeito passivo do crime em deslinde menor de catorze anos, considerando que a relação sexual com pessoa nesta condição acarreta a incidência do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), seja o ato sexual forçado ou consentido. Antigamente havia discussão sobre a possibilidade da mulher ser sujeito passivo do crime de estupro praticado pelo seu próprio marido. Alegava- se que como há o dever de relações sexuais entre os cônjuges, o marido que obrigava sua esposa à prestação sexual estaria escudado pelo exercício regular de direito. Esta visão hoje está totalmente superada, entendendo-se que embora a relação sexual constitua dever recíproco entre os cônjuges, sua obtenção não pode se dar por meios juridicamente inadmissíveis e moralmente reprováveis (CAPEZ, 2011, v. 3, p. 33). Outra discussão outrora existente era sobre a possibilidade da prostituta ser vítima de estupro. Atualmente não há mais dúvidas que a mesma pode ser sujeito passivo do delito em análise, visto que o fato de manter relações sexuais mediante pagamento não elimina o seu direito de escolha de parceiros, corolário de sua liberdade e dignidade sexual. 2.4 Tipo objetivo Consoante já evidenciado, descreve o art. 213 do CP a seguinte conduta proscrita: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Constranger significa forçar, coagir, obrigar. No estupro constrange-se alguém (ser humano – homem ou mulher). O meio de execução é a violência ou grave ameaça. A violência consiste no emprego de força física (conhecida como vis corporalis ou vis absoluta) para obtenção da satisfação sexual. Ocorre quando a vítima é efetivamente agredida, amarrada, ou de qualquer modo tolhida em sua capacidade de resistir através da aplicação de força física. A grave ameaça consiste na violência moral (vis compulsiva). No caso do estupro, a mesma interfere no plano psíquico da vítima, fazendo-a ceder, por intimidação, aos desejos do criminoso. O mal prometido pode ser contraa própria vítima (ameaçá-la de morte, por exemplo) ou contra terceiros a ela ligados (dizer, p. ex., que vai matar o seu genitor se ela não ceder). Não é necessário que esse mal seja injusto, podendo até ser justo (por exemplo: sujeito que força a vítima a manter relações sexuais com ele, ameaçando-a de denunciá-la por um crime que ela efetivamente praticou). A gravidade da ameaça deve ser analisada sob o ponto de vista da vítima, demandando-se uma análise do caso concreto para fins de averiguar se o mal prometido foi suficientemente grave para fazê-la ceder[1]. Por exemplo: uma mesma ameaça pode ser insuficiente para intimidar uma pessoa culta e experiente, porém suficiente para levar uma pessoa simplória a concordar em se submeter aos desejos de outrem. http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn1 No delito em estudo, mediante violência ou grave ameaça, o agente constrange a vítima a: a) ter conjunção carnal; b) praticar outro ato libidinoso; c) permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. A conjunção carnal consiste, consoante já explicado, na introdução do pênis na vagina. Limita-se a este ato. Já o ato libidinoso consiste em gênero que abarca todos os atos voltados à satisfação da lascívia (por exemplo: sexo oral, masturbação, sexo anal etc.), sendo, inclusive, a conjunção carnal uma espécie de ato libidinoso. 2.5 Tipo subjetivo Pune-se a conduta do art. 213 do CP somente na forma dolosa. Nesse sentido ensinam Pierangeli e Souza (2010, p. 21): “Trata-se de crime exclusivamente doloso, e o dolo se expressa como consciência e vontade de realizar a conduta proibida, consistente em constranger, forçar, obrigar alguém à conjunção carnal ou ao ato libidinoso”. Entende a doutrina majoritária que não se exige finalidade especial do agente (elemento subjetivo do tipo específico) para configuração do crime. Quanto a este ponto Fernado Capez (2011, v. 3, p. 36) faz os seguintes comentários: Na realidade, o que poderia causar certa dúvida é o fato de que tal crime exige a finalidade de satisfação da lascívia para a sua caracterização. Ocorre que se trata de um delito de tendência, em que tal intenção se encontra ínsita no dolo, ou seja, na vontade de praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Desse modo, o agente que constrange mulher mediante o emprego de violência ou grave ameaça à prática de cópula vagínica não agiria com nenhuma finalidade específica, apenas atuaria com a consciência e vontade de realizar a ação típica e com isso satisfazer sua libido (o até então chamado dolo genérico). Em algumas situações práticas, a exigência ou não da finalidade especial do agente de satisfação da lascívia, referida pelo autor transcrito acima, é importante para definir se o fato será enquadrado como estupro. Leia- se o seguinte exemplo dado por Rogério Greco (2010, v. III, pp. 484-485): Assim, mesmo que com a finalidade de humilhar a vítima, se o agente, fisicamente mais forte, em vez de um simples tapa nas nádegas, introduzir o dedo em seu ânus, o delito não poderá ser entendido como mera injúria real, visto que, tanto objetiva quanto subjetivamente, o agente tinha conhecimento de que levava a efeito um ato grave e ofensivo à dignidade sexual da vítima, razão pela qual deverá ser responsabilizado pelo delito tipificado no art. 213 do Código Penal. Note-se que no exemplo dado por Greco, se houvesse a exigência da finalidade especial do agente de satisfazer sua lascívia, o crime não poderia ser enquadrado como estupro; porém, como não há essa exigência, mesmo sendo intenção do agente unicamente humilhar a vítima, deverá responder pelo crime tipificado no art. 213 do CP, considerando que o fato enquadra-se perfeitamente na descrição típica. 2.6 Consumação e tentativa Já dissemos antes que no delito em estudo, mediante violência ou grave ameaça, o agente constrange a vítima a: a) ter conjunção carnal; b) praticar outro ato libidinoso; ou c) permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Quando a prática for de conjunção carnal forçada, a consumação se dá com a penetração, parcial ou total, do pênis na vagina, exclusivamente. Logo, deve ser uma relação sexual entre homem e mulher. Outra forma de se consumar o delito é através da prática de outro ato libidinoso por parte da vítima constrangida. Esse ato libidinoso pode ser praticado nela mesma (sem contato físico com outra pessoa), no sujeito ativo ou em terceiros. Pode, portanto, a vítima ser forçada, por exemplo, a se masturbar[2], a fazer sexo oral no agressor ou em terceira pessoa; em ambos os casos haverá o crime de estupro, que se consuma com a efetiva prática do ato libidinoso. Por último, pode a vítima ser forçada a consentir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Seria o caso, por exemplo, da vítima ser constrangida a permitir que o agente nela pratique sexo oral. Neste caso, também se consuma o delito com a efetiva prática do ato libidinoso. A tentativa é possível nas três formas didaticamente esmiuçadas, desde que, por razões alheias à sua vontade, o agente não consiga consumar o delito. É possível o reconhecimento da desistência voluntária (art. 15 do CP), caso o agente, antes de consumar o crime, desista voluntariamente de sua prática, sendo que responderá apenas pelos atos até então praticados. Sabe-se que o iter criminis comporta a seguintes fases: a) cogitação; b) preparação (atos preparatórios); c) execução; e d) consumação. Para ser reconhecida a tentativa, como é cediço, tem que se iniciar a fase de execução. No caso do estupro a execução identifica-se com o constrangimento mediante violência ou grave ameaça visando o ato libidinoso (aí incluída a conjunção carnal, que é uma espécie de ato libidinoso)[3]. A consumação, conforme dito, ocorre com a efetiva prática desse ato. Não há estupro quando a pessoa é constrangida a apenas presenciar a prática de ato libidinoso, consoante bem explicita Cleber Masson (2011, v. 3, p. 11): “De qualquer modo, não há estupro no ato de constranger alguém a presenciar ou assistir a realização de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A análise do art. 213, caput, do Código Penal autoriza a conclusão no sentido que o ato sexual deve ser praticado pela, com ou sobre a vítima coagida”. Por derradeiro, destacamos algumas situações que podem despertar dúvidas quanto à consumação do delito em estudo: a) tratando-se de indivíduo que possui a patologia conhecida como ejaculação precoce, acaso pretenda consumar conjunção carnal ou sexo anal contra vítima coagida, se ejacula antes de concretizar seu intento, resta reconhecer a ocorrência apenas de tentativa se não tiver realizado no contexto outros atos libidinosos considerados autônomos; b) no caso de homens acometidos de impotência coeundi (incapacidade de ereção peniana), acaso tentem estuprar alguém mediante penetração, estará caracterizado crime impossível (art. 17 do CP). Não cabe esta ressalva para homens acometidos de impotência generandi (incapacidade de procriação), pois esta não se confunde com a incapacidade de ereção. http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn3 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn2 2.7 Formas qualificadas As qualificadoras do crime de estupro estão previstas nos §§ 1º e 2º do art. 213 do CP, conforme transcrevemos a seguir: § 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. A parte inicial do § 1º estabelece como circunstância qualificadoraa lesão corporal grave sofrida pela vítima em decorrência do estupro. São consideradas graves para tais efeitos as lesões previstas nos §§ 1º (lesões corporais graves) e 2º (lesões corporais gravíssimas) do art. 129 do CP. Tal resultado agravador deve sobrevir a título de culpa (trata-se de delito preterdoloso), pois havendo dolo do agente, deve responder por estupro em concurso com o crime de lesão corporal. Exige-se, portanto, para caracterização da qualificadora em comento o dolo em relação ao estupro (antecedente) e culpa em relação à lesão corporal (consequente). A parte final do § 1º traz como qualificadora a circunstância da vítima ser menor de dezoito e maior de catorze anos. A razão do limite mínimo de catorze anos é que se a vítima for mais nova ocorrerá estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). Interpretando a expressão “maior de 14 (catorze) anos” contida no dispositivo em análise, Fernando Capez (2011, v. 3, p. 49) afirma que “[…] a qualificadora não incidirá se o crime for praticado na data em que a vítima completa seu 14º aniversário”. Essa também é a posição de Rogério Sanches Cunha (2009, p. 37). De outro modo, Rogério Greco (2010, v. III, p. 49) defende posição contrária, ensinando que no dia em que completa a idade prevista pelo tipo a pessoa já é considerada, no caso, maior de catorze anos; devendo, portanto, incidir a qualificadora. Filiamo-nos a esta última posição, apesar de ser a minoritária na doutrina. O § 2º do dispositivo em comento elege como circunstância qualificadora a morte da vítima como resultado do estupro. Este resultado agravador, assim como no caso da lesão grave, também deve sobrevir a título de culpa, pois se for causado dolosamente deve o agente responder por estupro em concurso com homicídio, submetendo-se a julgamento pelo Tribunal do Júri. Nos casos de estupro tentado, em que sobrevém a morte culposa ou lesão corporal também culposa, entende a doutrina majoritária[4] que deve o agente responder pelo estupro consumado qualificado, considerando a impossibilidade da ocorrência de crime preterdoloso tentado. No caso de estupro contra menor de dezoito e maior de catorze anos, com resultado morte culposo em decorrência do crime sexual, incidirá apenas a qualificadora prevista no art. 213, § 2º, do CP. A idade da vítima não será valorada como qualificadora. 2.8 Classificação doutrinária Para Nucci (2009, p. 17), com as inovações introduzidas pela Lei nº 12.015/2009: http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn4 O crime passa a ser comum (pode ser cometido por qualquer pessoa) e de forma livre (pode ser cometido tanto por conjunção carnal como por qualquer outro ato libidinoso). Continua a ser material (demanda resultado naturalístico, consistente no efetivo tolhimento à liberdade sexual); comissivo (os verbos do tipo indicam ação); instantâneo (o resultado se dá de maneira definida no tempo); de dano (a consumação demanda lesão ao bem tutelado); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (é praticado em vários atos). Ressalte-se que apesar do crime em estudo ser comissivo, é possível que seja reconhecida a forma omissiva imprópria (comissiva por omissão). Acontece isso, por exemplo, no caso da mãe que, podendo evitar, nada faz para impedir o estupro de sua filha menor pelo padrasto. Deve ela, no caso, responder pelo art. 213 do CP, considerando-se os termos do art. 13, § 2º, “a”, do mesmo Código. 2.9 Outras peculiaridades Selecionamos sem seguimento algumas peculiaridades inerentes ao crime em estudo, ainda não abordadas nos itens anteriores, mas que julgamos ser imprescindível o conhecimento. 2.9.1 Estupro e importunação ofensiva ao pudor Atualmente qualquer ato libidinoso forçado poderá levar à caracterização do crime de estupro, se formos considerar apenas o aspecto formal. Para que não ocorram injustiças, porém, há uma preocupação da doutrina de estabelecer parâmetros de razoabilidade para evitar que atos que efetivamente não agridam de forma relevante a dignidade sexual levem à caracterização de crime tão grave, com pena mínima de seis anos de reclusão. Nesse andar, defendem Pierangeli e Souza (2010, pp. 22-23) que os aos libidinosos forçados irrelevantes não devem servir para enquadrar o fato como estupro. Eis as palavras dos ilustres autores (idem, p. 23): Entre nós, diante do grau reduzido de reprovabilidade da conduta, da inexpressividade da lesão jurídica e do princípio da proporcionalidade, defendemos que resta ao julgador aplicar uma das seguintes soluções: a) a contravenção do art. 61 (importunação ofensiva ao pudor) ou do art. 65 (perturbação da tranqulidade); b) ou o princípio da insignificância ou da bagatela. O art. 61 da Lei de Contravenções Penais – LCP (Decreto-Lei nº 3.668/1941) prevê como contravenção a seguinte conduta: “Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena – multa”. Já o art. 65 do mesmo DL descreve a seguinte infração penal: “Art. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa”. Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 23) também leciona, referindo-se ao art. 61 da LCP, que “[...] atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não devem ser classificados como estupro (ou tentativa de estupro), comportando tipificação no cenário da contravenção”. De fato, não podemos pretender submeter a uma pena de seis a dez anos uma pessoa que agarrou a outra e passou leve e rapidamente a mão em suas nádegas. Quanto a alguém que, furtivamente, passa rapidamente a mão em parte íntima de terceira pessoa, também entendemos não ser pertinente o enquadramento como estupro, pois no caso sequer há violência ou grave ameaça exigível pelo tipo. Pode no caso haver a incidência do art. 61 da LCP (importunação ofensiva ao pudor) ou mesmo do art. 140 do CP (injúria), dependendo da situação concreta. 2.9.2 Resistência da vítima Conforme já visto, o crime de estupro depende da violência ou grave ameaça para sua caracterização. Nesse contexto, é óbvio que deve haver uma sincera resistência da vítima à prática sexual para o crime se caracterizar. Aliás, se há uma relação sexual consentida, não há constrangimento. Teoriza a doutrina que algumas vezes, principalmente a mulher, diz não ao contato sexual, porém essa negativa não é sincera, fazendo apenas parte do jogo de sedução. Daí surge um problema de identificar se realmente houve a resistência da suposta vítima ao ato libidinoso. Por exemplo: suponhamos que um homem oferece carona para uma amiga, e já no seu carro começa a acariciá-la. Esta diz não querer contato sexual, mas corresponde às carícias; diante disso o homem avança o sinal e acaba tendo conjunção carnal com a moça, que continua dizendo não, porém sem apresentar qualquer negativa mais contundente, sendo segurada fortemente pelo varão durante o ato sexual. Imaginemos, ainda, que se trata de uma mulher casada, e depois, vindo o marido a descobrir o fato, alega que foi estuprada. Seria legítima, nesse caso, a imputação do crime de estupro? Obviamente que não. O exemplo dado ilustra bem problemas do cotidiano que dão relevância ao debate empreendido neste item. Sobre o dissenso (resistência) da vítima assim ensinam Pierangeli e Souza (2010, pp. 15-16): O delito exige o dissenso da pessoa, homem ou mulher, pois quando há o consentimento válido não há constrangimento. São realidades que se opõem. O dissenso, que deve ser expresso e só excepcionalmente presumido, tambémdeve ser sincero e positivo, mas não se exige uma oposição irresistível ou que constitua um ato de heroísmo. Não basta, portanto, um simples não, porque se requer uma real oposição. Conforme visto, não basta que a vítima diga não ao ato sexual. Deve haver uma oposição sincera e materialmente demonstrada. Como bem lembrado por Rogério Greco (2010, v. III, p. 464), pode até haver erro de tipo no caso, quando a vítima diz não, porém o agente prossegue pensando que aquilo é apenas parte do “jogo de sedução”. Com o mesmo teor as colocações de Cleber Masson (2011, v. 3, p. 12): “De fato, se um dos envolvidos não demonstrar seriedade em sua repulsa ao ato sexual, e o outro nele insistir com violência ou grave ameaça, acreditando tratar-se o ‘não’ de fase do ritual da conquista, incidirá o instituto do erro de tipo, nos moldes do art. 20, caput, do Código Penal, afastando o dolo e conduzindo à atipicidade do fato”. Agora, se ficar claro o não da vítima, materialmente demonstrado, não há que se utilizar subterfúgios para fugir à responsabilização penal. Nesse ponto, Rogério Greco (2010, v.III, p. 465), comentado o julgado que condenou o boxeador Mike Tyson pelo estupro de Desiree Washington, pondera “[...] que a vítima, mesmo dando mostras anteriores que desejava o ato sexual, pode modificar sua vontade a qualquer tempo, antes da penetração, por exemplo. Somente o consentimento que precede imediatamente o ato sexual, como esclareceu o Tribunal norte-americano, é que deve ser considerado”. Pode ocorrer, ademais, que no início do ato sexual a vítima resista, porém depois venha a aquiescer. Ocorrendo isto restará afastada a imputação do delito, segundo explica Nucci (2009, p. 20): Por outro lado, sustentamos deva durar o dissenso da vítima durante todo ato sexual. Não é viável admitir a dissensão apenas no início, havendo concordância ao final. Do mesmo modo, defendemos a possibilidade de cessação do consenso a qualquer momento, sem que exista a viabilidade legal para o agente prosseguir, valendo-se de força física ou qualquer outro método violento. Pierangeli e Souza (2010, p. 16) também entendem que a resistência da vítima deve ser durante todo o ato sexual. Isso, por óbvio, não exclui a incidência do estupro quando inicialmente a vítima consente, mas depois, não querendo mais, é forçada a prosseguir. Apenas não haverá estupro se a vítima, inicialmente coagida, depois vem a consentir com o ato sexual ainda durante a sua prática. 2.9.3 Crime único e continuidade delitiva O STF já havia consolidado o entendimento de que não era possível continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor por serem de espécies diferentes, ou seja, previstos em tipos diversos (arts. 213 e 214 do CP). Com a unificação da conduta típica em um único artigo (art. 213) o debate ganha novos contornos. A doutrina majoritária construída diante da Lei 12.015/2009 passou a entender que conjunção carnal e atos libidinosos forçados praticados em um mesmo contexto fático levam à caracterização de um crime único de estupro; e se ocorrem em momentos distintos, mas estiverem presentes os requisitos do artigo 71 do CP, restará configurada a continuidade delitiva. É este o entendimento de Nucci (2009, pp. 18-19): O concurso de crime altera-se substancialmente. Não há mais possibilidade de existir concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor. Aliás, conforme o caso, nem mesmo crime continuado. Se o agente constranger a vítima a com ele manter conjunção carnal e cópula anal comete um único delito de estupro, pois a figura típica passar a ser mista alternativa. Somente se cuidará de crime continuado se o agente cometer, novamente, em outro cenário, ainda que contra a mesma vítima, outro estupro. Em sentido similar às colocações transcritas são os posicionamentos de Fernando Capez (2011, v. 3, p. 44), Rogério Sanches Cunha (2010, v. 3, p. 252) e Rogério Greco (2010, v. III, p. 49). Preenchidos os requisitos do art. 71 do CP, também é possível o reconhecimento da continuidade delitiva mesmo que em estupros contra vítimas diferentes (CAPEZ, 2011, v. 3, p. 47). O posicionamento quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva entre as violações sexuais através de conjunção carnal e aquelas levadas a efeito via outros atos libidinosos (conduta antes prevista como atentado violento ao pudor – art. 214 do CP) tem reflexo, inclusive, em fatos ocorridos antes da vigência da Lei 12.015/2009, por ser esta mais benéfica para os agentes. Assim, torna-se possível a revisão de condenações nas quais foi reconhecido o concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor, cujas circunstâncias hoje autorizem vislumbrar a presença de crime único ou de continuidade delitiva (CUNHA, 2010, v. 3, p. 252; no mesmo sentido: STJ, 6ª Turma, HC 144870-DF, j. 09/02/2010). O STF e o STJ têm reconhecido recentemente a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, aplicando retroativamente a Lei 12.015/2009 (por exemplo: STF – HC 86110/SP; STJ – HC 139956/SP). Ressalte-se que apesar dos vários posicionamentos já referidos sobre a presença de crime único quando, no mesmo contexto fático, a vítima for constrangida à prática de conjunção carnal e de outros atos libidinosos, esse entendimento não é pacífico. Pierangeli e Souza (2010, pp. 28-29) informam que Vicente Greco Filho, Gianpaolo Poggio Smanio e Walter Tebet Filho continuam entendendo haver concurso material quando houver conjunção carnal e outros atos libidinosos com desígnios autônomos (sexo anal, por exemplo), mesmo que praticados em um mesmo contexto fático. Essa linha de raciocínio afasta o caráter misto alternativo do art. 213, reconhecendo-o como misto cumulativo. Essa posição também foi defendida no julgamento do HC 104724/MS, STJ, 5ª Turma, j. 22-06-2010. Destarte, no âmbito do STJ há, inclusive, julgados negando a continuidade delitiva quando se tratar de crimes de estupro praticados em um mesmo contexto fático, em se tratando de outras violações graves (sexo anal, por exemplo) cometidas em concomitância com conjunção carnal, ao argumento de que tais condutas têm modos de execução distintos[5]. Em julgados posteriores, contudo, o STJ vem unificando entendimento quanto à possibilidade de continuidade delitiva, conforme noticiado pelo seu site oficial em 12/04/2011[6]: A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível a figura do crime continuado entre estupro e atentado violento ao pudor – tipos penais tratados separadamente pelo Código Penal até 2009, quando foram reunidos num mesmo artigo sob a denominação geral de estupro. Com a decisão, o STJ passa a ter um entendimento unificado sobre o tema, pois a Sexta Turma já vinha se manifestando pela possibilidade do crime continuado – que significa que o réu é condenado à pena de um dos crimes cometidos em sequência, aumentada de um sexto a dois terços, em vez de suportar uma pena para cada crime. […] A decisão da Quinta Turma, rejeitando o recurso do Ministério Público e assim mantendo o acórdão do TJSP, não foi unânime. Dos cinco integrantes, dois votaram pelo entendimento de que, embora do mesmo gênero, os crimes não seriam da mesma espécie, tendo modos de execução diferentes, e por isso não poderiam ser enquadrados na hipótese de crime continuado. (Grifos nossos) http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn6 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn5 Nota-se, portanto, que a tendência, no âmbito do STJ, é a unificação do entendimento jurisprudencial quanto à possibilidade do reconhecimento de continuidade delitivana situação enfocada. Resta, não obstante, aguardar o posicionamento da sua Terceira Seção (que reúne membros das Turmas que decidem matéria criminal – Quinta e Sexta) sobre a questão. No âmbito do STF, segundo Cleber Masson (2011, v. 3, p. 17): “Os julgados ora existentes parecem indicar a preferência do Supremo Tribunal Federal pela tese que sustenta tratar-se o art. 213 do Código Penal de tipo misto alternativo. Entretanto, é fundamental acompanhar a evolução da jurisprudência, aguardando o posicionamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, pois somente assim existirá entendimento conclusivo sobre o assunto”. Percebam que são duas polêmicas diferentes: 1ª) sobre a ocorrência ou não de crime único quando ocorrer, no mesmo contexto fático, conjunção carnal ou outro ato libidinoso forçados; 2ª) sobre a aceitação ou não da continuidade delitiva entre a conjunção carnal e o atentado violento ao pudor forçados. As correntes que se formaram em torno dessas polêmicas são, basicamente, duas (segundo já explicitado); uma que diz que o art. 213 é um tipo misto alternativo e outra que defende seja ele misto cumulativo. Quanto à prática de mais de uma conjunção carnal em contextos distintos, ambas as correntes concordam que são crimes da mesma espécie e que se preenchidos os demais requisitos da continuidade delitiva (art. 71 do CP), resta o reconhecimento desta. A grande divergência está quanto à prática de conjunção carnal e de atos libidinosos graves diversos da conjunção carnal (sexo anal e felação, para citar exemplos mais comuns); pois os defensores da tese do tipo misto alternativo dizem que se tais violações forem praticadas em um mesmo contexto fático e contra a mesma vítima resta caracterizado crime único; já a corrente contrária diz que nesse caso há concurso material. A primeira corrente admite a possibilidade da continuidade delitiva se tais violações forem praticadas em contextos fáticos distintos; já a segunda nega essa possibilidade. 2.9.4 Atos libidinosos como “prelúdio do coito” Suponhamos que um homem, mediante ameaça com arma de fogo, leva uma mulher para um matagal com o intuito de com ela praticar conjunção carnal. Chegando no local começa a despi-la, acaricia seus seios e suas nádegas, deita a vítima no chão, porém antes de consumar a conjunção carnal é surpreendido pela polícia e preso. Pergunta-se: nesse caso deve-se considerar estupro consumado por conta dele já ter realizado atos libidinosos forçados (acariciar os seios e as nádegas da vítima), ou seria mais adequado entender que se trata de estupro tentado, considerando que ele não conseguiu finalizar seu objetivo de manter conjunção carnal com a vítima? Quanto a este ponto, pondera a doutrina (GRECO, 2010, v. III, p. 454), que há apenas tentativa: Se os atos que antecederam ao início da penetração vagínica não consumada forem considerados normais à prática do ato final, a exemplo do agente que passa as mãos nos seios da vítima ao rasgar-lhe vestido ou, mesmo, quando esfrega o pênis em sua coxa buscando a penetração, tais atos deverão ser considerados antecedentes naturais ao delito de estupro, cuja finalidade era a conjunção carnal. Conforme essa linha de entendimento, os atos anteriores à penetração pretendida devem ser considerados como preliminares para a violação sexual pretendida; e, assim sendo, se o agente é interrompido antes de consumar a conjunção carnal, responde apenas pelo crime tentado de estupro. Esses atos anteriores são conhecidos na doutrina como praeludia coiti (prelúdio do coito), não devendo ser considerados como autônomos para configuração do crime de estupro. Importante observar, entretanto, que se o objetivo final do agente fosse apalpar a vítima coagida em suas partes íntimas visando com isso satisfazer sua lascívia, estaríamos diante de um crime de estupro consumado, pois não seria o caso de “prelúdio do coito”. Daí Cleber Masson (2011, v. 3, p. 27) afirmar: “Entretanto, é preciso diferenciar os limites tênues da tentativa de estupro, quando o agente busca a conjunção carnal, mas não alcança o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade, do estupro consumado pela prática de outro ato libidinoso. Nessa hipótese, o dolo deve ser utilizado como o vetor do intérprete da lei penal para solução do caso concreto”. 2.9.5 Concurso de agentes Sem dúvida que o estupro comporta o concurso de agentes. Assim, havendo mais de uma pessoa concorrendo para a prática do delito, todos devem por ele responder (art. 29 do CP). Quando um único agente executa diretamente a ação típica, tendo a concorrência de outros, não há dúvida que existe um único crime a ser imputado a todos os concorrentes. Há, porém, a possibilidade de várias pessoas, em um mesmo contexto fático, violarem diretamente a vítima, em uma prática conhecida vulgarmente como “curra”; consoante exemplifica Rogério Greco (2010, v. III, p. 469): Não é incomum que o estupro, mediante conjunção carnal, seja cometido por várias pessoas, que atuam em concurso. Assim, pode ocorrer, por exemplo, que três pessoas, unidas pelo mesmo liame subjetivo, com identidade de propósito, resolvam estuprar a vítima. Dessa forma, enquanto dois a seguram, o terceiro leva a efeito a penetração, havendo entre eles um “rodízio criminoso”. Defende o citado autor que, nesse caso, haverá três crimes de estupro (em continuidade delitiva), pelos quais os três concorrentes deverão responder, pois, segundo ele (ibidem): “[…] o estupro mediante conjunção carnal é crime de mão-própria, de atuação personalíssima, de execução indelegável, intransferível, no caso em exame teríamos, sempre, um autor e dois partícipes, cada qual prestando auxílio para o sucesso da empresa criminosa”. Em direção semelhante são os ensinamentos de Cleber Masson (2011, v. 3, p. 21). Visualizamos, porém, que há riscos desse entendimento não se sustentar futuramente diante de uma análise mais aprofundada da nova redação do art. 213 do CP, pois não se pode alegar mais ser tal delito de mão- própria. Destarte, diante do entendimento majoritário de que o art. 213 configura-se um tipo misto alternativo; há a possibilidade de se reconhecer a presença de crime único quando atuem mais de um agente agredindo sexualmente uma única vítima, mesmo que realizem conjunção carnal em concomitância com violações sexuais distintas (sexo oral, sexo anal etc.). Sob o ponto de vista da política criminal não nos parece ser esta a solução mais adequada, porém parece ser esta a interpretação sinalizada pelo contexto técnico em formação. Para melhor visualizar o que estamos explicando, façamos uma comparação: se três indivíduos, ajustados para agredirem uma única pessoa, resolvem, cada um à sua vez (mas em um mesmo contexto fático), provocar lesões corporais na vítima, enquanto os outros dois ameaçam a mesma para não reagir, irão responder por crime único ou por três delitos de lesão corporal? A resposta só pode ser que irão responder por crime único. No caso de estupro a situação é semelhante, apesar da hediondez das violações; tanto que se um único agente realiza várias penetrações na vítima, em um mesmo contexto fático, têm-se reconhecido o crime único; não havendo razões técnicas para distinguir, sob esta linha de entendimento, no caso de concurso de agentes, as mesmas várias penetrações, porém realizadas por pessoas diferentes. 2.9.6 Síndrome da mulher de Potifar Com a maestria que lhe é peculiar, Rogério Greco (2010, v. III, pp. 471-473) explica o caso bíblicode José, então escravo de Potifar, que sendo desejado pela mulher de seu senhor resistia às investidas da mesma; porém esta, para prejudicar José, o acusou de tentativa de estupro. Na situação do suposto estupro tentado, a vítima e o acusado estavam sozinhos no local onde teria ocorrido o crime. Inspirada neste relato bíblico construiu-se na Criminologia a expressão “síndrome da mulher de Potifar” para designar situações em que a suposta vítima mente para prejudicar o suposto agressor, imputando-lhe falsamente um crime de estupro no qual inexistem testemunhas. Por conta de casos desse jaez, o juiz deve ter muita cautela ao julgar possíveis estupros onde a prova fundamental seja a palavra da vítima. Nesse aspecto assim se expressa Rogério Greco (2010, v. III, p. 473): Mediante a chamada síndrome da mulher de Potifar, o julgador deverá ter a sensibilidade necessária para apurar se os fatos relatados pela vítima são verdadeiros, ou seja, comprovar a verossimilhança de sua palavra, haja vista que contradiz com a negativa do agente. A falta de credibilidade da vítima poderá, portanto, conduzir à absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório. Como visto, a palavra da vítima pode ser vital para subsidiar uma condenação por estupro, pois este normalmente acontece às escondidas, sem testemunhas. A dita síndrome da mulher de Potifar não descarta essa realidade, apenas lembra ao julgador a possibilidade plausível de haver uma falsa imputação no caso, demandando cautela na avaliação da negativa do imputado. 3. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE Está assim prevista no CP: Violação sexual mediante fraude Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. Art. 216. Revogado. Antes da Lei 12.015/2009, tínhamos no CP os crimes de posse sexual mediante fraude (art. 215 - quando era levada a efeito conduta de manter conjunção carnal com mulher mediante fraude); e atentado violento ao pudor mediante fraude (art. 216 - quando se utilizava de fraude para conseguir ato libidinoso diverso da conjunção carnal com alguém). Atualmente, os dois artigos estão fundidos no art. 215. A pena aumentou. Eliminaram-se as qualificadoras antes previstas nos artigos 215 e 216. 3.1 Objetos jurídico e material O objeto jurídico da infração penal em deslinde é a liberdade sexual. O objeto material pode ser tanto o homem quanto a mulher. 3.2 Sujeitos ativo e passivo Também tanto o homem quanto a mulher podem, em regra, ser sujeitos ativo e passivo. Em se tratando de conjunção carnal, exige-se homem em um pólo e mulher no outro, pois a relação deve ser heterossexual, considerando que a conjunção carnal somente pode ocorrer com a introdução do pênis na vagina[7]. Não pode figurar como sujeito passivo menor de catorze anos, considerando que a relação sexual com pessoa nesta condição acarreta a incidência do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), seja a relação sexual conseguida de forma forçada, mediante fraude ou mesmo consentida. 3.3 Tipo objetivo O delito descrito no art. 215 volta-se a reprimir as seguintes condutas: a) ter conjunção carnal com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de sua vontade; b) praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a sua livre manifestação de vontade. Conforme já dito, conjunção carnal consiste na introdução do pênis na vagina, exclusivamente. Ato libidinoso abarca todo ato relevante voltado à satisfação da lascívia. O traço marcante do delito é a fraude como meio executório, daí a doutrina dar a ele o pseudônimo de “estelionato sexual”. Explica Capez (2011, v. 3, p. 66) que: http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn7 A conduta do agente tanto pode consistir em induzir a vítima em erro como em aproveitar-se do erro dela. Na primeira hipótese, o próprio sujeito ativo provoca o erro na vítima; já na segunda, a vítima espontaneamente incorre em erro, mas o agente se aproveita dessa situação para manter com ela conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso. O erro pode se dar quanto à identidade do agente ou quanto à legitimidade da obtenção da prestação sexual. (Grifos nossos) Conforme observado, a fraude faz a vítima ter uma falsa percepção da realidade quanto à identidade do agente ou quanto à legitimidade da obtenção da prestação sexual. Na primeira situação tem-se como exemplo o caso da moça que namora com uma pessoa que tem um irmão gêmeo, sendo que este finge ser o outro para que a vítima consinta com a relação sexual pretendida. Na segunda situação, cita-se o caso do curandeiro que convence mulher rústica a consentir que com ela se pratique ato libidinoso a pretexto de curar determinado mal. A fraude empregada deve ser idônea a iludir, pois a fraude grosseira não pode ser considerada como meio executório do delito. A idoneidade da fraude deve ser averiguada no caso concreto, levando em conta as características da vítima. Além da fraude expressamente mencionada, a Lei também considera que o delito em estudo pode ser praticado através de “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. O intérprete deve lançar mão da interpretação analógica para entender o que pode se enquadrar nesse “outro meio”. Nesse sentido o magistério de Rogério Greco (2010, v. III, pp. 492-493): Cuida-se, in casu, da chamada interpretação analógica, ou seja, esse outro meio utilizado deverá ter uma conotação fraudulenta, a fim de que o agente possa conseguir praticar as condutas previstas no tipo, a exemplo do que ocorre com a utilização de algum meio artificioso ou ardiloso, nos mesmos moldes previstos para o delito de estelionato. Vislumbramos que a utilização da expressão “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima” poderá causar confusões de interpretação, quando visualizamos que o art. 217-A, § 1º, considera estupro de vulnerável a prática de ato sexual com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Nesse andar, aquele que, por exemplo, dopa a vítima para manter relação sexual com ela desacordada, comete o crime do art. 217-A, § 1º, do CP, e não o previsto no art. 215 do CP. Diante da problemática demonstrada, assim se posiciona Nucci (2009, p. 29): Para compatibilizar os dois tipos penais, considerando-se, inclusive, a diversidade das penas, parece-nos seja a solução analisar o grau de resistência da vítima ou, sob outro ângulo, o grau de perturbação da sua livre manifestação. Quando houver resistência relativa ou perturbação relativa, logo, há alguma condição de haver inteligência sobre o ato sexual, embora não se possa considerar um juízo perfeito, poder-se-á cuidar da figura do art. 215. Entretanto, havendo resistência nula ou perturbação total, sem qualquer condição de entender o que se passa, dever-se-á tratar da figura do art. 217-A, § 1º. Portanto, segundo o escólio transcrito, sendo totalmente eliminada a possibilidade de resistência da vítima, não há espaço para incidência do art. 215 do CP, este somente aplicável nos casos em que o outro meio fraudulento utilizado apenas reduza a sua capacidade de resistência.No que diz respeito à conduta proscrita de praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima; importante perceber que está prevendo o tipo a incriminação da conduta do agente que “pratica” com alguém (ser humano) outro ato libidinoso nas condições explicitadas. Diante disso, entende Rogério Greco (2010, v. III, p. 490) que se a vítima for levada, mediante fraude, a praticar ato libidinoso em si própria (p.ex.: masturbação) ou em alguém (p.ex.: felação), o fato será atípico. Por essa linha de raciocínio, portanto, para ocorrer o crime o ato deve ser praticado por alguém na vítima, e não o inverso. Confiram-se os ensinamentos de Cleber Masson (2011, v. 3, p. 40) sobre o assunto: Se, em razão da fraude ou expediente similar, a vítima é obrigada a praticar em si mesma atos sexuais (exemplo: automasturbação), ou então venha a praticar no agente algum ato libidinoso (exemplo: sexo oral), não se poderá reconhecer o crime de violação sexual mediante fraude. Divergimos, em parte, desse entendimento. Realmente a redação do art. 215 não foi das melhores. Entendemos, entretanto, ser possível harmonizar a sua interpretação com a vontade da lei (mens legis), defendendo que praticar abrange o “participar” (no sentido de “tomar parte em”); de modo que mesmo sendo passivo o comportamento do sujeito ativo no ato sexual (no caso, por exemplo, de sexo oral feito pela vítima no agente), entende-se estar ele praticando ato libidinoso. Aliás, não é lógico entender que há crime em caso de conjunção carnal quando a vítima conduz a relação, ficando o agente passivo diante dos movimentos comandados por ela; e, de modo diverso, entendermos não haver crime no caso de sexo oral praticado pela vítima no violador. Desse modo, segundo pensamos, tanto o ter (ter conjunção carnal) como o praticar (praticar ato libidinoso) devem ser entendidos como tomar parte fisicamente no ato. Agora, no caso de ausência de contato físico, quando a vítima, por exemplo, é levada a se automasturbar, não há como enquadramos a conduta nos termos do art. 215, que indubitavelmente exige contato físico para configuração do crime. Por fim, ressaltamos que o art. 215 tem redação semelhante àquela constante no art. 217-A do CP. Compare-se: Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Grifos nossos) Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Grifos nossos) Ora, quem defende não estar configurado o delito do art. 215 quando a vítima faz sexo oral no sujeito ativo; também terá que defender o entendimento (inaceitável, segundo pensamos) que será atípica a prática voluntária de sexo oral por uma criança em um adulto. É por essa razão que, para manter a coerência, pensamos deva ser o núcleo praticar, tanto para efeitos do art. 215 quanto para efeitos do art. 217-A, entendido no sentido de “tomar parte no ato”, até mesmo porque se fala, nos dois artigos, em praticar com (ou seja, juntamente com a vítima; e não apenas na vítima). 3.4 Tipo subjetivo Defendemos que a infração penal em comento não exige elemento subjetivo do tipo específico. Há a exigência somente do dolo inerente à conduta. Não é punida a forma culposa por ausência de previsão legal. O parágrafo único diz que havendo finalidade de obter vantagem econômica com a prática do delito, deve-se aplicar, além da pena privativa de liberdade, multa. 3.5 Consumação e tentativa O delito consuma-se, quando se tratar de conjunção carnal, com a introdução (parcial ou total) do pênis na vagina. Em se tratando de outros atos libidinosos, consuma-se com a efetiva prática de tais atos. A tentativa é perfeitamente possível. Acaso a vítima, enganada pelo meio fraudulento utilizado, consinta com o ato sexual, e durante este perceba a fraude, mas mesmo assim resolva continuar, não haverá a incidência do art. 215 do CP. Por outro lado, se for forçada a continuar após perceber a fraude, deverá o agente responder por estupro (art. 213 do CP)[8]. 3.6 Peculiaridade (calote em prostituta) Sustentam Rogério Greco (2010, v. III, p. 498) e Cleber Masson (2011, v. 3, p. 43) que há violação sexual mediante fraude no caso do cliente que contrata prestação sexual de prostituta, porém após o ato não cumpre a promessa de pagamento antes feita. Com a devida vênia, sustentamos posição contrária, pois no caso não houve erro por parte da suposta vítima quanto à identidade do agente nem quanto à legitimidade da relação sexual. A prostituta se entregou espontaneamente ao cliente, de modo que o prejuízo não foi na sua liberdade sexual, mas sim em seu patrimônio (deixou de receber o dinheiro prometido). É bem diferente da situação da vítima que consente relação sexual com uma pessoa pensando que é outra, ou quando pensa que o ato consentido não tem caráter libidinoso, ou ainda, quando tem sua capacidade de resistência reduzida. Nesses casos é muito claro que não houve consciente liberdade de escolha do parceiro sexual por parte da vítima. Aí sim é cabível a reprimenda penal. Ademais, se defendermos o raciocínio de que toda vez que houver promessa enganosa que levou a vítima a consentir relação sexual haverá violação sexual mediante fraude estaremos transformando várias situações cotidianas em criminosas. Aliás, antes das inovações introduzidas na Lei 12.015/2009 já se entendia (raciocínio que não vemos razões para reparos diante do novel diploma legal) não haver estelionato sexual no caso de falsa http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn8 promessa de casamento que levou a vítima a ter conjunção carnal com o agente[9]. Do mesmo modo, não vislumbramos a ocorrência do crime, por exemplo, no caso de suposta vítima que se entrega a um agente porque este lhe prometeu um emprego, mas que depois não cumpre com o prometido. Note-se que em todos esses casos a pessoa teve liberdade de escolha do parceiro, apesar dessa escolha ter sido motivada por um interesse pessoal não satisfeito. E isso não é suficiente, segundo pensamos, para configurar o crime do art. 215 do CP. 4. ASSÉDIO SEXUAL Atualmente apresenta a seguinte tipificação: Assédio sexual Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. (VETADO) § 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) A Lei 12.015/2009 apenas incluiu o § 2º no artigo em evidência, trazendo uma causa especial de aumento de pena quando a vítima é menor de idade. 4.1 Objetos jurídico e material O tipo em foco tem como objeto jurídico a liberdade sexual, e como objeto material a pessoa (homem ou mulher) contra qual é dirigida a conduta tipificada. 4.2 Sujeitos ativo e passivo Trata-se de crime próprio, pois somente pode ser praticado (sujeito ativo) por pessoa que está na condição de superior hierárquico da vítima ou que tem ascendência sobre esta, em ambos os casos inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. “O sujeito passivo também é próprio, exigindo o tipo uma condição especial sua, qual seja, ser subalterno do autor" (CUNHA, 2010, v. 3, p. 254). 4.3 Tipo objetivo O núcleo do tipo é o verbo constranger, que possui significado diferentedo mesmo vocábulo utilizado para tipificação do crime de estupro. Para efeitos de assédio sexual, constranger significa embaraçar, perseguir com propostas, importunar etc; pois não é meio executório de tal delito violência ou grave ameaça. Não configura o constrangimento proscrito pequenos gracejos ou mesmo convites inoportunos, mas de reduzidíssima ofensividade. Em sentido similar, o pensamento de Pierangeli e Souza (2010, p. 47): Indispensável, pois, que o constrangimento objetive uma vantagem ou favorecimento sexual, mas esses favores luxuriosos devem constituir algo de significação, de http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm#art2 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn9 satisfação da libido. Caso contrário, estar-se-á sancionando a solicitação de afeto ou de companhia, o que seria uma aberração legislativa. Que não se veja o delito de assédio sexual em um convite para um jantar, para um baile, para assistir a uma peça teatral, na entrega de um ramalhete de flores, e outros mimos e presentes, ainda que possa estar na mente de quem fez o convite um relacionamento mais íntimo. Sem imposição ou intimidação, o delito não se integra, porque não há constrangimento, nem ameaça. Indispensável, pois, que se coloque a vítima em uma situação gravemente intimidadora, hostil ou humilhante. Para melhor aclarar a noção de assédio sexual, veja-se a definição dada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao mesmo[10]: Atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir: a) ser uma condição clara para manter o emprego; b) influir nas promoções da carreira do assediado; c) prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima. Entendemos que não podem funcionar como meio executório do assédio sexual a violência ou grave ameaça, pois se utilizados tais meios ocorrerá estupro, tentado ou consumado, conforme o caso[11]. Pode haver ameaça objetivando o contato sexual, porém esta não poderá ser qualificada como “grave”. A séria importunação deve ocorrer mediante abuso da condição superior (por hierarquia ou ascendência) do sujeito ativo em face da vítima, levando em conta relações de trabalho. Desse modo, o assédio levado a efeito por pessoa que ocupa posto laboral similar ou inferior ao da vítima não leva à caracterização do delito. A condição de superior hierárquico prevista no tipo somente é possível no âmbito da Administração Pública, segundo posição doutrinária predominante. A ascendência tem relação com a superioridade exercida nas relações privadas de trabalho. Nesse andar Nucci (2006, p. 828) propõe a seguinte delimitação: Superior hierárquico: trata-se de expressão utilizada para designar o funcionário possuidor de maior autoridade na estrutura administrativa pública, civil ou militar, que possui poder de mando sobre os outros. Não se admite, nesse contexto, a relação de subordinação existente na esfera civil. […] Ascendência: significa superioridade ou preponderância. No caso presente, refere-se ao maior poder de mando, que possui um indivíduo, na relação de emprego, com relação a outro. Liga-se ao setor privado, podendo tratar-se tanto do dono da empresa, quanto do gerente ou outro chefe, também empregado. Para ocorrer o assédio sexual incriminado, deve a condição de superior do agente ser determinante para a importunação da vítima. Isso se extrai com clareza da expressão “prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” contida na Lei. Emprego consiste em relação trabalhista privada não eventual; cargo diz respeito ao posto criado dentro da estrutura da http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn11 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn10 Administração Pública; e função consiste no conjunto de atribuições inerentes ao serviço público, não correspondentes a um cargo ou emprego[12]. Afirmam Mirabete e Fabbrini (2008, v. 2, p. 422) o seguinte: Para que haja o crime, é indispensável que o sujeito ativo se prevaleça de sua condição de superioridade, de sua relação de mando no trabalho público ou particular e que exista o temor por parte da vítima de que venha a ser demitida, que não consiga obter promoção ou outro emprego etc. pela conduta expressa ou implícita do agente. É indispensável também para a configuração do delito que o sujeito ativo se prevaleça de sua condição de superioridade, de sua relação de mando no trabalho público ou particular. Assim, pode ocorrer uma grave importunação por parte do superior em relação ao subalterno sem que isso caracterize assédio sexual, se tal importunação, mesmo tendo ocorrido no ambiente de trabalho, não tiver vinculação com as relações laborais. Por exemplo: se o chefe propuser para a subalterna, sem qualquer insinuação de prejuízo ou vantagem no trabalho; que acaso ela se relacione sexualmente com ele, ganhará um apartamento, isto nada tem a ver com a relação laboral (não existe, portanto, assédio sexual incriminado), mesmo que a cantada tenha ocorrido no ambiente laboral. Eis mais doutrina sobre este ponto (GRECO, 2010, v. III, p. 500): No delito de assédio sexual, partindo do pressuposto de que o seu núcleo prevê uma modalidade especial de constrangimento, devemos entendê-lo praticado com ações por parte do sujeito ativo que, na ausência de receptividade pelo sujeito passivo, farão com que este se veja prejudicado em seu trabalho, havendo, assim, expressa ou implicitamente, uma ameaça. No entanto, essa ameaça deverá sempre estar ligada ao exercício de emprego, cargo ou função, seja rebaixando a vítima de posto, colocando- a em lugar pior de trabalho, enfim, deverá sempre estar vinculada a essa relação hierárquica ou de ascendência, como determina a redação legal. A exigência de que o embaraço imposto tenha vinculação com as relações laborais não conduz, entretanto, ao raciocínio de que o assédio somente possa ocorrer no ambiente de trabalho, como bem esclarece Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 659): O tipo legal não alcança tão-somente o assédio sexual ambiental (praticado no ambiente de trabalho), visto que a conduta delitiva poderá ser perpetrada fora do espaço físico laboral, desde que o agente se utilize de sua condição de superior hierárquico ou de sua ascendência sobre a vítima para assediá-la. A doutrina, conforme já largamente demonstrado, preocupa-se em distinguir a mera cantada, sem qualquer intimidação, ocorrida nas relações de trabalho entre superior e subalterno, do assédio incriminado, no qual há o abuso, o constrangimento, a violação da dignidade sexual da vítima. Para bem entender essa diferenciação, leiam-se os seguintes exemplos dados por Cleber Masson (2011, v. 3, p. 52): a) o superior insiste à pessoa subalterna o namoro ou casamento, sem qualquer tipo de intimidação: não há assédio sexual; b) o superior propõe à pessoa subalterna a relação sexual, sem intimidá-la: não há assédio sexual; e http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn12 c) o superior constrange a pessoa subalterna com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, mediante sua intimidação com amparo nos poderes advindos da sua posição hierárquica ou de ascendência: há crime de assédio sexual. Nota-se, portanto, que não se deve entender que qualquer cantada dada pelo superior no subalterno, mesmo que no local de trabalho e com objetivos libidinosos, seja assédio sexual. Para que este ocorra, é imprescindível a intimidação da vítima,mesmo que seja por gestos, insinuações etc., pois o crime estudado é de forma livre (admite qualquer meio de execução). 4.4 Tipo subjetivo Quanto ao elemento subjetivo do delito, inicialmente pondere-se que ele somente admite a forma dolosa, não havendo previsão de modalidade culposa. Há a exigência de finalidade especial do agente (elemento subjetivo do tipo específico) consistente no “intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”. De acordo com Nucci (2006, p.827): “[...] vantagem quer dizer ganho ou proveito; favorecimento significa benefício ou agrado. Na essência, são termos correlatos e teria sido suficiente utilizar apenas um deles na construção do tipo penal, pois, na prática, é impossível diferenciá-los com segurança”. Destarte, o objetivo do agente deve ser, abusando de sua condição de superioridade por hierarquia ou ascendência, envolver o subalterno em uma prática de natureza libidinosa. Essa vantagem ou favorecimento sexual pode ser tanto para o próprio agente quanto para terceiros. Daí Fernando Capez (2011, v. 3, p. 74) tecer as seguintes ponderações: A vantagem ou o favorecimento sexual pode ser para o próprio agente ou para outrem (p.ex., um amigo), ainda que este desconheça esse propósito do agente. Caso o terceiro tenha ciência e queira a obtenção desses benefícios sexuais, haverá o concurso de pessoas. De fato, o terceiro beneficiado com a conduta proscrita do assediador pode responder ou não pelo delito, dependendo se colaborou ou não para sua prática, pois assim como pode atuar de boa-fé, pode também assumir a posição de concorrente (art. 29 do CP) na prática delitiva. 4.5 Consumação e tentativa A consumação se dá com o ato de constranger a vítima (mesmo que seja um único ato, pois não exige habitualidade). Trata-se de crime formal. Ocorrendo a vantagem ou favorecimento sexual objetivados pelo agente ter-se- á o exaurimento do crime, que não pode ser confundido com a consumação, que, conforme já dito, se dá com o constrangimento do sujeito passivo[13]. A tentativa é possível, apesar de difícil ocorrência. Hipótese da modalidade tentada se dá quando o assédio é veiculado por escrito (carta, bilhete etc.), sendo o documento interceptado antes de chegar ao conhecimento da vítima, evitando-se assim que esta seja constrangida (isto porque se ocorrer o constrangimento, o crime estará consumado)[14]. http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn14 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn13 4.6 Forma majorada Está prevista no § 2º do art. 216-A, a seguinte majorante: “A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”. Referido parágrafo foi incluído pela Lei nº 12.015/2009 . Primeiramente, cabe destacar o equívoco do legislador que incluiu um § 2º sem haver § 1º no art. 216-A. O correto seria, portanto, ter incluído um parágrafo único. Outro problema com o dispositivo foi não estabelecer a proporção mínima de aumento. Fala-se apenas que a proporção máxima deve ser de um terço. Para corrigir essa falha a doutrina tem se posicionado no sentido de que a proporção mínima de aumento deve ser de um sexto, conforme é praxe nas demais causas de aumento previstas no Código Penal[15]. Quanto à incidência da majorante, esta se dará, conforme espelha objetivamente o § 2º, se o fato ocorrer quando a vítima ainda não tenha completado dezoito anos. Idade esta que deve ser comprovada através de documento idôneo (art. 155, parágrafo único, do CPP). Acaso o agente demonstre que desconhecia a idade da vítima, a incidência do erro de tipo poderá afastar a aplicação da causa de aumento. 4.7 Outras peculiaridades A seguir destacamos algumas particularidades relacionadas ao delito de assédio sexual: a) não há assédio sexual quando o constrangimento parte de professor em relação a alunos, pois estes não são funcionários do estabelecimento de ensino (o assédio pressupõe o exercício de emprego, cargo ou função por parte do assediado)[16]; b) também não ocorre a infração penal em deslinde quando se tratar de assédio de líder religioso em face de fiéis tidos como subalternos na organização religiosa[17], pois também entre eles não há relação laborativa; c) é possível o assédio sexual do patrão em face da empregada doméstica, pois neste caso há um exercício de emprego por parte da vítima. Em se tratando de doméstica diarista, entendemos não haver essa possibilidade, pois não há exercício de emprego, visto exigir este o traço característico de trabalho não eventual[18]; d) acaso o assédio seja dirigido a pessoa com menos de catorze anos o caso será de estupro de vulnerável (art. 217-A), consumado (se o posterior ato sexual ocorrer) ou tentado (acaso haja apenas o constrangimento sem a realização do ato libidinoso pretendido)[19]. 5. ESTUPRO DE VULNERÁVEL O crime de estupro de vulnerável está inserido no Capítulo II (denominado “DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL”) do Título inerente aos crimes contra a dignidade sexual (Título VI da Parte Especial). Referido Capítulo traz a tipificação dos seguintes crimes: • estupro de vulnerável (art. 217-A); • corrupção de menores (art. 218); • mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem[20] (art. 218); http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn20 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn19 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn18 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn17 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn16 http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn15 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm#art2 • satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A); • favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B). Encontra-se revogado o art. 217 (sedução), antes inserto no Capítulo II em destaque. Os artigos previstos no Capítulo III do mesmo Título estão todos revogados, quais sejam: art. 219 (rapto violento ou mediante fraude); art. 220 (rapto consensual); art. 221 (diminuição de pena); e art. 222 (concurso de rapto e outro crime). Para iniciar o estudo dos crimes sexuais contra vulnerável, vejamos a íntegra da tipificação do estupro de vulnerável: Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2o (VETADO) § 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. 5.1 Comentário introdutório O caput do artigo 217-A mantém a opção legislativa de considerar crime o ato libidinoso praticado com pessoa menor de 14 (catorze) anos de idade, independentemente do consentimento da vítima. Agora se tem um crime específico (“estupro de vulnerável”), para os casos de ato libidinoso, forçado ou não, praticado com menor de 14 (catorze) anos. Antes havia o artigo 224, hoje revogado, que era utilizado como regra de extensão para aplicação dos artigos 213ou 214, conforme o caso, quando o ato libidinoso era praticado com o consentimento da vítima, falando- se então em estupro ou atentado violento ao pudor com presunção de violência. Portanto, atualmente, quem pratica sexo com menor de 14 (catorze) anos responde pelo delito previsto no art. 217-A (observe-se que a pena deste crime é bem maior do que aquela atribuída ao estupro comum em sua forma simples), ficando afastada a incidência do art. 213 à situação. O estupro de vulnerável, em qualquer de suas modalidades constitui-se crime hediondo (art. 1º, VI, da Lei nº 8.072/90). 5.2 Objetos jurídico e material A infração penal ora estudada tem como objeto jurídico (bem jurídico protegido) a liberdade, dignidade e desenvolvimento sexuais[21]. O objeto material é a pessoa (do sexo masculino ou feminino) vulnerável com quem é praticado o ato libidinoso. Quando formos tratar do http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn21 sujeito passivo delinearemos melhor o conceito de vulnerável para efeitos do art. 217-A. 5.3 Sujeitos ativo e passivo Em regra, trata-se de crime comum no tocante ao sujeito ativo, posto que qualquer um (homem ou mulher) pode incorrer na conduta criminosa. Quando se tratar de execução através de conjunção carnal, contudo, exige-se que a relação seja heterossexual (ou seja, se a vítima for do sexo feminino, o sujeito ativo deve ser homem; se a vítima for do sexo masculino, o sujeito ativo deve ser mulher). Quanto ao sujeito passivo, este deve ser menor de catorze anos ou pessoa (mesmo que maior de catorze anos) que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. São estas a pessoas consideradas vulneráveis pelo art. 217-A, conforme melhor se especifica em seguimento. a) Menor de catorze anos (art. 217-A, caput) Trata-se de um critério objetivo estabelecido pela Lei. Entende-se que a pessoa que ainda não completou catorze anos não tem maturidade suficiente para decidir se relacionar sexualmente. Desse modo, o ato libidinoso, mesmo que consentido, praticado com menor de catorze anos é tido como configurador do tipo penal em evidência. Vale lembrar que parte da jurisprudência e da doutrina já aceitava certa relativização no tocante à presunção de violência no sexo consentido praticado com menor de 14 (catorze) anos. O art. 217-A, entretanto, não fala mais em qualquer presunção, mas sim diretamente tipifica a prática desse ato. Desse modo, parece-nos que agora ficará mais difícil uma relativização. Deve-se lembrar, contudo, que o tipo, segundo entendimento contemporâneo, não possui apenas um aspecto formal, mas também uma faceta material. Logo, como o objetivo é proteger com o dispositivo em evidência a dignidade sexual da vítima (presumindo como imatura para a vida sexual a pessoa menor de catorze anos); se essa dignidade não é efetivamente afetada, pode-se construir um raciocínio de falta de tipicidade material. Traçamos tais comentários por nos preocuparmos com situações corriqueiras como, por exemplo, do homem de dezoito anos que faz sexo com a sua namorada de treze com o pleno consentimento desta, tendo a mesma razoável instrução sobre a vida sexual. Seria justo ele ser condenado a uma pena de oito a quinze anos de reclusão? Pena esta que se aproxima da sanção referente ao homicídio simples (que é de seis a vinte anos de reclusão – art.121 do CP)? Registra-se que Rogério Greco (2010, v. III, pp. 512-513) e Cleber Masson (2011, v. 3, p. 54) entendem não ser mais possível excluir qualquer pessoa menor de catorze anos da proteção estabelecida no artigo em tela, considerando haver uma escolha objetiva do legislador baseada no critério etário. Em sentido contrário, a posição de Nucci (2009, v. 37), dizendo que atualmente pode-se relativizar a vulnerabilidade em alguns casos especiais em se tratando de vítima maior de doze anos (considerada adolescente nos termos do ECA – Lei nº 8.069/1990). Rogério Sanches Cunha (2010, v. 3, pp. 256-257) adere ao entendimento de Nucci. De outro modo, não há discussão quanto à possibilidade da ocorrência de erro tipo no caso, em situações que o agente, justificadamente, crê estar se relacionando com pessoa maior de catorze anos, porém depois descobre ter esta idade inferior. Veja-se, neste aspecto, o exemplo dado por Rogério Greco (2010, v. III, pp. 514-515): Assim, imagine-se a hipótese onde o agente, durante uma festa, conheça uma menina que aparentava ter mais de 18 anos, devido à sua compleição física, bem como pelo modo como se vestia e se portava, fazendo uso de bebidas alcoólicas etc., quando, na verdade, ainda não havia completado os 14 (catorze) anos. O agente, envolvido pela própria vítima, resolve, com o seu consentimento, levá-la para um Motel, onde com ela mantém conjunção carnal. Nesse caso, se as provas existentes nos autos conduzirem para o erro, o fato praticado pelo agente poderá ser considerado atípico, tendo em vista a ausência de violência física ou grave ameaça. Em derradeiro, registra-se que acaso o ato sexual ocorra, sem violência ou grave ameaça, no dia em que a vítima completa seus catorze anos, o fato será atípico[22], pois exige a Lei que o sujeito passivo, no caso, seja menor de catorze anos. b) Pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual (art. 217-A, § 1º, primeira parte) No presente caso, além da vítima possuir enfermidade ou deficiência mental, deve também restar demonstrado que não tem o necessário discernimento para a prática do ato. Quer dizer, o fato de estar acometida de uma patologia mental não é suficiente; devendo-se também demonstrar sua incapacidade de discernimento. Daí se dizer que o legislador adotou, no caso, um critério biopsicológico, segundo bem explica Cleber Masson (2011, v. 3, p. 55): “Consagrou-se, portanto, o sistema biopsicológico: para aferição da vulnerabilidade não basta a causa biológica (enfermidade ou deficiência mental), pois também se exige a afetação psicológica do ofendido (ausência de discernimento para o ato sexual)”. Nesse passo, não estão totalmente proibidas relações sexuais com pessoas portadoras de patologias mentais, se estas tiverem discernimento suficiente para consentir com tal prática. Por isso é imprescindível a perícia para definir a vulnerabilidade no presente caso, tanto para avaliar a enfermidade ou deficiência mental quanto a capacidade de discernimento. c) Pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (art. 217-A, § 1º, parte final) É considerada vulnerável a pessoa que, mesmo maior de catorze anos e sem qualquer enfermidade ou deficiência mental, não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. A incapacidade de resistência mencionada pode ser, segundo Nucci (2009, p. 40), relativa ou absoluta. Somente no caso de incapacidade absoluta é que deverá ser considerada vulnerável a vítima. Acaso haja incapacidade relativa, o fato poderá ser enquadrado nos termos do art. 215 do CP (violação sexual mediante fraude). http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=120424863958905112&postID=1148175346214374235#_ftn22 Colhem-se da doutrina os seguintes exemplos de impossibilidade de oferecer resistência (MASSON, 2011, v. 3, p. 56): São exemplos de vulneráveis, com fundamento no art. 217-A, § 1º, in fine, do Código penal, as pessoas em coma, em sono profundo, anestesiadas ou sedadas (exemplo: médico que pratica com o paciente atos libidinosos durante o estado de inconsciência resultante da anestesia geral), bem como as pessoas
Compartilhar