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1 Fundamentos de Direito Panorama Contemporâneo do Direito, Teoria Tridimensional do Direito e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Unidade II SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 3 1. ELEMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E DO DIREITO PRIVADO .................................. 4 2. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO ............................... 14 3. TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO .................................................................... 19 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 23 3 INTRODUÇÃO Em continuidade ao conteúdo iniciado pela 1ª Unidade do curso de Fundamentos de Direito, a Unidade II abrangerá os conceitos e paradigmas principais relacionados ao regime jurídico de Direito Público e suas distinções com o regime do Direito Privado. O escopo dará prioridade à jurisprudência nacional, especialmente por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No segundo capítulo, dar-se-á ênfase à Teoria Tridimensional do Direito, elaborada pelo jurista Miguel Reale, trazida à tona frente a comentários mais modernas elaborados pela doutrina brasileira. Por fim, será analisada a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o decreto-lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, denominada LINDB, anteriormente conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), e seu papel fundamental na interpretação e aplicação das leis. 4 1. ELEMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E DO DIREITO PRIVADO Inicialmente, deve-se observar que não há uma distinção absoluta ou textual sobre regimes jurídicos distintos ou ramos de atuação do Direito (como o Direito Penal ou o Direito Civil); mas sim que tais divisões possuem funções de âmbito educacional e de atuação prática. Não há a absoluta anulação de um regime jurídico tipicamente privado em sede de atuação do regime jurídico público, e o contrário também pode ser constatado. Ademais, há ainda o espectro cinza que comportava alguma dificuldade em adequar a um e outro tipo de Direito. Inicialmente, far-se-á necessário analisar as questões envolvendo a dicotomia do público e do privado. O parâmetro utilizado para perscrutar essa taxonomia consiste na relação jurídica de igual ou distinta hierarquia de prerrogativas entre as partes envolvidas. Como regra, o Direito Privado estipula normas para agentes em igual grau de igualdade, porém não é em absoluto (como no caso do Código de Defesa do Consumidor, e o instituto da inversão do ônus da prova na seara processual). Na relação de Direito Público, tem-se uma relação entre pessoas em condições distintas; de um lado, haverá o Poder Público, seja da Administração Direta ou Indireta, de quaisquer dos Poderes, e nessa condição estará consubstanciada no interesse público, não podendo dispor livremente das condições propostas pelos contratos de direito privado. O ente público, no advento da relação jurídica, estará amparado por institutos legais próprios e que priorizem os interesses da coletividade, abstendo os valores e desejos pessoais do agente público ou autoridade responsável. Entre partes privadas, as relações jurídicas estarão amparadas por leis gerais e específicas acerca do negócio jurídico proposto, podendo estar impor limitações para as partes. A contratação de um empregado por parte de um empregador pessoa jurídica irá submetê-los ao regime contratual de trabalho proposto pelo Decreto-lei nº 5.452, 1º de maio de 1943, conhecida como Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Em contrapartida a essa forma de trabalho, os agentes públicos da Administração Pública submetem-se a um regime estatutário, com base numa lei específica para esse fim, não havendo contrato. 5 A distinção maior pode ser traçada pela forma de contratação, com base na impessoalidade do Poder Público, que necessita de força de trabalho em seus quadros, e na racionalidade da escolha, publicando um edital para comunicar a sociedade a participarem de um concurso público de provas ou de provas e títulos. Ademais, ocorre singular característica acerca das empresas públicas: aquelas que prestam serviço público essencial ou sujeito à regime monopolista, ou estratégico para a Administração Pública, poderá sujeitar-se às regras constitucionais garantidoras de imunidade tributária, como se fossem pessoas jurídicas de direito público; até mesmo no caso de demissão sem justa causa, fora decidido que a Empresa de Correios e Telégrafos – ECT – não precisará condicionar o expediente de rescisão contratual com a instauração de processo administrativo ou abertura de proceder para contraditório, necessitando apenas de uma motivação formalizada (STF – Emb. Decl. RE nº 589.998 – PI. Tribunal Pleno. Min. Relator: Roberto Barroso. Data de julgamento: 10 out. 2018. Publicação em: 05 dez. 2018). Nesse sentido, também ocorreu o reconhecimento da imunidade tributária para empresa pública monopolista que foi definida pelo Pretório Excelso como possuidora de prerrogativa de Fazenda Pública (STF – RE nº 1.009.828 AgR – RJ. 1ª Turma. Min. Relator: Roberto Barroso. Data de julgamento: 24 ago. 2018. Publicação em: 06 set. 2018). Posto isso, pode ser vislumbrada uma mescla não categorizada pelo Direito Positivo entre tais institutos, especialmente na questão envolvendo o regime trabalhista. Ocorre que pode surgir divergência nesse entendimento, porquanto considerarmos que para a contratação de empregado público, o candidato sujeita-se ao concurso público, e no caso da rescisão trabalhista, está condicionado a um expediente formal distinto do processo administrativo disciplinar. Frente às prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público, o STF compreendeu também que personalidade jurídica de direito privado exercendo atividade econômica em regime concorrencial, como o caso da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA, não possui a prerrogativa do regime de precatórios (STF – RE nº 892.727 – DF. 1ª Turma. Min. Alexandre de Morais. red. p/ o ac.: Rosa Weber. Data de julgamento: 05 jun. 2018. Publicação em: 16 nov. 2018). Acerca dos negócios jurídicos propriamente, sendo uma das partes a Administração Pública Direta ou Indireta de quaisquer dos Poderes, estarão disciplinados e condicionados aos certames licitatórios, tendo como norma geral a Lei 6 de Licitações, Lei nº 8.666/1993, dispondo sobre contratação de bens ou serviços, ponderando entre diversas modalidades, algumas atribuídas à alienação de bens não mais necessários na atividade administrativa do setor público, por intermédio do leilão. Contudo, a alienação envolvendo propriedades imóveis em territórios do Poder Público sujeitam-se a outros protocolos complexos, sendo possível perquirir judicialmente anulação judicial frente ao descumprimento de formalidades (STJ – Resp nº 1.590.022 – MA. 2ª Turma. Min. Relator: Herman Benjamin. Data de julgamento: 09 ago. 2016. Publicação em: 08 set. 2016). Por fim, resta esclarecer sobre a outrora zona inclassificável entre Direito Público e Direito Privado, gestada pelo aprimoramento das relações jurídicas frente à necessidade de novas previsões legais e ao atendimento de direitos constitucionais previstos, foram tecidos os conceitos referentes aos direitos difusos e aos direitos coletivos. Ambas as classificações dizem respeito ao interesse geral e comum da sociedade, não totalmente de caráter público e muito menos completamente de âmbito privado. São contemplados dentro dessas classificações o Direito do Consumidor e o Direito Ambiental. Observa-se que é uma saída e resoluçãode uma questão conceitual, porque pode ser questionado ainda a clareza sobre tais conceitos. As relações de consumo dizem respeito a negócios jurídicos de direito privado, porém em razão da dimensão educacional dos brasileiros perante as complexas fórmulas de composição de juros e a comum prática de contratos de adesão, que já vêm pré-concebido, surgiu a necessidade de tutelar o lado fraco da relação jurídica, havendo um sistema judicial especificado nesse sentido, sem destituir o caráter amparado pela Lei Civil e normas específicas sobre negócios. Foram, no entanto, limitadas, a partir da estipulação de um rol de responsabilidades a que prestadores ou fornecedores de bens e serviços devam se submeter, conforme estatuído pela Lei nº 8.078/1990, dos Arts. 12 ao 25, e o rol do Art. 39, onde estão denominadas as práticas abusivas. O Direito Ambiental volta-se à tutela da preservação da fauna e flora do território nacional, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, na classificação estipulada pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), conforme caput do Art. 225. 7 Observa-se que as normas elaboradas nesse sentido são institutos já conhecidos, sendo formas de responsabilização no âmbito civil, administrativo e, inclusive, de natureza penal, com o fim de coibir práticas destrutivas e estimular projetos restaurativos nas atividades econômicas que repercutam sobre a manutenção da fauna e flora. Podemos encontrar conceituações distinguindo direitos difusos e direitos coletivos. Para Rizzatto Nunes, direitos coletivos referem-se àqueles passíveis de determinação ou determinados; acerca dos direitos coletivos, são aqueles improváveis de determinação dos sujeitos de direitos tutelados.1 Em entendimento jurisprudencial, encontramos definições distintas, como os direitos transindividuais e direitos individuais homogêneos (STF – ADI nº 3.943 ED – DF. Tribunal Pleno. Min. Relatora: Cármen Lúcia. Data de julgamento: 18 mai. 2018. Publicação em: 01 ago. 2018). Eventualmente, os conceitos, ora tratados como distintos, carregam unidade, conforme se observa: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSTRUÇÃO IRREGULAR - ÁREA TOMBADA - CENTRO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE OURO PRETO - INTERVENÇÃO REALIZADA SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO IPHAN - DEMOLIÇÃO. 1- A ação civil pública, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.347/85, destina-se à proteção e reparação de danos envolvendo direitos difusos e coletivos, como o direito ao meio-ambiente, as relações de consumo, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a preservação da ordem econômica, urbanística, a proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, bem como do patrimônio público e social. 2- A alteração das características do imóvel tombado, em razão de seu valor cultural, histórico, paisagístico ou artístico, exige prévia autorização do órgão competente e sua inobservância ou impossibilidade de adequação demanda a demolição ou o desfazimento, conforme arts. 17 e 18 do Decreto-Lei nº 25/1937. (TJ-MG - Apelação nº 1.0461.02.007476-5/001. 4ª Câmara Cível. Des. Relator: Renato Dresch. Data de julgamento: 05 out. 2017. Publicação em: 10 out. 2017) 1 NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do Direito. 14ª ed. ver. e ampl. – São Paulo: SARAIVA, 2017 8 Nesse sentido, anteriormente foi denominado de maneira única direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos pelo STJ (AgRg no REsp nº 1.038.389 – MS, julgado pela 4ª Turma, Min. Relator: Antônio Carlos Ferreira. Data do julgamento: 24 nov. 2014. Publicação em: 02 dez. 2014). Contempla-se, inclusive, rigor na determinação desses denominações no teor de decisões, podendo inclusive resultar em indeferimento pela via inadequada de propositura, conforme a ementa a seguir: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO A DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS OU INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA DEFESA DE DIREITOS DE PARTICULARES. 1. Diante do resultado não unânime (em 28 de novembro de 2017), o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no artigo 942 do Novo Código de Processo Civil/2015, realizando-se nova sessão em 18 de abril de 2018. 2. A ação civil pública é posta pelo ordenamento nacional como ferramenta jurídico-processual voltada à proteção de direitos difusos e coletivos, bem como à defesa dos direitos individuais homogêneos. É demanda específica destinada ao resguardo de interesses da coletividade, tendo por objetivo secundário a responsabilização do infrator por danos causados a determinados bens jurídicos. 3. Caso concreto em que se busca a proteção dos alardeados direitos de três senhoras frente ao poder expropriatório do ente público. Como se vê, não se trata de discussão alusiva a direitos individuais homogêneos, tampouco se almeja a proteção de uma coletividade. Inadequação da via eleita para defesa de interesses particulares. 4. Apelação não provida. (TRF3 - Apelação Cível nº 2170921 - 0007247-21.2015.4.03.6100 – SP. 1ª Turma. Des. Relator: Hélio Nogueira. Data de julgamento: 18 abr. 2018. Publicação em: 17 mai. 2018) (destaque) É patente, nos Tribunais, a aferição da via judicial e legitimidade ativa adequadas para pleitear questões envolvendo essas denominações, inclusive sobre a propositura de ação civil pública na defesa de direitos coletivos (TRF-5 Apelação nº 000753110-2011.4.05.8300. 1ª Turma. Des. Relator: Alexandre Costa de Luna Freire. 9 Data de julgamento: 09 nov. 2017. Publicação em: 16 nov. 2017; e STJ AgRg no REsp nº 1.518.698 – SE. 2ª Turma. Min. Relator: Herman Benja. Data de julgamento: 25 ago. 2015. Publicação em: 16 nov. 2015). Curiosamente, quanto à legitimidade da Defensoria Pública, admite-se sua iniciativa para tutela dos direitos difusos dos menos favorecidos ou pessoas em situação de vulnerabilidade. É possível, então, questionar a comunhão dos significados (TJ-MG – Agrv. Instr. nº 1.0090.17.001890-8/001. 6ª Câmara Cível. Des. Relatora: Yeda Athias. Data de julgamento: 30 out. 2018. Publicação em: 09 nov. 2018; e TJ-RJ Agravo nº 0423197-33.2008.8.19.0001. Secretaria do Tribunal Pleno e Órgão Especial. Des. Relatora: Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo. Data de julgamento: 27 nov. 2017. Publicação em: 27 nov. 2017). Portanto, o conceito não é claro quanto ao grupo sujeito à tutela e representação judicial, conforme constata-se no teor do julgado proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: REEXAME: DE OFÍCIO - MANDADO DE SEGURANÇA - SAÚDE - SUS - MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE - PROCEDIMENTO CLÍNICO - INTERCORRÊNCIAS DE PACIENTE ONCOLÓGICO - IDOSO - VAGA - TRANSFERÊNCIA - REDE HIERARQUIZADA: COMPLEXIDADE DOS SERVIÇOS. 1. É obrigatório o reexame necessário da sentença que concede a segurança. 2. O Ministério Público detém competência institucional e legal para propor qualquer tipo de ação para a proteção dos direitos difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos, tal como o direito à saúde. 3. O Sistema Único de Saúde (SUS) organiza-se em uma rede hierarquizada, mediante distribuição de competências segundo o grau de complexidade dos serviços. 4. Havendo demora na dispensação de vaga/leito para paciente idoso com sofrimento intenso, atestada a urgência e emergência, cadastrado no SUS fácil, há ofensa a seu direito líquido e certo a tratamento de saúde. (TJ-MG - Apelação nº 1.0000.17.058931-1/001. 7ª Câmara Cível. Des. Relator: Oliveira Firmo. Data de julgamento: 19 set. 2017. Publicação em: 21 set. 2017) 10 A conceituação para direitos difusos coletivos ora considera o direito tutelado, orapode ser tratado em face do tutelado, seja considerado individualmente ou representado como categoria ou grupo de pessoa, conforme visto no exemplo da Defensoria Pública. Com essas considerações, o Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro estipulou em julgado que o direito individual homogêneo é o que se classifica com direitos difusos ou coletivos, mas com a faculdade de ser pleiteado judicialmente, havendo, no entanto, contato nos efeitos da sentença em razões das ações coletivas, nos moldes dos Arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor (TJ-RJ Apelação nº 0023072-82.2009.8.19.0038. 9ª Câmara Cível. Des. Relator: Carlos Azeredo de Araújo. Data de julgamento: 01 mar. 2016. Publicação em: 01 mar. 2016). Cumpre distinguir esse aparente regime jurídico misto entre Direito Público e Privado com outras formas regimentais que são mais claras a simbiose entre os dois regimes, como o caso das empresas públicas, sujeitas ao regime celetista, em virtude da contratação de mão-de-obra, mas não abdicando completamente das demais normas de direito público, como a realização de concursos públicos de provas ou de provas e títulos. Neste aspecto, os dois regimes coadunam-se como engrenagens concatenadas, não havendo conflitos e sendo os agentes determinados claramente (STJ – Confl. de Competência nº 1.782.692 – PB. 2ª Turma. Min. Relator: Herman Benjamin. Data de julgamento: 13 ago. 2019. Publicação em: 05 nov. 2019) Outra intromissão entre as formas regimentais, pode-se notar quanto à aferição da responsabilidade para reparação de ilícito - âmbito civil. Considerando a perspectiva de uma parte ser pessoa jurídica, independente de possuir personalidade de direito público ou de direito privado, competirá a ela, como regra, o mecanismo da responsabilização objetiva, sujeitando-a aos ônus processuais, haja vista ela possuir a administração e técnica sobre o evento discutido que suscitou a querela do dano. No amparo da norma constitucional, temos a norma descrita no dispositivo a seguir: Art. 37. (...) (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa 11 qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Com base nela, encontramos o regramento principal para a determinação da responsabilidade de natureza objetiva, em relação ao dano causado a terceiros (cidadãos ou clientes); na condição da reparação, admite-se a ação regressiva contra o agente empregado ou funcionário que houvera causado ou dado causa ao dano, para a reparação individualizada perante a própria pessoa jurídica; assim, constrói-se a responsabilização do agente, de natureza subjetiva. Em ramos específicos dos negócios privados, ocorre similar sujeição no regime privado considerando as normas técnicas envolvidas. É o caso de agentes financeiros obedecendo normas emanadas pelas autarquias federais fiscalizatórias do ramo, como o Banco Central do Brasil (BCB ou BACEN); e agentes securitários disciplinados pelas normas emitidas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Todavia, temos disposições amplas prescritas pelo Código de Defesa do Consumidor, ponderando pela posição hipossuficiente do consumidor ou cliente, conforme podemos observar no dispositivo destacado: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (destaque) Essa garantia atribuída ao consumidor, opondo ao prestador ou fornecedor de bens ou de serviços não se assemelha a uma típica prerrogativa processual atinente a uma entidade de direito público, e sim uma medida excepcional garantista para equiparar a situação processual entre dois agentes com condições distintas, haja vista ser o consumidor hipossuficiente nesse aspecto. 12 O consumidor que se ver prejudicado frente a um mal atendimento ou produto defeito não possui as ferramentas e meios necessários para comprovar seu ponto, sendo esses meios necessariamente pertencentes ao produtor ou fornecedor. Em oposição a essa natureza, as prerrogativa típicas do interesse público não podem ser delegadas, sendo de exclusivo exercício daquele ente competente para exercê-la: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS. ILEGITIMIDADE ATIVA PARA TUTELAR, EM NOME PRÓPRIO, DIREITOS E INTERESSES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Aplicam-se às pessoas jurídicas de direito público sistemática própria, observando-se uma série de prerrogativas e sujeições, tanto no que se refere ao direito material, quanto ao direito processual. 3. Nos moldes do art. 12, II, do CPC, a representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida por seu Prefeito ou Procurador. A representação do ente municipal não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete às normas de direito público. Assim sendo, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa jurídica de direito privado, tutelar interesse de pessoa jurídica de direito público sob forma de substituição processual. Precedentes da Primeira Turma: AgRg no AREsp 104.238/CE, Relator Ministro Francisco Falcão, DJe 07/05/2012; RMS 34270/MG, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 28/10/2011. 4. Recurso especial parcialmente provido, extinguindo o processo sem resolução do mérito. (STJ – REsp nº 1.446.813 - CE. 2ª Turma. Min. Relator: Mauro Campbell Marques. Data de julgamento: 20 nov. 2014. Publicação em: 26 nov. 2014) Tais expostos estão referendados em outros julgados, frente ao dispositivo constitucional do Art. 173, §1º, II, considerando que as empresas públicas que exerçam atividade econômica não poderão receber tratamento diferenciado alheio àqueles já conferidos às empresas privadas (STJ – REsp nº 1.422.811 – DF. 2ª Turma. 13 Min. Relator: Og Fernandes. Data de julgamento: 23 set. 2014. Publicação em: 18 nov. 2014). Com o advento da Lei nº 13.303/2016, o Estatuto Jurídico das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista e suas subsidiárias, reforçando o caráter público dessas entidades, e pontuando elementos típicos do direito público, como um procedimento licitatório especificado. Submetem-se a graus de responsabilidades de similitude aos atribuídos às sociedades do setor privado, como as normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela Lei de Sociedades Anônimas, Lei nº 6.404/1976 (Art. 4º, §§ 1º e 2º). Conforme os Arts. 5º e 6º, as entidades públicas de direito privado estarão sujeitas ao regramento da Lei das SAs, com ressalvas do próprio Estatuto (como maior controle social e orçamentário exercido pelo Poder Legislativo, via Tribunal de Contas). Embora a jurisprudência pátria tenha reconhecida a imunidade tributária para empresas de direito privado que exerçam atividade estritamente de serviço público, como os casos da ECT e da INFRAERO, que estiveram em demanda judicial nesse quesito, deve-se pontuar que são casos isolados nãopositivados pela lei. Assim, deve-se ter em mente a posição de que não haverá mais casos favoráveis sobre a imunidade tributária recíproca, porquanto a superveniência de uma lei estatutária não dispondo sobre o caso das empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviço público monopolístico sujeitarem-se à imunidade tributária. 14 2. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO A tradição do Direito Civil brasileiro foi muito priorizada no decorrer da história do Brasil, fazendo orbitar em torno da norma civil regramentos que podem ser considerados alheios e talvez até de matriz processual, como dispositivos específicos de decadência e prescrição. Anteriormente denominada como Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), o Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, não estabelecia regras básicas para a interpretação e aplicação do Código Civil apenas, mas sim normas gerais comuns a todo o ordenamento jurídico. Na letra de Flávio Tartuce, é-nos lembrado que poderia ser conceituada como a lex legum: norma sobre normas ou norma de sobredireito.2 Após ser atualizada pela Lei nº 12.376/2010, foi corretamente denominada como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), haja vista dispor sobre métodos de integração do direito (analogia, costumes e princípios gerais de direito), vacatio legis e adequação de normas estrangeiros ao ordenamento jurídico brasileiro. No todo, são institutos necessários para a própria prática legislativa, não ficando restrita ao âmbito privado das relações cíveis. Após as mudanças trazidas pela Lei nº 13.655/2018, foram acrescidos novos dispositivos concernentes às esferas administrativas e de controladoria, por meio dos Arts. 20 ao 30. A partir das ferramentas integrativas de lei, axiomas jurídicos para compor a prestação judicial e sanar eventual lacuna do direito, podemos delinear as principais fontes do Direito. Assim são a lei propriamente considerada, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito as principais fontes formais. Compondo a base do civil law, a lei possui maior estatura como fonte; as demais elencadas são fontes formais do direito de aspecto secundário. Nessa perspectiva, pode-se conjecturar a simbiose do direito brasileiro com aspectos da natureza do direito costumeiro (commow law), porquanto este ter os costumes e práticas tradicionais como composição da norma jurídica. 2 TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 15ª ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2019. p. 1 15 Em oposição a essa taxonomia de fontes, a doutrina e a jurisprudência são as fontes não formais. No entanto, aqui reside outra polêmica e fundamental discussão sobre o papel da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro no Séc. XXI, haja vista a necessidade de Poder Judiciário lidar com conflitos que as leis escritas ainda não puderam sanar. Neste contexto, o papel do STF acaba sendo proeminente e hermeneuta dando novas interpretações à norma escrita, tendo como ponto de início a Carta Republicana. Frente a isto, o Pretório Excelso já houvera mencionado que a Suprema Corte e o STJ exerceriam papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores de interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional (ADC nº 43 MC – DF. Tribunal Pleno. Min. Relator: Marco Aurélio. Data de julgamento: 05 out. 2016. Publicação em: 07 mar. 2018), o que pode ser constatado na letra da Constituição Federal, ficando a cargo do STF a guarda da Constituição (Art. 102, caput), além das competências de resolução de conflitos de competência ou de norma, para ambas as Cortes mencionadas. O papel fundamental da LINDB volta-se para amparo das decisões proferidas pelas Cortes Especial e Extraordinária, principalmente quando houver sido discutidas a coisa julgada e a aplicação da lei quanto ao tempo (STJ – Edcl. AgInt. AResp nº 1.326.749 – SP. 1ª Turma. Min. Relator: Gurgel de Faria. Data de julgamento: 23 set. 2019. Publicação em: 26 set. 2019; e STF – ARE nº 1.019.161 AgR – SP. 2ª Turma. Min. Relator: Ricardo Lewandowski. Data de julgamento: 02 mai. 2017. Publicação em: 12 mai. 2017). A título exemplificativo, já há menção aos novos arquivos adicionados pela Lei nº 12.376/2010, no que diz respeito à segurança jurídica acerca de decisão administrativa, na letra do Art. 23 (STJ – AgInt REsp nº 1.804.729 – SP. 3ª Turma. Min. Relator: Marco Aurélio Bellizze. Data de julgamento: 16 set. 2019. Publicação em: 18 set. 2019). O primeiro dispositivo traz a definição padronizada do instituto da vacatio legis no território brasileiro, sendo considerada quarenta e cinco dias depois que a lei for oficialmente publicada. A constância do instituto não desencadeia problemas em si, mas eventualmente ocorre problemas na continuidade da medida provisória sendo convertida em lei ordinária, sendo de especial atenção a alguns dispositivos constantes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o Novo CPC/2015 (STJ – REsp 16 nº 1.440.858 – RS. 2ª Turma. Min. Relator: Mauro Campbell Marques. Data de julgamento: 25 nov. 2014. Publicação em: 02 dez. 2014). Entre outros aspectos, é referendado os institutos para elidir o conflito aparente de normas, frente a consideração da norma de conteúdo especial sendo prioritária, ficando residualmente considerada a norma mais genérica (STJ – REsp nº 1.759.161 – SP. 2ª Turma. Min. Relator: Herman Benjamin. Data de julgamento: 21 nov. 2019. Publicação em: 19 dez. 2019). Conclui-se não haver uma novidade com referência a aplicação desses dispositivos, consistindo em norma guia para manutenção das demais normas, conforme é estatuído pela conceituação doutrinária – norma de normas. Uma das inovações trazidas consta no teor do Art. 24, caput, da LINDB, sendo grafada como orientações gerais da época, sugerindo haver essa nova modalidade de fonte de direito, para revisão de atos, contratos, processos ou normas administrativas realizadas pelas esferas administrativa, controladora ou judicial. O parágrafo único do dispositivo define orientações gerais como: [“interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público”] (BRASIL, 1942). O conteúdo tratado pode ser interpretado em consonância com os Arts. 29 e 30, como prescrições destinadas aos órgãos administrativos de qualquer esfera, entre os Poderes, para adequação de suas práticas e interpretações. Nesse aspecto, podemos conferir conforme segue: Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. (...) Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. 17 Presume-se também a possibilidade de edição de súmulas administrativas, de caráter vinculante apenas de âmbito interno, para manutenção das atividades de prestação de serviços, podendo o aluno ficar atento a publicações judiciais nesse sentido. No mais, com maior clareza, agora há previsão de participação cidadã na elaboração de normas internas desses órgãos. Pode-se observar que já surgem algumas críticas e observações acerca dessas orientações trazidas pelas mudanças legislativasconstantes na LINDB3. Nesse sentido, deve-se constar a necessidade de adequação de entendimentos frente a esses novos dispositivos constantes da lei4. Por fim, observa-se que, em julgamento do STJ, é-nos ensinado que matéria constante do Art. 6º da norma possui status e conteúdo constitucional, não podendo se sujeitar aos questionamentos do Recurso Especial5: EMENTA: (...) (...) 3. A matéria de que trata o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil) - direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada - tem índole nitidamente constitucional, razão pela qual sua apreciação desborda dos limites normativos do recurso especial. Precedentes. (...) Embora possa suscitar dúvida sobre a norma em si ser constitucional ou o conteúdo, o que se referenda no julgado é que os princípios acerca do conteúdo do Art. 6º, caput, possuem amparo de estatura constitucional: ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. 3 “Por que não aplicar a Lindb nos julgamentos dos Tribunais Administrativos?” Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-set-02/nao-aplicar-lindb-julgamentos-tribunais-administrativos> Acesso em: 24 jan. 2020 4 “O STJ e os desafios na interpretação da nova LINDB” Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/303289/o-stj-e-os-desafios-na-interpretacao-da-nova-lindb> Acesso em: 24 jan. 2020 5 STJ – AgInt. AREsp nº 47.435 – GO. 4ª Turma. Min. Relator convocado: Lázaro Guimarães. Data de julgamento: 10 abr. 2018. Publicação em: 16 abr. 2018. 18 Esse postulado encontra-se referendada por outros julgados de similar conteúdo (STJ - AgRg AREsp nº 427.590 – DF. 3ª Turma. Min. Relator: Paulo de Tarso Sanseverino. Data de julgamento: 4 set. 2014. Publicação em: 16 set. 2014). Conclui-se, nesse teor, que a tutela constitucional tem conformidade com a garantia dos três institutos mencionados, e não em seu conteúdo materialmente considerado (STF – AI nº 638.758 AgR – SP. 1ª Turma. Min. Relator: Ricardo Lewandowski. Data de julgamento: 27 nov. 2007. Publicação em: 19 dez. 2007). Inclusive, conforme visto nas datas de publicação dos conteúdos aqui mencionados, torna-se clara a maturidade desse posicionamento jurisprudencial, tanto pelo STF como pelo STJ. 19 3. TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO O ponto de partida para a Teoria Tridimensional do Direito ou Teoria Tripartite do Direito, elaborada pelo jurista Miguel Reale (1910-2006), consistia na investigação acerca da historicidade que forma um sistema jurídico em si. Buscava, pois, elucidar a palavra Direito perante a experiência humana. Nessa toada, buscava no campo da Filosofia, o respaldo de outros fenômenos e de ciências, como a Antropologia e a Sociologia, meios de elucidar como se deu o Direito como uma experiência civilizatória. Considera-se que inicialmente o fenômeno jurídico foi vivenciado como um fato social e em seguida fora adquirindo substâncias de origem cósmica, como vinculação a destinos e forças alheias ao controle e planejamento da cognição humana. Até mesmo como se observa no curso da história humana, o homem individualmente considerado estava sujeito a uma sorte de regramentos de aspectos religiosos, bélicos, íntimos e de toda variedade de origens. Não obstante essa identificação em sua coletividade, em virtude de guerras e expansão de domínios, essa egrégora de valores e normas sofria simbiose e até segregação com a aglutinação de outras sociedades. Na esteira de seus postulados, o jurista Miguel Reale constatara três elementos nucleares sobre o significado de Direito: a) Valor, a intuição primordial; b) Norma, concretude ou consubstanciação do valor na ordem social; c) Fato, a condicionante da conduta. Os três elementos em destaque permitem construir a experiência jurídica, nas palavras do douto filósofo6. Não obstante esses elementos tríplices, a teoria construída também é chamada de Teoria Integral do Direito, bem como visão integral do Direito. Por conseguinte, a experiência jurídica pode estar sujeita aos campos epistemológicos das seguintes ciências ou metodologias: a) Valor, estudado pela Filosofia do Direito; b) Norma, objeto da Filosofia do Direito e da Jurisprudência – fonte do direito; c) Fato, observado pela História e pela Sociologia – podendo, ainda, ser objeto 6 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19ª ed. São Paulo: SARAIVA, 1999. p. 509 20 da análise da Filosofia do Direito. É plausível considerar a seguinte tabela para elucidação de como se dá a tridimensionalidade da construção jurídica da experiência, porquanto houve outras construções teóricas acerca da integralidade tríplice do Direito: HARMONIZAÇÃO ENTRE AS TEORIAS TRIDIMENSIONAIS Elementos constitutivos Elemento dominante Concepções de estudo Tridimencionalidade genérica Fato Eficácia Sociologia jurídica Valor Fundamento Moralismo jurídico Norma Vigência Normativismo abstrato Elemento dominante: Tridimensionalidade específica FONTE: REALE, 1999. p. 514 A tridimensionalidade genérica leva em conta a combinação entre as três concepções mencionadas (sociologia jurídica, moralismo jurídico e Normativismo abstrato). Acerca dos elementos dominantes elencados, estes formariam a denominada tridimensionalidade específica, e ocorrem em virtude da análise a priori da correlação entre os três elementos principais do Direito. Cumpre exemplificar que o objeto de análise consiste no elemento nuclear, v.g., a norma, para se ter como fim a compreensão da sua vigência. Posteriormente, pelo paradigma da teoria tridimensionalidade dinâmica, a mudança dos elementos principais abordam os elementos valor, dever ser e fim. Nesta abordagem, o fenômeno jurídico nasce porque os homens, sujeitos de direito, buscam alcançar alguma finalidade, pela qual perpassam relações jurídicas. Miguel Reale traz a seguinte crítica acerca dessa perspectiva teórica: Consoante nosso entender, nada há que objetar a essa caracterização atuante e positiva do valor perante o real, mas ela só nos parece possível desde que se admitam dois outros princípios: que os valores não são simples ‘objetos ideais’; que não há valor ou ‘dever ser’ indiferentes ao plano da existência, visto como todo valor em si é condicionante da experiência 21 histórica e na História se revela, sem que esta esgote suas virtualidades estimadas (1999, p. 548). (destaques no original) Consideradas essas proposições iniciais, observa-se que o Poder exsurge desempenhando significância entre os três elementos jurídicos. Assim, considera-se premente a observação de que o Poder não pode ser considerado isento das relações de valores e princípios, porquanto o Poder perpassar e constituir a elaboração da norma. O Poder está alheio e além do Direito, como pode ser constatado pelas instituições contemporâneas amparadas pelo princípio de separação dos Poderes Constituídos. Porém, o Poder está presente na elaboração de propostas legislativas, nos debates públicos e no trâmite e demais expedientes que culminam na vigência de uma nova lei. No entanto, também não se pode considerar que o Poder contamina o Direito ou o Direito se sobrepõe às instâncias constituídas. No Brasil contemporâneo, todavia, pode-se constatar um grau de confiabilidade no Poder Institucional quando da elaboração e aplicação de boas normas ou não. Urge tal fenômeno perante problemas envolvendo corrupção no governo, em especial o federal, além de problemas na prestação de serviços públicos e intempéries de natureza orçamentária. Postas essas considerações, o sistema teórico de Reale estipula haver um Direito que não se limita unicamente à visão pejorativa de conjunto de leis.O direito, enquanto fenômeno ou experiência social, também se amolda ou metaboliza as práticas e tradições da sociedade, podendo amadurecer conforme os valores e hábitos historicamente retratados. Inclusive, tais transformações, nos dizeres do douto jurista, podem ser meramente de cunho hermenêutico, ocorrendo das seguintes formas: a) novos valores ou alteração na importância dos valores já vigentes; b) ocorrência de novos fatos e negócios, como aprimoramento dos meios tecnológicos, tornando necessária mudança em aspectos normativos já consolidados; c) contaminação entre normas, acerca da linha interpretativa, quando uma muda um entendimento aplicado por outra norma ou consolidado na atuação jurisdicional; 22 No mais, os três itens elencados podem ser considerados isoladamente ou não, como gênese para mudanças. Este fenômeno é considerado na atuação premente dos Tribunais, em especial o STF, para dar interpretação às normas, limitadas em virtude de determinada demanda, para coibir lesões efetivas ou ameaças vindouras a um direito tutelado. Olvida-se, todavia, que tal carência deveria ocorrer em sede de atuação legislativa, como ponto de partida e não à mercê do ativismo judicial. Como exemplo, teríamos a legitimação das uniões homoafetivas, pondo em balança os corolários constitucionais da dignidade da pessoa humana perante a constituição do núcleo familiar e o instituto tradicional do casamento, denominado pela Carta Magna, como união entre homem e mulher. Em termos práticos, tornou-se uma nova norma de âmbito administrativo, sendo orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 175/2013, que Cartórios e Serviços Notariais não criem óbice para o reconhecimento da união em comento. Nesse sentido, observa-se que tal mudança normativa em prol da tutela de direitos e garantias ocorreu na seara administrativa e correcional da atividade judicial e não de matriz legiferante, como se deveria esperar, em prol da maior segurança jurídica. Na seara da jurisprudência, há referências ao conteúdo da teoria tridimensional do Direito quando do reconhecimento da finalidade econômica ou social quando da aplicação de determinada norma (STJ – REsp nº 445.990 – MG. 2ª Turma. Min. Relator: Franciulli Netto. Data de julgamento: 09 nov. 2004. Publicação em: 11 abr. 2005; e REsp nº 159.123 – ES. 4ª Turma. Min. Relator: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Data de julgamento: 20 abr. 1999. Publicação em: 21 jun. 1999). Entre outras referências, constam-se conceitos doutrinários, com o reforço do argumento de autoridade de Miguel Reale (TRF-3. ApReeNec – Apelação nº 5000403- 12.2017.4.03.6128 – SP. 3ª Turma. Des. Relator: Mairan Gonçalves Maia Junior. Data de julgamento: 04 abr. 2019. Publicação em: 09 abr. 2019). 23 REFERÊNCIAS NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do Direito. 14ª ed. ver. e ampl. – São Paulo: SARAIVA, 2017 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: SARAIVA, 1999. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: SARAIVA, 2002. TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 15ª ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2019.
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